Acessibilidade / Reportar erro

O crime organizado entre a criminologia e a sociologia: Limites interpretativos, possibilidades heurísticas1 1 O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do Projeto “Building Democracy Daily: Human Rights, Violence, and Institutional Trust” do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, sob financiamento Cepid-Fapesp.

Organized crime between Criminology and Sociology: interpretative limits, heuristics possibilities

Resumo

O artigo problematiza o tratamento teórico e metodológico que o assim chamado crime organizado vem recebendo nas ciências sociais no Brasil. Estabelece uma reflexão articulada com a forma pela qual a criminologia abordou essa questão ao longo de sua história. Aponta algumas características da produção acadêmica nacional sobre o fenômeno, associado principalmente ao tráfico de drogas e aos grupos organizados que se formaram nas prisões. Apresenta uma agenda de pesquisa sobre o crime organizado que indica as potencialidades heurísticas de uma abordagem sociológica que tenha como elemento central o Estado em toda a sua complexidade política, institucional, jurídica, e a transitividade entre o legal e o ilegal como fator diferencial de sua dinâmica, ao propor a noção de “ilegalismo” como um enquadramento analítico para o fenômeno.

Palavras-chave:
Crime organizado; criminologia; Estado; Ilegalismo

Abstract

The paper proposes to question the theoretical and methodological treatment that the so-called organized crime has been receiving in Brazilian social sciences. It establishes an articulated reflection with which criminology addressed this issue throughout time. It points out some characteristics of the national academic production on the phenomenon, which is mainly associated with drug trafficking and organized groups formed in prisons. It presents a research agenda on organized crime by considering the heuristic potential of a sociological approach, which has as its central element the State in all its political, institutional, legal complexity, and the transitivity between legal and illegal as a differential factor of its dynamics, proposing the notion of “illegalism” as an analytical framework for the phenomenon.

Keywords:
Organized crime; Criminology; State; Illegalism

Introdução

Este artigo propõe uma reflexão sobre o fenômeno do “crime organizado” a partir de sua problematização como categoria de análise sociológica e da pertinência conceitual e metodológica de seu tratamento pelas ciências sociais. Primeiramente, pretende-se discutir a abordagem dessa categoria pelo discurso criminológico, reconhecendo as transformações atravessadas por esse saber desde sua constituição, no final do século XIX, sua aproximação com a sociologia a ponto de reivindicar parte de seus estudos, bem como as diferenças entre suas correntes e autores(as) que dificultam a apreensão da unicidade do seu discurso. Nesse sentido, é a própria autonomia do pensamento criminológico que vem a ser interpelada, bem como o alcance e os limites de suas contribuições para o debate acadêmico sobre criminalidade organizada.

Num segundo momento, este artigo volta-se à discussão, no interior dos estudos sobre criminalidade e violência, especialmente no campo das ciências sociais, no Brasil, do recurso à noção de crime organizado como categoria de análise, ao problematizar seu potencial heurístico frente aos limites de seu emprego normativo. Parte-se dos estudos que estabeleceram uma espécie de equivalência entre o fenômeno do crime organizado e as dinâmicas urbanas do comércio varejista de drogas nas periferias das grandes cidades e as facções criminais que se formaram nas prisões a partir dos anos 1980.

Reconhecem-se, ainda no campo das ciências sociais no Brasil, trabalhos que imprimiram avanços na tentativa de estabelecer maior precisão conceitual ao fenômeno, desdobrando sua configuração em elementos como a dimensão econômica das atividades subterrâneas que o integram, o trânsito entre o legal e o ilegal, e, por derradeiro, a qualificação mais precisa do papel do Estado.

Este artigo não tem como proposta estabelecer um estado da arte sobre as pesquisas referentes ao crime organizado no Brasil, nem mesmo um levantamento bibliográfico acerca do tema, parcial ou exaustivo. Nossa intenção, ao mobilizar os mais destacados e diferentes estudos sobre esse objeto, foi antes o de conhecer o tratamento conceitual e analítico que os cientistas sociais têm empregado em suas pesquisas e reflexões, para buscar identificar como e se a noção de crime organizado foi tratada como categoria de análise sociológica. Nesse sentido, nosso artigo pretende, antes de tudo, contribuir para um avanço teórico e metodológico no tratamento do fenômeno, a partir de uma sorte de problematizações.

São sugeridos alguns caminhos para uma análise sociológica do fenômeno que se distancie das abordagens marcadas pelo senso comum, bem como seja capaz de agregar outras dimensões ao recorte produzido tanto pelo direito como pelos estudos criminológicos e em diálogo mais direto com as pesquisas e os estudos produzidos nas ciências sociais. Em meio à complexidade que o fenômeno possui e às muitas possibilidades de sua abordagem, é proposta uma agenda de pesquisa que se organize em torno de dois eixos fundamentais, interconectados, estruturantes das demais dinâmicas que movem os grupos, as organizações que atuam nas atividades ilegais. A saber: as relações entre as economias ilegais e suas articulações com as atividades econômicas legais; e a relevância do Estado, suas agências e agentes, sua organização legal, suas disputas políticas, suas intervenções.

Por fim, indicamos que tais caminhos de pesquisa sobre o crime organizado poderão ser melhor amparados heuristicamente por uma abordagem que parta das análises propostas por Michel Foucault (1975Foucault, Michel. (1975), Surveiller et punir. Naissance de la prision. Paris, Gallimard.) em torno do neologismo “ilegalismo”, e mais precisamente da noção de “gestão diferencial dos ilegalismos”, por permitirem interpelar tanto a falsa neutralidade da categoria jurídica crime, como o papel canônico do Estado em sua repressão.

A sociologia, a criminologia e as armadilhas etiológicas

Sociologia e criminologia, e com algum atraso também a antropologia, emergem como saberes autônomos a partir da segunda metade do século XIX, reivindicando seu estatuto científico em um contexto fortemente marcado pela influência do pensamento positivista na Europa. Dentre as três, certamente a criminologia foi a mais influenciada pelos preceitos positivistas; portadora de um determinismo biológico expresso por preceitos sabidamente racistas, a criminologia, em seu alvorecer, voltou-se a delinear um sujeito patológico aprioristicamente constituído, o delinquente, para sobre ele constituir um campo de intervenção com vistas a modificá-lo, regenerá-lo, tratá-lo. Tendo na figura do médico italiano Cesare Lombroso (fundador da Escola Positiva italiana) a maior expressão, o saber criminológico emergente do século XIX deslocou o debate no campo da penologia, àquele momento, do crime para o criminoso, opondo-se assim ao discurso jurídico-penal dos reformadores liberais do século XVIII (Kaluszynski, 2005Kaluszynski, Martine. (2005), “Quand est née la criminologie? ou la criminologie avant les Archives…”. Criminocorpus [En ligne]. Disponível em Disponível em http://journals.openedition.org/criminocorpus/126 , consultado em 14/07/2020.
http://journals.openedition.org/criminoc...
; Darmon, 1991Darmon, Pierre. (1991), Médicos e assassinos na Belle Époque: a medicalização do crime. Rio de Janeiro, Paz e Terra.; Baratta, 1999Baratta, Alessandro. (1999), Criminologia Crítica e crítica do direito penal. Introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro, Freitas Bastos.). Foucault (1975Foucault, Michel. (1975), Surveiller et punir. Naissance de la prision. Paris, Gallimard.), ao estudar uma nova economia da punição que se inaugura nesse período, observa que é justamente o discurso criminológico que informará parte substantiva do saber que se produzirá em torno da prisão e sobre os sujeitos a ela destinados, e em seu assujeitamento a fim de torná-los dóceis, adestrados e úteis.

A criminologia positivista deixará seu legado em diferentes escolas de pensamento, orientando discursos e práticas voltados à eugenia e ao “racismo científico”, além de inspirar teorias jurídicas em sistemas penais de diferentes países, durante a primeira metade do século XX. No Brasil, além de influenciar uma geração de juristas e homens públicos no início do século XX (Alvarez, 2003Alvarez, Marcos César. (2003), Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e a Nova Escola Penal no Brasil. São Paulo, IBCCRIM.), a criminologia positivista constituirá a grande inspiração à “Escola Nina Rodrigues” (Corrêa, 2013Corrêa, Mariza (2013), As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.), marcando o emergir das ciências sociais no país, como um saber atrelado à medicina legal, entre o final do século XIX e início do XX2 2 Sobre a recepção da criminologia positivista nas ciências sociais no Brasil, ver: Souza (2005), Alvarez (2002); e, especificamente em relação à sociologia em São Paulo, Salla e Alvarez (2000). . O médico baiano Nina Rodrigues foi um dos mais destacados representantes da criminologia positivista no país, e o responsável por fornecer as bases para uma interpretação das relações sociais no Brasil, ancoradas numa forte ideologia racista apta a institucionalizar as desigualdades e a violência praticadas contra a população racializada, inaugurando assim as bases do “racismo científico” e seus corolários, em terras pátrias.

Na sociologia, apesar da indiscutível influência do pensamento positivista que marca sua origem no mesmo período, sobretudo na França, o crime receberá um tratamento teórico e analítico completamente descolado dos pressupostos da criminologia que lhe era contemporânea. Émile Durkheim, um dos fundadores da sociologia moderna, não se voltou ao crime para tentar explicar as motivações psicológicas ou sociais dos criminosos nem as dinâmicas jurídicas que davam contorno aos crimes, mas sim para defini-lo como um fato social normal e como ele, enquanto ruptura de regras, mobilizava sentimentos coletivos e relações de coesão social expressos na sanção (Durkheim, 1999aDurkheim, Émile. (1999a) Da divisão social do trabalho. 2 ed. São Paulo, Martins Fontes., 1999bDurkheim, Émile. (1999b). As regras do método sociológico. 2 ed. São Paulo, Martins Fontes.). Além disso, categoricamente rejeitava os argumentos biodeterministas do crime tão afeitos à escola criminológica positivista. Depois de Durkheim, contudo, esse tema não teria, ao menos na Europa, por muito tempo, a mesma acolhida junto aos sociólogos que surgiram posteriormente.

Foi no campo da sociologia norte-americana, a partir dos anos 1930, que se delinearam os primeiros estudos sobre comportamentos desviantes e “subculturas” criminais, através de um olhar etnográfico sobre grupos sociais marginalizados como gangues juvenis, imigrantes, minorias étnicas, usuários de drogas etc. Sociólogos como Albert Cohen (1955Cohen, Albert Kircidel. (1955), Delinquent boys: the culture of the gang. Glencoe, Free Press.), Robert Merton (1970Merton, Robert K. (1970), Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo, Mestre Jou.), Edward Sutherland (1940Sutherland, Edwin H. (1940), “White-collar criminality”. American Sociological Review, 5 (1): 1-12. Disponível em https://www.asanet.org/sites/default/files/savvy/images/asa/docs/pdf/1939%20Presidential%20Address%20(Edwin%20Sutherland).pdf.
https://www.asanet.org/sites/default/fil...
e 1949Sutherland, Edwin H. (1949), White collar crime. Nova York, Holt, Rinehart and Blackwell.), Gresham Sykes e David Matza (1957Sykes, Gresham; Matza, David. (1957), “Techniques of neutralization: a theory of delinquency”. American Sociological Review , 22 (6): 664-670.), e Howard Becker (2008), ainda que com diferenças de abordagem e perspectiva, buscaram interpretar o fenômeno sociológico do desvio, do controle e das respostas das agências de repressão, a partir de elementos sociais, culturais, interacionais e institucionais, deslocando-se quer das análises da criminologia positivista sobre o criminoso, quer do discurso jurídico sobre o crime em sua dimensão normativa.

Até os anos 1970, a criminologia manteve-se sobretudo como um saber instrumental, ao ganhar grande projeção no funcionamento do sistema de justiça, servindo de conhecimento auxiliar na atuação da polícia, nos julgamentos, nos tratamentos penitenciários (Garland e Sparks, 2000Garland, David; Sparks, Richard. (2000), “Criminology, social theory and the challenge of our times”. The British Journal of Criminology, 40 (2): 189-204. Disponível em https://doi.org/10.1093/bjc/40.2.189.
https://doi.org/10.1093/bjc/40.2.189...
). A partir dos anos 1970, no que toca a seu estatuto como ciência autônoma, passou a estabelecer posições ambíguas em relação aos saberes nos quais se apoiou, ora se insurgindo contra eles. Assim, na narrativa dos manuais contemporâneos de criminologia, é recorrente a reivindicação, no interior de suas fronteiras, do legado dos estudos sobre o desvio oriundos da sociologia norte-americana, inserindo-os como uma etapa do pensamento criminológico sucedânea ao positivismo lombrosiano (Baratta, 1999Baratta, Alessandro. (1999), Criminologia Crítica e crítica do direito penal. Introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro, Freitas Bastos.). Ao reclamar, a partir desse momento, a filiação a uma perspectiva que se distanciava do saber psiquiátrico e biodeterminista, e se alinhava a uma sociologia do desvio e do conflito, os criminólogos deslocaram em parte os pressupostos de seu trabalho, sem, contudo, renunciar à sua busca premente por uma etiologia da criminalidade.

Desse modo, a partir dos anos 1970, mencionada narrativa, tecida inicialmente no contexto europeu e bastante recepcionada em solo latino-americano, por autores situados originariamente no campo do direito e da sociologia jurídica (Eugenio Raul Zaffaroni, Rosa del Olmo, Nilo Batista, entre outros), vai marcar um movimento bastante crítico em relação ao direito penal e, de modo mais amplo, ao sistema de justiça criminal, autodenominando-se “criminologia crítica”. Tal corrente, de inspiração sobretudo marxista, se caracterizará por denunciar o direito penal como um modelo seletivo de aplicação da lei e reprodutor das desigualdades socioeconômicas que atravessam e estruturam as sociedades capitalistas, situando no nível mesmo dessa desigualdade e das privações sociais3 3 Young (2002), ao analisar as causas da criminalidade na modernidade recente, recorre à noção de privação relativa (que se revelaria mais premente em contextos de menores privações sociais, porém maiores iniquidades), bem como de um déficit de coesão social pela exacerbação do individualismo. decorrentes as causas últimas da criminalidade, ou “dos processos de criminalização”, ao lado dos sistemas punitivos, que acabam por reforçar tais processos (Young, 2002Young, Jock. (2002), A sociedade excludente. Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Rio de Janeiro, Revan.; Christie, 2016Christie, Nils. (2016), Limites à dor: o papel da punição na política criminal. Belo Horizonte, D’Plácido.).

Em verdade, situar-se no campo de modo a demonstrar a seletividade dos sistemas de controle e os processos de rotulação, propugnando ainda, em correntes mais radicais, a própria abolição desses sistemas (Hulsman e Celis, 1993Hulsman, Louk; Celis, Jaqueline Bernat de. (1993), Penas perdidas. O sistema penal em questão. Niterói, Luam.), não é em si o que pode afastar o estatuto científico da criminologia ou mesmo de parte da sociologia, diferentemente do que entendem autores como Ruggiero (2008Ruggiero, Vincenzo. (2008), Crimes e mercados. Ensaios em anticriminologia. Rio de Janeiro, Lumen Juris.) 4 4 Ruggiero (2008) equipara os criminólogos aos “sociólogos da miséria”, e acusa ambos (não esclarecendo se seriam ou não figuras distintas) de não serem “cientificamente neutros”. Para se opor a essas, segundo ele, “escolas de pensamento”, propõe uma abordagem oposta que chama de “anticriminologia”. . Reclamar a exigência de uma objetividade absoluta dos sujeitos pesquisadores, como pressuposto de rigor científico, nos termos postulados pelos cânones “positivistas”, é um debate já vencido nas ciências humanas há algumas boas décadas, para o qual autores como Wright Mills (2009Mills, Charles Wright. (2009), Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro, Zahar.) tanto contribuíram. A própria batalha pelo estatuto de ciência verdadeira soa, em si, problemática, dizendo mais sobre um campo de saberes em disputas - nenhum deles, aliás, neutro, pois nenhum saber é desprovido do poder que o constitui, como nos ensina Michel Foucault - do que sobre esta ou aquela ciência que se quer desqualificar. A questão que nos interessa para este artigo se refere ao modo como esses saberes mobilizaram categorias e discursos para descrever, representar e analisar o fenômeno do crime organizado.

Nessa perspectiva, os trabalhos pioneiros de Edwin Sutherland (1940 e 1949) sobre os crimes do colarinho branco imprimiram um importante deslocamento, no âmbito da sociologia do desvio, ao produzir um primeiro retrato sobre um tipo de criminalidade até então incomum nos estudos sobre o crime e repressão. O estudo de Sutherland volta-se a um perfil de crimes e de criminosos imunes ao controle policial e penal, ao demonstrar não somente a seletividade desses sistemas, mas também dos próprios estudos nesse campo que se mantinham, até então, fechados às cifras ocultas, acabando por reforçar estigmas que procuraram combater, como a associação entre crime e pobreza.

Não obstante a importância do trabalho seminal de Sutherland para o campo de estudos sobre o crime organizado, ao menos seus pressupostos e sua metodologia não foram incorporados em trabalhos que o sucederam. A criminologia crítica e radical, sobretudo como foi incorporada no Brasil, manteve seu olhar sobre o contingente alcançado pelo sistema de controle e repressão, evidenciando, pela precariedade e homogeneidade de seu perfil (pobres, racializados, jovens, autores de crimes comuns), a seletividade do sistema, sem, contudo, adentrar as dinâmicas que operacionalizam essa seletividade e que deixam à margem do controle a criminalidade econômica. Com isso, a categoria “crime organizado” manteve-se no debate como um elemento discursivo que operaria para criminalizar ainda mais fortemente a criminalidade pobre e desorganizada, o que, embora seja um sintoma importante, não é suficiente para descartar a existência do fenômeno e suas explicações.

A reflexão sobre crime organizado nas ciências sociais no Brasil

O chamado crime organizado não foi ignorado pelos pesquisadores da área das ciências sociais no Brasil nas últimas décadas, como demonstram alguns dos principais balanços bibliográficos relacionados à área da criminalidade e violência (Adorno, 1993Adorno, Sérgio. (1993), “A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte temático”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 35: 3-24.; Zaluar, 1999Zaluar, Alba. (1999), “Violência e crime”. In: Miceli, S. (org.). O que ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995) . Vol. 1 - Antropologia. São Paulo, Sumaré/Anpocs, pp. 13-107.; Lima et al., 2000Lima, Roberto Kant de et al. (2000), “Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , 50: 45-123.; Barreira e Adorno, 2010Barreira, César; Adorno, Sérgio. (2010), “A violência na sociedade brasileira”. In: Martins, C. B.; Martins, H. H. T. S. (orgs.). Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: Sociologia. São Paulo, Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais, pp. 304-374.; Campos e Alvarez, 2017Campos, Marcelo S.; Alvarez, Marcos C. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, C. B. (orgs.). Sociologia brasileira hoje. Cotia, Ateliê, pp. 143-217.). Suas abordagens demonstram uma variedade de orientações teóricas e metodológicas quanto ao trato do objeto. Se, de um lado, houve uma riqueza intelectual no desenvolvimento dos estudos empíricos, de outro, constata-se um avanço modesto no trato teórico do tema. Os estudos sobre essa temática ficaram, em sua maioria, limitados, por assim dizer, a dois problemas: a presença do tráfico de drogas, suas articulações com as áreas e populações urbanas de baixa renda, e os grupos prisionais.

Essas duas vertentes de estudos tornaram-se predominantes na abordagem da temática do crime organizado em detrimento de análises que se deslocassem para as formas que se desenvolvem no sistema financeiro, no mundo empresarial, corporativo e suas articulações internacionais. Desse modo, assim como a criminologia contemporânea, também a sociologia no Brasil não levou adiante o legado do campo de estudos sobre a criminalidade do colarinho branco, inaugurado por Sutherland em 1949Sutherland, Edwin H. (1949), White collar crime. Nova York, Holt, Rinehart and Blackwell., atendo-se, sobretudo, à repercussão territorializada e urbana (Kokoreff, 2007Kokoreff, Michel. (2007), “Mythes et realités des économies souterraines dans le monde des banlieus populaires françaises”. In: Kokoreff, Michel et al. (orgs.). Économies criminelles et mondes urbaines . Paris, Press Universitaires de France.) de fenômenos atinentes a uma criminalidade que passa a se organizar de forma transnacional e desterritorializada desde os anos 1980.

Assim, as primeiras pesquisas nas ciências sociais utilizando diretamente a categorização “crime organizado” voltaram-se à presença do tráfico de drogas nas principais cidades do país envolvendo indivíduos dos bairros de baixa renda, a partir da década de 1980, em consonância aliás com o que era observado na produção empírica e analítica em diversos países ocidentais5 5 A década de 1980 marca o início de uma política criminal denominada “Guerra às Drogas” cujo impacto maior, sentido até os dias atuais, teria sido a explosão das taxas de encarceramento, em nível mundial. Michelle Alexander (2018) chega a tratar essa política e seus efeitos junto à população negra nos Estados Unidos como o novo “Jim Crow”. Para uma genealogia do empreendimento jurídico e político da Guerra às Drogas, desde sua origem na era Reagan nos Estados Unidos até seu tratamento pelos organismos transnacionais, ver Godefroy, 2007. (Godefroy, 2007Godefroy, Thierry. (2007), “La mobilization contre le criminalité organisé, entre criminalités ordinaires et capitalisme clandestin”. In: Kokoreff, Michel et al. (orgs.). Économies criminelles et mondes urbaines. Paris, Press Universitaires de France.; Kokoreff, 2007Kokoreff, Michel. (2007), “Mythes et realités des économies souterraines dans le monde des banlieus populaires françaises”. In: Kokoreff, Michel et al. (orgs.). Économies criminelles et mondes urbaines . Paris, Press Universitaires de France.).

Alba Zaluar (1983Zaluar, Alba. (1983), A máquina e a revolta. São Paulo, Brasiliense. e 1990Zaluar, Alba. (1990), “Teleguiados e chefes: juventude e crime”. Religião e Sociedade, 15 (1): 54-67., entre outros trabalhos) foi uma das primeiras autoras a pesquisar nomeadamente a “organização social do crime”, perscrutando as identidades dos tipos criminosos, as suas muitas formas de organização, a entrada de mulheres e jovens nas atividades ilegais, sobretudo no tráfico de drogas, as mudanças na “subcultura criminosa” em termos de novas referências ao mundo do trabalho, formas de lealdade e de solidariedade, relações de poder etc. Em um importante balanço bibliográfico sobre crime e violência nas ciências sociais no Brasil, Zaluar (1999)Zaluar, Alba. (1999), “Violência e crime”. In: Miceli, S. (org.). O que ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995) . Vol. 1 - Antropologia. São Paulo, Sumaré/Anpocs, pp. 13-107. fez referência a alguns de seus trabalhos nesse campo nos quais usou as expressões crime negócio ou crime organizado (pp. 66-7). Sem se referir de forma explícita ao tráfico de drogas, tomava-o como expressão do crime organizado que assumia proporções em escala mundial, com estruturas complexas, e mobilizava grandes quantidades de dinheiro, portanto não podendo mais “ser desconsiderado como uma força importante ao lado dos estados nacionais, igrejas, partidos políticos, empresas multinacionais etc.” (Zaluar, 1999Zaluar, Alba. (1999), “Violência e crime”. In: Miceli, S. (org.). O que ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995) . Vol. 1 - Antropologia. São Paulo, Sumaré/Anpocs, pp. 13-107., p. 69).

Adorno (2002Adorno, Sérgio. (2002), “Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea”. In: Miceli, Sérgio. (org.). O que ler na Ciência Social Brasileira. São Paulo, Anpocs/ Sumaré; vol. IV, pp. 267-307.), no seu ensaio sobre o monopólio estatal da violência, apontou a questão do crime organizado como uma das fontes de internacionalização das decisões estatais no trato do que passou a ser considerado um problema de natureza global. Demandas por normatização se colocaram, portanto, na esfera supraestatal. Em relação ao contexto nacional, Adorno acompanhava a reflexão de Zaluar ao apontar o tráfico de drogas como o fator desestabilizante na vida das comunidades, desorganizando a vida política e associativa, recrutando crianças e jovens para suas atividades, impondo uma severa regulação da vida a tais comunidades, desafiando, consequentemente, o monopólio mesmo da violência estatal. Embora não delineasse uma conceituação acerca do fenômeno do crime organizado, o elemento definidor, em sua análise, era a concorrência que os grupos impunham ao Estado, no que se refere às suas funções de regulação social e do uso da força.

Num balanço sobre a chamada sociologia da violência, Campos e Alvarez (2017Campos, Marcelo S.; Alvarez, Marcos C. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, C. B. (orgs.). Sociologia brasileira hoje. Cotia, Ateliê, pp. 143-217.) identificaram os principais temas e perspectivas da produção nessa área entre 2000 e 2016. Classificaram a produção em três linhas de estudos: (a) estudos sobre políticas públicas de segurança; (b) estudos sobre violência e sociabilidades; (c) investigações sobre sociologia da punição. É no segundo eixo - que tem predominância dos estudos etnográficos e métodos qualitativos que se voltam para a sociabilidade violenta, novas figurações da violência, os ilegalismos, as conexões com os mecanismos internacionais de criminalidade - que os autores localizam também a emergência de preocupações crescentes dos estudos com o tema da “organização social do mundo do crime” (Campos e Alvarez, 2017Campos, Marcelo S.; Alvarez, Marcos C. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, C. B. (orgs.). Sociologia brasileira hoje. Cotia, Ateliê, pp. 143-217., p. 161).

Os trabalhos dessa linha, segundo Campos e Alvarez (2017Campos, Marcelo S.; Alvarez, Marcos C. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, C. B. (orgs.). Sociologia brasileira hoje. Cotia, Ateliê, pp. 143-217.), têm se caracterizado pela descrição dos mecanismos interacionais do crime e do criminoso (marcadamente em relação ao varejo do tráfico de drogas), de como são produzidas novas formas de sociabilidade, destacando a relevância de outros mecanismos não estatais na conformação das sociabilidades, e das dinâmicas mesmo do crime. Embora tais estudos tragam importantes contribuições para a compreensão das chamadas “organizações criminosas” por meio de trabalhos de natureza qualitativa, Campos e Alvarez (2017)Campos, Marcelo S.; Alvarez, Marcos C. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, C. B. (orgs.). Sociologia brasileira hoje. Cotia, Ateliê, pp. 143-217. apontam que um dos problemas dessa vertente está num certo abandono da teoria social em favor de uma dimensão mais descritiva dos fenômenos prospectados e das interações sociais que os constituem.

Num esforço de dar um revestimento conceitual mais preciso ao chamado crime organizado, Adorno (2019Adorno, Sérgio. (2019), “Fluxo de operações do crime organizado: questões conceituais e metodológicas”. Revista Brasileira de Sociologia, 7 (17): 33-54.) apresenta a complexidade das questões conceituais, bem como os inúmeros desafios metodológicos que se colocam na pesquisa desse tema. Em termos de definição, aponta três eixos que são decisivos: engajamento sistemático dos membros em atividades ilegais, compreendendo estruturas, hierarquias, divisão do trabalho; propósito de ganhos financeiros a partir das atividades ilegais; e o uso constante da violência bem como da corrupção das autoridades para fazer valer o funcionamento do conjunto das atividades (Adorno, 2019Adorno, Sérgio; Dias, Camila Nunes D. (2019), “Brazil: organised crime, corruption and urban violence”. In: Allum, Felia; Gilmour, Stan. Handbook of organised crime and politics. Cheltenham, Edward Elgar Publishing, pp. 226-241., p. 39).

Desde a década de 1980, um outro fenômeno é representado pela sociologia brasileira como a expressão do crime organizado: os grupos de presos que passavam a se constituir nas prisões das capitais do país. Os primeiros estudos sobre as organizações mais estruturadas de presos, no Brasil, foram produzidos por Antônio Paixão (1987Paixão, Antônio L. (1987), “Falanges vermelhas, serpentes negras e a ordem prisional”. In: Paixão, Antônio L. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. São Paulo, Cortez, pp. 73-88.) e Edmundo Campos Coelho (1987Coelho, Edmundo Campos. (1987). A Oficina do Diabo: crise e conflitos no sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo/Iuperj.; [1988] 2005Coelho, Edmundo Campos. ([1988] 2005), “Da Falange Vermelha a Escadinha: o poder nas prisões”. In: Coelho, Edmundo Campos. A Oficina do Diabo e outros estudos sobre criminalidade. Rio de Janeiro, Record, pp. 337-350.). Ambos constataram que a emergência desses grupos estava fortemente associada às mudanças no perfil da criminalidade, sobretudo pela presença de formas mais estruturadas de ações ilegais como o assalto a banco e tráfico de drogas.

Porém, a profusão de estudos nas ciências sociais sobre as organizações que emergem nas prisões - e passam a ter uma hegemonia sobre parcela da população encarcerada, controlando parte do varejo do tráfico de drogas e exercendo uma presença no ordenamento social das periferias - só se daria a partir dos anos 2000 (entre muitos outros: Adorno e Salla, 2007Adorno, Sérgio; Salla, Fernando. (2007), “Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC”. Estudos Avançados, 61 (21): 7-29. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000300002.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200700...
; Salla, 2006Salla, Fernando. (2006), “As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira”. Sociologias, 16: 274-307. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222006000200011&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Dias, 2013Dias, Camila C. Nunes. (2013), PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo, Saraiva.; Alvarez et al., 2013Alvarez, Marcos César et al. (2013), “Das Comissões de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em São Paulo”. Tempo Social, 25 (1): 61-82. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100004.
https://doi.org/10.1590/S0103-2070201300...
; Lourenço e Almeida, 2013Lourenço, Luiz Cláudio; Almeida, Odilza Lines de. (2013), “‘Quem mantém a ordem, quem cria desordem’: gangues prisionais na Bahia”. Tempo Social , 25 (1): 37-59. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702013000100003.
https://doi.org/10.1590/S0103-2070201300...
; Azevedo e Cipriani, 2015Azevedo, Rodrigo Ghringhelli de; Cipriani, Marcelli. (2015), “Um estudo comparativo entre facções. O cenário de Porto Alegre e o de São Paulo”. Sistema Penal; Violência, 7 (2): 160-174.; Paiva, 2019Paiva, Luiz Fábio S. (2019), “Aqui não tem gangue, tem facção”: as transformações sociais do crime em Fortaleza, Brasil. Cadernos CRH , Salvador, 32 (85): 165-184.). Nessa vertente, não foram muitos os trabalhos que se detiveram na problematização do conceito de organização criminosa, criminalidade organizada ou mesmo “crime organizado” para se referirem a tais grupos. Outros trabalhos, apesar de também abordarem esses grupos que emergiram nas prisões, deram a eles um tratamento analítico distinto, como, por exemplo, de “coletivos criminais” (Aquino e Hirata, 2017Aquino, Jania P. D.; Hirata, Daniel. (2017), “Inserções etnográficas ao universo do crime: algumas considerações sobre pesquisas realizadas no Brasil entre 2000 e 2017”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , 84 (2): 107-147.; Biondi, 2010Biondi, Karina. (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome.; Marques, 2009Marques, Adalton. (2009), Crime, proceder, convívio-seguro. Um experimento antropológico a partir de relações entre ladrões. São Paulo, dissertação de mestrado em antropologia social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009.; Feltran, 2010Feltran, Gabriel de Santis. (2010), “Crime e castigo na cidade: os repertórios da justiça e a questão do homicídio nas periferias de São Paulo”. Cadernos CRH, 23 (58): 59-73.).

Crime organizado, uma categoria de análise sociológica? Potencialidades heurísticas

Com base nos trabalhos na área das ciências sociais no Brasil, brevemente comentados acima, pode-se constatar que não houve uma preocupação em usar de forma precisa os conceitos mobilizados como organização criminosa, crime organizado, organização social do crime, crime negócio. Na maior parte das vezes, essas expressões foram utilizadas como sinônimo, senão exclusivamente, quase sempre para se referir ao tráfico de drogas, sobretudo à vertente dos grupos e atividades que operam no varejo desse comércio e a como tais atividades reconfiguraram as formas de vida e sociabilidades no espaço urbano. Também os grupos que emergiram nas prisões, denominados ou não, em geral associados ao varejo do tráfico de drogas, da mesma forma receberam o rótulo de crime organizado.

No entanto, surgiram algumas propostas de interpretação que buscaram avanços em termos teóricos, no meio acadêmico brasileiro, com relação à temática, como os trabalhos de Adriano Oliveira (2007Oliveira, Adriano. (2007), “As peças e os mecanismos do crime organizado em sua atividade tráfico de drogas”. Dados - Revista de Ciências Sociais, 50 (4): 699-720. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403.pdf.
https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403...
), Edmilson Lopes Jr. (2009Lopes-Jr., Edmílson. (2009), “As redes sociais do crime organizado: a perspectiva da nova sociologia econômica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 24 (69): 53-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092009000100004.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200900...
), Letícia Schabbach (2008Schabbach, Letícia Maria. (2008), “Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil”. Sociologias, 20: 48-71. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222008000200004&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) e Gabriel Feltran (2018Feltran, Gabriel de Santis. (2018), Irmãos uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.). O trabalho de Oliveira (2007)Oliveira, Adriano. (2007), “As peças e os mecanismos do crime organizado em sua atividade tráfico de drogas”. Dados - Revista de Ciências Sociais, 50 (4): 699-720. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403.pdf.
https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403...
reconhecia que muitos autores no Brasil, apesar de trabalharem com o conceito de crime organizado, não o definiam claramente. Para ele, a maior falha consistia na ausência de preocupação com os mecanismos que fazem funcionar os grupos. E propunha que a estrutura e funcionamento dos grupos fossem analisados a partir da teoria da ação de Boudon (1995Boudon, Raymond (org.). (1995), Tratado de sociologia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. ) e da teoria da escolha racional (Elster, 1986Elster, Jon. (1986), Rational choice. Nova York, New York University Press.). Com base nesses referenciais, definia “crime organizado” como “uma instituição - formada por mais de um indivíduo - criada para aumentar e distribuir benefícios entre os envolvidos. Regras são criadas pelos membros da organização com o objetivo de facilitar a relação entre eles; como também para permitir a relação com outros indivíduos que não pertencem à organização, por exemplo, agentes estatais” (Oliveira, 2007Oliveira, Adriano. (2007), “As peças e os mecanismos do crime organizado em sua atividade tráfico de drogas”. Dados - Revista de Ciências Sociais, 50 (4): 699-720. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403.pdf.
https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403...
, p. 703). Reconhecia que grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), quanto mais contavam com o apoio de agentes do estado, mais poderosos se tornavam.

Também inovadores foram os trabalhos de Lopes Jr. (2009Lopes-Jr., Edmílson. (2009), “As redes sociais do crime organizado: a perspectiva da nova sociologia econômica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 24 (69): 53-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092009000100004.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200900...
) e Schabbach (2008Schabbach, Letícia Maria. (2008), “Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil”. Sociologias, 20: 48-71. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222008000200004&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), por ancorarem propostas de análise do crime organizado em referenciais teóricos até então não formulados no Brasil para essa temática. A nova sociologia econômica fundamenta a proposta de Lopes-Jr. (2009)Lopes-Jr., Edmílson. (2009), “As redes sociais do crime organizado: a perspectiva da nova sociologia econômica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 24 (69): 53-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092009000100004.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200900...
, que sustenta que crime organizado é mais um processo do que propriamente um tipo de organização ou uma atividade específica. Schabbach (2008)Schabbach, Letícia Maria. (2008), “Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil”. Sociologias, 20: 48-71. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222008000200004&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, por sua vez, aponta para as possibilidades de se analisar o crime organizado numa perspectiva sistêmica ancorada nos referenciais de Niklas Luhmann.

Ainda na linha dos trabalhos que buscaram inovar no tratamento conceitual dos grupos que emergiram nas prisões, mas a elas transcenderam, neste caso o Primeiro Comando da Capital (PCC), destaca-se o de Gabriel Feltran (2018Feltran, Gabriel de Santis. (2018), Irmãos uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras.). O autor enfrenta o desafio de dar uma explicação sobre a forma mesma de constituição do PCC que, segundo ele, não seria nem assemelhada a uma empresa econômica nem a um comando militar. Seria insuficiente e inadequado o repertório de explicações disponíveis para explicar o PCC, seja como máfia, como comando no estilo carioca ou, ainda, como gangue. Sua hipótese é que o PCC se constitui à semelhança de uma sociedade secreta, uma irmandade (cita como referência a maçonaria), constituída por núcleos dotados de autonomia, mas articulados em rede. Essa semelhança não estaria propriamente nos conteúdos, antes na forma de organização. O PCC teria como estrutura básica a reunião de células autônomas lideradas por “sintonias”. Segundo Feltran, não teria uma hierarquia, embora ele mencione a existência de uma “Sintonia Final Geral”, constituída por doze “posições políticas” e não por pessoas, em que se dariam as decisões e políticas para todo o PCC. Apesar de ter como principal atividade econômica o tráfico de drogas, o objetivo fundamental da organização não seria o dinheiro, visto como um meio, pois para seus integrantes a finalidade da organização seria “a paz entre os ladrões, a justiça social, a liberdade para os presos, a igualdade entre os irmãos e a união do mundo do crime” (Feltran, 2018Feltran, Gabriel de Santis. (2018), Irmãos uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras., p. 76).

As abordagens mencionadas acima constituem contribuições importantes para um refinamento teórico no trato da questão do crime organizado, embora não se tenham traduzido, ainda, em marcos consistentes no terreno dos estudos empíricos que possam dar sustentação para os argumentos formulados. Para a perspectiva que sustentamos no presente artigo, se houve algum trato mais cuidadoso na delimitação conceitual do fenômeno do crime organizado, este ocorreu com dois autores, Guaracy Mingardi e Michel Misse. Foram eles que acentuaram o lugar do Estado e seus agentes nas dinâmicas das economias ilegais e mesmo dos grupos organizados, por meio de cooptações, das relações de negociação de proteção e na gestão dos mercados ilegais, na constante presença das “mercadorias políticas”6 6 Mercadorias políticas: “São mercadorias produzidas em uma troca assimétrica, quase sempre compulsória, embora interesse geralmente a ambas as partes realizá-la. Seu preço depende simultaneamente de um cálculo político e de um cálculo econômico. Pode ser produzida pela privatização de atribuições estatais por um funcionário público (é o caso da variedade de trocas chamada ‘corrupção’), como pode ser produzida simplesmente pela posse de informação, força, poder ou violência suficiente para obrigar um sujeito ou grupo social a entrar em uma relação de troca (é o caso da chamada ‘extorsão’)” (Misse, 2011, p. 23). . Nos trabalhos de Guaracy Mingardi (1998aMingardi, Guaracy. (1998a), “O que é crime organizado: uma definição das Ciências sociais”. Revista do Ilanud, 8., 1998b Mingardi, Guaracy. (1998b), O Estado e o crime organizado. São Paulo, IBCCRIM.e 2007Mingardi, Guaracy. (2007), “O trabalho da inteligência no controle do Crime Organizado”. Estudos Avançados , 21 (61): 51-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300004.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200700...
), o que definiria uma organização criminosa não seria a modalidade de crime praticado, mas algumas características como “1. Hierarquia. 2. Previsão de lucros. 3. Divisão do trabalho. 4. Planejamento empresarial. 5. Simbiose com o Estado” (Mingardi, 2007Mingardi, Guaracy. (2007), “O trabalho da inteligência no controle do Crime Organizado”. Estudos Avançados , 21 (61): 51-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300004.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200700...
, p. 56). O aspecto de maior relevância na existência de uma organização criminosa, para ele, residiria na simbiose com o Estado. Cita como exemplos no Brasil o jogo do bicho, o tráfico de drogas, os desmanches de veículos, que não existiriam sem a participação de agentes do estado. Da análise proposta por Mingardi esboçam-se dois elementos de diferenciação quanto às definições até então mobilizadas pelo campo: a noção de mercados criminais e a relevância das conexões com o Estado, superando uma visão que colocava o crime organizado como simples antagonista ou concorrente do Estado.

Igualmente os trabalhos de Michel Misse (2007Misse, Michel. (2007), “Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro”. Estudos Avançados , 21 (61): 139-157. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300010.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200700...
e 2011Misse, Michel. (2011), “Crime organizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e afinidades”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 13-25. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000300003&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) tiveram o cuidado de delinear com mais clareza a multiplicidade de significados que a expressão “crime organizado” envolve. A complexidade das organizações se observa em vários aspectos: nas relações que guardam com mercados ilegais e na transitividade constante das atividades legais e ilegais, nas negociações das “mercadorias políticas” que envolvem agentes do Estado, na formação de redes sociais complexas operando nessas atividades, na importância que ganharam as prisões na articulação de muitas dessas atividades e dos grupos que nelas atuam. É, também, nesse contexto que se criaram as oportunidades para a formação de novos grupos, como as milícias7 7 As milícias que surgiram no Rio de Janeiro são grupos organizados em torno de atividades ilegais, mas que apresentam alguns traços importantes nesse debate sobre a articulação com as esferas do estado. São constituídas por integrantes do próprio estado, ou ex-integrantes (policiais, ex-policiais, bombeiros, agentes e ex-agentes penitenciários, membros das forças armadas) que mobilizam esse lastro do estado para a venda da proteção aos moradores de bairros da cidade do Rio de Janeiro, apresentando-se como força de contenção e expulsão de traficantes de drogas dos territórios. Dessa atividade de extorsão para a proteção derivam para outras, legais e ilegais, muito presentes sobretudo nos bairros mais pobres, como venda de gás, tv a cabo, tráfico de drogas, distribuição de água e luz, construção civil. Seu “cartão de visita” (como agentes públicos, em geral das forças da ordem) mobiliza a legitimidade do estado para justificar sua aceitação junto aos moradores. Além disso, possuem tais grupos estreita ligação com a esfera política, com vereadores, deputados, que servem de escudos protetivos às investidas legais que ocasionalmente possam aparecer. Zaluar e Conceição (2007) apontaram os limites desse termo para a descrição e análise do fenômeno. Sobre as milícias, ver também Alves (2003), Cano e Duarte (2012), Costa (2014), Couto e Beato (2019). , que passaram a concorrer nos territórios com os grupos do tráfico, no caso do Rio de Janeiro. O jogo do bicho, o tráfico de drogas, as milícias, além de operarem mercados ilegais, apresentam como traço comum a presença constante nas suas dinâmicas de “mercadorias políticas” que são negociadas para que suas ações ilegais tenham continuidade. Segundo Misse, “não é possível compreender a reprodução das organizações criminosas de todo tipo sem se fazer referência ao fato de que elas produzem ou submetem-se a mercadorias políticas” (Misse, 2011Misse, Michel. (2011), “Crime organizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e afinidades”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 13-25. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000300003&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 23).

O conceito de “mercadoria política” desenhado por Misse permitirá delinear a participação do Estado na configuração do crime organizado de modo mais concreto, oferecendo materialidade e inteligibilidade à retórica vaga da corrupção ou mesmo da extorsão. Esse conceito também possibilitará ao autor descrever o protagonismo do Estado nas dinâmicas criminais, através de sua inserção em diferentes mercados criminais, o que o levará à elaboração de outro conceito profícuo: o de “acumulação social da violência” (Misse, 2006Misse, Michel. (2006), Crime e violência no Brasil contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro, Lumen Juris.). Por essa noção, o autor compreende a sobreposição de mercados ilícitos em um mesmo território, no qual diferentes atores transacionam diferentes mercadorias criminais produzindo efeitos de uma violência que se prolonga nesse espaço social, “acumulando”-se ao longo do tempo. Assim, nos morros cariocas se sobrepõem, há décadas, o mercado de drogas ilícitas, os grupos de extermínio e, mais recentemente, as milícias, havendo a presença do Estado em todos eles, em protagonismo nos dois últimos.

Essas noções se aproximam daquelas desenvolvidas por cientistas sociais europeus para pensar como as atividades criminais “tráfico de drogas, contrabandos, falsificações”, operantes em nível transnacional e escala global, se inscrevem no mundo urbano, em nível territorial e local através de mercados criminais ou como “economias subterrâneas” (Tarrius, 2002Tarrius, Alain. (2002), La mondialisation par le bas: les nouveaux nomades de l’économie souterraine. Paris, Balland.; Peraldi, 2007Peraldi, Michel. (2007), “Economies criminelles et mondes d’affaire à Tanger”. Culture; Conflits. 68: 111-125.; Kokoreff, 2007Kokoreff, Michel. (2007), “Mythes et realités des économies souterraines dans le monde des banlieus populaires françaises”. In: Kokoreff, Michel et al. (orgs.). Économies criminelles et mondes urbaines . Paris, Press Universitaires de France.; Ruggiero, 2008Ruggiero, Vincenzo. (2008), Crimes e mercados. Ensaios em anticriminologia. Rio de Janeiro, Lumen Juris.). Essa perspectiva relativiza a dimensão performática e “fantasmagórica” da categoria crime organizado, esmiuçando e decompondo o fenômeno a partir dos diferentes mercados criminais locais em que se desdobra, na maneira como sua mão de obra avulsa e desorganizada é recrutada, como são conectados os diferentes agentes do Estado segundo cada fase do trabalho criminal, e como esses mercados se reproduzem (Teixeira, 2016Teixeira, Alessandra. (2016), O crime pelo avesso. Gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. São Paulo, Alameda.).

Telles e Hirata (2010Telles, Vera da Silva; Hirata, Daniel Veloso. (2010) “Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo”. Tempo Social , São Paulo, 22 (2): 39-59. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702010000200003&lng=pt&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), ao prospectarem o mundo urbano com base no trânsito de trabalhadores entre os mercados legal/ilegal, formal/informal e lícito/ilícito, desvelam, antes da universalidade da imposição da lei, os “agenciamentos políticos” que definem as fronteiras porosas desses trânsitos, em contextos atravessados por transações ilegais, acordos precários e pela violência.

O legal e o ilegal, o Estado: uma agenda de pesquisa

Como se verificou, tanto a criminologia quanto as ciências sociais no Brasil, ao tratarem de crime organizado, não voltaram sua atenção à criminalidade econômica, à “criminalidade do colarinho branco”, não se debruçaram sobre as formas organizadas e sistemáticas de ilegalismos das elites que, para se tornarem viáveis e protegidas, dependem da esfera de conformação das ações do Estado no seu sentido mais largo.

A maioria dos trabalhos nas ciências sociais, no Brasil, sobre o crime organizado se ativeram a fenômenos relacionados à criminalidade capturada pelo sistema penal, articulada ou não sobretudo ao comércio varejista de drogas e de mercadorias roubadas nos centros urbanos, além de aos grupos que se formaram nas prisões nas últimas décadas, em especial o CV e PCC. Contudo, uma análise mais acurada sobre os resultados empíricos e analíticos dos trabalhos sobre esses grupos indica, por exemplo, que eles gravitam ainda em torno das prisões e têm nos bairros de população de baixa renda o seu principal lócus de atuação de atividades ilegais como o tráfico de drogas. A diversificação social de seus quadros é pouca, são tímidas suas iniciativas de investimentos nas atividades da economia legal, pontuais os seus entrelaçamentos com agentes públicos (geralmente se limitam à corrupção de policiais para a manutenção de suas atividades), e quase não há enraizamento direto ou indireto nas instituições políticas, nos partidos políticos.

Vítimas talvez de uma perversa divisão social do trabalho nos mercados ilegais, os grupos brasileiros, assim, continuam basicamente atuando no bas-fond da criminalidade. Seus territórios de recrutamento dos membros, suas áreas de atuação, suas atividades não se alteraram substantivamente nas poucas décadas de sua existência. Quando se consideram os crimes do colarinho branco - as tramas de relações políticas que envolvem as empresas em manipulações de concorrências públicas, fraudes, sonegação de tributos, evasão de divisas, na realização de negócios financeiros ilegais, com a tolerância de autoridades, parlamentares, juízes etc. -, quando se considera tudo isso, os grupos brasileiros como PCC e CV não deixam de ocupar o porão do crime organizado. Definitivamente, esses grupos não saíram do gueto, da periferia do crime, não alçaram, até o momento pelo menos, as articulações e as correspondentes proteções aos seus negócios ilícitos proporcionadas pelas relações políticas e empresariais. Como os negócios ilegais em que estão envolvidos mobilizam muitos recursos financeiros, não se pode descartar que essa capacidade venha gradativamente a proporcionar uma associação cada vez mais complexa com outros atores e segmentos, econômicos e políticos, que atuam no campo da legalidade8 8 Tais preocupações são constantes na literatura italiana sobre as máfias, que destaca o quanto o poderio econômico de grupos como a Camorra, a ’Ndrangheta ou a Cosa Nostra faz com que se instalem nos negócios e atividades legais (Sales e Melorio, 2017; Gratteri e Nicaso, 2018). .

Não se trata, contudo, de negar a importância dos estudos que se voltaram a esses grupos e que trazem contribuições fundamentais para a compreensão de como mercados criminais, concebidos e operados transnacionalmente, repercutem no país e qual o lugar desses grupos nessa ordem criminal. O que propomos é que se considerem, nas pesquisas sobre crime organizado, mesmo as que se voltam a tais agrupamentos, dois elementos que são constitutivos do fenômeno - o Estado e o trânsito entre o legal e o ilegal -, mas que tendem a ser obnubilados em grande parte das pesquisas. Propomos, assim, a formação de uma agenda de questões que podem ser úteis na problematização das pesquisas nessa área, tendo o Estado como elemento transversal e a trama de relações entre as economias ilegais e as legais para a compreensão mais alargada dos grupos, organizações que se movem nas atividades ilegais.

Se o objeto de nossos estudos são as organizações sociais do crime, crime organizado, coletivos criminais, mundo do crime etc., não há como declinar do reconhecimento de que houve a instância estatal na delimitação, por meio do direito, de comportamentos que são interditados e sancionáveis. Não se trata de estar ou não de acordo com aquela delimitação, mas de reconhecer que é uma incontornável definição9 9 Philippe Robert (2007) chama a atenção para esse fato. Não é possível uma sociologia do crime que não parta desse pressuposto de que é o direito a delimitar a interdição a determinados comportamentos. Segundo ele, a sociologia do crime deve desdobrar a sua investigação em direção a três etapas do crime - a tipificação (feita pelo direito); a transgressão; e a repressão. a ser considerada no repertório analítico. Inclusive naqueles estudos que tenham como elemento de maior atenção não exatamente o crime, e sim como os grupos que nele atuam podem gerar novas formas de sociabilidade, novos padrões de lealdade, de solidariedade de aplicação de justiça, novos valores culturais etc. O horizonte das interdições, das punições está delineado no campo legal e político, disposto no tabuleiro em que se movem as instituições sociais, repressivas ou não; os referenciais de aceitação ou de rejeição social dos comportamentos interditados se distribuem de forma desigual pela sociedade, pelos grupos sociais; as interações sociais podem ser mais ou menos tolerantes com as determinações legais, mas estas não deixam de compor o conjunto de aspectos valorativos e simbólicos que se fazem presentes nos investimentos repressivos e da justiça sobre as ações criminais, individuais ou coletivas.

Essa questão remete ao reconhecimento do próprio Estado como instância elementar a compor o jogo das dinâmicas que envolvem as ações criminosas e os grupos que nelas atuam. O Estado, com seu amplo arcabouço institucional, jurídico e simbólico (Bourdieu, 2014Bourdieu, Pierre (2014), Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo, Companhia das Letras.), é fundamental na regulação das relações sociais e relações econômicas, ou seja, do mercado, de tal modo que as dinâmicas que alteram as suas características (centralização, descentralização, instituições mais democráticas ou mais autoritárias, políticas de bem-estar social ou neoliberais, políticas públicas na área da segurança etc.) afetam direta ou indiretamente os movimentos das organizações e grupos que atuam em atividades ilegais. Isso significa que arriscam ser limitadas as análises que procuram entender o fenômeno das organizações criminosas, dos grupos, dos coletivos, a partir de suas práticas e rotinas próprias, retirando-as dos contextos sociais, políticos, econômicos que em boa medida as modelam. No entanto, não se trata de ignorar que a existência dos grupos e suas dinâmicas, por sua vez, influenciam os comportamentos da economia local, regional, nacional e internacional (investimentos, formas de lavagem de dinheiro, associação com empresas etc.), bem como dos aparatos estatais (políticas criminais, serviços prisionais, investigação policial, atuação do judiciário, adoção de leis etc.) e mesmo supraestatais voltados para a gestão do crime em escala global (como o United Nations Office on Drugs and Crime - UNODC, a Interpol, além dos tratados e convenções regionais e internacionais que estão voltados para essa questão).

É certo que se pode analisar a constituição de grupos como o Comando Vermelho, o Primeiro Comando da Capital e tantos outros grupos pela “base”, pelas dinâmicas sociais no mundo das periferias, das prisões, dos códigos da pobreza etc., mas parece simplista desconsiderar como as intervenções das instâncias e agentes estatais interferem, de modo substantivo, no desenvolvimento desses grupos, de suas múltiplas formas de organização, atividades e recomposições. Note-se, por exemplo, a importância da experiência do encarceramento para a formação e crescimento do CV e do PCC. No caso do PCC, essa experiência, acirrada por políticas de encarceramento massivo, promoveu um posicionamento político do PCC em defesa dos presos, fomentou laços de solidariedade internos e externos à prisão, favoreceu a formação de uma identidade própria ao grupo de pertencimento ao mundo do crime, mas também na defesa dos presos diante das condições adversas do encarceramento; estipulou rituais de admissão, padrões de relacionamento entre os seus membros e entre estes e a hierarquia. A própria presença do PCC e do CV em outros estados brasileiros contou com ações de segregação promovidas pelo estado (com os presídios federais, por exemplo). As precárias condições de encarceramento a que estão submetidos os presos no Brasil e, particularmente, em São Paulo, com toda sorte de privações e deficiências de serviços, estreitam os laços entre os presos, principalmente dos “coletivos”, com seus familiares e amigos, promovendo redes de relações de solidariedade nos bairros, ações de mobilização política junto a órgãos públicos na defesa dos presos e de seus direitos, ou para o abastecimento alimentar e de remédios nas prisões, além de providências de natureza judiciária (Godoi, 2017Godoi, Rafael. (2017), Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo, Boitempo.).

Feitas estas considerações, ao olharmos a literatura internacional sobre o chamado crime organizado, observa-se uma divisão entre os autores que se alinham e analisam tais grupos a partir de três aspectos: (a) as atividades desenvolvidas; (b) as estruturas associativas; e (c) as condições sistêmicas de sua existência (Lampe, 2008Lampe, Klaus von. (2008), “Organized crime in Europe: Conceptions and realities”. Policing: A Journal of Policy and Practice, 2 (1): 1-17. ). A fluidez das atividades desenvolvidas pelos grupos, bem como as suas formas de organização como grupo, embora evidentemente importantes para as análises, não seriam suficientes para explicar a atuação e a sobrevivência dos grupos ao longo do tempo. Uma proposta é colocar maior acento nas pesquisas sobre esse terceiro ponto, uma vez que realça as condições que permitem a reprodução das organizações e a “concentração do poder” tanto no nível do governo do submundo como “na forma de aliança entre criminosos e elites políticas e econômicas” (Lampe, 2008Lampe, Klaus von. (2008), “Organized crime in Europe: Conceptions and realities”. Policing: A Journal of Policy and Practice, 2 (1): 1-17. , p. 8).

Por condições sistêmicas para a existência dos grupos entenda-se: (a) a presença dessas organizações em diversos setores das economias legais (no caso da Itália, por exemplo, a Máfia, a ’Ndrangheta possuem estabelecimentos na área de alimentação, comércio em geral, construção civil, relações com instituições bancárias, participam de concorrências públicas por meio de empresas para desenvolvimento de serviços públicos etc.); (b) a articulação com a esfera política, com agentes e órgãos estatais (não só policiais, mas outras autoridades políticas e administrativas na esfera do executivo e ainda do legislativo e do judiciário).

Não se trata, portanto, de desconsiderar as atividades ilegais desenvolvidas (se tráfico de drogas, contrabando etc.) ou mesmo as formas organizativas que os grupos foram assumindo ao longo do tempo (hierárquicas, mais ou menos centralizadas, operando em rede etc.), mas deve-se levar em conta que os dois itens acima apontados são fundamentais para se compreender como tais grupos se refazem, se reorganizam, se reproduzem como grupo. Para além, portanto, das demarcações estabelecidas pelo campo do direito em relação ao assim chamado crime organizado, são mais promissoras, em termos de capacidade explicativa no âmbito da sociologia, as abordagens que tratem das atividades, da forma de organização, mas, sobretudo, das articulações dos grupos com o contexto social, político e econômico, ou seja, das “condições sistêmicas” apontadas por Lampe (2008Lampe, Klaus von. (2008), “Organized crime in Europe: Conceptions and realities”. Policing: A Journal of Policy and Practice, 2 (1): 1-17. ). A força, o alcance e a vitalidade do crime organizado estariam, pois, na sua capacidade de transpor os limites da ilegalidade entrando na esfera da legalidade tanto pelas atividades econômicas (negócios, empresas, investimentos limpos), como pela presença de membros do grupo ou associados em postos políticos no aparato do estado, em associações de classe, associações empresariais.

As pesquisas na área das ciências sociais no Brasil, por um lado, têm quase que ignorado os grupos empresariais que praticam os chamados crimes do colarinho branco e suas relações com a esfera estatal. Por outro lado, mesmo considerando como foco de suas análises os grupos que atuam no varejo do tráfico de drogas e aqueles que possuem forte ancoragem no sistema prisional, as pesquisas têm negligenciado esses elementos sistêmicos (articulações com as economias legais e com as esferas estatais), para a compreensão de como esses grupos vêm sendo capazes de se reproduzir socialmente. Como destacaram Mingardi (1998bMingardi, Guaracy. (1998b), O Estado e o crime organizado. São Paulo, IBCCRIM.; 2007Mingardi, Guaracy. (2007), “O trabalho da inteligência no controle do Crime Organizado”. Estudos Avançados , 21 (61): 51-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300004.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200700...
) e Misse (2007Misse, Michel. (2007), “Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro”. Estudos Avançados , 21 (61): 139-157. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300010.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200700...
; 2011Misse, Michel. (2011), “Crime organizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e afinidades”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 13-25. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000300003&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), a simbiose com o Estado, o negócio da permissão e da proteção, por meio das mercadorias políticas, envolvendo os agentes do Estado, é estruturante no funcionamento dos mercados ilegais para as organizações que neles atuam. Esse elo fundamental, entre os atores que operam nos mercados ilegais e aqueles que detêm elementos de poder, não obstante as consideráveis dificuldades para uma prospecção dessa natureza, está longe de ser analisado com mais precisão. Talvez o tema que mais foi objeto de pesquisas nesse sentido tenha sido aquele voltado para o jogo do bicho (Misse, 2007Misse, Michel. (2007), “Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro”. Estudos Avançados , 21 (61): 139-157. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300010.
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200700...
)10 10 As estreitas relações entre as atividades dos grupos organizados e as questões de corrupção no plano político foram também analisadas por Adorno e Dias (2019). e mais recentemente para o caso das milícias.

Com relação à transitividade entre as atividades ilegais e as legais, que é uma das chaves essenciais na sobrevivência das organizações criminosas, no Brasil essa é uma agenda de pesquisa a ser desenvolvida. Ou seja, trata-se de analisar como, além das composições e acomodações com agentes do Estado para a viabilização de suas atividades ilegais, os grupos que atuam no contrabando, no roubo de carga, no tráfico de drogas, neste caso como o PCC e o CV, se relacionam e transferem seus recursos para a economia legal11 11 O mesmo desafio se coloca em relação aos grupos empresariais que atuam em diversas formas de ilegalidade e aos meios que utilizam para tornar legal o resultado de ações ilegais (lavagem de dinheiro, emissão de notas frias, criação de empresas de fachada etc.). .

Gestão diferencial dos ilegalismos, um enquadramento possível

O que se pode concluir das reflexões acima é que o debate sobre o crime organizado, no terreno das ciências sociais no Brasil, ainda precisa se distanciar do senso comum, dos enquadramentos dos meios de comunicação que atribuem essa expressão como sinônimo dos grupos que operam o tráfico de drogas no varejo ou grupos que se formaram nas prisões.

A mera rejeição do rótulo de crime organizado em favor de outras enunciações (como, por exemplo, coletivos criminais), por parte de algumas correntes de autores dentro das ciências sociais, tem o mérito de escapar do senso comum e sobretudo de considerar os aspectos que movem os atores pertencentes aos grupos nas suas ações. No entanto, tais análises precisariam observar a trama de relações, imposições, interditos, viabilidades que o formalismo jurídico e as instituições do Estado dispõem no meio social, não de forma a moldar impositivamente os grupos e suas ações, mas de modo a fazer parte do conjunto dos elementos nos quais os coletivos se movem.

Uma proposta que nos parece fundamental para ampliar o campo de análise das ciências sociais em torno do chamado crime organizado é trazer para o centro das preocupações a noção de “gestão diferencial dos ilegalismos”, de Michel Foucault (1975Foucault, Michel. (1975), Surveiller et punir. Naissance de la prision. Paris, Gallimard.). Ao conceber a noção de ilegalismo e sua gestão diferenciada, Foucault pôde colocar em perspectiva não o conceito jurídico de crime e de seu enfrentamento, mas o campo híbrido e reciprocamente constitutivo das práticas ilegais e de sua gestão. Por essa noção relacional, Foucault interpelou a um só tempo a falsa neutralidade da categoria normativa “crime”, erodindo assim a oposição amplamente naturalizada entre legal/ilegal, como também o papel do Estado como mero agente repressivo na dinâmica criminal. Ambos os deslocamentos implicados no conceito revelam as duas apostas heurísticas que apresentamos neste artigo a fim de propor parâmetros para uma nova abordagem e definição do fenômeno “crime organizado”.

O neologismo ilegalismo é formulado inicialmente por Foucault no Curso La Société Punitive, ministrado entre 1972 e 1973 no Collège de France (Foucault, 2013Foucault, Michel. (2013), La société punitive. Paris, Gallimard.), justamente para definir a especificidade do “sistema punitivo” que se engendrava na passagem do século XVIII para o XIX, como um sistema que trouxe para o aparelho jurídico do Estado funções que em nada diziam respeito aos constructos do direito penal liberal dos reformadores em sua razão iluminista. Esse sistema, e seu circuito de controle policial/justiça penal/prisão, será responsável por operar a peça central dessa engenharia moderna: a requalificação geral dos ilegalismos. Através dela ocorrerá a partilha entre “o campo fecundo do ilegalismo dos direitos” (fraudes, evasões fiscais) e suas jurisdições atenuadas (multa, transações)12 12 Fernando Acosta (2004) joga luz nos mecanismos não penais de resolução de conflitos (civis, administrativos, consensuais) aplicados aos “ilegalismos privilegiados”, que tendem a deslocar a repressão penal e sua dimensão “autoritária”, reservando-as aos “ilegalismos populares”. , reservado à burguesia, de um lado, e os ilegalismos populares, “o ilegalismo dos bens” (roubo e as insurgências populares) e a jurisdição ordinária e severa dos castigos (a prisão), de outro. O sistema punitivo será então voltado a diferenciar, selecionar, hierarquizar e colonizar os ilegalismos populares, e através de seu circuito produzir a delinquência, resultado acabado dessa operação certamente política, que dissocia os ilegalismos e deles isola a delinquência, objetivando-a por trás das infrações (Foucault, 1975Foucault, Michel. (1975), Surveiller et punir. Naissance de la prision. Paris, Gallimard.).

Pierre Lascoumes (1996Lascoumes, Pierre. (1996), “L’Illégalisme, outil d’analyse”. Société et Représentation, 3: 78-84. Disponível em https://doi.org/10.3917/sr.003.0078.
https://doi.org/10.3917/sr.003.0078...
) enxerga justamente nessa engenharia da partilha e da diferenciação entre fraudes econômicas e crimes comuns a expressão de um dispositivo contemporâneo para dominação social. Para Lascoumes, a noção de ilegalismo em Foucault contribui de modo decisivo para desvelar não apenas essa partilha, mas também a forma como ela opera, e é legitimada e objetivada cientificamente: ao eufemismo e ocultamento da criminalidade econômica corresponde a excessiva dramatização da criminalidade comum, que será convertida no arquétipo da delinquência, produto final da maquinaria disciplinar.

Para a proposta contida neste artigo, acreditamos que é por meio dessa ferramenta teórica que se poderia contornar a caudalosa corrente impulsionada pelos meios de comunicação que fazem cair sobre as periferias, sobre os grupos de presos, sobre os operadores do varejo do tráfico de drogas a pecha de crime organizado e todas as desgraças da violência urbana. É por meio dela também que se poderia inserir todas as estratégias de poder mobilizadas para que os ilegalismos territorializados nas periferias, nas camadas de baixa renda, no varejo do tráfico sejam reprimidos, encarcerados, estigmatizados para que outros ilegalismos, das elites, possam se desenvolver sem transtornos.

Ao mesmo tempo, a noção de ilegalismo também permite trazer o Estado para o centro da análise da constituição e da gestão do crime, o que nos interessa particularmente neste artigo. Isso porque assumir que o sistema punitivo cumpre as finalidades de hierarquização e diferenciação dos ilegalismos, para as quais foi concebido, que em nada se assemelham ao projeto liberal de repressão e supressão do crime, esvazia o sentido da crítica “monótona” de sua deficiência, sempre a ele dirigida, e descortina uma série de procedimentos, mecanismos e estratégias que, enfim, revelam sua função mais profícua: gerir ilegalismos, produzindo delinquentes. Tal pressuposto conduz, assim, a uma noção bastante redefinida, e bem menos canônica, do papel desempenhado pelo Estado no campo do controle e repressão às práticas ilegais, a partir de uma dimensão predominantemente relacional. Nela, tanto as práticas ilegais como sua gestão diferenciada se inscrevem, uma vez que mutuamente constitutivas e analiticamente inseparáveis (Fischer e Spire, 2009Fischer, Nicolas; Spire, Alexis. (2009), “L’État face aux illégalismes”. Revue Politix, 87 (3): 7-20. Disponível em https://www.cairn.info/revue-politix-2009-3-page-7.htm.
https://www.cairn.info/revue-politix-200...
).

Um enquadramento analítico que reconhecesse, portanto, na noção de gestão diferencial dos ilegalismos um a priori nos estudos sobre criminalidade poderia instigar maiores preocupações dos pesquisadores tanto com relação ao lugar que ocupam os ilegalismos praticados nas esferas das elites, quanto do Estado, na reprodução das formas de criminalidade em geral, nas políticas penais adotadas e, no limite, na reprodução mesma das desigualdades sociais que marcam a sociedade brasileira.

Referências Bibliográficas

  • Acosta, Fernando. (2004), “Ilegalismos privilegiados”. Antropolítica, 16: 65-98.
  • Adorno, Sérgio. (1993), “A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte temático”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 35: 3-24.
  • Adorno, Sérgio. (2002), “Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea”. In: Miceli, Sérgio. (org.). O que ler na Ciência Social Brasileira São Paulo, Anpocs/ Sumaré; vol. IV, pp. 267-307.
  • Adorno, Sérgio. (2019), “Fluxo de operações do crime organizado: questões conceituais e metodológicas”. Revista Brasileira de Sociologia, 7 (17): 33-54.
  • Adorno, Sérgio; Dias, Camila Nunes D. (2019), “Brazil: organised crime, corruption and urban violence”. In: Allum, Felia; Gilmour, Stan. Handbook of organised crime and politics Cheltenham, Edward Elgar Publishing, pp. 226-241.
  • Adorno, Sérgio; Salla, Fernando. (2007), “Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC”. Estudos Avançados, 61 (21): 7-29. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000300002.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000300002
  • Aquino, Jania P. D.; Hirata, Daniel. (2017), “Inserções etnográficas ao universo do crime: algumas considerações sobre pesquisas realizadas no Brasil entre 2000 e 2017”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , 84 (2): 107-147.
  • Alexander, Michelle. (2018), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa São Paulo, Boitempo.
  • Alvarez, Marcos César. (2002), “A criminologia no Brasil ou Como tratar desigualmente os desiguais”. Dados: Revista de Ciências Sociais, 45 (4): 677-704.
  • Alvarez, Marcos César. (2003), Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e a Nova Escola Penal no Brasil São Paulo, IBCCRIM.
  • Alvarez, Marcos César et al (2013), “Das Comissões de Solidariedade ao Primeiro Comando da Capital em São Paulo”. Tempo Social, 25 (1): 61-82. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100004.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100004
  • Alves, J. C. S. (2003), Dos barões ao extermínio: Uma história da violência na Baixada Fluminense APPH-Clio, Duque de Caxias.
  • Azevedo, Rodrigo Ghringhelli de; Cipriani, Marcelli. (2015), “Um estudo comparativo entre facções. O cenário de Porto Alegre e o de São Paulo”. Sistema Penal; Violência, 7 (2): 160-174.
  • Baratta, Alessandro. (1999), Criminologia Crítica e crítica do direito penal. Introdução à sociologia do direito penal Rio de Janeiro, Freitas Bastos.
  • Barreira, César; Adorno, Sérgio. (2010), “A violência na sociedade brasileira”. In: Martins, C. B.; Martins, H. H. T. S. (orgs.). Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: Sociologia São Paulo, Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais, pp. 304-374.
  • Biondi, Karina. (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC São Paulo, Terceiro Nome.
  • Boudon, Raymond (org.). (1995), Tratado de sociologia Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
  • Bourdieu, Pierre (2014), Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92) São Paulo, Companhia das Letras.
  • Campos, Marcelo S.; Alvarez, Marcos C. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, C. B. (orgs.). Sociologia brasileira hoje Cotia, Ateliê, pp. 143-217.
  • Cano, Ignacio; Duarte, Thais. (2012), “No sapatinho”: a evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008-2011) Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll.
  • Christie, Nils. (2016), Limites à dor: o papel da punição na política criminal Belo Horizonte, D’Plácido.
  • Coelho, Edmundo Campos. (1987). A Oficina do Diabo: crise e conflitos no sistema penitenciário do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Espaço e Tempo/Iuperj.
  • Coelho, Edmundo Campos. ([1988] 2005), “Da Falange Vermelha a Escadinha: o poder nas prisões”. In: Coelho, Edmundo Campos. A Oficina do Diabo e outros estudos sobre criminalidade Rio de Janeiro, Record, pp. 337-350.
  • Cohen, Albert Kircidel. (1955), Delinquent boys: the culture of the gang Glencoe, Free Press.
  • Corrêa, Mariza (2013), As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil 3 ed. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.
  • Couto, Vinicius Assis; Beato, Cláudio. (2019), “Milícias: o crime organizado por meio de uma análise das redes sociais”. Revista Brasileira de Sociologia , 7 (17): 201-221.
  • Costa, Greciely Cristina da. (2014), Sentidos de milícia: entre a lei e o crime Campinas, Editora da Unicamp.
  • Darmon, Pierre. (1991), Médicos e assassinos na Belle Époque: a medicalização do crime Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • Dias, Camila C. Nunes. (2013), PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência São Paulo, Saraiva.
  • Durkheim, Émile. (1999a) Da divisão social do trabalho 2 ed. São Paulo, Martins Fontes.
  • Durkheim, Émile. (1999b). As regras do método sociológico 2 ed. São Paulo, Martins Fontes.
  • Elster, Jon. (1986), Rational choice Nova York, New York University Press.
  • Feltran, Gabriel de Santis. (2010), “Crime e castigo na cidade: os repertórios da justiça e a questão do homicídio nas periferias de São Paulo”. Cadernos CRH, 23 (58): 59-73.
  • Feltran, Gabriel de Santis. (2018), Irmãos uma história do PCC São Paulo, Companhia das Letras.
  • Fischer, Nicolas; Spire, Alexis. (2009), “L’État face aux illégalismes”. Revue Politix, 87 (3): 7-20. Disponível em https://www.cairn.info/revue-politix-2009-3-page-7.htm
    » https://www.cairn.info/revue-politix-2009-3-page-7.htm
  • Foucault, Michel. (1975), Surveiller et punir. Naissance de la prision Paris, Gallimard.
  • Foucault, Michel. (2013), La société punitive Paris, Gallimard.
  • Garland, David; Sparks, Richard. (2000), “Criminology, social theory and the challenge of our times”. The British Journal of Criminology, 40 (2): 189-204. Disponível em https://doi.org/10.1093/bjc/40.2.189.
    » https://doi.org/10.1093/bjc/40.2.189
  • Godefroy, Thierry. (2007), “La mobilization contre le criminalité organisé, entre criminalités ordinaires et capitalisme clandestin”. In: Kokoreff, Michel et al (orgs.). Économies criminelles et mondes urbaines. Paris, Press Universitaires de France.
  • Godoi, Rafael. (2017), Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos São Paulo, Boitempo.
  • Gratteri, Nicola; Nicaso, Antonio. (2018), Storia segreta dela ’Ndrangheta. Uma lunga e oscura vicenda di sangue e potere (1860-2018) Milano, Mondadori.
  • Hulsman, Louk; Celis, Jaqueline Bernat de. (1993), Penas perdidas. O sistema penal em questão Niterói, Luam.
  • Kaluszynski, Martine. (2005), “Quand est née la criminologie? ou la criminologie avant les Archives…”. Criminocorpus [En ligne]. Disponível em Disponível em http://journals.openedition.org/criminocorpus/126 , consultado em 14/07/2020.
    » http://journals.openedition.org/criminocorpus/126
  • Kokoreff, Michel. (2007), “Mythes et realités des économies souterraines dans le monde des banlieus populaires françaises”. In: Kokoreff, Michel et al (orgs.). Économies criminelles et mondes urbaines . Paris, Press Universitaires de France.
  • Lampe, Klaus von. (2008), “Organized crime in Europe: Conceptions and realities”. Policing: A Journal of Policy and Practice, 2 (1): 1-17.
  • Lascoumes, Pierre. (1996), “L’Illégalisme, outil d’analyse”. Société et Représentation, 3: 78-84. Disponível em https://doi.org/10.3917/sr.003.0078.
    » https://doi.org/10.3917/sr.003.0078
  • Lima, Roberto Kant de et al (2000), “Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , 50: 45-123.
  • Lopes-Jr., Edmílson. (2009), “As redes sociais do crime organizado: a perspectiva da nova sociologia econômica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 24 (69): 53-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092009000100004.
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092009000100004
  • Lourenço, Luiz Cláudio; Almeida, Odilza Lines de. (2013), “‘Quem mantém a ordem, quem cria desordem’: gangues prisionais na Bahia”. Tempo Social , 25 (1): 37-59. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702013000100003.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100003
  • Marques, Adalton. (2009), Crime, proceder, convívio-seguro. Um experimento antropológico a partir de relações entre ladrões São Paulo, dissertação de mestrado em antropologia social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009.
  • Merton, Robert K. (1970), Sociologia: teoria e estrutura São Paulo, Mestre Jou.
  • Mills, Charles Wright. (2009), Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios Rio de Janeiro, Zahar.
  • Mingardi, Guaracy. (1998a), “O que é crime organizado: uma definição das Ciências sociais”. Revista do Ilanud, 8.
  • Mingardi, Guaracy. (1998b), O Estado e o crime organizado São Paulo, IBCCRIM.
  • Mingardi, Guaracy. (2007), “O trabalho da inteligência no controle do Crime Organizado”. Estudos Avançados , 21 (61): 51-69. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300004.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000300004
  • Misse, Michel. (2006), Crime e violência no Brasil contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e da violência urbana Rio de Janeiro, Lumen Juris.
  • Misse, Michel. (2007), “Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro”. Estudos Avançados , 21 (61): 139-157. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000300010.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000300010
  • Misse, Michel. (2011), “Crime organizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e afinidades”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 13-25. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000300003&lng=en&nrm=iso
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000300003&lng=en&nrm=iso
  • Oliveira, Adriano. (2007), “As peças e os mecanismos do crime organizado em sua atividade tráfico de drogas”. Dados - Revista de Ciências Sociais, 50 (4): 699-720. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403.pdf
    » https://www.redalyc.org/pdf/218/21850403.pdf
  • Paixão, Antônio L. (1987), “Falanges vermelhas, serpentes negras e a ordem prisional”. In: Paixão, Antônio L. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso São Paulo, Cortez, pp. 73-88.
  • Paiva, Luiz Fábio S. (2019), “Aqui não tem gangue, tem facção”: as transformações sociais do crime em Fortaleza, Brasil. Cadernos CRH , Salvador, 32 (85): 165-184.
  • Peraldi, Michel. (2007), “Economies criminelles et mondes d’affaire à Tanger”. Culture; Conflits 68: 111-125.
  • Robert, Philippe. (2007), Sociologia do Crime Petrópolis, Vozes.
  • Ruggiero, Vincenzo. (2008), Crimes e mercados. Ensaios em anticriminologia Rio de Janeiro, Lumen Juris.
  • Sales, Isaia; Melorio, Simona. (2017), Le mafie nell’economia globale: fra la legge dello Stato e le leggi di mercato Napoli, Guida.
  • Salla, Fernando. (2006), “As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira”. Sociologias, 16: 274-307. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222006000200011&lng=en&nrm=iso
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222006000200011&lng=en&nrm=iso
  • Salla, Fernando; Alvarez, Marcos César. (2000), “Paulo Egídio e a sociologia Criminal em São Paulo”. Tempo Social , 12 (1): 101-122. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702000000100006.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-20702000000100006
  • Schabbach, Letícia Maria. (2008), “Exclusão, ilegalidades e organizações criminosas no Brasil”. Sociologias, 20: 48-71. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222008000200004&lng=en&nrm=iso
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222008000200004&lng=en&nrm=iso
  • Souza, Luís Antônio F. de. (2005), “Criminologia, direito penal e justiça criminal no Brasil: uma revisão da pesquisa recente”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , 59: 81-105.
  • Sutherland, Edwin H. (1940), “White-collar criminality”. American Sociological Review, 5 (1): 1-12. Disponível em https://www.asanet.org/sites/default/files/savvy/images/asa/docs/pdf/1939%20Presidential%20Address%20(Edwin%20Sutherland).pdf
    » https://www.asanet.org/sites/default/files/savvy/images/asa/docs/pdf/1939%20Presidential%20Address%20(Edwin%20Sutherland).pdf
  • Sutherland, Edwin H. (1949), White collar crime Nova York, Holt, Rinehart and Blackwell.
  • Sykes, Gresham; Matza, David. (1957), “Techniques of neutralization: a theory of delinquency”. American Sociological Review , 22 (6): 664-670.
  • Tarrius, Alain. (2002), La mondialisation par le bas: les nouveaux nomades de l’économie souterraine Paris, Balland.
  • Teixeira, Alessandra. (2016), O crime pelo avesso. Gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo São Paulo, Alameda.
  • Telles, Vera da Silva; Hirata, Daniel Veloso. (2010) “Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo”. Tempo Social , São Paulo, 22 (2): 39-59. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702010000200003&lng=pt&nrm=iso
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702010000200003&lng=pt&nrm=iso
  • Young, Jock. (2002), A sociedade excludente. Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente Rio de Janeiro, Revan.
  • Zaluar, Alba. (1983), A máquina e a revolta São Paulo, Brasiliense.
  • Zaluar, Alba. (1990), “Teleguiados e chefes: juventude e crime”. Religião e Sociedade, 15 (1): 54-67.
  • Zaluar, Alba. (1999), “Violência e crime”. In: Miceli, S. (org.). O que ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995) . Vol. 1 - Antropologia. São Paulo, Sumaré/Anpocs, pp. 13-107.
  • Zaluar, Alba; Conceição, Isabel Siqueira. (2007), “Favela sob o controle das milícias no Rio de Janeiro: que paz?” São Paulo em Perspectiva, 21 (2): 89-10
  • 1
    O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do Projeto “Building Democracy Daily: Human Rights, Violence, and Institutional Trust” do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, sob financiamento Cepid-Fapesp.
  • 2
    Sobre a recepção da criminologia positivista nas ciências sociais no Brasil, ver: Souza (2005)Souza, Luís Antônio F. de. (2005), “Criminologia, direito penal e justiça criminal no Brasil: uma revisão da pesquisa recente”. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , 59: 81-105., Alvarez (2002)Alvarez, Marcos César. (2002), “A criminologia no Brasil ou Como tratar desigualmente os desiguais”. Dados: Revista de Ciências Sociais, 45 (4): 677-704.; e, especificamente em relação à sociologia em São Paulo, Salla e Alvarez (2000)Salla, Fernando; Alvarez, Marcos César. (2000), “Paulo Egídio e a sociologia Criminal em São Paulo”. Tempo Social , 12 (1): 101-122. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-20702000000100006.
    https://doi.org/10.1590/S0103-2070200000...
    .
  • 3
    Young (2002)Young, Jock. (2002), A sociedade excludente. Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Rio de Janeiro, Revan., ao analisar as causas da criminalidade na modernidade recente, recorre à noção de privação relativa (que se revelaria mais premente em contextos de menores privações sociais, porém maiores iniquidades), bem como de um déficit de coesão social pela exacerbação do individualismo.
  • 4
    Ruggiero (2008)Ruggiero, Vincenzo. (2008), Crimes e mercados. Ensaios em anticriminologia. Rio de Janeiro, Lumen Juris. equipara os criminólogos aos “sociólogos da miséria”, e acusa ambos (não esclarecendo se seriam ou não figuras distintas) de não serem “cientificamente neutros”. Para se opor a essas, segundo ele, “escolas de pensamento”, propõe uma abordagem oposta que chama de “anticriminologia”.
  • 5
    A década de 1980 marca o início de uma política criminal denominada “Guerra às Drogas” cujo impacto maior, sentido até os dias atuais, teria sido a explosão das taxas de encarceramento, em nível mundial. Michelle Alexander (2018)Alexander, Michelle. (2018), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo. chega a tratar essa política e seus efeitos junto à população negra nos Estados Unidos como o novo “Jim Crow”. Para uma genealogia do empreendimento jurídico e político da Guerra às Drogas, desde sua origem na era Reagan nos Estados Unidos até seu tratamento pelos organismos transnacionais, ver Godefroy, 2007Godefroy, Thierry. (2007), “La mobilization contre le criminalité organisé, entre criminalités ordinaires et capitalisme clandestin”. In: Kokoreff, Michel et al. (orgs.). Économies criminelles et mondes urbaines. Paris, Press Universitaires de France..
  • 6
    Mercadorias políticas: “São mercadorias produzidas em uma troca assimétrica, quase sempre compulsória, embora interesse geralmente a ambas as partes realizá-la. Seu preço depende simultaneamente de um cálculo político e de um cálculo econômico. Pode ser produzida pela privatização de atribuições estatais por um funcionário público (é o caso da variedade de trocas chamada ‘corrupção’), como pode ser produzida simplesmente pela posse de informação, força, poder ou violência suficiente para obrigar um sujeito ou grupo social a entrar em uma relação de troca (é o caso da chamada ‘extorsão’)” (Misse, 2011Misse, Michel. (2011), “Crime organizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e afinidades”. Revista de Sociologia e Política, 19 (40): 13-25. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782011000300003&lng=en&nrm=iso.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 23).
  • 7
    As milícias que surgiram no Rio de Janeiro são grupos organizados em torno de atividades ilegais, mas que apresentam alguns traços importantes nesse debate sobre a articulação com as esferas do estado. São constituídas por integrantes do próprio estado, ou ex-integrantes (policiais, ex-policiais, bombeiros, agentes e ex-agentes penitenciários, membros das forças armadas) que mobilizam esse lastro do estado para a venda da proteção aos moradores de bairros da cidade do Rio de Janeiro, apresentando-se como força de contenção e expulsão de traficantes de drogas dos territórios. Dessa atividade de extorsão para a proteção derivam para outras, legais e ilegais, muito presentes sobretudo nos bairros mais pobres, como venda de gás, tv a cabo, tráfico de drogas, distribuição de água e luz, construção civil. Seu “cartão de visita” (como agentes públicos, em geral das forças da ordem) mobiliza a legitimidade do estado para justificar sua aceitação junto aos moradores. Além disso, possuem tais grupos estreita ligação com a esfera política, com vereadores, deputados, que servem de escudos protetivos às investidas legais que ocasionalmente possam aparecer. Zaluar e Conceição (2007)Zaluar, Alba; Conceição, Isabel Siqueira. (2007), “Favela sob o controle das milícias no Rio de Janeiro: que paz?” São Paulo em Perspectiva, 21 (2): 89-10 apontaram os limites desse termo para a descrição e análise do fenômeno. Sobre as milícias, ver também Alves (2003)Alves, J. C. S. (2003), Dos barões ao extermínio: Uma história da violência na Baixada Fluminense. APPH-Clio, Duque de Caxias., Cano e Duarte (2012)Cano, Ignacio; Duarte, Thais. (2012), “No sapatinho”: a evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008-2011). Rio de Janeiro, Fundação Heinrich Böll., Costa (2014)Costa, Greciely Cristina da. (2014), Sentidos de milícia: entre a lei e o crime. Campinas, Editora da Unicamp., Couto e Beato (2019)Couto, Vinicius Assis; Beato, Cláudio. (2019), “Milícias: o crime organizado por meio de uma análise das redes sociais”. Revista Brasileira de Sociologia , 7 (17): 201-221..
  • 8
    Tais preocupações são constantes na literatura italiana sobre as máfias, que destaca o quanto o poderio econômico de grupos como a Camorra, a ’Ndrangheta ou a Cosa Nostra faz com que se instalem nos negócios e atividades legais (Sales e Melorio, 2017Sales, Isaia; Melorio, Simona. (2017), Le mafie nell’economia globale: fra la legge dello Stato e le leggi di mercato. Napoli, Guida.; Gratteri e Nicaso, 2018Gratteri, Nicola; Nicaso, Antonio. (2018), Storia segreta dela ’Ndrangheta. Uma lunga e oscura vicenda di sangue e potere (1860-2018). Milano, Mondadori.).
  • 9
    Philippe Robert (2007)Robert, Philippe. (2007), Sociologia do Crime. Petrópolis, Vozes. chama a atenção para esse fato. Não é possível uma sociologia do crime que não parta desse pressuposto de que é o direito a delimitar a interdição a determinados comportamentos. Segundo ele, a sociologia do crime deve desdobrar a sua investigação em direção a três etapas do crime - a tipificação (feita pelo direito); a transgressão; e a repressão.
  • 10
    As estreitas relações entre as atividades dos grupos organizados e as questões de corrupção no plano político foram também analisadas por Adorno e Dias (2019)Adorno, Sérgio; Dias, Camila Nunes D. (2019), “Brazil: organised crime, corruption and urban violence”. In: Allum, Felia; Gilmour, Stan. Handbook of organised crime and politics. Cheltenham, Edward Elgar Publishing, pp. 226-241..
  • 11
    O mesmo desafio se coloca em relação aos grupos empresariais que atuam em diversas formas de ilegalidade e aos meios que utilizam para tornar legal o resultado de ações ilegais (lavagem de dinheiro, emissão de notas frias, criação de empresas de fachada etc.).
  • 12
    Fernando Acosta (2004)Acosta, Fernando. (2004), “Ilegalismos privilegiados”. Antropolítica, 16: 65-98. joga luz nos mecanismos não penais de resolução de conflitos (civis, administrativos, consensuais) aplicados aos “ilegalismos privilegiados”, que tendem a deslocar a repressão penal e sua dimensão “autoritária”, reservando-as aos “ilegalismos populares”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2020
  • Aceito
    01 Ago 2020
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br