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A imaginação da informalidade urbana e dos trabalhadores no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte: uma análise dos censos de favelas (1948-1965)

The imagination of urban informality and workers in Rio de Janeiro and Belo Horizonte: an analysis of favelas censuses (1948-1965)

El imaginario de la informalidad urbana y de los trabajadores en Río de Janeiro y Belo Horizonte: un análisis de los censos de las favelas (1948-1965)

RESUMO

O artigo analisa os censos de favelas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, observando a circulação de categorias sociais e técnicas de governo na compreensão da informalidade urbana na industrialização brasileira. Prioriza a compreensão das estatísticas formadas no sistema censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1948 e 1965. As categorias estatísticas para representar as favelas em números estavam inscritas em relações de poder, e através dos censos ocorriam debates sobre as políticas de “desfavelamento” das cidades e a imagem do “trabalhador favelado”. Por meio das estatísticas, a imaginação da favela carioca foi nacionalizada como “problema urbano” e “habitacional” do desenvolvimento urbano-industrial brasileiro.

Palavras-chave:
história urbana do Rio de Janeiro; história urbana de Belo Horizonte; censos de favelas; trabalhadores favelados

ABSTRACT

The article analyzes the censuses of favelas in Rio de Janeiro and Belo Horizonte, observing the circulation of social categories and technical of government in the understanding of urban informality in Brazilian industrialization. Prioritizes the understanding of statistics formed in the census system of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) between 1948 and 1966. The statistical categories to represent the favelas in numbers were inscribed in power relations, and through favelas censuses political debates took place on the “desfavelamento” of cities and on the image of the “favela worker”. Through statistics, the imagination of the Rio favela was nationalized as an “urban problem” and “housing problem” in Brazilian urban-industrial development.

Keywords:
urban history of Rio de Janeiro; urban history of Belo Horizonte; favelas census; favelados workers

RESUMEN

El artículo analiza los censos de favelas de Río de Janeiro y Belo Horizonte, observando la circulación de categorías sociales y técnicas de gobierno en la comprensión de la informalidad urbana en la industrialización brasileña. Prioriza la comprensión de las estadísticas formadas en el sistema censal del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE) entre 1948 y 1965. Las categorías estadísticas para representar a las favelas en números se inscribían en relaciones de poder, y mediante de los censos de favelas se producían debates políticos sobre el “desfavelamento” de las ciudades y sobre la imagen del “trabajador de las favelas”. A través de las estadísticas, el imaginario de la favela de Río fue nacionalizado como “problema urbano” y “problema habitacional” en el desarrollo urbano-industrial brasileño.

Palabras clave:
historia urbana de Río de Janeiro; historia urbana de Belo Horizonte; censos de favelas; trabajadores de las favelas

Os primeiros censos de favelas produzidos nas décadas de 1940 e 1950 apresentavam o “problema urbano” da habitação como resultado da “revolução industrial” experimentada no Brasil. A expansão urbana-industrial foi acompanhada pela especulação imobiliária, segmentação de classe no uso do espaço urbano e expansão das favelas como estratégia de moradia do trabalhador. No espaço público, a expressão “trabalhadores favelados” apareciam em cartas e memorandos às autoridades públicas, em associações de bairro e recreativas, e nos protestos e comícios em espaços centrais e periféricos das cidades brasileiras. Os censos de favelas buscaram apresentar quem são esses trabalhadores, seus territórios e modos de vida, definindo as categorias que se relacionam ao processo de construção das políticas públicas e da cidadania no Brasil.

Todavia, antes de serem compreendidos como um dado da realidade, os censos de favelas são construções políticas, inseridas em dinâmicas sociais complexas e em disputas pelo governo do espaço urbano. Os números e as categorias estatísticas expressam grandezas e significados que estabelecem forte relação com as tecnologias de governo, as formas de controle do social e as políticas públicas. Logo, eles não são neutros, ou puramente técnicos, sendo importante compreender a maneira como são construídas e instituídas as escolhas sobre o que será representado nas estatísticas. Quem são os intelectuais que vão construir as categorias censitárias? Quais as visões e representações do espaço urbano e do trabalhador favelado? Como essas informações interferem no debate público sobre a “questão das favelas”? Essas são algumas questões levantadas neste artigo referente aos censos das favelas.

A história social e urbana tem por hábito usar as estatísticas como uma transparência do real. Nessas análises, ora as informações censitárias são superestimadas como capazes de revelar um retrato sobre a sociedade em geral, ora são minimizadas como um número “frio” e incapaz de representar as práticas e subjetividades dos agentes sociais. Este artigo mostra como a história dos censos e da maneira como são produzidas as categorias censitárias são tão ou mais importantes para a história social do que essa visão reduzida da estatística como uma transparência da realidade (ROSENTAL-ANDRÉ, 2009ROSENTAL-ANDRÉ, Paul. Por uma história política das populações. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 176-200, jan./jun. 2009.; TOPALOV, 1996TOPALOV, Christian. Da questão social aos problemas urbanos: os reformadores e a população das metrópoles em princípios do século XX. In: RIBEIRO, Luiz César de Queiroz Ribeiro; PECHMAN, Robert(orgs.). Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 23-53.; SENRA, 2008aSENRA, Nelson. História das estatísticas brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, 2008b.).

A relação entre os censos e a informalidade urbana no Brasil está inserida no debate público sobre o direito à cidade. Em 2010, centros de pesquisa, organizações sociais e ONGs localizadas na Maré procuraram construir um censo alternativo às estatísticas oficiais, por entenderem que a estatística não dava conta das demandas dos moradores e por observarem o censo oficial como reprodutor de estigmas sobre as favelas. Esse evento evidencia a forma como as estatísticas sãos construções políticas, com forte repercussão sobre a maneira como a cidadania e as relações com o Estado se organizam. Essa perspectiva analítica, que considera os censos de favelas como marcados pelas relações de poder, tem se tornado relevante em diferentes recortes analíticos da História, Sociologia e Antropologia urbana (OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel S. R. Os “trabalhadores favelados”: o processo de identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro, 2014.; MOTTA, 2019MOTTA, Eugênia. Resistência aos números: a favela como realidade (in)quantificável.Mana, v. 25, n. 1, p. 72-94, 2019.; BARROS; VORMS, 2019BARROS, Françoise; VORMS, Charlotte. Favelas, bidonvilles, barache, etc.: recensements et fichiers. Histoire et Mesure, v. XXXIV, n. 1, p. 3-14, 2019.; FISCHER, 2019FISCHER, Brodwyn. From the Mocambo to the Favela: Statistics and Social Policy in Brazil’s Informal Cities. Histoire et Mesure, v. XXXIV, n. 1, p. 15-40, 2019.; GONÇALVES, 2020BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a.).

Nesse debate público, o artigo assume o ponto de vista da história social do urbano. Ao longo do século XX, a produção acadêmica sobre as favelas foi em grande parte dominada pela Sociologia urbana, Antropologia urbana e Urbanismo; a História ficou à margem desse campo de discussão. Nos anos 2000, há um crescimento de pesquisas sobre as favelas nas pós-graduações em História, mas com uma produção que ainda é concentrada no Rio de Janeiro (VALLADARES; MEDEIROS, 2003VALLADARES, Lícia do Prado; MEDEIROS, Lídia. Pensando as favelas do Rio de Janeiro (1906-2000): uma bibliografia analítica. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Faperj, 2003.; BRUM; KNAUSS, 2012BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a.; FISCHER, 2014FISCHER, Brodwyn. A Century in the Present Tense: Crisis, Politics, and the Intelectual History of Brazil’s Informal Cities. In: AUYERO, Javier; FISCHER, Brodwyn; MCCANN, Bryan (orgs.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin America. Duran, North Carolina: Duke University Press, 2014. p. 9-67.). O presente artigo estabelece uma análise dos censos de favelas no sistema estatístico coordenado pelo IBGE, a partir da construção de uma escala de comparação entre duas cidades brasileiras: Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Nesse sentido, também se diferencia da bibliografia sobre as favelas que concentram suas análises na favela carioca, e nem sempre consideram a forma como outras regiões e localidades que possuem histórias de informalidade urbana marcadas por questões, trajetórias e perspectivas distintas.

As favelas no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte são locus da informalidade urbana, e se constituíram como solução para o problema de moradia dos trabalhadores nas transformações urbanas do final do século XIX e início do XX. Ambas as cidades tinham localidades identificadas pelo topônimo “Favela”: o morro da Providência, ou “Morro da Favela”, atrás da estação Central do Brasil, foi ocupado por trabalhadores que atuavam no porto e nas regiões centrais da cidade e por soldados que retornaram da guerra de Canudos em 1897 (ABREU, 1994ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruire une histoire oubliée - Origine e expantion initiale de favelas de Rio de Janeiro. Genèse, Paris, n. 18, p. 45-68, jun. 1994.; VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. In: BOCHI, Renato. Corporativismo e desigualdade. Rio de Janeiro: Iuperj/Rio Fundo, 1989. p. 81-113.; MATTOS, 2008MATTOS, Romulo Costa. Pelos pobres! Campanhas pela construção de habitações populares e discursos sobre as favelas na Primeira República. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.); e o “Alto da Favela” era uma ocupação de trabalhadores que construíram a capital do estado no projeto traçado pela Comissão Construtora da Nova Capital entre 1894 e 1897 (GUIMARÃES, 1991GUIMARÃES, Berenice Martins. Cafuas, barracos e barracões: Belo Horizonte, cidade planejada. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.; PEREIRA, 2019PEREIRA, Josemeire Alves. Para além do horizonte planejado: racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte - séculos XIX e XX. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel S. R. Os “trabalhadores favelados”: o processo de identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro, 2014., 2020OLIVEIRA, Samuel S. R. As “favelas”, uma invenção cultural e política: uma análise comparada da representação da pobreza urbana no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1897-1920), História Comparada, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 123-152, 2020.). No início do século XX, os “morros” e “favelas” no Rio de Janeiro e as “vilas” e “favelas” em Belo Horizonte tornaram-se substantivos no léxico e imaginário urbano para estigmatizar a pobreza, identificando-a com as classes perigosas, os espaços anti-higiênicos e os territórios racializados como não brancos e subalternos. Os censos de favelas foram produzidos no pós-guerra e dialogavam com esses imaginários que balizaram a vida social e a construção do tecido urbano das duas cidades.

Os censos de favelas no sistema estatístico coordenado pelo IBGE e as “lógicas de justificação”

Os censos de favelas mostraram a heterogeniedade social das áreas de pobreza urbana. Segundo Valladares (2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV, 2005.), os censos foram um dos vetores da complexificação da representação das favelas, diferenciando-as entre si e internamente (VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV, 2005., p. 63-73). De acordo com Silva, ao contrário das categorias duais (“legal/ilegal”, “formal/informal”, “ordem/desordem”, “elite/popular”), a estatística mostrava que o “problema das favelas [...] tornou-se ainda mais grave e complexo, porque tem aspectos diferentes, seja quanto ao tipo, à localização e à espécie de seus moradores, e porque envolve interesses individuais e coletivos” (SILVA, 2005SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005., p. 95). O número de domicílios, a densidade demográfica, a composição etária, as categorias profissionais dos moradores e as sugestões da morfologia social das famílias e das habitações mostravam que as favelas eram diferentes umas das outras.

Ainda que mostrassem a heterogeneidade social, os censos das favelas traduziam a longa vinculação entre a estatística e a constituição da soberania e das práticas estatais no controle de seu território. As estatísticas legitimavam as definições estabelecidas nos urbanismos e nas normas urbanas das respectivas cidades que viam as favelas como a expressão da “desordem”, como exterior e em oposição a um ideal de cidade. Tanto o Código de Obras do Distrito Federal de 1937, como a Lei 572 de 1956 de Belo Horizonte sedimentaram a distinção entre “bairro” e “favela”, enquadrando esse segundo território como “ilegal” e foco de políticas habitacionais e assistenciais (FISCHER, 2006FISCHER, Brodwyn. Direitos por lei ou leis por direitos? Pobreza e ambiguidade legal no Estado Novo. In: LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes.Direitos e justiças no Brasil: ensaios de História Social. Campinas: Unicamp, 2006. p. 417-457.; GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Rafael Soares.Favelas do Rio de Janeiro: história e direito. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Pallas, 2013.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel S. R. Os “trabalhadores favelados”: o processo de identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro, 2014.). As estatísticas reproduzem essa diferenciação, construindo uma visibilidade numérica e uma reinterpretação das narrativas sobre esse conjunto populacional. Como os estudos de demografia histórica têm notado, os dados censitários guardam uma relação estreita com as classificações jurídicas e administrativas do poder público, atuando numa “lógica da justificação” (TOPALOV, 1992TOPALOV, Christian. Da questão social aos problemas urbanos: os reformadores e a população das metrópoles em princípios do século XX. In: RIBEIRO, Luiz César de Queiroz Ribeiro; PECHMAN, Robert(orgs.). Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 23-53.; SENRA, 2008aSENRA, Nelson. Pesquisa histórica das estatísticas: temas e fontes. História, Ciência e Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 411-425, abr./jun. 2008a.).

No Rio de Janeiro, após a legislação que homogeneizava o status legal das favelas, Victor Tavares Moura realizou um estudo específico sobre o tema. Em 1940, Moura coordenou uma produção censitária que tinha relação direta com a orientação da política de construção de Parques Proletários Provisórios. Em 1948, 1950 e 1960, esses censos continuaram sendo produzidos, só que agora prioritariamente no âmbito do sistema censitário coordenado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), envolvendo uma ampla divulgação dos resultados e o debate sobre as políticas públicas de “desfavelamento” articuladas por diferentes agências. Em Belo Horizonte, o primeiro censo divulgado ocorreu em 1955. Produzido pela inspetoria regional vinculada ao IBGE, a estatística subsidiou a discussão sobre a formulação de um status jurídico para as favelas e a especialização de um setor da Prefeitura de Belo Horizonte para atuar no desfavelamento. Em 1965, outro censo foi feito, com diretrizes bastante próximas da estatística de 1955, pela Secretaria de Trabalho e Educação Popular em associação com a seção estadual do IBGE de Minas Gerais.

No século XX, a comunidade de agências articuladas em torno do IBGE foi a base para a da definição de favela adotada nas estatísticas brasileiras e nas duas cidades colocadas aqui em perspectiva comparada. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística possuiu várias agências distribuídas nas esferas de governo nacional, estadual e municipal. Elas estavam unidas pelo Conselho Nacional de Geografia, pelo Conselho Nacional de Estatística, e por diversas publicações que circulavam entre os profissionais da área. Nesse sentido, a produção estatística do IBGE engloba os vários registros que se vincularam, direta e indiretamente, ao sistema estatístico que era formado por agências instaladas nos municípios e estados, coordenadas pela direção do IBGE e pelo Conselho Nacional de Geografia e de Estatística. As próprias estatísticas oferecem essa leitura de conjunto, já que elas fazem referências umas às outras, estabelecendo conceitos e diferenciações a partir de diálogos num campo discursivo próprio.

No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, os primeiros censos de favelas, sob a influência do IBGE, foram produzidos entre 1948 e 1955. Em 1948, o prefeito Ângelo Mendes de Morais (1946-1950) pediu ao diretor da seção de estatística do Distrito Federal um trabalho para o esclarecimento do problema das favelas. Dessa demanda surgiu o inquérito intitulado Censo de Favelas: aspectos gerais, coordenado pelo engenheiro-geógrafo Major Durval Magalhães Coelho. Este era membro Conselho Nacional de Geografia e chefe do Departamento de Estatística e Geografia do Distrito Federal. Em 1950, o Serviço Nacional de Recenseamento elaborava o censo demográfico brasileiro. Em vista do debate da questão das favelas no Rio de Janeiro, publicou-se um censo especializado sobre o tema, coordenado pelo engenheiro-geógrafo Alberto Passos Guimarães. Em 1955, o prefeito de Belo Horizonte, Celso Melo Azevedo (1955-1959), nomeou uma comissão de estudos sobre as favelas, a Comissão de Desfavelamento. Esta era coordenada pelo engenheiro Paulo Lins Vieira Lima, que entrou em contato com a agência municipal de estatística pedindo um “cadastro das favelas”. Todas essas estatísticas do final de 1940 e início de 1950 estavam ligadas à estrutura federativa do IBGE: eram produzidas por agências públicas conectadas aos conselhos, às publicações e aos paradigmas discutidos no âmbito do IBGE.

Para os administradores públicos, os censos eram diagnósticos dos problemas das cidades de um ponto de vista “técnico” e não “político”. As estatísticas permitiriam traçar o melhor caminho para a solução dos problemas urbanos. Segundo o Major Durval Magalhães Coelho, o censo servia ao desenvolvimento da administração da Capital da República, executando “trabalhos básicos, necessários ao esclarecimento tão objetivo e completo quanto possível da questão, capaz de possibilitar posterior adoção, por parte das autoridades, das medidas mais indicadas para extinguir as favelas ou pelo menos sustar o seu desenvolvimento”1 1 DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949, p. 6. . Para Alberto Passos Guimarães, sejam “quais forem os rumos escolhidos para equacionar os problemas surgidos com a proliferação dos núcleos de favelados, o acerto das medidas que passam a ser postas em prática dependerá do melhor conhecimento das características individuais e sociais dessas populações” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953., p. 256). Em Belo Horizonte, segundo a visão da Comissão de Desfavelamento, o censo daria as “bases para uma ação planificada e coordenada em favor dos favelados”, fornecendo “completo levantamento das favelas existentes”2 2 BELO HORIZONTE. Portaria do Prefeito n. 557, de 2 de abril de 1955b. Cria a Comissão de Desfavelamento. .

Na elaboração dos censos, partilhava-se o intento de racionalizar a administração estatal e fomentar políticas públicas. A produção de estatísticas, mapas e a formulação de categorias de análise do mundo social ligavam-se ao processo de planejamento e burocratização do Estado brasileiro, tentando despersonalizar práticas e rotinas do poder público. O IBGE foi uma dessas instituições voltadas à formação de especialistas e de sistemas de conhecimento e controle que objetivavam a racionalização da ação do governo (ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociênciasda Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000., p. 65-67). O IBGE era fruto da reforma administrativa construída na década de 1930, que “aperfeiçoou e diversificou os instrumentos de intervenção do Estado nas diferentes esferas da vida social e política, viabilizando a implementação de um projeto nacional por cima da rivalidade entre as elites” (DINIZ, 1999DINIZ, Eli. Engenharia institucional e políticas públicas: dos conselhos técnicos às câmaras setoriais. In: PANDOLFI, Dulce (org.). O Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999., p. 250).

A criação do IBGE tinha como objetivo a ruptura com a República oligárquica, visando à produção de maior eficiência da máquina pública. Na perspectiva do reforço do poder central contra a descentralização da Primeira República, o IBGE exerceu o monopólio da estatística pública e padronizou diversos métodos e práticas censitárias e cartográficas (PENHA, 1993PENHA, Eli Alves. A criação do IBGE no contexto de centralização do Estado Novo. Rio de Janeiro: IBGE, 1993.; ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociênciasda Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000.; GOMES, 2002; SENRA, 2008b). O conhecimento do território brasileiro submeteu-se a um paradigma de representação controlado pelo Conselho Nacional de Geografia e de Estatística e pelas estratégias do governo da União. Ainda que contasse com uma estrutura federativa, o IBGE era vinculado diretamente à presidência da República. Dessa maneira, para incorporar algumas demandas e normatizar os procedimentos estatísticos e analíticos dos vários entes federados, realizaram-se consultas aos produtores e usuários de dados censitários (ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociênciasda Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000., p. 41).

Os censos de favelas são amostras de como as questões locais e nacionais interferiam na ordem da demanda e da produção das agências ligadas ao IBGE. Primeiro, indicam a circulação da categoria “favela” como conceito da geografia urbana, para pensar a questão habitacional e a pobreza nas cidades. A ficha de coleta do censo de 1948 estabeleceu uma série de critérios para a coleta de informações que seria retomada em outros. No censo do Serviço Nacional de Estatística de 1950, usou-se a mesma ficha de 1948, que foi adaptada ao tempo, ao recurso e às características da população que se desejava enfocar na visão de Alberto Passos. Em 1960, no censo do Estado da Guanabara, observa-se o mesmo diálogo com os critérios observados na coleta da ficha referente ao censo de favelas de 1948 (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953.; COELHO, 1970COELHO, Durval Magalhães. Contribuição para campanha de extinção das favelas. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949.). Em Belo Horizonte, a ficha usada na coleta de dados em 1955 e 1965 também dialogava com a ficha de 1948, divulgada pelo Serviço Nacional de Estatística, ainda que fossem feitas adaptações.

Em segundo lugar, o censo de 1950 formulou uma discussão do conceito de favela, e definiu o critério de mais de 50 moradias3 3 Sobre o conceito de domicílio e as transformações da conceituação de Alberto Passos Guimarães nas estatísticas das favelas cariocas, cf. Motta (2019) e Gonçalves (2020). em terrenos irregulares e sem infraestrutura para a contabilização dos aglomerados da pobreza urbana (VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV, 2005.). No censo da Guanabara de 1960, essa conceituação foi reproduzida e repetida também em Belo Horizonte em 1955 e 1965. As tentativas de aplicar na capital mineira esse critério de mais de 50 moradias, para se identificar uma favela, levou a operações bastante curiosas. Em 1955, reuniram-se vilas-favelas vizinhas, para inteirar o número mínimo de moradias e se produziu uma tabela para comprovar a ausência de serviços públicos em cada área. Em 1965, também ajuntavam-se aglomerados pobres vizinhos, para se identificar uma favela, mas também apresentavam o resultado, em separado, de cada comunidade (ver Tabela I).

Tabela I:
Habitantes, domicílios e favelas nos censos do IBGE no Rio de Janeiro

Além de instituir um paradigma de análise que foi seguido e adaptado a diferentes aglomerados de pobreza urbana, é possível perceber, pela estrutura federativa do IBGE, a relação dessa produção com as esferas administrativas locais. Os primeiros censos de favelas atendiam à demanda do funcionamento das agências voltadas para a assistência social e para a habitação popular nas respectivas cidades. No Rio de Janeiro, o Serviço de Parques Proletários (1942), o Departamento de Habitação Popular (1946) e a Fundação Leão XIII (1947) responderam por essas funções e colocaram em foco a questão da favela, justificando as estatísticas de 1948 e 1950. Em Belo Horizonte, o Departamento de Habitação e Bairros Populares (1955) tinha como atribuição a questão habitacional nas favelas, mas também coordenou funções assistenciais. Essas instituições, que se especializaram em atender às favelas, somaram-se a outras que justificariam a produção do censo carioca de 1960 e o belo-horizontino em 1965.

Os serviços estatísticos ligados ao IBGE engendram um paradigma de conhecimento articulado à política pública de desfavelamento. Em torno deles, formavam-se corpos de especialistas comprometidos com uma visão exterior à percepção e à experiência dos moradores, formulando sistemas abstratos de conceituação do território. Os engenheiros constituíam a liderança do corpo de especialistas, para efetuar o conhecimento do território das favelas. Entre 1930 e 1960, os técnicos e os quadros do IBGE eram principalmente de engenheiros vindos das Escolas Politécnicas ou do Exército (ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociênciasda Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000.). No Rio de Janeiro, o Departamento de Geografia e Estatística era coordenado pelo Major Durval Magalhães Coelho, militar com formação em engenharia. Esta também era a formação de Alberto Passos Guimarães e, em Belo Horizonte, onde quatro membros da Comissão de Desfavelamento eram engenheiros, tendo destaque Paulo Lins Vieira Lima, que era engenheiro e membro da seção estadual do IBGE. Outro grupo de especialistas que também teve destaque na formulação dos referidos censos foi o das assistentes sociais. No Rio de Janeiro, em simultaneidade com o censo do Departamento de Estatística e Geografia do Distrito Federal, a Fundação Leão XIII realizou coleta de dados no Jacarezinho e no Morro de São Carlos (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953., p. 256-257). Em Belo Horizonte, Padre Luís Viegas5 5 Padre Luis Viegas foi um dos fundadores do curso de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais. foi o coordenador de uma equipe de estudantes no curso de assistência social, que coletou dados na Vila São José e Ilha dos Urubus, e colaborou diretamente com as informações do censo de favelas6 6 BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a. .

As favelas representavam para esses especialistas um enclave à organização da cidade, fruto de desequilíbrios no crescimento urbano-industrial. Essa produção dialogava com o senso comum, o urbanismo e a legislação do período, que viam a favela como algo exterior à cidade, mas também constituíram um deslocamento de um olhar em busca de maior “objetividade”, entendendo-a como parte da estrutura social urbana. A procura desse conhecimento seguro envolvia a discussão do “desfavelamento” da cidade, termo que era usado para indicar a necessidade de extinguir esse locus da pobreza urbana e potencialmente visto como “perigoso”.

A partir dos censos, organizou-se uma polêmica em torno do “desfavelamento”, se ocorria pela construção de conjuntos habitacionais ou pela urbanização. O Major Durval Magalhães Coelho, por exemplo, produziu em 1949 um folheto, intitulado Contribuição para campanha de extinção das favelas. Indicava a necessidade da construção e venda de conjuntos habitacionais como o melhor meio de solucionar a questão das favelas (COELHO, 1949COELHO, Durval Magalhães. Contribuição para campanha de extinção das favelas. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949.). Essa também era a perspectiva sobre a produção e os comentários das estatísticas de Belo Horizonte. Essa posição foi defendida por Paulo de Tarso, que era diretor do Departamento de Habitação e Bairros Populares em apresentação no Rotary Club de Belo Horizonte em 19557 7 O PROBLEMA das favelas, objeto de reunião do Rotary Club. Estado de Minas, Belo Horizonte, 11 nov. 1956, p. 6. . O texto introdutório do censo de 1965 falava em construção de “Parques Proletários”, lembrando da solução encontrada por Victor Tavares Moura na política das favelas em 19428 8 MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966. .

Destruir as favelas e prover habitação “digna” supriria o déficit habitacional e alteraria o habitat dos moradores, favorecendo a recuperação “humana” desse conjunto populacional. Essa postura ideológica e política, por outro lado, foi questionada por Alberto Passos Guimarães. Referindo-se a debates ocorridos no Conselho Nacional de Geografia, ele colocava a questão: “as favelas devem ser urbanizadas ou simplesmente extintas?” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953., p. 255). O argumento de Passos era de que a técnica de construção de engenharia estava evoluindo, permitindo a construção e a urbanização nos morros. Para ele, as “batalhas para extinção das favelas” atendiam aos interesses imobiliários, que desejavam construir nas áreas ocupadas pelos pobres. O “desfavelamento”, então, deveria ocorrer pela urbanização e melhoria da condição de vida nas favelas.

Existe uma ambivalência na posição de Alberto Passos Guimarães, própria do lugar sociopolítico que ocupava: ele era um técnico do IBGE, mas também era um membro do quadro do Partido Comunista, chegando a ocupar importante cargo no Comitê Central. Por um lado, sua posição era próxima às intenções declaradas em ações coletivas estabelecidas no campo das esquerdas, uma vez que era ligado ao Partido Comunista. Por outro lado, Guimarães ajudou a constituir uma visão exterior à favela e próxima do tecnicismo que propugnava o desfavelamento com políticas habitacionais e classificando as favelas como marginal e irregular. Nesse período, a produção estatística do IBGE tinha uma fina articulação com a legitimação das políticas públicas (SENRA, 2008aSENRA, Nelson. Pesquisa histórica das estatísticas: temas e fontes. História, Ciência e Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 411-425, abr./jun. 2008a.). Guimarães compôs a identificação do habitat da favela que se tornaria modelar para a época, coadunando-a com os intentos declarados na legislação e na política pública de extinguir esse espaço físico-moral das cidades.

Esse debate constitutivo da lógica de justificação censitária não ficou restrito ao corpo de especialistas ligados à produção do censo. Como analisa Starr (1980), o significado das estatísticas vincula-se às elites governamentais e políticas públicas que demandam a produção do censo, mas também se liga às apropriações feitas na comunidade política. Os censos eram uma resposta ao crescimento dos movimentos de favelas no período da experiência democrática.

Entre 1945 e 1964, o retorno dos direitos civis e políticos após a ditadura do Estado Novo (1937-1945) levou a uma expansão do associativismo civil em favelas. Esses atores surgiram tanto no Rio de Janeiro quanto em Belo Horizonte e reivindicaram a luta pelo “direito de morar” e por melhoramentos urbanos. O crescimento desse associativismo levou à formação de “federações” e “uniões”, reunindo várias associações civis em torno da luta pelo direito à cidade em meados da década de 1950. Esses movimentos caracterizavam-se pela autorrepresentação como “trabalhador” para reivindicar direitos (LIMA, 1989LIMA, Nísia Trindade. O movimento de favelas no Rio de Janeiro: políticas do Estado e lutas sociais (1954-1973). Dissertação (Mestrado em Sociologia urbana) - Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.; PANDOLFI; GRYNZPAN, 2002PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mário. Poder público e favela: uma relação delicada. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi(org.). Repensando a cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: FGV , 2002. p. 238-255., FISCHER, 2008FISCHER, Brodwyn. A poverty Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro. Standford/Califórnia: Standford University Press, 2008.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel S. R. Os “trabalhadores favelados”: o processo de identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro, 2014., 2018OLIVEIRA, Samuel S. R. Associativismos de trabalhadores favelados no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1954-1964). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 31, n. 61, p. 349-368, 2018.). E os censos também ofereciam uma imagem sobre o que seria o trabalho e trabalhador nas favelas.

A imagem do trabalhador no censo de favela

As práticas censitárias dos Estados modernos vinculam-se a lógicas administrativas, mas também à imaginação nacional. A partir de meados do século XIX, os censos tornaram-se compulsivos: quantificavam não só recursos econômicos e humanos que seriam estratégicos para a tributação e a guerra, mas todo um conjunto social. Crianças, mulheres, homens, famílias etc. passaram todos a serem incluídos nas séries de números, independentemente do interesse estatal imediato. Para Anderson (2008), essa mudança dos censos reforçou a crença de que todos participavam de uma “comunidade imaginada”9 9 Após desenvolver a tese de que o romance e a imprensa eram os principais meios de formação das nações no declínio do sentimento religioso, Anderson escreveu um texto apontando para o censo, o museu e o mapa como outras formas de constituição da comunidade nacional. . Com o tempo, as classificações e categorias estatísticas passavam a constar como “hábitos de tramitação”: as identificações serviam aos indivíduos em diversas situações em que eram interpelados pela burocracia estatal e na vida cotidiana (ANDERSON, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008., p. 229).

Os censos de favelas representaram uma transformação na maneira como as classes populares figuraram na comunidade política brasileira. Na década de 1930, diferentes vertentes do nacionalismo investiram na conclamação do “povo” como parte da nação. Contra o pessimismo e a visão negativa herdada das teorias raciológicas e mesológicas - que refletiam a crença na incapacidade do elemento nacional (o escravo e o liberto) em aderir ao trabalho assalariado e promover o desenvolvimento, a Era Vargas investiu na representação positiva do cidadão como operário e numa leitura assimilacionista do Brasil que enfatizava a “classe” e a mobilidade social em uma “democracia racial” como elemento de integração da comunidade imaginada. De incapaz de alçar o Brasil à modernidade capitalista, o povo passou a ser visto como principal motor do desenvolvimento político e social - o “trabalhador brasileiro”. A formação de uma sociedade urbano-industrial trazia como pressuposto a incorporação das massas na política e a superação do pessimismo em relação ao trabalhador nacional (ORTIZ, 2006ORTIZ, Renato. Cultura brasileira & identidade nacional. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.).

Essas mudanças significaram a alteração de postura em relação às classes populares e a mudança do próprio fundamento da comunidade imaginada. O mito das três raças permaneceu e assumiu a forma de um elogio à mestiçagem e à integração de diferentes classes na comunidade política - o que não apagava o racismo e as linhas de cor na estrutura social -, o fundamento da nação passava, cada vez mais, a ser estritamente econômico.

Tal forma de pensar a construção da nação fundamentava-se em interesses nitidamente industrialistas. Era uma concepção muito próxima do modelo nacionalista alemão do século XIX, que identificava o Estado-nacional como espaço físico e humano capaz de dar sustentação ao desenvolvimento capitalista. Neste tipo de nacionalismo os possíveis “inimigos internos e externos” não se definem por oposições culturais, étnicas, linguísticas ou religiosas. É, ao contrário, um nacionalismo estritamente econômico (LOSADA, 1998LOSADA, Maria Losada Moreira. Nacionalismo e reforma agrária nos anos 1950. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 18, n. 35, 1998., p. 336).

As visões e explicações sobre a pobreza ganhavam um conteúdo distinto das elaboradas na Primeira República. “Relativizava-se a ideia de que a pobreza é de responsabilidade individual, sendo pobres aqueles cujas fraquezas morais não haviam ainda respondido ao ‘chamado do trabalho’” (VALLADARES, 1989VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. In: BOCHI, Renato. Corporativismo e desigualdade. Rio de Janeiro: Iuperj/Rio Fundo, 1989. p. 81-113., p. 97). Uma visão econômica sobre a nação mostrava que a pobreza era consequência de fatores externos ao indivíduo, ligada ao processo produtivo e à inserção no mercado. Ademais o trabalho assalariado era tido genericamente como constitutivo de todas as relações sociais. Se, na virada do século XIX para o XX, associava-se a “pobreza à recusa dos indivíduos em vender sua força de trabalho e às dificuldades de aceitar o assalariamento”, agora “entendia-se que os indivíduos queriam trabalhar, queriam se inserir no processo produtivo” (VALLADARES, 1989VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. In: BOCHI, Renato. Corporativismo e desigualdade. Rio de Janeiro: Iuperj/Rio Fundo, 1989. p. 81-113., p. 97).

Essa mudança de postura foi simultânea à instituição de reformas no aparato institucional e político do Estado, reconhecendo a questão social e disciplinando a força produtiva. A criação do Ministério do Trabalho (1930), dos sindicatos únicos (1931), da Carteira de Trabalho (1932), da jornada de oito horas (1932), da previdência social (1932), do salário-mínimo (1938), da Justiça do Trabalho (1940) e da Consolidação das Leis do Trabalho (1943) alteraram as relações socioeconômicas e a cidadania dos trabalhadores brasileiros. As transformações jurídicas e administrativas mostravam a interferência do Estado nas relações entre empregador e assalariado, regulando os conflitos de interesses no mercado de trabalho. Essas transformações, ainda que ao longo dos anos seguintes fossem ampliadas por movimentos e ações de trabalhadores, tiveram um caráter limitado em sua aplicação mais imediata: os direitos sociais não foram universalizados, e atingiram principalmente os setores modernos da economia e o funcionalismo público (MEDEIROS, 2001MEDEIROS, Marcelo. A trajetória do Welfare State no Brasil: papel redistributivo das políticas sociais dos anos 1930 aos anos 1990. Textos para discussão n. 852, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, dez. 2001.; MEDEIROS, 2009MEDEIROS, Lídia. Habitação social no Rio de Janeiro: Victor Tavares de Moura e a contribuição da medicina social. In: CARNEIRO, Sandra de Sá; SANT’ANNA, Maria Josefina (orgs.). Cidade: olhares e trajetórias. Rio de Janeiro: Garamond/Faperj, 2009. p. 241-293.).

Diferentemente de outros países, o Brasil não construiu o Estado de Bem-Estar Social por meio de barganhas feitas por partidos social-democratas e sindicatos organizados em escala nacional. Na institucionalização dos direitos sociais, o Estado relia os interesses e os valores do movimento operário, atendendo a suas demandas materiais e vinculando a identidade do trabalhador ao sentimento de gratidão e generosidade em relação ao presidente da República, construindo um sistema corporativo de representação do interesse de classe e o getulismo como força política que foram, posteriormente, apropriados e lidos de diferentes maneiras pelos interesses e movimentos de trabalhadores (GOMES, 2005GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005., p. 327; VIANNA, 1999VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 1999.).

Os dados censitários articulados pelo IBGE mostravam vários aspectos dessa mudança de perspectiva do Estado em relação à sociedade. No Recenseamento Geral de 1940, foi mantida e ampliada a série iniciada em 1920 sobre a industrialização e a agricultura do país, assim como acrescentadas as estatísticas sobre comércio, serviços, transporte, comunicações e sociedade. Essas novas séries foram duradouras, sendo reeditadas no recenseamento geral de 1950 e 1960. Elas resultavam da adesão brasileira aos acordos internacionais de estatística. Em 1937, o Brasil entrou na Union Geographique Internationale e teve a perspectiva de “ativar uma cooperação geral de todos por um conhecimento sistematizado do território e da pátria” (ANGOTTI-SALGUEIRO, 2005ANGOTTI-SALGUEIRO, Helena. A construção de representações nacionais: os desenhos de Percy Lau na Revista Brasileira de Geografia e outras visões iconográficas do Brasil Moderno. Anais do Museu Paulista. São Paulo, v. 13, n. 2, p. 21-72, jul./dez.2005., p. 24). A opção do Estado brasileiro em produzir novas séries estatísticas e em aderir aos tratados internacionais indicava também uma maior preocupação com a economia e com as condições de vida dos assalariados.

Os censos de favelas explicitavam essa nova preocupação do Estado, representando os assalariados nos aglomerados de pobreza urbana. Segundo o censo de favelas de 1948, o homem era compreendido como um “agente de produção”, podendo “ser comparado a uma usina, um motor, um tear... As despesas com o seu nascimento, a sua criação e a sua educação traduzem custos sociais de produção. Indivíduo doente, ou produz pouco, ou não produz de todo”10 10 DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949, p. 12. . Os censos de favelas respondiam a essa concepção utilitária do trabalhador, à nação e ao desenvolvimento. Como definiu Alberto Passos Guimarães, os censos eram fundamentais, por oferecerem um diagnóstico do “potencial humano do País”, e por especificar a “características individuais e sociais dessa população” específica que habitava as favelas (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953., p. 256-258). Essa também era a função declarada no censo de favelas de 1955 e 1966, em Belo Horizonte11 11 BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a; MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966. .

As estatísticas construíram uma topografia das favelas e do mercado de trabalho. O censo de 1948 indicava que as favelas surgiam como “problema da administração pública” devido à intensificação do processo de industrialização do Rio de Janeiro. O censo de 1950 foi além e estruturou uma teoria do desenvolvimento urbano, seguindo as tendências do mercado de trabalho. Para Guimarães, à medida que a indústria se expandia, nas décadas de 1920 e 1930, agravava-se o problema de moradia e transporte. A localização das favelas devia-se ao desequilíbrio entre construção de domicílios e expansão industrial: “uma nova fábrica instalada em um bairro oferece ocupação imediata a, digamos, 500 trabalhadores, muito antes que surjam novas casas em número suficiente para alojá-los” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953., p. 252). Além disso, percebia-se que a expansão da indústria de construção tinha, no problema da moradia, algo “insolúvel”, visto que “seu caráter flutuante e temporário, não contribui para fixar nas suas proximidades toda a mão de obra dependente” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Berenice Martins. Cafuas, barracos e barracões: Belo Horizonte, cidade planejada. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991., p. 252). Juntando a expansão industrial carioca à crise do sistema de transporte, teríamos a consequente expansão das favelas cariocas e a autoconstrução em locais próximos ao mercado de trabalho em expansão. Em 1960, o censo seguiu essa direção, buscando evidências de uma topografia para o mercado de trabalho da população das favelas12 12 IBGE. Censo demográfico 1960: favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968, p. 37. . Os resultados mostravam uma maior concentração dos trabalhos industriais nas zonas Norte e Oeste do Rio de Janeiro, enquanto, na Zona Sul, as favelas estavam articuladas ao setor de serviços (FESSLER VAZ, 2002FESSLER VAZ, Lílian. Modernidade e moradia. Habitação coletiva no Rio de Janeiro nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: 7 Letras/Faperj, 2002., p. 129-131; SILVA, 2005SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005., p. 110, 111; ABREU, 2010ABREU, Maurício de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 2010.).

Em Belo Horizonte, o cadastro de favelas de 1955 pouco colaborou para esclarecer o tópico anterior. O único registro feito sobre o mercado de trabalho foi o produzido por uma equipe de assistentes sociais que estudou a favela Pedreira Prado Lopes, mostrando a ocupação e o salário dos moradores, e que foi anexado ao censo13 13 BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a. . Contudo, em 1957, o geógrafo francês Roger Teulières14 14 Roger Teulières foi um geógrafo francês, que usou os dados do censo de 1955 para estruturar uma história da favela na cidade, publicada no Boletim Geográfico Mineiro. Essa publicação foi muito influente no debate sobre a questão das favelas na cidade. Esse tema será retomado adiante. interpretou os dados relativos à localização das favelas, a partir dos dados colhidos pelo censo, relacionando-os à formação do mercado de trabalho na cidade. Para o autor, elas surgiam nas proximidades das zonas industriais e do centro da cidade, onde se concentra a maior parte dos postos de trabalho. Na década de 1950, as favelas localizavam-se principalmente nas regiões próximas ao Ribeirão Arrudas, aos bairros Calafate e Cachoeirinha (TEULIÈRES, 1957TEULIÈRES, Roger. As favelas de Belo Horizonte. Boletim Geográfico Mineiro, Belo Horizonte, n. 1, p. 8-30, nov. 1957.). Em 1965, o censo confirmou essa hipótese de Teulières. Dividiu-se a cidade em oito zonas de trabalho, e pediu-se que os moradores indicassem os territórios onde trabalhavam. Os dados recolhidos davam relevância a quatro regiões de Belo Horizonte: 19,16% dos trabalhadores, a maioria, tinham na região central, delimitada pela Avenida do Contorno, o principal local de trabalho; 9,63%, nos bairros Santa Efigênia, Serra e Pompeia; 7,42% no Sion, Cidade Jardim, Barroca, Salgado Filho; e 6,36% na Cidade Industrial. As principais favelas expandiam-se nas proximidades da área central e nos bairros residenciais em expansão que atraíam o trabalho doméstico e da construção civil, assim como na direção da Cidade Industrial.

As estatísticas mostravam que o crescimento ou decréscimo das favelas associava-se à expansão ou retração do mercado de trabalho urbano-industrial. No Rio de Janeiro, a expansão industrial dos anos 1920 e 1930 marcaram a generalização das favelas na cidade. Esse crescimento teria levado à maior migração para a cidade e ao aumento do déficit habitacional15 15 DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949. (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953.). Em Belo Horizonte, essa virada seria identificada no pós-Segunda Guerra, quando a cidade se tornou locus de investimentos sistemáticos para sua industrialização e quando a Cidade Industrial começava a dar resultados na economia e demografia urbana16 16 MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966. (TEULIÈRES, 1957TEULIÈRES, Roger. As favelas de Belo Horizonte. Boletim Geográfico Mineiro, Belo Horizonte, n. 1, p. 8-30, nov. 1957.). Comparando os dados das duas cidades, chegaríamos à conclusão de que o migrante era peça-chave da expansão do mercado de trabalho, principalmente, no setor de serviços e no industrial, em atividades de menor qualificação educacional. Em Belo Horizonte, o setor de serviços tinha mais peso que o industrial na composição da topografia do trabalho nas favelas.

As conclusões e os dados censitários que comprovaram a relação entre a favela, migração e topografia do mercado de trabalho urbano foram reproduzidas em pesquisas posteriores. Entretanto, as reflexões que fizeram uso das estatísticas como diagnóstico da realidade, quase sempre, tomaram uma posição ideológica na discussão da “marginalidade”. Tendo em vista o desenvolvimento urbano dos países de terceiro mundo, a pobreza urbana ganhava destaque em estudos nacionais e internacionais do período, sendo parte do horizonte de discussão de uma teoria sobre a urbanização das cidades latino-americanas e sua relação com a dependência econômica dos países subdesenvolvidos. Esse campo discursivo foi fortemente influenciado pelas teorias da modernização e pela oposição entre sociedades tradicionais e modernas (GORELIK, 2015GORELIK, Adrián. A produção da “cidade latino-americana”. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 111-133, jun. 2015.). Nesse cenário, representavam-se as favelas como parte da intensificação das migrações, num contínuo rural-urbano que representava os modos de vida dos favelados como atrasados e “marginais” à grande cidade, e, por vezes, julgados como “inadaptados” ao meio urbano. A sociologia e antropologia urbana dos anos 1960 constituíram um campo de crítica e oposição às teorias da marginalidade, observando as estratégias e formas de vida dos trabalhadores de baixa renda e inseridos em mercados informais de trabalho, e qualificando os populares como parte da cidade e das relações constituídas no espaço urbano (PERLMAN, 1977SENRA, Nelson. História das estatísticas brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, 2008b.; LEEDS; LEEDS, 1978LEEDS, Anthony; LEEDS, Elizabeth. A sociologia do Brasil urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.).

Os “inativos”

Nos censos, a favela era parte da questão social, constitutiva do problema de integração do assalariado à sociedade e da luta por habitação. Essa visão relativizava a imagem das classes “perigosas” que marcou a representação das favelas ao longo do século XX, mas não neutralizava esse discurso na retórica da marginalidade urbana.

Um dos pontos controversos apresentados nas estatísticas era a contabilização dos “inativos”. Quem seria esse grupo? No Rio de Janeiro, o censo de 1948 identificou que 64, 6% da população das favelas era composta por inativos. Estes eram contados a partir de 13 anos de idade, sendo representados por aqueles que não tinham profissão ou que não a conseguiam definir. Assim, o número ficava inchado, coadunando-se com a visão do diretor de serviço estatístico, que apresentava as favelas como um risco à segurança pública e fruto da incapacidade da população em se integrar ao mercado de trabalho. O Major Durval Magalhães Coelho chegou a retomar os argumentos do discurso racialista para caracterização do que chamava de “grupos inferiores”. Ao indicar o predomínio de pretos e pardos nas favelas do distrito federal, representando cerca de 71% da população recenseada, o major afirmava que: “o preto, por exemplo, via de regra não soube ou não pode aproveitar a liberdade adquirida e a melhoria econômica que lhe proporcionou o novo ambiente para conquistar bens de consumo capazes de lhe garantirem nível de vida descente”17 17 DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949, p. 11. .

A perspectiva racialista associava a condição de negro à escravidão, e utilizava as noções de “cor”/raça para justificar a inferiorização dos trabalhadores nas favelas. Essa perspectiva foi contestada no livro O negro no Rio de Janeiro - relações de raça numa sociedade em mudança (1953) de Luís Costa Pinto. Usando a base estatística dos censos produzidos no recenseamento de 1950 e também identificando a prevalência de negros nas favelas, o autor identificou uma “linha de cor” na definição do espaço urbano carioca. Observava que a modernização e industrialização acentuava as disparidades e perspectiva segregacionista na formação da sociedade. Nesse sentido, não era a inadaptação dos “pretos” - como afirmou o Major Durval Magalhães -, mas a perspectiva segregacionista e racista que impunha barreiras à ascensão social dos operários e que condicionava a formação do mercado de trabalho. O sociólogo foi um dos agentes centrais dos estudos patrocinados pela UNESCO e contestava a “democracia racial” e a ideologia que apresentava o Brasil como “paraíso racial” no cenário internacional do pós-guerra (PINTO, 1998PINTO, Luiz de Aguiar Costa. O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança. 2. ed. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1998.).

No censo de 1950, Alberto Passos Guimarães afirmava que os moradores de favelas não eram “marginais”. O número de inativos era de 8,7% da população e, para chegar a esse dado, Guimarães alterou os critérios que definiam os inativos. Guimarães contabilizou os maiores de 10 anos, entretanto separou, do número de inativos, as pessoas que realizavam “atividades domésticas não remuneradas e atividades discentes” e os indivíduos que tinham “profissões mal definidas ou não declaradas”. Dessa forma surge a radical diferença entre as informações do censo de 1948 e 1950. O censo de 1960 retomou os critérios do censo de 1950, mas não manteve a diferenciação entre os estudantes e os que tinham atividade doméstica não remunerada. O número de inativos voltou a crescer, passando para 51%18 18 IBGE. Censo demográfico 1960: favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968, p. 13. . Além de diminuir o número de inativos, o censo de 1950 identificava nas favelas a reprodução das condições de vida precárias da população negra, associando os “barracos” às senzalas, às moradias precárias no meio rural, e aos “mocambos”; todavia, não politizava a questão racial como Luís Costa Pinto. Assim, deslocava o debate para o tema da relação entre a economia rural e urbana e evitava o determinismo racial na maneira como Durval Magalhães operou com as categorias censitárias para definir os “inativos” nas favelas.

Em Belo Horizonte, o debate sobre essa questão dos inativos não teve a mesma repercussão que no Rio de Janeiro. O cadastro de favelas de 1955 não fez um levantamento extenso do número de trabalhadores. Ainda que o operário aparecesse nas interpretações do censo e num levantamento parcial da Pedreira Prado Lopes, era consensual a visão de que eles eram marginais à sociedade. Em 1965, a marginalidade do favelado também foi tomada como consensual: contabilizou-se 72,32 % da população favelada de Belo Horizonte como inativa19 19 MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966. . Nessa estatística, não se fez distinção entre maiores e menores de 10 anos na quantificação dos inativos, nem entre estudantes e profissões domésticas não remuneradas.

A opção por esse tipo de contabilização dos inativos nas favelas não era um erro estatístico. Fazia parte de um conceito que afirmava que o maior número de crianças e dependentes nas favelas aumentava também a pobreza e a marginalidade dos moradores. A produção estatística de Belo Horizonte valorizou esse aspecto na contagem do número de inativos. O debate sobre os inativos não foi racializado nos censos de favelas de Belo Horizonte: “cor”/raça não foi um critério adotado para a caracterização da população das favelas nessas estatísticas. Os censos partiam de uma narrativa sobre cidade que desconsiderava o passado escravista e a maioria negra da população de Minas Gerais e da região de Sabará, antigo Curral Del Rey; celebrava-se um imaginário urbano que identificava Belo Horizonte como uma cidade moderna e avessa ao passado colonial e escravista. Como enfatiza Josemeire Pereira, a agência negra na construção do espaço urbano foi apagada na memória e história construída a partir do cânone que identificou a cidade planejada e republicana como um marco zero para pensar as relações sociais da cidade, embranquecendo a imaginação histórica sobre o espaço urbano (PEREIRA, 2019PEREIRA, Josemeire Alves. Para além do horizonte planejado: racismo e produção do espaço urbano em Belo Horizonte - séculos XIX e XX. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019.).

O debate sobre quem são os “inativos” nas favelas, incluindo ou excluindo os jovens e crianças, inserindo ou não os estudantes e as mulheres com atividades domésticas não remuneradas, diferenciando ou não aqueles que tinham atividades não definidas, ganhou conotações distintas nas estatísticas das duas cidades. As diferenças em relação à quantificação dos “inativos” mostravam quão controversa era a identificação e delimitação dos grupos “marginais” à sociedade. Assim, a noção de classes perigosas foi relida em outros termos no paradigma estatístico em construção. As conceituações fluidas e imprecisas, bem como as narrativas sobre o desenvolvimento e o habitat das favelas renovavam os termos da percepção das favelas, relacionando-as às classes perigosas. Ainda que o censo de 1950 tenha sido uma grande referência para o paradigma estatístico, sua posição em relação ao assalariado da favela, cuja análise o excluía da marginalidade, não foi seguida por recenseamentos de outras cidades e não teve continuidade no Rio de Janeiro.

Por outro lado, deve-se enfatizar que o conhecimento da profissão e da inserção no mercado de trabalho vinculava-se ao intento do Estado de produzir e vender habitações para os moradores. Comentando os dados censitários de 1948, o Major Durval Magalhães Coelho assim se expressou sobre o ponto: “o censo concluído pelo Departamento de Geografia Estadual revelou que perto de 15% dos favelados (ou seja, cerca de 22.000) têm renda superior a Cr$ 800,00, e, por conseguinte, são capazes de arcar com um pagamento mensal fixo” (COELHO, 1970COELHO, Durval Magalhães. Contribuição para campanha de extinção das favelas. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949., p. 5). Na produção de Belo Horizonte, esse intento ficou declarado nos relatórios de pesquisa do Departamento de Habitações e Bairros Populares, que mostravam a filiação dos moradores aos Institutos de Aposentadoria e Pensão (SILVA, 1960SILVA, Luiz. Apontamentos sociográficos sobre a “Favela dos Marmiteiros”. Belo Horizonte: Universidade de Minas Gerais/Departamento de Bairros e Habitações Populares, 1960.; BRAGA; WATANABE, 1962BRAGA, Welber da Silva; WATANABE, Hiroshi. Morro do Querosene: alguns aspectos da formação de uma favela. Belo Horizonte: Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais/Departamento de Bairros e Habitações Populares, 1962.). Em 1965, o levantamento de favelas incorporou essa preocupação de identificação dos assalariados atendidos pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão nas favelas, visto que esse dado interferiria na justificação do financiamento da habitação junto ao sistema previdenciário20 20 MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966, p. 38. . Da mesma forma, ao evidenciar um grande número de “inativos” nas favelas, as estatísticas justificavam a atuação da assistência social nesses territórios.

Considerações finais

A identificação nos censos de favelas justificava um tratamento específico para os moradores. O IBGE nacionalizava a representação das favelas, objetificava as hierarquias socioeconômicas no espaço urbano e contribuiu para uma gestão específica dos territórios identificados como favelas, vendo-as como parte da questão social. Assim, os censos formaram uma tecnologia de governo e construíam um discurso especialista, sendo as categorias censitárias e as grandezas estatísticas resultado do jogo de forças construído em uma dada configuração social marcada pelas posições dos especialistas ligados ao IBGE.

Os censos mostravam a diferença entre as favelas e identificavam-nas ao lugar dos trabalhadores pobres no meio urbano. Esse aspecto mostrava uma preocupação com a questão social, sendo um diferencial em relação às representações da pobreza que culpabilizavam o pobre por sua condição de vida. Todavia, as estatísticas também reiteravam uma identidade homogênea relativa à informalidade das favelas - representando-as como um espaço desorganizado em termos urbanísticos - e à imagem de um trabalhador “marginal” - em que a questão do número de “inativos” reproduzia a ambiguidade que identificava as favelas como espaço para as classes perigosas.

Os censos de favelas elaboravam um discurso “técnico” que era tensionado pela crescente mobilização das associações de favelas no período democrático (1945-1964) que lutavam pelo direito de moradia e por melhoramentos urbanos. As visões dos especialistas assumiam uma defesa do “desfavelamento”, mas não eram unívocas. Alberto Guimarães, membro do Partido Comunista que tinha um importante papel na mobilização das favelas cariocas, defendia a urbanização desses espaços como um meio para eliminar as favelas, destoando da maior parte dos outros especialistas, que justificavam as políticas de remoção com a construção de habitações populares.

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Periódicos

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Legislação

  • BELO HORIZONTE. Portaria do Prefeito n. 557, de 2 de abril de 1955b. Cria a Comissão de Desfavelamento.

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  • VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil Belo Horizonte: UFMG, 1999.
  • 1
    DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949, p. 6.
  • 2
    BELO HORIZONTE. Portaria do Prefeito n. 557, de 2 de abril de 1955b. Cria a Comissão de Desfavelamento.
  • 3
    Sobre o conceito de domicílio e as transformações da conceituação de Alberto Passos Guimarães nas estatísticas das favelas cariocas, cf. Motta (2019) e Gonçalves (2020).
  • 4
    Para o Rio de Janeiro, cf. DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949; GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 250-278, 1953; IBGE. Censo demográfico 1960: favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968. Para Belo Horizonte, cf. BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955, Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955; MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966.
  • 5
    Padre Luis Viegas foi um dos fundadores do curso de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais.
  • 6
    BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a.
  • 7
    O PROBLEMA das favelas, objeto de reunião do Rotary Club. Estado de Minas, Belo Horizonte, 11 nov. 1956, p. 6.
  • 8
    MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966.
  • 9
    Após desenvolver a tese de que o romance e a imprensa eram os principais meios de formação das nações no declínio do sentimento religioso, Anderson escreveu um texto apontando para o censo, o museu e o mapa como outras formas de constituição da comunidade nacional.
  • 10
    DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949, p. 12.
  • 11
    BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a; MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966.
  • 12
    IBGE. Censo demográfico 1960: favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968, p. 37.
  • 13
    BELO HORIZONTE. Comissão de Desfavelamento. Cadastro de Favelas, 1955. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Fundo Câmara Municipal de Belo Horizonte. Arq. DR.010209-7894. nov. 1955a.
  • 14
    Roger Teulières foi um geógrafo francês, que usou os dados do censo de 1955 para estruturar uma história da favela na cidade, publicada no Boletim Geográfico Mineiro. Essa publicação foi muito influente no debate sobre a questão das favelas na cidade. Esse tema será retomado adiante.
  • 15
    DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949.
  • 16
    MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966.
  • 17
    DISTRITO FEDERAL. Censo de favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949, p. 11.
  • 18
    IBGE. Censo demográfico 1960: favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968, p. 13.
  • 19
    MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966.
  • 20
    MINAS GERAIS. Levantamento da população favelada de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1966, p. 38.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2020
  • Aceito
    21 Abr 2021
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