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Entre a Pragmática Linguística e a Hermenêutica Filosófica: Hegel e os Desafios de uma Estruturação Linguística da Experiência

Between the pragmatic language and the philosophical hermeneutics: Hegel and the challenges of a structure of experience language

RESUMO:

Gostaria aqui de contribuir tanto à compreensão das concepções de Hegel acerca da linguagem quanto para uma apreciação da interlocução entre essas concepções e alguns desenvolvimentos na filosofia pós-hegeliana. O tema mais geral consiste em evidenciar os esforços de Hegel para estabelecer uma relação intrínseca entre experiência e linguagem. Primeiramente, tomando como ponto de partida questões diretivas da epistemologia moderna, gostaria de compreender traços da concepção hegeliana de linguagem no contexto de uma tematização intersubjetivista da validade objetiva (1). Em segundo lugar, gostaria de refletir sobre a relação entre metafísica inferencial e cognição (2). Finalmente, depois de tentar respaldar a tese de que Hegel antecipa a questão de uma tensão entre o gramatical e a historicidade do léxico (3), mostro como a conexão entre a guinada ontológica na hermenêutica e a doutrina hegeliana da sentença especulativa conduz à experiência do inacabamento linguístico do sentido poético (4).

PALAVRAS-CHAVE:
Linguagem; Epistemologia; G.W.F Hegel; Pragmática; Dialética; Hermenêutica

ABSTRACT:

This paper attempts to examine Hegel's comprehension of language and evaluate its relation to some themes in contemporary philosophy. The main purpose consists in pointing out Hegel's attempt to account for the linguistic structure of experience. To begin with, I consider Hegel's comprehension of language in an epistemological context as an effort to ground intersubjective justification of objective validity. Then I discuss the relation between cognition and inferential metaphysics. Finally, after arguing that Hegel anticipates the tension between grammar and lexical historicity, I attempt to show how the connection between the ontological turn in hermeneutics and Hegel's idea of the "speculative sentence" leads to the experience of the unfinishedness of poetic meaning.

KEYWORDS:
language; epistemology; G.W.F. Hegel; pragmatics; hermeneutics

Hegel e a Linguagem: uma aproximação

Na introdução à Fenomenologia, Hegel menciona que a atuação contra as "representações contingentes e arbitrárias" da teoria moderna do conhecimento tem a ver com a visualização do "[...] uso (Gebrauch) de palavras como o absoluto, o conhecer, e também o objetivo e o subjetivo, e inúmeros outros cuja significação (Bedeutung) é pressuposta em geral como familiar." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p.70). Declarações como essa, quando consideradas à luz da "gênese fenomenológica do espírito", o "nós" das pretensões epistêmicas e normativas em "mundos da vida" compartilhados, funcionam como inspiração para a interpretação da Fenomenologia enquanto antecipando a guinada pragmática na semântica. A plausibilidade de uma interpretação pragmático-semântica e inferencialista dessa obra depende da ideia de que, nela, a prática humana seja tecida pelo significado intersubjetivamente mediado de conceitos, ou seja, que o emprego de conceitos pressuponha não a reação a dados não conceituais, mas um inferencialismo semântico (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002.). Na presente oportunidade, partindo de considerações de Hegel sobre a linguagem, pretendo contribuir à tematização, na filosofia de Hegel, de alguns temas relacionados a essa leitura, bem como de alguns potenciais inauditos de uma relação a Hegel, pela via da linguagem.

1Linguagem e a Dimensão Intersubjetiva da Validade

Nos Prolegomena, Kant deixa claro quão diretivo é, para seu programa epistemológico, o projeto de superar a refutação humiana da noção enfática de objetividade do conhecimento empírico. Em boa medida, "[...] a solução completa do problema de Hume" (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 313), como reabilitação da pretensão enfática de objetividade, pode ser entendida como uma refutação do nivelamento, cometido por Hume, da noção de experiência (Erfahrung)3 3 Nessa compreensão das exigências modernas do que se deva chamar "experiência” reside o que Brandom sustenta ser o compromisso filosófico, herdado de Kant por Hegel, com o caráter normativo dos conceitos, "lógico-estruturais” e "empíricos”, o que Brandom entende, na esteira de Wittgenstein, como o que perfaz a exigência filosófica de expor as condições de possibilidade da determinidade de nossos compromissos, responsabilidades e obrigações (BRANDOM, 2002, p. 212, 214). O pragmatismo semântico de Hegel residiria na radicalização dessa compreensão do conteúdo conceitual em termos das operações envolvidas na aplicação do conceito (BRANDOM, 2002, p. 210). , refutação que é apoiada na tese de uma reciprocidade entre validade universal e validade objetiva (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 298). Para Kant, por não ter compreendido a experiência em seu caráter publicamente comunicável e intersubjetivamente resgatável em suas pretensões de validade objetiva; por não ter compreendido que a pretensão de validade objetiva do conhecimento empírico não expressa "[...] apenas uma relação da percepção com um sujeito, mas uma disposição do objeto", que ela exprime, portanto, a "unidade do objeto" (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 298), Hume teria acabado por entender, sugere Kant, a experiência ao modo solipsista de uma simples articulação, válida apenas para o sujeito, de percepções cujo acesso lhe é privilegiado, isto é, como simples "juízo de percepção" (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 299).

Mas tal compreensão da base cognitiva para a produção do conhecimento comunicável e dotado de pretensão universalmente resgatável não faz jus ao que Kant - e a física newtoniana - pretende que seja a conexão de eventos a qual se deve chamar de experiência (Erfahrung), da qual "[...] exijo [...] que esteja sob uma condição que a torne universalmente válida. Quero, portanto, que, em todo tempo, eu e todos devamos ligar necessariamente a mesma percepção nas mesmas circunstâncias." (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 299). Eis por que, para Kant, caso aceitemos as conexões subjetivamente válidas de Hume como epistemologicamente relevantes, devemos diferenciá-las categoricamente da experiência (Erfahrung) (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 300) enquanto estofo do conhecimento comunicável e capaz de honrar pretensões de validade objetiva intersubjetivamente erguidas. "A experiência (Erfahrung) consiste na conexão sintética de fenômenos (percepções) numa consciência, enquanto a mesma é necessária." (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 305). Entretanto, como tal noção de experiência repousa sobre a unidade sintética de uma consciência geral pensada na categoria, abre-se, com essa crítica de Kant a Hume, para a filosofia posterior, a oportunidade de pensar a experiência em sua comunicabilidade, intersubjetividade e estruturação linguística. De fato, seguindo a sugestão de Hume de que os "[...] princípios de associação das percepções" talvez pudessem ser visualizados nas estruturas da linguagem corrente (HUME, 2007HUME, D. Hume: an enquiry concerning human understanding: and other writings. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. (Cambridge Texts in the History of Philosophy)., p. 19), Kant assevera que as categorias "[...] servem [...] apenas para soletrar fenômenos, a fim de que possam ser lidos como experiência." (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 312). Mais do que isso:

[...] tirar do conhecimento comum os conceitos que não se fundam em nenhuma experiência particular, e que, no entanto, aparecem em todo conhecimento de experiência, do qual constituem ao mesmo tempo a simples forma da conexão, não pressupõe maior reflexão ou compreensão do que tirar de uma língua as regras do uso real das palavras em geral, e, assim, reunir os elementos de uma gramática (na verdade, ambas as operações estão muito intimamente ligadas). (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 322-323, grifo nosso).

Hegel se revela um leitor muito preciso desse capítulo da filosofia moderna. A Filosofia do Espírito da Enciclopédia pode ser vista como aprofundando a modulação linguística do problema da "dimensão intersubjetiva" da validade. A discussão sobre a linguagem na Enciclopédia, a qual prepara a passagem do "espírito teórico" para o "espírito prático", tem como pressuposto, por isso mesmo, a gênese do espírito como razão a partir da resolução especulativa e intersubjetivista da dialética da autoconsciência, isto é, da produção, através da dialética do reconhecimento, da identidade entre consciência e autoconsciência (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 198-204, 225-228). Se se aceita que, enquanto fórmula que designa o "verdadeiro conceito de autoconsciência", "[...] o eu que é um nós, e o nós que é eu", o espírito é "[...] o âmbito do normativo, enquanto produzido pelos processos de reconhecimento mútuo" (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 222), pode-se alcançar um sentido mais amplo para a tese de que, "[...] para o lado de fora", sendo o espírito subjetivo "[...] também a realidade antropológica e conforme à consciência", seu produto seja, do ponto de vista teórico, a palavra (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 237). Com efeito, para Hegel, enquanto o espírito prático, a vontade, em "[...] luta com [...] a singularidade excludente e [...] fazendo contraposição [...] a outras vontades humanas", é marcada por um caráter limitado, "[com a palavra, a inteligência] permanece, em sua exteriorização, completamente junto a si, ela se satisfaz em si própria, prova-se como fim em si, como o divino; e, na forma do conhecimento que conceitua (Form des begreifenden Erkennens), produz a liberdade ilimitada e reconciliação do espírito consigo mesmo." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 238).

Pode-se interpretar a discussão que Hegel empreende acerca da linguagem como uma radicalização das indicações dadas acima por Kant, justamente porque a linguagem desempenhará um papel de destaque no itinerário que vai da intuição, a forma indeterminada e imediata de cognição, à forma consumada do conhecimento (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 254), que "[...] pertence somente ao pensar puro da razão que conceitua (reinen Denken der begreifenden Vernunft)", a "intuição verdadeira e totalmente determinada" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 254), num processo de "[...] engendramento das representações universais", no qual o espírito teórico se mostra - ao contrário do "[...] engano desprovido de espírito [de se] aceitar que as representações universais surgiriam sem atuação (Zutun) do espírito" -, como "ativo sobre si (selbsttätig)." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 265).

Fixemos a conexão da linguagem com o problema da cognição. É como "imaginação produtiva" que a cognição empreende a "[...] unidade do universal e do particular, do interior e do exterior, da representação e da intuição." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 266). Segundo Hegel, o signo (Zeichen) é o resultado mais bem acabado do "movimento dialético" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 268) pelo qual se dá a "[...] ratificação objetiva, em si e para si, da representação universal." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 268). "O som que se articula ulteriormente para as representações determinadas, a fala (Rede), e seu sistema, a linguagem (Sprache), fornece às sensações, intuições, representações, um segundo ser-aí, mais elevado do que o seu [ser-aí] imediato." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 270). É a perenidade desse "segundo ser-aí" que explica por que, nesse momento, se passa da "[...] fantasia simbolizante e forjadora de signos (die symbolisierende und die zeichenmachende Phantasie) [...] para a memória (Gedächtnis)" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 263), e desta para seu exercício puramente "mecânico." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279). "Este acolhimento tem, porém, o sentido (Sinn) de que a inteligência se faz através disso algo coisal (Sächlichen), de tal maneira que a subjetividade, em sua diferença em relação à coisa, torna-se algo inteiramente vazio." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279).

2 Linguagem e a Concepção Inferencial da Cognição

Se, para Kant, Aristóteles foi, sob o ponto de vista da relação entre linguagem e pensamento categorial, o precursor (KANT, 1968KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968., IV, p. 323), Hegel encontra no Estrangeiro de Eleia do Sofista de Platão o simbólico ponto de partida de seu holismo4 4 Ao "enunciar” seu "método” dialético, Hegel o contrasta com uma modalidade puramente negativa de dialética, a qual "[...] aparece frequentemente também em Platão (häufig auch bei Platon erscheint).” (HEGEL, 1970, 7, p. 83, grifo meu). Apesar disso, o entusiasmo diante do Sofista como momento antecipador de sua própria posição filosófica também é evidente (HEGEL, 1970, 18, p. 68). . "É a maneira mais radical de aniquilar todo discurso (λογος) isolar cada coisa de todo o resto; pois é pela mútua combinação das formas (την αλληλων των ειδων συνπλοκην) que o discurso (λογος) nasce." (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 259e). Para vencer as tendências relativistas do imobilismo (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 246b/c/e) e a "contradição performativa" da estabilização discursiva do múltiplo (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 238c/d) - que, criando a motivação para o "parricídio de Parmênides" (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 241e), ameaça, com uma inconsistente teoria da predicação, não somente os eleatas, mas também a ontologia dos defensores das formas imutáveis -, o Estrangeiro de Eleia propõe uma compreensão da dialética como ciência das relações recíprocas e intrínsecas entre os gêneros supremos (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 253), a qual, além de explicar a possibilidade da relação dialética entre Uno e Múltiplo, na teoria da predicação5 5 A discussão que precede a enunciação formal da ciência dialética foi direcionada pela necessidade de interpenetração e participação recíproca entre uno e múltiplo, enquanto condição de uma teoria consistente da predicação (PLATÃO, 1995, p. 251c). Em seguida, encaminha-se a compreensão da dialética como teoria da comunidade recíproca dos gêneros supremos (PLATÃO, 1995, p. 254c/d). Finalmente, depois de defendido o estatuto ontológico do não-ser como alteridade (PLATÃO, 1995, p. 258 b/c), o próprio princípio de não-contradição é enunciado, a partir do vislumbre dialético nas condições ontológico-discursivas da comunidade dos gêneros, como condição da predicação (PLATÃO, 1995, p. 256 a/b). A dialética aparece, assim, como ciência das condições (contextuais e holísticas) da predicação e do λογος αποφαντικος. , possui traços holístico-semânticos (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 253e), contextualistas (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 261e, 267a/b)6 6 "É que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas que são, ou se tornaram, ou foram, ou serão; não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente nomeia, e a este entrelaçamento (εφθεγξαμενα), demos o nome de discurso (λογος).” (PLATÃO, 1995, p. 262d). Parece, então, que Platão antecipa a radicalização wittgensteiniana do assim chamado princípio fregeano do contexto. No Tractatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein menciona que "[...] apenas a proposição tem sentido (Sinn); apenas no contexto de proposição um nome tem significado (Bedeutung).” (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p. 20). Tal noção é radicalizada pragmaticamente no Livro Azul: "[...] compreender uma sentença significa compreender uma linguagem. Enquanto parte de um sistema de linguagem, pode-se dizer, uma sentença tem vida.” (WITTGENSTEIN, 1984, 5, p. 21). e linguístico-intersubjetivistas7 7 "Pensamento (dianoia) e discurso (logoV) são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo (dialogoV) interior e silencioso da alma consigo mesma que chamamos pensamento.” (PLATÃO, 1995, p. 263e). .

É a uma compreensão de linguagem, herdeira dessas perspectivas e inimiga das tendências esotéricas e solipsistas ocasionadas pela indizibilidade, que o Hegel da Enciclopédia, apesar de tudo (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 217), ainda adere.

Enquanto a linguagem é a obra do pensamento (das Werk des Gedankens), também nela nada se pode dizer que não seja universal. O que eu apenas viso (meine) é meu (mein), pertence-me enquanto a este indivíduo particular; mas, se a linguagem só expressa o universal, eu não posso dizer o que apenas viso. E o indizível (das Unsagbare) - sentimento, sensação - não é o mais excelente, o mais verdadeiro; e sim o mais insignificante, o mais inverídico (das Unbedeutendste, Unwahrste). (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 70).

Tal compreensão da linguagem como das Werk des Gedankens é vital para se compreender tanto a assimilação que Hegel faz da crítica de Kant a Hume quanto sua própria crítica a Kant, a qual é, a propósito, localizada capciosamente, junto à apreciação de Hume (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 105).

A artimanha de Hegel é motivada pela sua tese fundamental acerca de Hume e Kant: ambos os paradigmas filosóficos tematizados na "segunda posição" padecem de uma mesma patologia, a saber: a subserviência à diferença intransponível entre forma e conteúdo (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 110), ao Unterschied der Elemente. Entretanto, enquanto a filosofia de Kant toma essa diferença reconhecidamente como ponto de partida, o empirismo é disso inconsciente, o que constitui sua ilusão-fundamental (Grundtäuschung), pois o empirismo busca uma "realização consequente" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 107) como compreensão epistemológica da ciência natural moderna, ou seja, como "wissenschaftlicher Empirismus" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 107). Por um lado, o empirismo "[...] nega o suprassensível em geral, ou pelo menos seu conhecimento e sua determinidade, e só deixa ao pensar a abstração, e a universalidade e a identidade formais"; por outro lado, ao buscar embasar as pretensões de validade da ciência moderna, tem de

[...] utilizar as categorias metafísicas de matéria, força, e também uno, múltiplo, universalidade, infinito etc... e, ainda mais, segue inferindo (fortschließt ) pelo fio condutor de tais categorias, pressupondo e aplicando para isso a forma do inferir (Formen des Schließens) - / ainda mais que ele, em tudo isso, não compreende (weiß ) que, desta maneira, ele próprio contém (enthält) e pratica metafísica, e emprega aquelas categorias e suas conexões de uma maneira totalmente acrítica e inconsciente. (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 107-108).

A conclusão da crítica de Hegel a Hume é particularmente interessante para a formulação de sua concepção de uma metafísica inferencial, embasada na visualização dialética da suspensão da diferença entre forma e conteúdo e na expectativa de responder de forma consistente às demandas epistêmicas da física moderna. Tal conclusão vem precedida por aquilo que poderia ser considerado um manifesto semântico-holista (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 182-183) antecipado contra as tendências atomistas, empiristas e nominalistas da filosofia analítica da linguagem, em seus primórdios: "[...] um Erfahrungen zu machen, bedient sich der Empirismus vornehmlich der Form der Analyse." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 110). "[E]nquanto esse sensível é - e permanece - um dado (ein Gegebenes) para o empirismo, temos uma doutrina da não-liberdade, porque a liberdade consiste justamente em que eu não tenha diante de mim nada absolutamente outro, mas dependa de um conteúdo que sou eu mesmo." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 110). Afora a referência a certa operacionalização lógico-epistêmica do conceito kantiano-rousseauísta de liberdade como autodeterminação (MÜLLER, 1993), nesse texto fabuloso não somente fica clara a dívida de Hegel para com Kant na crítica ao empirismo, como também a ideia de uma metafísica inferencial é vinculada ao projeto de suspensão dos limites da explicação fornecida pelo empirismo para o modus operandi da ciência natural moderna, limites que são identificados pelo dado intransponível.

Eis aí, por conseguinte, uma caracterização mais cara à epistemologia contemporânea do caráter "inferencial" do pensamento infinito (unendliches Denken ) ou da forma infinita (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 6, p. 549), a qual Hegel pretende substituir às "[...] posições do pensamento com respeito à objetividade." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 95). Enquanto estas se aferram à "[...] representação da época moderna, segundo a qual o pensar seria sempre limitado", o pensar infinito, "[...] o pensar que está junto de si mesmo, consigo mesmo se relaciona [...] tem a si mesmo por objeto", um "[...] ein aufgehobener, ideeller Gegenstand" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 95). Assim, Hegel propõe uma lógica como "ciência da ideia pura" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 66) que, "[...] reunindo a atividade das formas do pensamento e sua crítica" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 115), seja capaz de apresentar, de forma imanente, as mediações ou inferências necessárias, as quais são sempre intrínsecas à "experiência", trazendo à tona com isso a contribuição precisa dos conceitos puros e das inferências feitas a partir deles naquilo que é articulado intersubjetiva e linguisticamente como experiência humana. Trata-se, portanto, num só lance, da ruptura com a epistemologia moderna, considerando-se suas decorrências linguísticas - e, num certo sentido, ontológicas8 8 Penso aqui, sobretudo, naquilo que, em geral, pode ser resumido numa célebre formulação: "[...] ser que pode ser compreendido é linguagem.” (GADAMER, 1999a, p. 612). ; e, paradoxalmente, também da radicalização daquele projeto epistemológico, posto que inteiramente embasado no conceito de crítica e autorreferencialidade, na autonegatividade enquanto objeto da reflexão (PINKARD, 1996PINKARD, T. Hegel's phenomenology: the sociality of reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1996., p. 7), no operar sobre si o sich vollbringender Skeptizismus (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 71).

Interessa-me aqui, sobretudo, sublinhar essa situação histórica à qual pretende responder o projeto hegeliano (REDDING, 2007REDDING, P. Analytic philosophy and the return of Hegelian thought. New York: Cambridge University Press, 2007., p. 10/11). Não é simplesmente uma alternativa à epistemologia moderna, mas, propriamente, sua konsequente Durchführung, sua "realização consequente" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 107) como metafísica inferencial. Para Hegel, as ciências naturais modernas, essencialmente nomológicas e observacionais (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 77), pressupõem, para a satisfação de suas demandas epistêmicas, as implicações da autorreferencialidade da experiência articulada linguisticamente, as decorrências da reflexão constitutiva. A "[...] reflexão (Nachdenken) está sempre à busca do firme, do permanente, do determinado-dentro-de-si, e do que rege o particular. Esse universal não se pode captar com os sentidos, e vale como o universal e o verdadeiro." (HEGEL, 1970, 8, p. 77). Nesse sentido, o déficit epistemológico das pretensões de validade objetiva ocasionado pela transformação, tipicamente moderna, da observação em ciência nomológica é compensado por uma metafísica inferencial, por meio da evidenciação do caráter mediacional ou inferencial9 9 Brandom discute o papel da mediação (Vermittlung) na "[...] articulação inferencial de conteúdos induzida por relações de negação determinada”, ou seja, relações de incompatibilidade material (BRANDOM, 2002, p. 181). A incompatibilidade material se tornaria, para Hegel, a estrutura normativa mais fundamental dos conteúdos conceituais. daquilo que pode contar como experiência humana.

Ao determinar desse modo o universal, encontramos que ele forma o contrário de um outro, e que esse outro é o simplesmente imediato, exterior, e singular em face do mediatizado, interior e universal. Esse universal não existe externamente enquanto tal [...] as leis do movimento dos corpos celestes não estão escritas no céu. O universal, pois, não se ouve nem se vê, mas é somente para o espírito. (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 77).

Para Hegel, caso se deva falar ainda, depois de Newton e Kant, de epistemologia, esta deve, como Logik, como "[...] espírito omnivivificante de todas as ciências" (der allbelebende Geist aller Wissenschaften) (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 77), explicitar o caráter espiritual da experiência humana como tal.

A explicitação da dimensão intersubjetiva da validade objetiva, necessária à concepção do déficit epistemológico das ciências nomológicas, pode ser visualizada na "gênese fenomenológica" das noções de conceito e espírito. Parece-nos plausível a tese, defendida entre os seguidores de Sellars, de que o desenvolvimento da "percepção" para o "entendimento" na Fenomenologia conteria uma ilustração do "contextualismo cognitivo" de Hegel (REDDING, 2007REDDING, P. Analytic philosophy and the return of Hegelian thought. New York: Cambridge University Press, 2007., p. 18)10 10 Sobre isso, ver a discussão feita por Brandom sobre a articulação da noção de incompatibilidade material, enquanto o que permite a plena determinação de um conteúdo como plenamente individuado, diferenciando-o da simples negação de propriedades, no capítulo sobre a "Percepção” (BRANDOM, 2002, p. 179, 180, 184). . Além disso, recupero aqui o desenvolvimento da "consciência" para a "consciência de si", como demonstração da necessidade de um conceito inferencialmente articulado de conhecimento11 11 Segundo Pinkard, sendo uma consideração reflexiva e autoconsciente dos padrões e normas que reivindicam legitimidade, "[...] todas estas formas de autoconsciência tem uma estrutura mediada (isto é, inferencial).” (PINKARD, 1996, p. 8). Do ponto de vista histórico-filosófico, a tese de uma alegada "socialidade da razão”, a qual pretende que esteja em curso, na Fenomenologia, "[...] uma teoria normativa do agir racional de indivíduos ocupando posições no interior de um ‘espaço social’ compartilhado e governado por regras” (REDDING, 2007, p. 14), representa uma ainda mais estreita relação entre o idealismo alemão Kant, Fichte e Hegel e a "pragmática linguística.” (WITTGENSTEIN, 1984, I, p. 344). A compreensão de frases está ligada ao engajamento apropriado nas práticas que tornam significativo determinado signo, nas práticas de seu uso, as quais são incorporadas em formas de vida socioculturais. Compreender uma linguagem, isto é, a diversidade do entrelaçamento entre os elementos linguísticos e as práticas extralinguísticas, é adquirir competências que habilitam à participação nessas atividades regradas. , como movimento imanente desencadeado pelas insuficiências e instabilidade de uma forma não-inferencial, pretensamente autossuficiente, de cognição (PINKARD, 1996PINKARD, T. Hegel's phenomenology: the sociality of reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1996., p. 46)12 12 De acordo com Brandom, um dos principais objetivos de Hegel, nessa passagem, é "[...] desdobrar os compromissos implícitos nas concepções holistas de conteúdo e reunir as matérias-primas necessárias à explicação do mesmo.” (BRANDOM, 2002, p. 187). Nesse sentido, "[...] não se pode entender as relações de incompatibilidade objetiva que articula a estrutura conceitual relacional em virtude da qual o mundo é determinado, a não ser que se entendam os processos e práticas constituindo o reconhecimento (acknowledgment) da incompatibilidade subjetiva dos compromissos que são, por meio disso, tratados como representações de tal mundo.” (BRANDOM, 2002, p. 193). . Nesse sentido, a noção de reconhecimento corresponde à mediação entre a intersubjetividade dos sujeitos e a compreensão autoconsciente e compartilhada daquilo que pode pretender ser legítimo ou "revestido de autoridade" (authoritative reason), compondo assim o núcleo da concepção hegeliana de espírito (Geist) enquanto "forma autoconsciente de vida", enquanto "[...] forma de 'espaço social' refletindo sobre si mesmo acerca de se é satisfatório em seus próprios termos" (PINKARD, 1996PINKARD, T. Hegel's phenomenology: the sociality of reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1996., p. 8-9).

A "experiência" do entendimento na Fenomenologia de 1807 desemboca na relação entre os mundos sensível e inteligível. A tentativa de fornecer explicação do mundo objetivo, através de leis, faz do mundo inteligível, enquanto "cópia imediata e tranquila" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 119) do mundo sensível, o reverso do mesmo: tornam-se "mundos invertidos" um para o outro. Para Hegel, é no recurso à explicação fenomênica do jogo de forças que a infinitude "[...] surgiu, livre, pela primeira vez." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 132). Para manter a "explicação científica" pelo dinamismo das forças, o entendimento enuncia a unidade dialética dos mundos sensível e inteligível e, portanto, o fenômeno como manifestação da essência. O entendimento experimenta, com a inversão do mundo decorrente da intenção estática da legalidade proveniente da ciência natural nomológica, a oposição absoluta entre fenômeno e essência, e contempla o surgimento de um objeto que é, na verdade, também ele mesmo: a vida13 13 Trata-se, enquanto mediação do imediato consigo mesmo, da "infinitude simples – ou o conceito absoluto”, o qual se deve "[...] chamar a essência simples da vida, a alma do mundo, o sangue universal, que onipresente não é perturbado nem interrompido por nenhuma diferença, mas que antes é todas as diferenças como também seu ser-suspenso; assim, pulsa em si sem mover-se, treme em si sem inquietar-se.” (HEGEL, 1970, 3, p. 131). , "[...] essa inquietação absoluta do puro mover-se-a-si-mesmo [que faz com] que tudo o que é determinado de qualquer modo [...] seja antes o contrário dessa determinidade." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 131). Eis por que é gerada, com a transformação do objeto em Si, uma relação que não é mais aquela entre consciência e objeto "sem consciência", mas a relação para si mesma, a essência da autoconsciência: o entendimento descobre, na estrutura do "ser-o-oposto-de-si-mesmo", sua própria estrutura como consciência-de-si. "Quando a infinitude - como aquilo que ela é - finalmente é o objeto para a consciência, então a consciência é autoconsciência." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 132). "Entender o mundo objetivo como determinado contém, para Hegel, a tese de que ele tem de ser entendido como uma estrutura holística relacional." (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 208). O entendimento se torna objeto de si mesmo e, nessa medida, não simplesmente objeto, mas também sujeito: "[...] essa unidade é também [...] seu repelir-se de si mesma; e esse conceito se fraciona na oposição entre a autoconsciência e a vida." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 138). A autoconsciência é a infinitude como tal14 14 Para uma visualização da relação entre esse conceito de infinitude e o "holismo semântico”, um "[...] todo tendo dentro dele as diferenças, como uma estrutura articuladora essencial”, ver: Brandom (2002, p. 185-186). , a totalidade articulada e autodiferenciadora dos conteúdos, embora seja também, primeiramente, essa universalidade simples, para si imediata e pretensamente oposta à universalidade da vida: desejo.

A infinitude do entendimento como objeto de si mesmo significa que o entendimento é uma "[...] estrutura que estabelece suas próprias condições" (PINKARD, 1996PINKARD, T. Hegel's phenomenology: the sociality of reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1996., p. 43), ou seja, as especificações que o entendimento pensara ter identificado nas coisas elas mesmas são "[...] parte da estrutura de nosso sistema inferencial." (PINKARD, 1996PINKARD, T. Hegel's phenomenology: the sociality of reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1996., p. 43). A presente inflexão na Fenomenologia nada mais é do que a radicalização da "revolução copernicana", na medida em que a suspensão do entendimento na autoconsciência, além de solapar o absolutismo reclamado pelo representacionalismo, significa que doravante o objeto da reflexão filosófica não são mais "coisas em si mesmas", essências ou indivíduos com as quais temos acquaintance, mas a posição que assumimos, quando conhecemos as coisas em si, dessa maneira específica, no "espaço de razões", ou seja, no emprego de e compromisso com "[...] regras e normas semânticas de pensamento inferencial." (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 136).

A solução hegeliana para a cisão representacionalista entre forma e conteúdo é a visualização dialética de sua originária coabitação15 15 A dialética especulativa espera, desse ponto de vista epistemológico, "[...] entender as estruturas holísticas atravessando os momentos, começando com concepções das coisas como são imediatamente ou em si mesmas, movendo-se em seguida à captação das mesmas como o que são mediadas ou para outros, e então para entender o que elas são em si mesmas como constituídas pelo que são para outros, enquanto imediatidade mediada.” (BRANDOM, 2002, p. 209). . Como sempre, em Hegel, tal visualização conduz, por uma "fundamentação regressiva", a uma reinterpretação, à luz da coabitação originária, de ambos os polos isolados (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 187). Com efeito, o projeto hegeliano conecta a natureza inferencial da experiência humana, a estruturação e a sedimentação linguística dessa experiência, bem como a necessidade de reinterpretar, à luz desses elementos, os polos isolados e tradicionalmente compreendidos como "forma lógica pura" e "conteúdo não-conceitual", em direção ao conceito hegeliano de "conceito", "[...] o grande sistema holístico, inferencialmente articulado, de conceitos determinados e de juízos articulados por aqueles conceitos." (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 224).

Em outro contexto, Hegel faz ainda outras considerações interessantes para que se compreenda a estruturação linguística da dimensão objetiva da validade e, por conseguinte, para uma versão inferencial da cognição. Trata-se da articulação linguística da cognição, tencionada em 1804. A compreensão hegeliana da consciência como medium se dirige contra a concepção mentalista de uma subjetividade exteriormente limitada e autossuficiente, a qual é, por isso, presa de dualismos entre o interior e o exterior, ou entre o público e o privado16 16 "Hegel refuta a tese de que o sujeito cognoscente, falante e agente se encontra diante da tarefa de construir uma ponte sobre o abismo entre si e o outro separado dele. Um sujeito que está de antemão junto de seu outro não percebe nenhum déficit que exija compensação. Percepções e juízos se articulam em uma teia de conceitos previamente fechada linguisticamente [...] Tal sujeito não pode estar junto a si mesmo sem estar junto ao outro.” (HABERMAS, 2004, p. 195). . Trata-se da pré-estruturação das relações sujeito-objeto, antecipadoras da própria efetividade enquanto experiência consciente e na qual a relação entre sujeito existe e pode ser modificada.

No que concerne à linguagem como medium, a consciência singular é previamente articulada em conexão com todos os objetos "exteriores", o que leva justamente à suspensão da contraposição entre o sujeito que representa e o objeto representado. Para Hegel, nesse conceito de espírito,

[...] seus momentos contrapostos são da mesma forma conceitos, universais em geral e, por isso, não se relacionam um ao outro enquanto absolutamente contrapostos, mas antes se relacionam formalmente um ao outro no elemento simples da consciência, [não como] intactos em seu ser-para-si, e sim se suspendendo um em face do outro em sua forma, e fora da mesma permanecendo ainda para si. (HEGEL, 1986______. Jenaer systementwürfe I. Hamburg: Felix Meiner, 1986., p. 195).

Em outras palavras, a consciência cognoscente é como que forjada na antecipação "linguística" da suspensão de conceito e objeto, de maneira que a capacidade cognitiva do sujeito singular se exerce, na medida em que o arcabouço das experiências possíveis é previamente articulado linguisticamente, quer como intuição, quer como conceito, sempre apoiada no estofo linguístico anterior à própria contraposição.

A existência do medium linguístico é o protótipo do mundo conhecido, a idealidade da natureza: a "forma" da cognição é imediatamente, pela linguagem, a exterioridade de que fala. A linguagem é, portanto, a um só tempo, o meio e o produto da contraposição interior/exterior. "A consciência existe primeiro como memória e seu produto, a linguagem." (HEGEL, 1986______. Jenaer systementwürfe I. Hamburg: Felix Meiner, 1986., p. 195). Enquanto nexo unitário do medium linguístico, a memória forma, por sua vez, o arcabouço linguístico em que toda a experiência cognitiva está pré-estruturada: trata-se igualmente, com efeito, da cognição em sua existência perene e, por isso, excede, como tal, a singularidade de um sujeito cognoscente. "Somente em um povo existe aquilo - já posto como suspenso, existente como consciência universal, ideal - que a memória, o tornar-se linguagem (das Werden zur Sprache), torna primeiramente ideal." (HEGEL, 1986______. Jenaer systementwürfe I. Hamburg: Felix Meiner, 1986., p. 226). Com a memória, a atividade cognitiva do sujeito singular aponta já para a sua plena efetivação e para sua existência contínua no horizonte histórico da existência de um povo, de uma comunidade de indivíduos que compartilham uma língua e uma tradição, para sua existência como ser-reconhecido: o reconhecimento tem, para Hegel, uma estruturação linguística (HEGEL, 1986______. Jenaer systementwürfe I. Hamburg: Felix Meiner, 1986., p. 226-227), a qual pré-estrutura pretensões de validade semântico-objetivas17 17 Enquanto "[...] reconstruída [...] em um povo”, a linguagem se torna um aniquilar do exterior que é ele mesmo uma exterioridade, "[...] o qual tem de ser aniquilado, suspenso, a fim de se tornar linguagem designativa (um zur bedeutenden Sprache zu werden), tornar-se aquilo o que ela é em si, segundo seu conceito. Portanto, ela é no povo como um outro algo morto que não ela mesma, tornando-se totalidade ao ser superada enquanto um exterior e ao chegar a seu conceito (zu ihrem Begriff wird).” (HEGEL, 1986, p. 227). : "Essa substância universal fala sua linguagem universal nos costumes e nas leis de seu povo." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 265).

3 Forma Gramatical e Conteúdo Lexical: a linguagem entre o "lógico" e a "historicidade"

Como se estivesse recomendando o ensino de gramática às crianças, para que pudessem adquirir consciência do caráter inferencial e reflexivo do conhecimento (ver HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 76 e 84), Hegel concebe o projeto "epistemológico" mediacional e inferencial de eliminação do intransponível Gegebenes, o qual caracteriza as teorias do conhecimento criticadas na zweite Stellung do Vorbegriff da Enciclopédia de 1830, de maneira a vincular essa "[...] explicitação do caráter espiritual da experiência", essas necessárias inferências categoriais do conteúdo, estreitamente ao problema de sua estruturação linguística.

Acredita-se habitualmente que o absoluto deve estar situado muito além; mas ele é justamente o que está de todo presente (das ganz Gegenwärtige), mesmo sem consciência expressa disso, sempre levamos conosco e utilizamos. Tais determinações-de-pensamento (Denkbestimmungen) estão sempre depositadas (niedergelegt), sobretudo, na linguagem [...] as noções lógicas (Die logischen Gedanken), entretanto, não são nenhum somente em relação a qualquer outro conteúdo; mas qualquer outro conteúdo é apenas um somente em relação às noções lógicas. (HEGEL, 1970, 8, p. 84).

Mas qual é a relação, pretendida por Hegel, entre a linguagem, em seus múltiplos aspectos, e a significação dos nomes? Signo é uma intuição (Anschauung) ou imagem (Bild) que "[...] recebeu em si mesma [...] uma representação independente (selbständige), a sua significação (Bedeutung)." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 269). Como "[...] fantasia forjadora de signos (Zeichen machende Phantasie)" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 265-266), a inteligência ou cognição acaba por "[...] fazer de si mesma ser (Sein), tornar-se coisa (Sache)". "Ativa nessa determinação, ela é [enquanto] se exteriorizando (sich äußernd), produzindo intuição." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 265-266). O sistema linguístico formado no processo de cognição, entendido aqui pelo escopo geral de um processo de exteriorização/extrusão do espírito teórico (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 277), é vislumbrado por Hegel em seu caráter ambíguo. Por um lado, a "[...] arbitrariedade [...] da ligação da matéria sensível com a representação universal tem por consequência necessária que se tem de aprender primeiramente a significação (Bedeutung) do signo. Isso é válido principalmente para os signos da linguagem (Sprachzeichen)." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 268). Por outro lado, "[...] o [elemento] formal da linguagem é, contudo, a obra do entendimento, o qual insere nela suas categorias. Este instinto lógico produz o [elemento] gramatical." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 271). Portanto, a linguagem é um sistema de conexões "arbitrárias", no sentido de "convencionais", passíveis de aprendizado somente nas práticas articuladas linguisticamente. Todavia, é também a capacidade de expressão, graças ao seu elemento formal como obra do entendimento, que permite o desdobramento do "[...] pensar puro da razão que conceitua." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 254). Hegel se coloca, do ponto de vista da história da filosofia da linguagem, na interessante posição que tenta preservar, num só golpe, a tese contextualista do inessencialismo da linguagem, a tese hermenêutica da historicidade do meio linguístico, sem sucumbir à ameaça de incomensurabilidade entre linguagem e a pretensão de universalidade do pensamento especulativo. "A teoria hegeliana da linguagem [...] explicitamente determina a forma universal estruturante que permanece apenas implícita no uso da linguagem cotidiana e, reciprocamente, revela a significativa inter-relação do léxico como pressuposto pela forma da gramática." (VERNON, 2007VERNON, J. Hegel's philosophy of language. New York: Continuum, 2007., p. 117).

Num primeiro momento, Hegel parece simplesmente estar reforçando certas tendências mentalistas, típicas da consideração da linguagem que, muitas vezes, se coaduna com a moderna teoria do conhecimento, a qual opta, paradigmaticamente com Locke, por uma ideia de linguagem como mera verbalização dos pensamentos. Porém, para Hegel, através da "negatividade do signo linguístico", "[...] aquilo é alterado [passando] de um exterior para um interior, sendo conservado nesta forma reconfigurada (umgestalteten)." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279) Não se trata, por conseguinte, de transformar o interior em palavras, mas de reconfigurar espiritualmente o exterior, conferindo-lhe a interioridade espiritual de uma forma de vida, tornando-o Gestalten einer Welt (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 325). As palavras não são a exteriorização do interior, no sentido em que fornecem as coisas do mundo suas etiquetas: "[...] as palavras se tornam um ser-aí vivificado pelo pensamento." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279).

Apesar do jargão um tanto híbrido que conserva, ainda que os submeta a um novo significado, termos caros ao pensamento moderno, Hegel demonstra o caráter pós-kantiano de sua consideração da linguagem pela vinculação da mesma não a uma doutrina da verbalização de vivências cujo acesso é privado, mas justamente pelo seu escopo propriamente "espiritual" ou, mais especificamente, pela relação intrínseca entre a linguagem e o problema da dimensão intersubjetiva da validade. Primeiramente, não há, para Hegel, de um lado, o pensamento e, de outro, a linguagem como pura exteriorização pensamento. "É em nomes que nós pensamos." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 277). Eis por que o ser-aí espiritual do pensamento como linguagem seja "[...] absolutamente necessário aos nossos pensamentos." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279). A interioridade que vem à tona como linguagem não é uma interioridade solipsista, vivencial, individual, mas a interioridade intersubjetiva do espírito.

Nós somente sabemos de nossos pensamentos, somente temos pensamentos determinados e efetivos, quando nós lhes fornecemos a forma da objetividade (Gegenständlichkeit), do ser-diferenciado (Unterschiedenseins) em relação à nossa interioridade (Innerlichkeit), [quando] portanto, fornecemos-lhes a configuração (Gestalt) da exterioridade (Äußerlichkeit) e, na verdade, de uma tal exterioridade que porta, ao mesmo tempo, a marca característica da mais elevada interioridade (Innerlichkeit). (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279).

Eis aí o registro que me interessa frisar: a linguagem é o âmbito em que não somente vem à tona a dimensão intersubjetiva da validade, mas também o ambiente em que essa dimensão é aferível, tornando-se consciente de si mesma como tal, como validade, ambiente no qual essa dimensão intersubjetiva da validade é não somente aferível como tal, mas eventualmente também modificável. "O nome (Name) é, assim, a coisa (Sache), tal como ela está presente no reino da representação (Reiche der Vorstellung) e [nele] tem validade (Gültigkeit)." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 277).

"Forma e conteúdo linguísticos [...] se pressupõem reciprocamente e se fundam um ao outro. Nós podemos, então, definir a linguagem como a identidade-na-diferença da forma gramatical universal e do conteúdo lexical particular." (VERNON, 2007VERNON, J. Hegel's philosophy of language. New York: Continuum, 2007., p. 116). Chegamos assim a uma tese de grande envergadura: a mútua implicação entre pensamento especulativo e linguagem, ou seja, a ideia da própria linguagem como meio de expressão de tudo o que, no jargão hegeliano, mereça o nome de pensamento, em sentido amplo ou restrito. E, para Hegel, não há aqui nada que deva ser lamentado, pois

[...] é ridículo considerar o estar-vinculado do pensamento à palavra como uma falha do primeiro ou como uma lástima [...] A palavra fornece aos pensamentos, por conseguinte, seu ser-aí mais digno e verdadeiro [...] Assim como o verdadeiro pensamento é a coisa, da mesma forma também [verdadeira é] a palavra, quando ela é utilizada (gebraucht) pelo pensamento verdadeiro. Por isso, quando a inteligência se preenche com a palavra, acolhe dentro de si a natureza da coisa (Sache). (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279).

4 Dialética e a Compreensão Hermenêutica de Linguagem: a apropriação crítica de Hegel por Gadamer

Em sua crítica à posição ingênua da metafísica anterior a Hume18 18 A "ingenuidade” da metafísica pré-crítica consiste em tomar como objetos "[...] totalidades que pertencem em si e para si à razão” (HEGEL, 1970, 8, p. 96), contudo, tratando-os como "apoio fixo” (HEGEL, 1970, p. 96), como "[...] sujeitos dados como já prontos” (HEGEL, 1970, p. 96), resta adotar a doutrina tradicional da predicação para expor o conteúdo desses objetos. , Hegel sugere igualmente que ela padece da insuficiência de considerar os predicados numa relação fundamental de exterioridade uns para com os outros e com o próprio "sujeito". Sem deixar "[...] o objeto determinar-se livremente a partir de si mesmo, pressupondo-o já pronto" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 97), esse essencialismo estático não alcança a consciência nem mesmo de que

[...] a forma da proposição (die Form des Satzes), ou mais precisamente a do juízo (Urteil), é imprópria para exprimir (ausdrücken) o concreto - e o verdadeiro é concreto - e o especulativo: o juízo (Urteil) é, por sua forma, unilateral; e, nessa medida, é falso. (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, 97).

Hegel tangencia aqui a ideia, indicada na Fenomenologia, da contraposição entre a noção apofântica da proposição e sua estrutura propriamente especulativa, o "[...] conflito da forma de uma proposição em geral e da unidade do conceito que a destrói." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, 58). Tal doutrina é uma crítica à unilateralidade do λογος αποφαντικος e, nesse sentido, o acesso a uma forma menos unilateral de racionalidade: "[...] apenas aquela exposição filosófica lograria ser plástica [, a saber]: a que excluísse estritamente a forma da relação costumeira das partes da proposição." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 59). Em sua relação com a doutrina da predicação proveniente da lógica tradicional, tal doutrina pode ser interpretada como um ataque à pressuposição ingênua de um essencialismo estático, conduzindo à ideia de que a verdadeira natureza do sujeito não pode ser pressuposta como apoio fixo, ao qual são acrescentadas determinações extrínsecas, no entanto, mostra-se apenas no movimento pelo qual o sujeito se torna o próprio conteúdo da determinação19 19 "[U]ma vez que o predicado é ele mesmo exprimido como um sujeito, enquanto o ser, enquanto a essência, a qual esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra o sujeito imediatamente no predicado.” (HEGEL, 1970, 8, p. 96). . Esse essencialismo dinâmico (HOULGATE, 1986HOULGATE, S. Hegel, Nietzsche and the criticism of metaphysics. New York: Cambridge University Press, 1986., p. 148-156) - intimamente vinculado à célebre fórmula segundo a qual "[...] o verdadeiro é o delírio báquico (bacchantischer Taumel), onde não há membro que não esteja ébrio" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 45) - que abrange tanto a diferença quanto a identidade entre sujeito e predicado20 20 "[...] na proposição filosófica, a identidade do sujeito e do predicado não pode aniquilar a diferença dos mesmos, a qual exprime a forma da proposição. Antes, a identidade deles deve surgir como uma harmonia.” (HEGEL, 1970, 3, p. 58). , tem severas consequências para uma consideração da linguagem.

"É verdade que [...] a dialética de Hegel se guia de fato pelo espírito especulativo da linguagem." (GADAMER, 1999a, 679). Ao destituir a doutrina tradicional da predicação de sua prerrogativa na exposição do conteúdo, a filosofia especulativa incumbe a linguagem como tal - não apenas seu refinamento lógico-formal, mas o próprio desdobramento linguístico do pensamento especulativo - da tarefa de constituir o meio em que a "[...] identidade das determinações diferentes" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, 45), o especulativo como tal, pode vir à tona.

Enquanto cada lado desta identidade pode e, de fato, tem de ser determinado em abstração do outro, é apenas pela captação de seu retorno à unidade que nós realmente entendemos a natureza da linguagem. Esta unidade é articulada na análise hegeliana da "sentença especulativa". (VERNON, 2007VERNON, J. Hegel's philosophy of language. New York: Continuum, 2007., p. 117).

Trata-se aqui da mútua implicação entre pensamento especulativo e linguagem21 21 Essa aproximação suscita a difícil questão de como a linguagem pode abrigar a estrutura pura da "forma infinita” e a própria historicidade. "Forma e conteúdo linguísticos [...] se pressupõem reciprocamente e se fundam um ao outro. Nós podemos, então, definir a linguagem como a identidade-na-diferença da forma gramatical universal e do conteúdo lexical particular.” (VERNON, 2007, p. 116). , ou seja, a ideia da própria linguagem como meio de expressão de tudo o que, no jargão hegeliano, mereça o nome de pensamento, em sentido amplo ou restrito22 22 E, para Hegel, não há aqui nada que deva ser lamentado, pois "[...] é ridículo considerar o estar-vinculado do pensamento à palavra como uma falha do primeiro ou como uma lástima [...] A palavra fornece aos pensamentos, por conseguinte, seu ser-aí mais digno e verdadeiro [...] Assim como o verdadeiro pensamento é a coisa, da mesma forma também [verdadeira é] a palavra, quando ela é utilizada (gebraucht) pelo pensamento verdadeiro. Por isso, quando a inteligência se preenche com a palavra, acolhe dentro de si a natureza da coisa (Sache).” (HEGEL, 1970, 8, p. 279). .

A "dialética da certeza sensível" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 87) é um momento paradigmático para se compreender a relação entre experiência consciente e a linguagem.23 23 "Linguagem” entendida no bojo de uma teoria geral da "mediação” (Vermittlung), enquanto "passagem” (Übergang) de "[...] palavras que só exprimem (ausdrücken) a intuição como algo imediato, mesmo que seja somente passagem para outra proposição.” (HEGEL, 1970, 3, p. 22). Em sua forma mais radical, a certeza sensível ergue a pretensão "[...] eu sou puro intuir" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 87). É claro que, no itinerário de figuras da consciência, o resultado imediato dessa experiência24 24 A certeza sensível é a "história de sua experiência” (HEGEL, 1970, 3, p. 89), a saber: aqueles que defendem qualquer forma autossuficiente de conhecimento imediato, sobre "[...] coisas efetivas, absolutamente singulares, totalmente pessoais e individuais [...] não dizem aquilo que visam. Se eles efetivamente quisessem dizer este pedaço de papel, o qual visam – e eles quereriam dizê-lo – então isso é impossível, pois o isto sensível, que é visado, é inalcançável à linguagem, a qual pertence à consciência, àquilo [que é] em si universal [...] eles dizem delas somente o universal. Por conseguinte, aquilo que é denominado inexprimível (das Unaussprechliche) nada mais é do que o não-verdadeiro, não-racional, simplesmente visado.” (HEGEL, 1970, 3, p. 90-91). é a percepção da coisa pela mediação da propriedade (Eigenschaft) (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 93). Todavia, na "experiência da certeza sensível" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 87) se insinua, sobretudo para o "nós fenomenológico", "[...] o falar, que tem uma natureza divina" (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 91). Assim, a experiência da pretensão do puro intuir é a mediação linguística, em sua acepção mais geral.

É novamente a compreensão da linguagem como das Werk des Gedankens25 25 "Na medida em que a linguagem é a obra do pensamento (das Werk des Gedankens), também nela nada se pode dizer que não seja universal. O que eu apenas viso (meine) é meu (mein), pertence-me enquanto a este indivíduo particular; mas, se a linguagem só expressa o universal, eu não posso dizer o que apenas viso.” (HEGEL, 1970, 8, p. 70). , permanente tensão entre universal e singular, que é vital para se compreender a reabilitação hermenêutica feita por Gadamer, a partir de ressalvas nietzschianas e heideggerianas26 26 Não posso aqui detalhar essa questão. Refiro-me, pelo lado nietzschiano dessas ressalvas, à preservação do inacabamento do sentido poético, da imagem, da intuição; pelo lado heideggeriano das ressalvas, refiro-me à percepção da tensão entre identidade e diferença à luz de uma radicalização ontológica da noção hermenêutica de imagem linguística do mundo (HABERMAS, 1999, capítulo 1). da noção hegeliana de "sentença especulativa"27 27 Aludo, neste ponto, a uma bela análise da relação entre Hegel e a hermenêutica filosófica, através de uma filosofia da linguagem pensada por meio da "sentença especulativa” (VERNON, 2007, p. 118 ss), e também a uma percepção da importância da "sentença especulativa” para a filosofia da linguagem em Hegel (HOULGATE, 1986, p. 115 ss.) Tal estrutura especulativa do meio linguístico, uma estrutura ontológica universal que preside a constituição fundamental de tudo aquilo a que a compreensão pode se voltar, conduz à ideia de que "[...] ser que pode ser compreendido é linguagem” (GADAMER, 1999a, p. 612). Há que se considerar aqui a amplitude, significado e importância do hermeneutic turn, bem como da virada linguística na própria hermenêutica (ROHDEN, 2005, p. 64-75) (LAFONT, 1999, p. 55 ss). Essa "virada hermenêutica da ontologia”, embasada no modo especulativo da linguagem, em seu significado ontológico universal (GADAMER, 1999a, p. 613), e na tese de que a constituição especulativa do ser que subjaz à hermenêutica tem a mesma amplitude universal que a razão e a linguagem (GADAMER, 1999a, p. 615), faz da linguagem não só "medium da experiência hermenêutica” (GADAMER, 1999a, p. 497), mas também – e por isso mesmo – a própria estruturação da experiência do mundo (GADAMER, 1999a, p. 589). A "sentença especulativa” não é o único tópico do pensamento hegeliano que influencia a hermenêutica filosófica, a qual absorve também o conceito hegeliano de experiência (ROHDEN, 2005, p. 83-93). . Se todo processo de compreensão consiste num acontecimento de linguagem semelhante "[...] àquele diálogo interno da alma consigo mesma"28 28 Hegel e Gadamer mantêm uma relação íntima com o Sofista de Platão, sobretudo com: (1) suas tendências intersubjetivistas. "Pensamento (dianoia) e discurso (logoV) são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo (dialogoV) interior e silencioso da alma consigo mesma que chamamos pensamento.” (PLATÃO, 1995, p. 263e) (GADAMER, 1999b, p. 180); (2) o caráter refratário às tendências esotéricas ocasionadas pela indizibilidade. No Sofista, o Estrangeiro tende a considerar o caráter místico e esotérico do discurso sobre o ser como produzindo indizibilidade (incomunicabilidade) e ensejo a experiências iniciáticas (PLATÃO, 1995, p. 243b-c). Também Hegel pretende que sua dialética especulativa disponha racionalmente o místico e o esotérico, rebaixando-o ao simples ponto de vista do entendimento (HEGEL, 1970, 7, p. 307) (HEGEL, 1970, 8, p. 226 e 279). Nesse sentido, a dialética do ser e do nada, que resulta no devir e no ser determinado, seria uma resolução da dialética da indizibilidade. O nada como indizível (das Unsagbare, die bloße Meinung) (HEGEL, 1970, 8, p. 187) ameaçaria o discurso sobre o que é: a mediação, o nexo inferencial, presidiria, como autonegação do indeterminado, a possibilidade da predicação; e (3) o contextualismo. (PLATÃO, 1995, p. 261e e 267a/b) "É que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas [...] não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente nomeia, e a este entrelaçamento (efqegxamena), demos o nome de discurso (logoV).” (PLATÃO, 1995, p. 262d). , também fenômenos "privativos" são acontecimentos de linguagem (GADAMER 1999b, p. 217). É constitutiva da vida da linguagem a tensão entre o convencionalismo e a individualização (GADAMER 1999b, p. 208), entre o universal e o singular, uma tensão que eclode em toda a sua liberdade no uso poético (GADAMER 1999b, p. 208). Antecipando textos mais recentes (LAWN, 2004, p. 125-131), Gadamer sustenta aqui o uso poético da linguagem como caso paradigmático ao qual a hermenêutica deve, em sua crítica à objetivação semântica da linguagem, voltar-se, às "[...] formas em que o dizer movimenta-se para trás de si mesmo": "[...] o dizer implica sempre um sentido implícito que só exerce sua função de sentido permanecendo como pano de fundo." (GADAMER, 1999b, p. 210).

Para além de sua significação puramente instrumental, reificada, objetificada, favorecida no ocidente (GADAMER, 1999b, p. 174-176), a linguagem tem, para a hermenêutica, especificidades constitutivas. Primeiramente, o "[...] esquecimento essencial de si mesmo que advém à linguagem", em virtude do que o "[...] fenômeno da linguagem é tão enigmático, atrativo e fugidio" (GADAMER, 1999b, 233), de maneira que sua concretização efetiva "[...] faz com ela desapareça detrás daquilo que nela se diz." (GADAMER, 1999b, p.178-179). Em segundo lugar - e de maneira fortemente vinculada ao caráter tanto mais inconsciente quanto mais vivo do ato de linguagem -, está a dimensão primordialmente espiritual, supraindividual da linguagem falada, sua realidade dinâmica, dialógica e lúdica, a qual provoca, frente à aparência de disponibilidade e controle por parte da consciência individual, a "[...] saída extática de si próprio para um nexo dinâmico que desenvolve sua própria dinâmica" (GADAMER, 1999b, p. 180). Sob seu terceiro aspecto específico e que excede o significado puramente instrumental, a linguagem põe em xeque, com sua oniabrangência, a inefabilidade. "A negação da linguagem testemunha sua capacidade de buscar expressão para tudo." (GADAMER, 1999b, p. 217). Por mais inacabado que seja o diálogo, a linguagem sempre denuncia, em seu "mover-se para trás de si mesma", paradigmaticamente na poética, a tensão entre o dito e o não-dito como forjadora do sentido poético linguisticamente inacabado29 29 Para uma boa sinopse: "[...] em todos os nossos pensamentos e conhecimentos sempre já fomos precedidos pela interpretação do mundo feita na linguagem [...] a linguagem representa o verdadeiro vestígio de nossa finitude. A linguagem sempre já nos ultrapassou. O parâmetro para medir seu ser não é a consciência do indivíduo. Não existe consciência individual que pudesse conter sua linguagem. Mas como existe então a linguagem? Com certeza não sem a consciência individual. Mas também não na mera reunião de muitas consciências individuais.” (GADAMER, 1999b, p. 178). .

Uma maneira de perceber como a hermenêutica de Gadamer procura fazer frente à reificação e à instrumentalização da linguagem é considerar sua diferenciação entre enunciado e enunciação (GADAMER, 1999b, p. 226), entre enunciado proposicional e a "dialética da palavra", sua envergadura entre uno e múltiplo (GADAMER, 1999a, p. 664). Por meio desta, Gadamer pretende fazer retroceder a opção decisiva do ocidente pelo logos apofantikos, a linguagem tomada na pura imanência do dizer, do "[...] mostrar-se do que foi dito" (GADAMER, 1999b, p. 227). Como resultado, tem-se que a visão holística ou hermenêutica da linguagem não se reduz a um contextualismo da palavra (GADAMER, 1999b, p. 332), não se reduz a conceber "[...] o fenômeno da linguagem a partir do enunciado isolado, mas a partir da totalidade de nosso comportamento no mundo, o qual é por sua vez também uma vida em diálogo." (GADAMER, 1999b, p. 224). Para Gadamer, a autoproteção da linguagem frente à força corrosiva da reflexão, o autoesquecimento que impele o falar para além do enunciado isolado em direção ao inconsciente, "a unidade vital da linguagem", "[...] aparece claramente, sobretudo, no uso poético da linguagem." (GADAMER, 1999b, p. 223)

Nos últimos capítulos de Verdade e Método, Gadamer retoma inspirações fundamentais da dialética especulativa de Hegel, a fim de tornar mais explícito o caráter antissubjetivista da experiência hermenêutica estruturada linguisticamente30 30 A hermenêutica se dirige à refutação de qualquer teoria que negue a unidade interna entre palavra e coisa, ou seja, a recíproca constituição entre mundo e linguagem, a linguisticidade originária do mundo, que é a contrapartida da mundanidade originária da compreensão linguística (GADAMER 1999a, p. 522). . "Esta dialética não é, pois, um fazer externo de um pensar subjetivo, mas a alma própria do conteúdo [...] o pensar enquanto subjetivo apenas olha, sem adicionar ingrediente algum de sua parte [...] a ciência tem somente a tarefa de trazer à consciência esse trabalho próprio da razão da coisa." (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 7, p. 84). Certamente, Gadamer tende a concordar de um modo geral com Hegel na ideia implícita, vista acima, de que "[...] a verdade da tradição é como o presente que está imediatamente aberto aos sentidos, [mas] o modo de ser da tradição não é imediatamente sensível. Ele é linguagem." (GADAMER 1999a, p. 671). Contudo, garante Gadamer, se a experiência hermenêutica tem, por um lado, sua própria dialética enquanto "[...] um fazer da própria coisa", na medida em que "[...] o desenvolvimento do todo do sentido a que está orientada a compreensão nos força à necessidade de interpretar e de novo nos retirar" (GADAMER 1999a, p. 671), por outro lado, Gadamer vê a insuficiência da dialética clássica na submissão da linguagem a seu enunciado (GADAMER 1999a, p. 679), no afã de "[...] liberar-se por completo do poder da linguagem" (GADAMER 1999a, p. 674), pelo que fica aquém da Sprachlichkeit da experiência humana do mundo.

Conforme Gadamer, apenas a hermenêutica é capaz de fazer jus ao elemento especulativo da linguagem como "[...] realização de sentido, como acontecer do falar, do entender-se, do compreender. Essa realização é especulativa, na medida em que as possibilidades finitas da palavra estão submetidas ao sentido intencionado como uma orientação rumo ao infinito." (GADAMER 1999a, p. 679). Com efeito, o caráter especulativo da linguagem falada, que excede a própria dialética, reside numa "[...] unidade de sentido com a infinitude do não dito" (GADAMER 1999a, p. 680), por meio do que vem à fala uma relação com o todo do ser. Mais uma vez, a força viva da enunciação poética é o que paradigmaticamente deixa perceber a assimilação crítica da dialética. Por um lado, no poema como enunciado, a "[...] emancipação do que foi dito com respeito a toda opinião e vivência subjetiva constitui a realidade da palavra poética." (GADAMER 1999a, p. 680). Por outro lado, ao expressar como acontecer linguístico uma relação própria com o ser, a enunciação poética é especulativa por operar a proeza da contração do infinito no finito31 31 "O poema, que logrou ser obra e criação, não é ideal, mas é espírito reanimado a partir da vida infinita ... se abre um mundo divino e humano ... não copia uma realidade que já é ... mas representa o novo aspecto de um mundo novo no âmbito imaginário da invenção poética.” (GADAMER, 1999a, p. 681). .

À Guisa de Conclusão

Este artigo não teve uma pretensão de modo nenhum exaustiva. Quando muito, sua função foi apenas preliminar. Nosso objetivo foi mostrar que, a despeito muitas vezes da recepção de Hegel pelos filósofos do século XX, seu pensamento tem ainda surpreendentes potenciais heurísticos para a história da filosofia, isto é, pode ainda facultar uma compreensão abrangente das linhas de força do debate filosófico contemporâneo. Em nosso caso, minha hipótese interpretativa consiste em que há, a partir de uma leitura de elementos do pensamento hegeliano que se conectam ao problema da linguagem, a possibilidade de buscar na dialética hegeliana elementos que promovem ao menos uma transição entre essas que me parecem ser as mais fundamentais correntes da reflexão filosófica sobre a linguagem, produzidas nos séculos XIX e XX, mas também desdobradas no século XXI, a saber: a concepção semântico-pragmática de linguagem e a concepção hermenêutica de linguagem. Creio, como tentei demonstrar acima, que aquilo que favorece essa comunicação é a maneira como Hegel pensa a relação entre intersubjetividade e objetividade.

A questão da articulação entre objetividade e intersubjetividade é um problema de vital importância, na filosofia pós-wittgensteiniana da linguagem, particularmente sob a perspectiva das relações entre semântica e pragmática32 32 No início das Investigações Filosóficas, Wittgenstein vincula uma das diretrizes da "[...] visão agostiniana da linguagem”, segundo a qual "[...] sentenças são combinações de nomes”, a decorrências emblemáticas. A única função da linguagem seria representar a realidade, as palavras se refeririam aos objetos e as frases descreveriam suas concatenações (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p. 237), uma defesa da função puramente descritiva das sentenças, de uma ênfase na função representacional ou descritivista da linguagem (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p. 250). Com sua tese do significado como uso (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p 262), a qual articula os problemas do significado e da compreensão, ele sustenta uma concepção pragmática de linguagem para a qual a comunicação e apreensão do sentido estão incontornavelmente associadas ao aferimento de performances apropriadas a regras, aferimento cujo critério é a própria utilização da linguagem por uma comunidade linguística. Eis por que a discussão da compreensão do sentido e do significado, como contrapartida de performances apropriadas, serve à sustentação das importantes posições segundo as quais compreender sentenças ou palavras significa compreender uma linguagem (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p. 344), isto é, engajar-se numa prática comunitária (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p. 345) regida por regularidades (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p. 345) que sedimentam a normatividade de uma forma de vida (WITTGENSTEIN, 1984, 1, p. 356). . Ao derivar de sua relativização da ênfase tradicional sobre o papel descritivo ou representacional das sentenças (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 23-24) a tese de que essa função constatativa dos proferimentos se acha possibilitada por determinadas circunstâncias pragmáticas, isto é, elementos que dizem respeito à relação dos falantes com os signos (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., p. 25-27), Wittgenstein prepara uma tese que vai ser muito influente sobre os expoentes da tradição pragmática, em especial, por Austin, a saber: a unidade fundamental entre semântica e pragmática, entre conteúdo proposicional e força ilocucionária, quer dizer, a tese de que referência e predicação somente são possíveis como partes integrantes de um ato ilocucionário.

Austin modificou substancialmente suas concepções, já ao longo das preleções que deram origem a How to do things with words, tornando prescindível a distinção entre proferimentos constatativos e performativos e assimilando seu significado à concepção mais abrangente de ato de fala. A partir desse ensejo, ele faz interessantes considerações em torno da dimensão intersubjetiva da validade objetiva. Austin pretende, antes de tudo, mostrar que a expectativa verificacionista de que a validação veritativa de declarações é absolutamente objetiva e constitui uma severa simplificação das coisas, pois as declarações estão frequentemente limitadas, na apreciação objetiva de sua verdade ou falsidade, às condições limites e equívocas (AUSTIN, 1975AUSTIN, J. How to do things with words. New York: Oxford University Press, 1975., p. 145)

Essa concepção da verdade, em sua dimensão pragmática, permite a Austin um interessante exercício de relativização de sua distinção original. O proferimento constatativo consistia numa abstração das demais dimensões do ato de fala, além do recurso a uma noção de verdade como correspondência que abstraía do componente ilocucionário (AUSTIN, 1975AUSTIN, J. How to do things with words. New York: Oxford University Press, 1975., p. 145-146). O performativo era uma abstração da dimensão de correspondência aos fatos, a partir da qual se erige o conteúdo proposicional (AUSTIN, 1975AUSTIN, J. How to do things with words. New York: Oxford University Press, 1975., p. 146). O autor envereda, então, por um fio de pensamento, por assim dizer, hegeliano: as abstrações teóricas são compreendidas como polos num desenvolvimento histórico (AUSTIN, 1975AUSTIN, J. How to do things with words. New York: Oxford University Press, 1975., p. 146-147). Assim como para Hegel, o mais adequado para Austin, do ponto de vista de uma consideração da práxis comunicativa, seria justamente a mediação entre intersubjetividade e objetividade, uma concepção mais abrangente da linguagem como atividade, como algo, no jargão de Hegel, espiritual. Nesse sentido, a teoria dos atos de fala traz a vantagem de articular a perspectiva pragmática da relação intersubjetiva entre falante e ouvinte com a perspectiva semântica da relação objetiva da linguagem ao mundo (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 8).

Se entendermos essa "mediação" no sentido propriamente dialético de uma articulação que convive com a preservação da plena autonomia dos polos, é forçoso reconhecer que, apesar de criticar a proposta de Brandom como repaginação da recaída de Hegel no idealismo objetivo, na "[...] assimilação da objetividade da experiência à intersubjetividade do entendimento mútuo" (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 15), Habermas considera ainda potenciais inovadores para a filosofia teórica, na argumentação hegeliana, ao menos enquanto esta for concebida como uma genuína dialética entre intersubjetividade e objetividade. Não fosse por isso, Habermas não teria feito deste o seu ponto de partida para uma intervenção contemporânea: a relativização, seguindo Dummett, da abstração do objetivo comunicacional em relação à função representacional, e da abstração da função representativa em relação ao objetivo comunicativo, defendendo a recíproca pressuposição das funções comunicativa e representacional (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 10-11).

Por outro lado, se Hegel radicaliza a relação kantiana entre pretensões de validade objetiva e intersubjetividade, num sentido em que essa dinâmica se torna mais claramente estruturada linguisticamente, é verdade também que tal ligação não tem sido pertinente apenas no ambiente analítico. Gadamer defenderá uma relativização da verticalidade da semântica (objetividade) na horizontalidade da hermenêutica (intersubjetividade do diálogo), sob a alegação de que, estando a semântica presa à percepção da linguagem como composta de signos, os quais são instrumentos de que lançamos mão com o objetivo de nos comunicarmos, ela está aquém da experiência vital da língua onde vivemos, isto é, onde o que queremos comunicar só pode ser conhecido na forma da linguagem (GADAMER, 1999b, p. 209). Essa horizontalidade da linguagem, na qual se reúnem originariamente, para Gadamer, o eu e o mundo, corresponde, tendo em vista sua reclamada finitude e historicidade (GADAMER, 1999a, 600) - apesar da proximidade "metodológica" à mediação dialética do conceito, denunciada pela reconsideração do spekulativer Satz (ver HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 58) (GADAMER, 1999a, p. 602-603) -, a uma estrutura especulativa do meio linguístico, a uma estrutura ontológica universal, que preside a constituição fundamental de tudo aquilo a que a compreensão pode se voltar, o que o leva a estabelecer que "[...] ser que pode ser compreendido é linguagem." (GADAMER, 1999a, p. 612). Essa "virada hermenêutica da ontologia", embasada no modo especulativo da linguagem, em seu significado ontológico universal (GADAMER, 1999a, p. 613) e na tese de que a constituição especulativa do ser que subjaz à hermenêutica tem a mesma amplitude universal que a razão e a linguagem (GADAMER, 1999a, p. 615), faz da linguagem não só "[...] medium da experiência hermenêutica" (GADAMER, 1999a, p. 497), mas também - e por isso mesmo - a própria estruturação da experiência do mundo (GADAMER, 1999a, p. 589).

Finalmente, mesmo quando não se trata de hermenêutica tornada ontologia - quando, portanto, é o caso de uma assimilação crítica (APEL, 2000bAPEL, K-O. Transformação da filosofia. V.2: o a priori da comunidade de comunicação. São Paulo: Loyola, 2000.) (HABERMAS, 1987______. Dialética e hermenêutica. Porto Alegre: L&PM, 1987.) -, certa herança hegeliana pode ser percebida, ainda que a intersubjetividade não seja mais pensada no sentido ontológico-hermenêutico do λογος platônico, mas pragmático. Apel sugere que a filosofia contemporânea da linguagem deveria recuperar, diante da diversidade de suas orientações, uma lição hegeliana: "[...] a formação filosófica de conceitos, na era das ciências particulares, precisa fundar-se não apenas sobre a abstração metódica do "entendimento", mas também sobre a retrogradação (metódica?) das abstrações do intelecto, constitutivas do objeto e obtidas por meio da "razão". (APEL, 2000bAPEL, K-O. Transformação da filosofia. V.2: o a priori da comunidade de comunicação. São Paulo: Loyola, 2000., p. 376). Tal "conceito filosófico de linguagem", um conceito "transcendental-hermenêutico", refratário ao estranhamento heideggeriano entre filosofia e ciências (APEL, 2000bAPEL, K-O. Transformação da filosofia. V.2: o a priori da comunidade de comunicação. São Paulo: Loyola, 2000., 377), seria o único expediente capaz de tornar criticamente inteligíveis as tematizações linguísticas metódico-abstrativas feitas pelas ciências, e estaria apto a mostrar, numa lembrança à articulação hegeliana entre intersubjetividade e objetividade, que "[...] as determinações da linguagem feitas a partir de sua função designativa e comunicativa não eram falsas, mas filosoficamente insuficientes." (APEL, 2000bAPEL, K-O. Transformação da filosofia. V.2: o a priori da comunidade de comunicação. São Paulo: Loyola, 2000., p. 378-379). Habermas assinala, por sua vez, que a "[...] hermenêutica filosófica desconhece o direito autônomo da função cognitiva da linguagem", e "[...] não considera a possibilidade de uma interação entre o a priori de sentido da linguagem e o resultado de processos intramundanos de aprendizado" (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 81). Por outro lado, a filosofia analítica, mesmo quando não se precipita na primazia do a priori de sentido constatada no Wittgenstein tardio (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 82) e reconhece a autonomia da função cognitiva (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 81), apresenta uma considerável inépcia para a Zeitdiagnose (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 95). Eis por que Habermas, para quem Hegel constitui o ponto de partida de uma modernidade que faz de si mesma Zeitdiagnose (HABERMAS, 1985, capítulos I e II), diante das aporias de uma crítica totalizante da razão (HABERMAS, 1985), na intenção de dar continuidade à teoria materialista da sociedade, através de uma teoria do agir comunicativo que diferencia comunicação de discurso, socialização individualizadora de razão procedimental, "[...] fazendo justiça ao sentido autônomo social-evolucionário de processos de aprendizagem intramundanos" (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 94-95), encontra acolhida no resgate, antecipado por Apel, de uma intuição hegeliana: "[...] uma dialética entre a abertura ao mundo e processos intramundanos de aprendizagem." (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 96).

  • 3
    Nessa compreensão das exigências modernas do que se deva chamar "experiência” reside o que Brandom sustenta ser o compromisso filosófico, herdado de Kant por Hegel, com o caráter normativo dos conceitos, "lógico-estruturais” e "empíricos”, o que Brandom entende, na esteira de Wittgenstein, como o que perfaz a exigência filosófica de expor as condições de possibilidade da determinidade de nossos compromissos, responsabilidades e obrigações (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 212, 214). O pragmatismo semântico de Hegel residiria na radicalização dessa compreensão do conteúdo conceitual em termos das operações envolvidas na aplicação do conceito (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 210).
  • 4
    Ao "enunciar” seu "método” dialético, Hegel o contrasta com uma modalidade puramente negativa de dialética, a qual "[...] aparece frequentemente também em Platão (häufig auch bei Platon erscheint).” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 7, p. 83, grifo meu). Apesar disso, o entusiasmo diante do Sofista como momento antecipador de sua própria posição filosófica também é evidente (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 18, p. 68).
  • 5
    A discussão que precede a enunciação formal da ciência dialética foi direcionada pela necessidade de interpenetração e participação recíproca entre uno e múltiplo, enquanto condição de uma teoria consistente da predicação (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 251c). Em seguida, encaminha-se a compreensão da dialética como teoria da comunidade recíproca dos gêneros supremos (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 254c/d). Finalmente, depois de defendido o estatuto ontológico do não-ser como alteridade (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 258 b/c), o próprio princípio de não-contradição é enunciado, a partir do vislumbre dialético nas condições ontológico-discursivas da comunidade dos gêneros, como condição da predicação (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 256 a/b). A dialética aparece, assim, como ciência das condições (contextuais e holísticas) da predicação e do λογος αποφαντικος.
  • 6
    "É que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas que são, ou se tornaram, ou foram, ou serão; não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente nomeia, e a este entrelaçamento (εφθεγξαμενα), demos o nome de discurso (λογος).” (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 262d). Parece, então, que Platão antecipa a radicalização wittgensteiniana do assim chamado princípio fregeano do contexto. No Tractatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein menciona que "[...] apenas a proposição tem sentido (Sinn); apenas no contexto de proposição um nome tem significado (Bedeutung).” (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 20). Tal noção é radicalizada pragmaticamente no Livro Azul: "[...] compreender uma sentença significa compreender uma linguagem. Enquanto parte de um sistema de linguagem, pode-se dizer, uma sentença tem vida.” (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 5, p. 21).
  • 7
    "Pensamento (dianoia) e discurso (logoV) são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo (dialogoV) interior e silencioso da alma consigo mesma que chamamos pensamento.” (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 263e).
  • 8
    Penso aqui, sobretudo, naquilo que, em geral, pode ser resumido numa célebre formulação: "[...] ser que pode ser compreendido é linguagem.” (GADAMER, 1999a, p. 612).
  • 9
    Brandom discute o papel da mediação (Vermittlung) na "[...] articulação inferencial de conteúdos induzida por relações de negação determinada”, ou seja, relações de incompatibilidade material (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 181). A incompatibilidade material se tornaria, para Hegel, a estrutura normativa mais fundamental dos conteúdos conceituais.
  • 10
    Sobre isso, ver a discussão feita por Brandom sobre a articulação da noção de incompatibilidade material, enquanto o que permite a plena determinação de um conteúdo como plenamente individuado, diferenciando-o da simples negação de propriedades, no capítulo sobre a "Percepção” (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 179, 180, 184).
  • 11
    Segundo Pinkard, sendo uma consideração reflexiva e autoconsciente dos padrões e normas que reivindicam legitimidade, "[...] todas estas formas de autoconsciência tem uma estrutura mediada (isto é, inferencial).” (PINKARD, 1996PINKARD, T. Hegel's phenomenology: the sociality of reason. Cambridge: Cambridge University Press, 1996., p. 8). Do ponto de vista histórico-filosófico, a tese de uma alegada "socialidade da razão”, a qual pretende que esteja em curso, na Fenomenologia, "[...] uma teoria normativa do agir racional de indivíduos ocupando posições no interior de um ‘espaço social’ compartilhado e governado por regras” (REDDING, 2007REDDING, P. Analytic philosophy and the return of Hegelian thought. New York: Cambridge University Press, 2007., p. 14), representa uma ainda mais estreita relação entre o idealismo alemão Kant, Fichte e Hegel e a "pragmática linguística.” (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., I, p. 344). A compreensão de frases está ligada ao engajamento apropriado nas práticas que tornam significativo determinado signo, nas práticas de seu uso, as quais são incorporadas em formas de vida socioculturais. Compreender uma linguagem, isto é, a diversidade do entrelaçamento entre os elementos linguísticos e as práticas extralinguísticas, é adquirir competências que habilitam à participação nessas atividades regradas.
  • 12
    De acordo com Brandom, um dos principais objetivos de Hegel, nessa passagem, é "[...] desdobrar os compromissos implícitos nas concepções holistas de conteúdo e reunir as matérias-primas necessárias à explicação do mesmo.” (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 187). Nesse sentido, "[...] não se pode entender as relações de incompatibilidade objetiva que articula a estrutura conceitual relacional em virtude da qual o mundo é determinado, a não ser que se entendam os processos e práticas constituindo o reconhecimento (acknowledgment) da incompatibilidade subjetiva dos compromissos que são, por meio disso, tratados como representações de tal mundo.” (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 193).
  • 13
    Trata-se, enquanto mediação do imediato consigo mesmo, da "infinitude simples – ou o conceito absoluto”, o qual se deve "[...] chamar a essência simples da vida, a alma do mundo, o sangue universal, que onipresente não é perturbado nem interrompido por nenhuma diferença, mas que antes é todas as diferenças como também seu ser-suspenso; assim, pulsa em si sem mover-se, treme em si sem inquietar-se.” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 131).
  • 14
    Para uma visualização da relação entre esse conceito de infinitude e o "holismo semântico”, um "[...] todo tendo dentro dele as diferenças, como uma estrutura articuladora essencial”, ver: Brandom (2002, p. 185-186)______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002..
  • 15
    A dialética especulativa espera, desse ponto de vista epistemológico, "[...] entender as estruturas holísticas atravessando os momentos, começando com concepções das coisas como são imediatamente ou em si mesmas, movendo-se em seguida à captação das mesmas como o que são mediadas ou para outros, e então para entender o que elas são em si mesmas como constituídas pelo que são para outros, enquanto imediatidade mediada.” (BRANDOM, 2002______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002., p. 209).
  • 16
    "Hegel refuta a tese de que o sujeito cognoscente, falante e agente se encontra diante da tarefa de construir uma ponte sobre o abismo entre si e o outro separado dele. Um sujeito que está de antemão junto de seu outro não percebe nenhum déficit que exija compensação. Percepções e juízos se articulam em uma teia de conceitos previamente fechada linguisticamente [...] Tal sujeito não pode estar junto a si mesmo sem estar junto ao outro.” (HABERMAS, 2004______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004., p. 195).
  • 17
    Enquanto "[...] reconstruída [...] em um povo”, a linguagem se torna um aniquilar do exterior que é ele mesmo uma exterioridade, "[...] o qual tem de ser aniquilado, suspenso, a fim de se tornar linguagem designativa (um zur bedeutenden Sprache zu werden), tornar-se aquilo o que ela é em si, segundo seu conceito. Portanto, ela é no povo como um outro algo morto que não ela mesma, tornando-se totalidade ao ser superada enquanto um exterior e ao chegar a seu conceito (zu ihrem Begriff wird).” (HEGEL, 1986______. Jenaer systementwürfe I. Hamburg: Felix Meiner, 1986., p. 227).
  • 18
    A "ingenuidade” da metafísica pré-crítica consiste em tomar como objetos "[...] totalidades que pertencem em si e para si à razão” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 96), contudo, tratando-os como "apoio fixo” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., p. 96), como "[...] sujeitos dados como já prontos” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., p. 96), resta adotar a doutrina tradicional da predicação para expor o conteúdo desses objetos.
  • 19
    "[U]ma vez que o predicado é ele mesmo exprimido como um sujeito, enquanto o ser, enquanto a essência, a qual esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra o sujeito imediatamente no predicado.” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 96).
  • 20
    "[...] na proposição filosófica, a identidade do sujeito e do predicado não pode aniquilar a diferença dos mesmos, a qual exprime a forma da proposição. Antes, a identidade deles deve surgir como uma harmonia.” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 58).
  • 21
    Essa aproximação suscita a difícil questão de como a linguagem pode abrigar a estrutura pura da "forma infinita” e a própria historicidade. "Forma e conteúdo linguísticos [...] se pressupõem reciprocamente e se fundam um ao outro. Nós podemos, então, definir a linguagem como a identidade-na-diferença da forma gramatical universal e do conteúdo lexical particular.” (VERNON, 2007VERNON, J. Hegel's philosophy of language. New York: Continuum, 2007., p. 116).
  • 22
    E, para Hegel, não há aqui nada que deva ser lamentado, pois "[...] é ridículo considerar o estar-vinculado do pensamento à palavra como uma falha do primeiro ou como uma lástima [...] A palavra fornece aos pensamentos, por conseguinte, seu ser-aí mais digno e verdadeiro [...] Assim como o verdadeiro pensamento é a coisa, da mesma forma também [verdadeira é] a palavra, quando ela é utilizada (gebraucht) pelo pensamento verdadeiro. Por isso, quando a inteligência se preenche com a palavra, acolhe dentro de si a natureza da coisa (Sache).” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 279).
  • 23
    "Linguagem” entendida no bojo de uma teoria geral da "mediação” (Vermittlung), enquanto "passagem” (Übergang) de "[...] palavras que só exprimem (ausdrücken) a intuição como algo imediato, mesmo que seja somente passagem para outra proposição.” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 22).
  • 24
    A certeza sensível é a "história de sua experiência” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 89), a saber: aqueles que defendem qualquer forma autossuficiente de conhecimento imediato, sobre "[...] coisas efetivas, absolutamente singulares, totalmente pessoais e individuais [...] não dizem aquilo que visam. Se eles efetivamente quisessem dizer este pedaço de papel, o qual visam – e eles quereriam dizê-lo – então isso é impossível, pois o isto sensível, que é visado, é inalcançável à linguagem, a qual pertence à consciência, àquilo [que é] em si universal [...] eles dizem delas somente o universal. Por conseguinte, aquilo que é denominado inexprimível (das Unaussprechliche) nada mais é do que o não-verdadeiro, não-racional, simplesmente visado.” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 3, p. 90-91).
  • 25
    "Na medida em que a linguagem é a obra do pensamento (das Werk des Gedankens), também nela nada se pode dizer que não seja universal. O que eu apenas viso (meine) é meu (mein), pertence-me enquanto a este indivíduo particular; mas, se a linguagem só expressa o universal, eu não posso dizer o que apenas viso.” (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 70).
  • 26
    Não posso aqui detalhar essa questão. Refiro-me, pelo lado nietzschiano dessas ressalvas, à preservação do inacabamento do sentido poético, da imagem, da intuição; pelo lado heideggeriano das ressalvas, refiro-me à percepção da tensão entre identidade e diferença à luz de uma radicalização ontológica da noção hermenêutica de imagem linguística do mundo (HABERMAS, 1999, capítulo 1).
  • 27
    Aludo, neste ponto, a uma bela análise da relação entre Hegel e a hermenêutica filosófica, através de uma filosofia da linguagem pensada por meio da "sentença especulativa” (VERNON, 2007VERNON, J. Hegel's philosophy of language. New York: Continuum, 2007., p. 118 ss), e também a uma percepção da importância da "sentença especulativa” para a filosofia da linguagem em Hegel (HOULGATE, 1986HOULGATE, S. Hegel, Nietzsche and the criticism of metaphysics. New York: Cambridge University Press, 1986., p. 115 ss.) Tal estrutura especulativa do meio linguístico, uma estrutura ontológica universal que preside a constituição fundamental de tudo aquilo a que a compreensão pode se voltar, conduz à ideia de que "[...] ser que pode ser compreendido é linguagem” (GADAMER, 1999a, p. 612). Há que se considerar aqui a amplitude, significado e importância do hermeneutic turn, bem como da virada linguística na própria hermenêutica (ROHDEN, 2005, p. 64-75) (LAFONT, 1999LAFONT, C. The linguistic turn in hermeneutic philosophy. Cambridge: The MIT Press, 1999., p. 55 ss). Essa "virada hermenêutica da ontologia”, embasada no modo especulativo da linguagem, em seu significado ontológico universal (GADAMER, 1999a, p. 613), e na tese de que a constituição especulativa do ser que subjaz à hermenêutica tem a mesma amplitude universal que a razão e a linguagem (GADAMER, 1999a, p. 615), faz da linguagem não só "medium da experiência hermenêutica” (GADAMER, 1999a, p. 497), mas também – e por isso mesmo – a própria estruturação da experiência do mundo (GADAMER, 1999a, p. 589). A "sentença especulativa” não é o único tópico do pensamento hegeliano que influencia a hermenêutica filosófica, a qual absorve também o conceito hegeliano de experiência (ROHDEN, 2005, p. 83-93).
  • 28
    Hegel e Gadamer mantêm uma relação íntima com o Sofista de Platão, sobretudo com: (1) suas tendências intersubjetivistas. "Pensamento (dianoia) e discurso (logoV) são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo (dialogoV) interior e silencioso da alma consigo mesma que chamamos pensamento.” (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 263e) (GADAMER, 1999b, p. 180); (2) o caráter refratário às tendências esotéricas ocasionadas pela indizibilidade. No Sofista, o Estrangeiro tende a considerar o caráter místico e esotérico do discurso sobre o ser como produzindo indizibilidade (incomunicabilidade) e ensejo a experiências iniciáticas (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 243b-c). Também Hegel pretende que sua dialética especulativa disponha racionalmente o místico e o esotérico, rebaixando-o ao simples ponto de vista do entendimento (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 7, p. 307) (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 226 e 279). Nesse sentido, a dialética do ser e do nada, que resulta no devir e no ser determinado, seria uma resolução da dialética da indizibilidade. O nada como indizível (das Unsagbare, die bloße Meinung) (HEGEL, 1970HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970., 8, p. 187) ameaçaria o discurso sobre o que é: a mediação, o nexo inferencial, presidiria, como autonegação do indeterminado, a possibilidade da predicação; e (3) o contextualismo. (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 261e e 267a/b) "É que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas [...] não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente nomeia, e a este entrelaçamento (efqegxamena), demos o nome de discurso (logoV).” (PLATÃO, 1995PLATÃO. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press: New York, 1995. V. 1. (Oxford Classical Texts)., p. 262d).
  • 29
    Para uma boa sinopse: "[...] em todos os nossos pensamentos e conhecimentos sempre já fomos precedidos pela interpretação do mundo feita na linguagem [...] a linguagem representa o verdadeiro vestígio de nossa finitude. A linguagem sempre já nos ultrapassou. O parâmetro para medir seu ser não é a consciência do indivíduo. Não existe consciência individual que pudesse conter sua linguagem. Mas como existe então a linguagem? Com certeza não sem a consciência individual. Mas também não na mera reunião de muitas consciências individuais.” (GADAMER, 1999b, p. 178).
  • 30
    A hermenêutica se dirige à refutação de qualquer teoria que negue a unidade interna entre palavra e coisa, ou seja, a recíproca constituição entre mundo e linguagem, a linguisticidade originária do mundo, que é a contrapartida da mundanidade originária da compreensão linguística (GADAMER 1999a, p. 522).
  • 31
    "O poema, que logrou ser obra e criação, não é ideal, mas é espírito reanimado a partir da vida infinita ... se abre um mundo divino e humano ... não copia uma realidade que já é ... mas representa o novo aspecto de um mundo novo no âmbito imaginário da invenção poética.” (GADAMER, 1999a, p. 681).
  • 32
    No início das Investigações Filosóficas, Wittgenstein vincula uma das diretrizes da "[...] visão agostiniana da linguagem”, segundo a qual "[...] sentenças são combinações de nomes”, a decorrências emblemáticas. A única função da linguagem seria representar a realidade, as palavras se refeririam aos objetos e as frases descreveriam suas concatenações (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 237), uma defesa da função puramente descritiva das sentenças, de uma ênfase na função representacional ou descritivista da linguagem (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 250). Com sua tese do significado como uso (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p 262), a qual articula os problemas do significado e da compreensão, ele sustenta uma concepção pragmática de linguagem para a qual a comunicação e apreensão do sentido estão incontornavelmente associadas ao aferimento de performances apropriadas a regras, aferimento cujo critério é a própria utilização da linguagem por uma comunidade linguística. Eis por que a discussão da compreensão do sentido e do significado, como contrapartida de performances apropriadas, serve à sustentação das importantes posições segundo as quais compreender sentenças ou palavras significa compreender uma linguagem (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 344), isto é, engajar-se numa prática comunitária (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 345) regida por regularidades (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 345) que sedimentam a normatividade de uma forma de vida (WITTGENSTEIN, 1984WITTGENSTEIN, L. Werkausgabe in 8 Bänden. Frankfurt: Suhrkamp, 1984., 1, p. 356).

Referências

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  • AUSTIN, J. How to do things with words New York: Oxford University Press, 1975.
  • BERSTEIN, R. The pragmatic turn Cambridge: Polity Press, 2010.
  • BRANDOM, R. Making it explicit Cambridge: Harvard University Press, 1994.
  • ______. Tales of the mighty dead: historical essays in the metaphysics of intentionality. Cambridge: Harvard University Press, 2002.
  • FALKE, G. Begriffene geschichte: das historische substrat und die systematische anordnung der bewußtseinsgestalten in Hegels 'phänomenologie des geistes'. interpretation und kommentar. Berlin: Lukas, 1996.
  • HABERMAS, J. Arbeit und interaktion: bemerkungen zu Hegels Jenenser "philosophie des geites". In: GÖHLER, G. Frühe politische systeme Frankfurt am Main: Ullstein, 1974.
  • ______. Dialética e hermenêutica Porto Alegre: L&PM, 1987.
  • ______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004.
  • HEGEL, G.W.F. Werke in 20 Bände Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970.
  • ______. Jenaer systementwürfe I Hamburg: Felix Meiner, 1986.
  • HOULGATE, S. Hegel, Nietzsche and the criticism of metaphysics New York: Cambridge University Press, 1986.
  • HUME, D. Hume: an enquiry concerning human understanding: and other writings. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. (Cambridge Texts in the History of Philosophy).
  • KAHLENBERG, T. Die Befreiung der Natur: natur und selbstbewusstsein in der philosophie Hegels. Hamburg: Felix Meiner, 1997.
  • KANT, I. Kants Werke: Akademie textausgabe. Berlin: Walter de Gruyter, 1968.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2015
  • Aceito
    23 Maio 2016
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