Acessibilidade / Reportar erro

Juan Pedro Blois, Medio siglo de sociología en la Argentina: ciencia, profesión y política (1957-2007)

Blois, Juan Pedro. Medio siglo de sociología en la Argentina: ciencia, profesión y política (1957-2007). Buenos Aires: Eudeba, 2018. 336

Uma primeira contribuição do livro de Juan Pedro Blois é a leitura algo surpreendente que faz da carreira de sociologia na Universidade de Buenos Aires, primeira a ser constituída na Argentina. Os diversos estudos dedicados à história da sociologia no país destacaram o caráter acidentado e conflituoso de seu desenvolvimento em meio à convulsionada vida política argentina. É sabido que os curtos ciclos políticos (1943-1946, 1946-1955, 1955-1966, 1966-1973, 1973-1976, 1976-1983, 1983 e os governos pós-redemocratização) que o país atravessou na segunda metade do século xx se fizeram sentir na rotina universitária por meio das inúmeras intervenções, substituição de reitores e diretores de área, mudanças na grade curricular e programas ofertados, destituição de professores, valorização de determinados temas e tradições de análise, dentre outros aspectos.

Não obstante a politização da vida universitária argentina, que incidia com força ainda maior no caso da sociologia, a originalidade de Blois é testar a hipótese contra-intuitiva de que, em que pese as desventuras e rotações bruscas da política argentina, é possível identificar a estruturação do novo campo através do surgimento de agentes intelectuais e debates que disputaram a definição do que deveria ser a sociologia e sedimentaram temas e estilos de intervenção intelectual caros à nova área em organização. Nas palavras de Blois:

Sin desconocer que el desarrollo de la sociología en la Argentina estuvo sometido a fuertes redefiniciones y quiebres, en esta investigación asumimos una clave analítica según la cual a lo largo de los años se fue configurando un espacio de relaciones en el que participaban todos aquellos que, de un modo u otro, tenían interés en disputar lo que la sociología era o debía ser. Ese espacio, de dimensiones variables según las épocas, se organizaba en torno a un conjunto de disputas y controversias, más o menos intensas, más o menos explícitas, donde lo que se pretendía era dirimir la definición misma de la sociología. Y, en función de ello, las jerarquías y posiciones que les correspondían a los diversos estilos de trabajo, saberes e ideas de los sociólogos (p. 15).

Blois enfatiza as condições materiais e simbólicas que teriam permitido no médio e longo prazo a difusão de “uma nova cultura científica” ( corpus teórico-analíticos, estruturas institucionais, formas de financiamento, iniciativas editoriais, agendas, afinidades, rotinas, corpo docente e discente, critérios de classificação e hierarquização entre as diferentes formas de ver e praticar a sociologia, demandas sociais pelos serviços do sociólogo, postos de trabalho, redes regionais, entre outros aspectos).

Apesar das preferências políticas do grupo a cargo do poder e seus apaniguados na universidade, o autor rastreia a estruturação da rede de relações de sociólogos e as tomadas de posição teórico-políticas que estabeleceram as diretrizes da evolução da sociologia no país. O autor sugere a existência da homologia entre as diversas sociologias em disputa pelo espaço do sociólogo (ensaísmo, científica germaniana, marxista, cátedras nacionais, nacionalista católica e sociologia aplicada) e suas preferências político-ideológicas, de tal maneira que “sociologia e política estavam inextricavelmente unidas” (p. 130).

No essencial, o mérito do autor é o de flagrar em ação a constituição da lógica interna ao campo em estruturação e suas disputas mais pronunciadas. É sob esse ângulo que são delimitadas seis etapas que sintetizam as linhas de força que operaram ao longo da carreira de sociologia da UBA: 1957-1963 (formação), 1963-1966 e 1966-1973 (diferenciação), 1974-1983 (politização), 1984-1990 (reorganização) e 1990-2007 (consolidação).

A identificação das diversas correntes e concepções que disputaram a delimitação do métier do sociólogo entre 1957-2007, período que inicia com a criação da carreira de sociologia na UBA e encerra com a diferenciação de seu espaço de atuação profissional, avança em termos analíticos ao evitar conclusões apressadas e restritas às determinações específicas de cada conjuntura político-intelectual e propor uma visão condensada e em perspectiva dos saldos resultantes de cada uma das etapas em que a carreira se estruturou. Isso se deve à escolha em mirar o processo de configuração da nova carreira valendo-se de um recorte temporal ampliado, o que é um acerto quando se tem em vista os trabalhos sobre a sociologia da sociologia argentina que recuaram no tempo a fim de capturar os primeiros passos da nova área que cobrava espaço.

Operando outro recorte temporal, Blois reconstrói de forma aguda os debates estruturantes de cada um dos períodos estudados. O leitor é levado ao cerne dos conflitos entre os grupos e correntes que disputaram o sentido da nova disciplina e acompanha detidamente os argumentos aventados pelos contendores em meio às conjunturas políticas, decisivas no que diz respeito à busca por legitimidade dos discursos mobilizados, e os recursos, estratégias e credenciais utilizados nas lutas classificatórias.

O livro passeia pelas rivalidades e polêmicas, críticas e chistes, registros conceituais e políticos, estratégias de afirmação e subversão etc., entre os que tomavam posição e procuravam referendar sua visão da disciplina sociológica em face das perspectivas concorrentes: ensino livresco versus investigação empírica, sociologia científica versus ensaísmo e pensamento social, revolucionários marxistas versus reformistas germanianos, cosmopolitas versus nacionalistas, nação e império versus luta de classes, sociologia “ensimesmada” versus sociologia “comprometida”, desenraizamento versus engajamento, especialistas e produtores de papers alinhados ao status quo versus militantes da causa nacional e popular, colaboracionistas versus oposicionistas, acadêmico profissional versus intelectual crítico, teóricos da modernização e desenvolvimentistas versus marxistas, “sociologos de cátedra” e “burocratas” versus “dogmáticos” e defensores da “pureza doutrinária”, “sociólogos de aluguel” ou “comprados” versus “populismo pseudocientífico”, entre outras polarizações e acusações em que se organizaram os conflitos e as compreensões em jogo no curso das lutas universitárias e políticas.

O trabalho de Blois acerta ainda ao se inspirar e dialogar com a série de estudos do que vem se constituindo como uma sociologia da sociologia comparada dos países latino-americanos, que se utiliza do instrumento da comparação a fim de melhor atinar com as especificidades e regularidades da carreira nos espaços nacionais, prevenindo-se, dessa forma, de abordagens provincialistas e descortinando novas pistas e princípios interpretativos. Tais avanços metodológicos têm sedimentado as bases teórico-analíticas e empíricas e alentado a produção da inovadora agenda que se concentra sobre a circulação internacional de teorias, ideias, agentes, recursos simbólicos e materiais, esboçando os mecanismos que estruturam as iniciativas transnacionais das ciências sociais ( Beigel, 2010 BEIGEL , Fernanda ( org .) . ( 2010 ), Autonomía y dependencia académica: universidad e investigación científica en un circuito periférico: Chile y Argentina (1950-1980) . Buenos Aires , Biblos . ; Blanco, 2007 BLANCO , Alejandro .( 2007 ). “Ciências sociais no Cone Sul e a gênese de uma elite intelectual (1940-1965) ”. Tempo Social , 19 ( 1 ): 89 - 114 . ; Blanco e Brasil Jr., 2018 BLANCO , Alejandro e BRASIL JR ., Antonio . ( 2018 ), “A circulação internacional de Florestan Fernandes” . Sociologia e Antropologia , 8 : 69 - 107 . ; Blois, 2015 BLOIS , Juan Pedro . ( 2015 ), “La institucionalización y profesionalización de la sociología en Brasil y Argentina: formación, organización e intervención de los sociólogos” . Estudios Sociológicos , 33 ( 99 ): 633 - 658 . ; Brasil Jr., 2013 BRASIL JR ., Antonio . ( 2013 ), Passagens para a teoria sociológica: Florestan Fernandes e Gino Germani . São Paulo , Hucitec . ; Jackson e Blanco, 2016 JACKSON , Luiz Carlos & BLANCO , Alejandro . ( 2016 ), “O caudilho da sociologia mexicana: Pablo González Casanova e a democracia no México” . Tempo Social , 28 ( 3 ): 117 - 143 . e 2014 JACKSON , Luiz Carlos & BLANCO , Alejandro . ( 2014 ). Sociologia no espelho: ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina (1930-1970) . São Paulo , Editora 34 . ).

Mas cabe dizer que a utilização da comparação aparece no trabalho de Blois como recurso ilustrativo, inclusive porque não é esse seu principal interesse. O autor ressalta, por exemplo, a centralidade que os temas do desenvolvimentismo e do planejamento adquiriram no campo de investigações, léxico e tomadas de posição política dos sociólogos, especialmente entre os que se alinhavam à definição germaniana da sociologia como área científica e axiologicamente neutra num cenário marcado por expectativas de transformação econômica e política. O olhar detido que o autor lança à carreira de sociologia na Argentina dos anos 1950-1960 (capítulos 1 e 2, especialmente) certamente ganharia reforço analítico se a comparação com outros casos nacionais latino-americanos obtivesse maior espaço.

A título de exemplo, muitas verossimilhanças poderiam ser garimpadas entre as experiências argentina e brasileira (bastante conhecida pelo autor), que, sob os governos desenvolvimentistas de Arturo Frondizi (1958-1962) e Juscelino Kubitscheck (1955-1960), respectivamente, viram emergir um cenário de extraordinário alento ao desenvolvimento das ciências sociais em meio à vitalização da política e ampliação dos espaços de atuação dos cientistas sociais na máquina pública, que se deu particularmente com a difusão das ideias cepalinas e dos modelos de intervenção técnica estimulados pela Cepal e Ilpes (instituições centrais para o desenvolvimento das ciências sociais na região). É nesse ambiente que o autor vislumbraria com mais força as conexões que ensejaram a defesa da sociologia como “produto moderno” num momento do desenvolvimento dos países latino-americanos em que os técnicos passavam a ser valorizados como engrenagem central do progresso social e econômico ( Bastos, Botelho e Villas Bôas, 2008 BASTOS , É. R. ; BOTELHO , A. & VILLAS BÔAS , G . ( orgs .) . ( 2008 ), O Moderno em questão: a década de 1950 no Brasil . Rio de Janeiro , Topbooks . ).

Ainda nessa direção, o texto ganharia em profundidade ao lançar mão da comparação com o intuito de iluminar o debate argentino entre cosmopolitas, que afirmavam o caráter universal da sociologia e de seus métodos, e nacionalistas, que se apoiavam sobre a defesa de uma sociologia enraizada na sociedade argentina e especificidade de seus dramas locais. Tal peleja, que se travou no país de Blois entre os sociólogos empiristas alinhados a Germani e os sociólogos das “cátedras nacionais”, viu sua versão brasileira protagonizada por Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos e, no que diz respeito à pertinência das teorizações e metodologias empregadas para o estudo dos fenômenos sociais brasileiros, entre o mesmo Fernandes e Donald Pierson e Emilio Willems ( Jackson, 2004 JACKSON , Luiz Carlos . ( 2004 ). “A sociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965) ”. Tempo Social , 16 ( 1 ): 263 - 283 . ).

Não seria infrutífero, além da comparação entre as obras e tomadas de posição de Fernandes e Germani em seus respectivos espaços nacionais ( Brasil Jr., 2013 BRASIL JR ., Antonio . ( 2013 ), Passagens para a teoria sociológica: Florestan Fernandes e Gino Germani . São Paulo , Hucitec . ; Jackson e Blanco, 2014 JACKSON , Luiz Carlos & BLANCO , Alejandro . ( 2014 ). Sociologia no espelho: ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina (1930-1970) . São Paulo , Editora 34 . ), a análise contraposta das posições defendidas por Arturo Jauretche em El medio pelo en la sociedad argentina: apuntes para una sociología nacional e a sociologia de tintas nacionalistas de Ramos em Introdução crítica à sociologia brasileira (1957) ou A redução sociológica (1958).

O ângulo comparativo também permitiria acessar num quadro mais amplo os impactos da politização sobre as ciências sociais no contexto regional de radicalização política (especialmente após a Revolução Cubana, 1959, disparada de golpes militares e ascensão do socialismo democrático no Chile em 1970). A influência desses acontecimentos sobre as ciências sociais na região é apenas sugerida no trabalho e se perde a oportunidade de aprofundar insights de valiosas repercussões analíticas.

É exemplar disso a breve nota do autor sobre as ciências sociais no Chile cuja exploração mais detida permitiria não apenas constatar a maior imbricação relativa entre ciência e política, no caso argentino, como a enorme influência dos debates chilenos nos idos de 1960 (crise das ideias cepalinas e advento de diversas formulações da dependência) sobre os novos rumos da sociologia argentina (particularmente sobre os sociólogos nacionalistas e marxistas, críticos às perspectivas teóricas dos centros mundiais):

La sociología (en Chile) se asumia como parte de una empresa intelectual que debía adaptarse a las necesidades de un Estado socialista, pero que no por ello dejaba de diferenciarse netamente del ensayo político y la militancia sin más (p. 134).

No que diz respeito ao desenvolvimento das ciências sociais argentinas em meio aos golpes de 1966 e 1976, Blois lograria maior saldo analítico se a comparação com o Brasil ainda uma vez ganhasse maior peso para além das referências pontuais feitas com o propósito de controle do caso argentino. Veria um fenômeno presente aqui como lá: a relação entre a instalação de regimes autoritários e a expansão das ciências sociais. Poderia generalizar a constatação de que o desenvolvimento das ciências sociais via expansão do ensino superior público e privado, que significou a ampliação da matrícula na graduação e criação de novos programas de pós-graduação, engatou num projeto político e econômico de modernização autoritária. Desse modo, as reformulações dos planos de estudo e currículos (no caso brasileiro, é desse período a reforma universitária), a renovação do corpo de professores, a mudança dos temas e autores estudados e a extensão das possibilidades de colocação profissional ofertadas aos sociólogos de ambos os países aconteceram em meio ao clima de “caça às bruxas”.

Paradoxalmente, é a partir desse momento que se pode falar mais propriamente de uma “comunidade científica” – dos sociólogos, particularmente – na medida em que a criação dos novos suportes institucionais, a multiplicação de postos de trabalho, a difusão de iniciativas privadas, a injeção de verbas das fundações norte-americanas, a coesão dos sociólogos em torno do eixo temático Estado e cidadania permitiram o adensamento acelerado do campo das ciências sociais no período da redemocratização.

Em suma, o autor poderia generalizar algumas das teses que vislumbrou para o caso argentino, em particular a constatação bem feita de que o período de maior intervenção e supressão da autonomia universitária foi também aquele de maior expansão da carreira de sociologia e renovação geracional ( Jackson e Barboza, 2017 JACKSON , Luiz Carlos & BARBOZA , Darlan Praxedes . ( 2017 ), “Histórias das ciências sociais brasileiras” . In: MICELI , Sergio & MARTINS , Carlos Benedito ( orgs .) . Sociologia brasileira hoje . São Paulo , Ateliê . ; Keinert, 2011 KEINERT , Fabio Cardoso . ( 2011 ), Cientistas sociais entre ciência e política (1968-1985) . São Paulo , tese de doutorado . Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo . ; Leite, 2015; Miceli, 1993 MICELI , Sergio . ( 1993 ), A Fundação Ford no Brasil . São Paulo , Sumaré . ).

Vale destacar ainda outro diferencial do trabalho de Blois pouco presente na bibliografia argentina: a ênfase sobre os atualíssimos confrontos entre cientistas que se pretendem puros e se identificam com as tarefas acadêmicas e os praticantes da “sociologia aplicada”, que passaram a ocupar a partir dos anos 1970 os espaços abertos aos sociólogos nos interstícios do Estado, organizações não governamentais, sociedade civil e mercado privado.

Desacreditadas suas habilidades e experiências, associadas à preservação das estruturas de poder dominantes e carentes de rigor científico, aqueles últimos oscilaram entre uma posição que ocultava sua expertise como pesquisadores de mercado e especialistas em surveys de opinião pública para conseguir uma colocação universitária e a defesa das vantagens específicas de um métier que, em oposição à “neutralidade valorativa” dos acadêmicos e seu “ensimesmamento”, recobraram o direito legítimo ao exercício profissional e contato privilegiado com a realidade social. Eles passaram à ofensiva e, sem o constrangimento de outrora, colocaram em primeiro plano a discussão sobre a empregabilidade entre sociólogos, exigiram o reconhecimento de seus saberes e reproblematizaram a questão dos papéis do sociólogo na sociedade argentina:

Antes el análisis de aquello que los sociólogos podian hacer para ganar la vida había estado en función de una pregunta más general sobre el papel o función de la disciplina en la sociedad. Y las respuestas fueron diferentes: mientras Germani y sus colaboradores confiaban en la constitución de la sociología como una fuerza intelectual capaz de contribuir en la racionalización y mejora de la acción de la sociedad sobre si misma, otros preferian ver en la disciplina un conjunto de insumos capaces de alentar la crítica al orden social vigente y su superación en el marco de una serie de transformaciones revolucionarias. Pero todos compartian el hecho de reconocer en la sociología una misión trascendente, que excedía la pura preocupación por la problemática laboral. Ahora, en contraste, y sin las certezas que habian sustentado aquellas visiones – la creencia en el desarrollo y modernización de la sociedad, por un lado, la confianza en la capacidad redentora de los pueblos y la clase obrera, por otro –, la pregunta de los sociólogos por su disciplina se hacia más humilde y acotada: ya no se trataba de saber lo que la diciplina podía hacer por la sociedad, definir su misión como ciencia o discurso crítico, sino que lo que ahora importaba saber era de que podían trabajar los sociólogos (pp. 203-204).

Como ao longo de todo o livro, que enfatiza as inter-relações entre a prevalência de determinados temas, estilos de trabalho e posições político-ideológicas entre os sociólogos e a conjuntura política geral, Blois pontua a valorização – insuficiente, é bem verdade – dos saberes dos sociólogos especializados em pesquisas de mercado e opinião pública num contexto neoliberal de maior presença das agências internacionais demandantes de serviços de assessoria, reforma do Estado, alta cotação das técnicas quantitativas de pesquisa no setor privado, em suma, num ambiente de “modernização” que induzia a diversificação dos espaços de atuação profissional e que contrapunha dois perfis de sociólogos, o vocacionado para a vida acadêmica e de magros ganhos materiais e o que se dedicava a múltiplas ocupações e priorizava o progresso econômico. Blois reconstrói as disputas entre esses perfis na queda de braços para impor a forma de conceber e praticar a sociologia.

Em que pese a expansão do sistema universitário (Quilmes, La Matanza, General Sarmiento, San Martín, Tres de Febrero e Lanús) e a abertura de novas carreiras de sociologia, que implicou a perda da centralidade da carreira de sociologia da UBA, o último período estudado pelo autor (1990-2007) é marcado pela escassez de recursos (“sociologia barata”) – pelo menos até meados de 2003, com a chegada ao poder do justicialismo kirchnerista –, a prevalência do sociólogo “obrero del curriculum” (afinado com as novas regras do jogo acadêmico) e a perda de espaço dos que aventavam a construção de um campo de conhecimento submetido a propósitos políticos.

Não obstante os avanços no que diz respeito à estruturação de um mercado de trabalho para os sociólogos no período recente, Blois tem dúvidas quanto à profundidade dos processos de profissionalização e rotinização da sociologia (multiplicação de equipes de investigação, implantação de uma dinâmica de trabalho menos individualizada, formação de jovens gerações, edição de livros coletivos, estabilização do calendário de encontros acadêmicos, criação de mecanismos de validação e de um sistema de incentivos).

O autor, que por vezes sugere avanços substantivos que permitiriam afiançar com segurança a existência de um campo da sociologia na Argentina, desconfia se os praticantes da sociologia possuem temas de interesse e técnica exclusivos, se dispõem de instituições capazes de regular o exercício da profissão e defender seus direitos, se tal exercício é pautado mais pelos conhecimentos específicos adquiridos do que por uma “formação geral”, entre outras questões.

O certo é que, além da conquista de um mercado de trabalho para chamar de seu e das mudanças provocadas pelos processos de transformação da vida acadêmica (aceleração do ritmo de trabalho e vigência da lógica comercial), a sociologia argentina consolidou um conjunto de linhagens intelectuais ou tradições de pensamento a que recorriam (e, talvez, continuem recorrendo) as jovens gerações:

[…] las diversas etapas del desarrollo de la sociología en nuestro país, con sus orientaciones heterogeneas, ofrecían un conjunto variado de referencias en las que docentes y estudiantes podían abrevar a la hora de definir su identidad, tomar distancia de sus pares y justificar sus opciones. Mientras algunos […] impulsaban una recuperación de la figura de Germani, otros reivindicaban a una parte de sus más ferreos críticos. La historia de la disciplina se ofrecia como un escenario adicional donde dirimir las disputas del presente y las jerarquias de los diversos estilos y formas de trabajo (p. 265).

Por último, resta dizer que o livro aqui resenhado é bem-vindo e merece leitura atenta pelo rigor e qualidade da pesquisa, fôlego (abarca um período longo e atual que ainda não havia merecido suficiente atenção), riqueza de sugestões, originalidade do enfoque (vê a política como mais um dos instrumentos e estratégias de que se utilizam os contendores das diversas correntes sociológicas para adquirir melhor posição e reconhecimento na hierarquia disciplinar), insights que abrem novos temas, áreas e materiais de investigação no campo da sociologia da sociologia argentina e pelo estímulo aos pesquisadores interessados na comparação das diversas experiências latino-americanas e compreensão em perspectiva dos diversos casos nacionais.

Referências Bibliográficas

  • BASTOS , É. R. ; BOTELHO , A. & VILLAS BÔAS , G . ( orgs .) . ( 2008 ), O Moderno em questão: a década de 1950 no Brasil . Rio de Janeiro , Topbooks .
  • BEIGEL , Fernanda ( org .) . ( 2010 ), Autonomía y dependencia académica: universidad e investigación científica en un circuito periférico: Chile y Argentina (1950-1980) . Buenos Aires , Biblos .
  • BLANCO , Alejandro .( 2007 ). “Ciências sociais no Cone Sul e a gênese de uma elite intelectual (1940-1965) ”. Tempo Social , 19 ( 1 ): 89 - 114 .
  • BLANCO , Alejandro e BRASIL JR ., Antonio . ( 2018 ), “A circulação internacional de Florestan Fernandes” . Sociologia e Antropologia , 8 : 69 - 107 .
  • BLOIS , Juan Pedro . ( 2015 ), “La institucionalización y profesionalización de la sociología en Brasil y Argentina: formación, organización e intervención de los sociólogos” . Estudios Sociológicos , 33 ( 99 ): 633 - 658 .
  • BRASIL JR ., Antonio . ( 2013 ), Passagens para a teoria sociológica: Florestan Fernandes e Gino Germani . São Paulo , Hucitec .
  • JACKSON , Luiz Carlos & BLANCO , Alejandro . ( 2016 ), “O caudilho da sociologia mexicana: Pablo González Casanova e a democracia no México” . Tempo Social , 28 ( 3 ): 117 - 143 .
  • JACKSON , Luiz Carlos & BLANCO , Alejandro . ( 2014 ). Sociologia no espelho: ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina (1930-1970) . São Paulo , Editora 34 .
  • JACKSON , Luiz Carlos . ( 2004 ). “A sociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965) ”. Tempo Social , 16 ( 1 ): 263 - 283 .
  • JACKSON , Luiz Carlos & BARBOZA , Darlan Praxedes . ( 2017 ), “Histórias das ciências sociais brasileiras” . In: MICELI , Sergio & MARTINS , Carlos Benedito ( orgs .) . Sociologia brasileira hoje . São Paulo , Ateliê .
  • KEINERT , Fabio Cardoso . ( 2011 ), Cientistas sociais entre ciência e política (1968-1985) . São Paulo , tese de doutorado . Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo .
  • LEITE , Adriana Naomi . ( 2014 ), Milagre acadêmico: a institucionalização das ciências sociais brasileiras (1964-1985) . São Paulo , dissertação de mestrado . Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo .
  • MICELI , Sergio . ( 1993 ), A Fundação Ford no Brasil . São Paulo , Sumaré .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2019
  • Aceito
    21 Maio 2019
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br