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A nova política de pós-graduação no Brasil

The new policy of post-graduation in Brazil

Resumos

O artigo trata da política de avaliação da Pós-Graduação no Brasil construída em 1998. Aponta para as diferenças em relação à sistemática anterior e retira as implicações resultantes do novo modelo. Chama a atenção para o caráter funcional da avaliação, para os seus desdobramentos no âmbito da produção intelectual, da formação dos estudantes e dos princípios que passaram a nortear os estudos pós-graduados.

Pós-Graduação; avaliação; Universidade


This article deals with the policy of evaluation of the post-graduation in Brazil built in 1998. It points the differences in the previous systematic and comes up with the resulting implications of the new model. It also calls the attention to the functional feature of the evaluation, to its development in the ambit of the intellectual production, of the formation of the students and of the principles which outlined the post-graduation studies.

new policy; post-graduation; evaluation system; culture; University


DOSSIÊ FHC 1º GOVERNO

A nova política de pós-graduação no Brasil

The new policy of post-graduation in Brazil

Maria Arminda do Nascimento Arruda

Professora do Departamento de Sociologia da FFLCH - USP

RESUMO

O artigo trata da política de avaliação da Pós-Graduação no Brasil construída em 1998. Aponta para as diferenças em relação à sistemática anterior e retira as implicações resultantes do novo modelo. Chama a atenção para o caráter funcional da avaliação, para os seus desdobramentos no âmbito da produção intelectual, da formação dos estudantes e dos princípios que passaram a nortear os estudos pós-graduados.

Palavras-chave: Pós-Graduação, avaliação, Universidade.

ABSTRACT

This article deals with the policy of evaluation of the post-graduation in Brazil built in 1998. It points the differences in the previous systematic and comes up with the resulting implications of the new model. It also calls the attention to the functional feature of the evaluation, to its development in the ambit of the intellectual production, of the formation of the students and of the principles which outlined the post-graduation studies.

Keywords: new policy, post-graduation, evaluation system, culture, University.

Há bem pouco tempo, durante a apreciação dos últimos relatórios da Pós-Graduação em Sociologia, tomamos conhecimento da intenção, expressa no conjunto de objetivos pertinentes a um determinado curso, de se perseguir posição mais elevada na grade conceitual construída no processo de avaliação anterior. Sem considerar o caráter possivelmente singelo encerrado na formulação, impôs-se, inescapavelmente, a indagação sobre o propósito contido em manifestações dessa natureza, exprimindo certos significados atribuídos à formação pós-graduada que pressupõe direcionar esforços intelectuais e institucionais de vulto. Toda uma concepção de vida acadêmica cristalizava-se nesse evento de aparência desimportante. A centralidade adquirida pela avaliação de desempenho da pós-graduação no Brasil explicitava-se de modo inconteste. Consolidavam-se e rotinizavam-se os procedimentos avaliativos e as regras e formas, atualmente assumidas, de legitimação do trabalho acadêmico. Finalmente, invertiam-se os princípios explícitos da avaliação, comprometidos em aquilatar as dimensões de qualidade assumidas pela pós-graduação no país, das quais o conceito é resultado. O exame desse conjunto de questões exige refletir sobre o Sistema de Avaliação em vigência no momento, seus desdobramentos, o modo de sua articulação com a Instituição Universitária.

É consensual, no seio da comunidade acadêmica, o reconhecimento de que a avaliação dos Programas, levada a cabo pelo CAPES em 1998, implicou profundas transformações, hauridas em concepções renovadas. A sistematização dos processos avaliativos aprofundou-se, visível na articulação reforçada das diversas partes que compõem o complexo de meios utilizados no transcurso das atividades inerentes a essa prática. As mudanças implementadas adquiriram características particulares, apesar do Sistema de Avaliação ter sido continuamente reformulado desde a sua criação em 1976, uma vez que se alterava substantivamente os preceitos norteadores do próprio modelo. A questão de fundo brotava do reconhecimento, segundo a CAPES, da inadequação da forma anterior diante dos novos problemas criados pela sociedade contemporânea, pela diversificação e expansão da pós-graduação entre nós. "Em início de 1998, o reconhecimento de que se fechava mais um importante ciclo da pós-graduação no país e de que era chegado o momento de serem antepostos a esse nível de ensino novos desafios que fossem coerentes com a rápida evolução da ciência e tecnologia na atualidade e com a realidade da sociedade brasileira, levou a CAPES a promover alterações no modelo de avaliação que vinha sendo até então adotado" (Relatório de Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 60). Ao pretender a sincronia da pós-graduação e dos modelos de avaliação com as transformações engendradas na dinâmica do mundo atual, a agência assume papel indutor e racionalizador apontando para a relevância da avaliação no enquadramento desse estágio de formação. "Ao estabelecer as metas e requisitos de qualidade que nortearam o desenvolvimento desse nível de ensino, o Sistema de Avaliação patrocinado pela CAPES assegurou bases sólidas ao processo de expansão e consolidação da pós-graduação nacional e contribuiu para a criação de condições essenciais para que se efetivassem grandes avanços no campo da pesquisa científica e tecnológica no país" (Relatório de Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 60). A regulamentação das ações estendidas à pós-graduação foi capaz de patrocinar, segundo o documento, alterações qualitativas e, na seqüência, fertilizar o campo da pesquisa, cujo incremento resultou no estágio de institucionalização atualmente existente.

E, de fato, quando se examina o chamado Sistema de Pós-Graduação no Brasil, do qual a avaliação é componente fundamental, percebe-se, ao longo dos anos, a persistente tendência adaptativa dos cursos às normas formuladas pelas agências financiadoras, cuja continuidade acabou por provocar um movimento de fuga de certas atribuições das Universidades que migraram em direção às organizações de fomento. É possível afirmar que, em larga medida, as atividades de pesquisa são pré-formadas, no sentido exclusivo de que as condições para o seu desenvolvimento encontram-se instituídas. A respeito dessa questão parece não restar dúvidas sobre a adesão da comunidade acadêmica brasileira às diferentes formas de avaliação, passando a se constituir em modos de reconhecimento. "O elemento central dos sistemas de reputação é o desenvolvimento de padrões de avaliação que controlarão resultados de pesquisas através de publicações, congressos e seminários, além de outras formas de avaliação efetuadas por pares reputados. Esse componente da dependência funcional se relaciona diretamente com a dependência estratégica, de tal forma que o desenvolvimento desse padrão em comum tornará possível o convencimento de outros cientistas acerca da importância dos resultados obtidos" (Beato F., 1998, p. 528)1 1 Em pesquisa realizada em 5 departamentos da UFMG, Claudio Beato obteve os seguintes resultados no aspecto rejeição aos padrões de avaliação interpares: os físicos e os demógrafos são unânimes em aceitá-la; 2,7% dos químicos a rejeitam; 9,1% dos economistas e cientistas políticos a recusam; 13% dos sociólogos rejeitaram-na. Os índices tendem a se ampliar nas carreiras mais humanísticas, porém as expressões da rejeição são significativamente baixas (cf. Beato F., p. 529-530). .

A aceitação das mais diversas modalidades de avaliação expandiu-se e enraizou-se no âmbito da academia, construindo o que a antropóloga Marilyn Strathern denominou de "cultura da avaliação". "A cultura da avaliação é a avaliação intensificada" (Strathern, 1999, p. 19). Se a concordância com os preceitos gerais da avaliação já está bastante arraigada, revelando a presença de uma cultura difundida entre os acadêmicos, a novidade lastreou-se na formulação de princípios e objetivos definidos, na existência de procedimentos eficazes obtidos por intermédio dos meios técnicos utilizados, na introdução de um processo contínuo de acompanhamento, no controle dos resultados, na perspectiva de construir padrões homogêneos de aferição de desempenho. Aprimorou-se, em suma, o Sistema de Avaliação que adquiriu o caráter de política para a pós-graduação, criando um constructo bastante integrado e submetido a regras explícitas, composto por atribuições e competências definidas. O Sistema de Avaliação é, hoje, um complexo de meios que se combinam de forma a obter resultados esperados, atingidos quando da execução de medidas adequadas. A racionalidade de cunho funcional é a característica que fundamenta o atual perfil da avaliação. "Tal organização funcional de uma série de atos estará, por outro lado, em suas melhores condições quando, para atingir o objetivo, coordena os meios mais eficientemente" (Mannheim, 1962, p. 63).

No âmbito desses princípios ordenadores que pressupõem a articulação de meios apropriados tendo em vista um fim dotado de certa previsibilidade, percebe-se que o Sistema de Avaliação institui um campo organizado das diferentes atividades no nível pós-graduado, sendo necessário minimizar o imprevisto2 2 Para Mannheim, enquanto o conservatismo histórico "reconhece a existência de um campo não-organizado e imprevisível que constitui a política", a mentalidade administrativa identifica ciência à administração (cf. Mannheim, 1968, p. 145). . Por essa razão, é correto aproximar a atual estrutura do Sistema de Avaliação à noção de instituição formulada por Castoriadis, "A instituição é uma rede simbólica, socialmente sancionada, onde se combinam em proporções e em relações variáveis um componente funcional e um componente imaginário" (Castoriadis, 1986, p. 159). Pode-se afirmar, tendo em vista as considerações acima, que a avaliação é hoje amplamente agasalhada pela comunidade científica, o que a tornou um procedimento corrente, permitindo identificá-la com a concepção de instituição. De outro lado, o componente imaginário, isto é, que pode escapar ao puro ordenamento, está contido em expressões que admitem a "heterogeneidade de estágios de desenvolvimento entre as diferentes áreas" (Relatório de Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 63) e, fundamentalmente, no reconhecimento da avaliação como forma de aquilatar o nível dos estudos pós-graduados.

O componente imaginário do sistema se nutre, finalmente, da participação de membros da comunidade acadêmica, tanto daqueles que representam as diversas áreas do conhecimento e dos que participam das comissões avaliadoras, quanto daqueles que compõem Conselho Técnico Consultivo - CTC - responsável pela formulação da política da CAPES, órgão composto por membros eleitos pelos seus colegas, bem como dos gestores, explicitando-se a prática de "execução desse processo a cargo de pares acadêmicos escolhidos criteriosamente" (Relatório de Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 61). Caberia acrescentar, por representantes indicados pelos programas e associações científicas da sua especialidade, o que reforça as estruturas de legitimação e de reconhecimento. Quer dizer, as expressões mais puramente interessadas subjacentes às formas de escolhas estão subsumidas pela manifestação do desinteresse e pela idéia da excelência, componentes inextricáveis da lógica de funcionamento do que Bourdieu denominou de "campo da produção erudita" (Bourdieu, 1974, p. 176). A questão, portanto, que alimenta a legitimidade da avaliação apóia-se no entendimento que o processo é ajuizado pelos pares, cujo critério de escolha reside na possibilidade de controle da comunidade universitária3 3 A escolha do representante de área, como se sabe, é efetuada pelo Presidente da CAPES, a partir de uma lista de eleitos pela comunidade e após o exame dos curricula dos mais votados. .

Segundo essa lógica, a formulação das normas que nortearam o novo ciclo de avaliação, implantado em 1998, resultou da colaboração entre a Universidade, amplamente concebida, e a própria Agência. "Desde o início desta década, eram cada vez mais evidentes os indicadores da necessidade de mudança da concepção do modelo de avaliação. A partir de 1995, a CAPES buscou estruturar-se melhor para fazer frente a essas dificuldades, desencadeando providências voltadas para análise da situação da pós-graduação nacional e do Sistema de Avaliação, além de também investir no suporte operacional desse sistema. Várias iniciativas prepararam o terreno para a reformulação do módulo de avaliação, destacando-se as seguintes:

• aprimoramento do sistema de coleta e tratamento dos dados e dos indicadores que fundamentam o processo de avaliação; o projeto desenvolvido pela COPPE/UFRJ permitiu a definição de indicadores mais precisos da produtividade dos programas, a partir de uma melhor exploração do conjunto dos dados coletados;

• complementação da avaliação realizada em 1996 com uma série de reuniões e visitas a programas; foram visitados programas responsáveis por cursos com conceitos C, D ou E e cursos em reestruturação (CR) e realizadas reuniões com representantes de área e consultores para a discussão dos critérios adotados e dos relatórios elaborados pelas comissões;

• promoção de um seminário nacional para a discussão e consolidação de propostas referentes à política de desenvolvimento da pós-graduação; os debates foram orientados por especialistas convidados sobre onze temas definidos por uma comissão;

• análise do Sistema de Avaliação por uma comissão internacional de especialistas: a apresentação de um relatório com sugestões relativas ao aprimoramento do sistema foi importante para fundamentar as propostas de reformulação;

• formação de uma comissão especial para a definição da proposta inicial do IV Plano Nacional de Pós-Graduação. Foram discutidos, nesta oportunidade, aspectos relativos à reformulação da avaliação;

• intensificação das reuniões dos colegiados superiores da CAPES - Conselho Superior; Conselho Técnico Científico e Diretoria Colegiada; estas reuniões foram centradas na discussão dos subsídios que resultaram nas iniciativas anteriormente descritas e na tomadas das decisões cabíveis" (Relatório de Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 62).

No plano das iniciativas que antecederam a reformulação das diretrizes da avaliação, percebe-se que as redefinições passaram por discussões que envolveram pessoas originárias da Universidade, compondo comissões e definindo temas. No que diz respeito aos meios implementados, nota-se a efetivação de diligências no âmbito operacional, por intermédio do "aprimoramento do sistema de coleta e tratamento de dados e dos indicadores", além da "definição dos indicadores mais precisos da produtividade dos programas". Isto é, intensificou-se a eficiência dos instrumentos de aferição tendo em vista o dimensionamento da produtividade, ambos os procedimentos ligados à racionalização do conjunto. Concomitantemente, reforça-se a idéia de programa que pressupõe articular coerente e integradamente um projeto de formação a partir de um plano pré-estabelecido, pressupondo uma seqüência prevista de etapas a serem cumpridas. Na seqüência, o "aprimoramento do sistema" envolveu o consórcio com especialistas estrangeiros, revelando a intenção de constituir um modelo de pós-graduação bastante identificado com os seus congêneres do exterior. Explicitamente, orientou-se as novas concepções em direção a um estilo de formação pós-graduada que não se distanciasse do existente fora do Brasil, especialmente do americano. Finalmente, reforçou-se o papel dos colegiados superiores da CAPES, em evidente sinalização da construção de uma política para a pós-graduação.

A reformulação da sistemática de avaliação ancorou-se, então, na construção de um diagnóstico, apoiado em seis pontos fundamentais: 1) - incapacidade da escala conceitual existente em refletir o real padrão de qualidade (79% dos cursos de mestrado e 90% dos de doutorado obtiveram, na avaliação de 1996, conceitos A e B, os mais altos da escala); 2) inexistência de uniformidade de parâmetros de avaliação adotados entre as diversas áreas; 3) avaliação em separado dos cursos de mestrado e de doutorado, pois quando uma instituição possui os dois níveis de formulação, distorce a análise do desempenho. O programa deve ser o núcleo central da pós-graduação; 4) os cursos em situação excepcional, tais como os novos, em reestruturação, ou sem conceito, não tinham seus diplomas validados; 5) o mestrado é superdimensionado, ocorrendo rigidez na seqüência entre esse nível e o doutorado; o sistema orientava-se exclusivamente para a formação acadêmica; não acontecia ordinariamente a integração entre pós-graduação e graduação; os programas não buscavam soluções inovadoras, principalmente no que diz respeito ao mestrado; 6) o processo de avaliação encontrava-se desconectado da recomendação dos programas novos (cf. Relatório de Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 63).

Tendo como referência esse diagnóstico, o modelo de avaliação construído e implementado em 1998 combinou mudanças internas nas instâncias decisórias da CAPES à adoção de novos parâmetros, que passaram a balizar o julgamento do desempenho da pós-graduação. Em primeiro lugar, extingue-se o Grupo Técnico Consultivo que tem as suas atribuições transferidas para o CTC que passa a coordenar, acompanhar e referendar todo o processo de avaliação. Do ponto de vista do funcionamento do sistema, essa medida significa que ao Conselho Técnico Científico atribui-se o papel de centralizar as decisões finais, como as referentes aos conceitos, uma vez que a divulgação dos mesmos passa, necessariamente, pela aprovação desse órgão dos resultados apresentados pelas comissões. Essa mudança alterou significantemente a natureza dos procedimentos, pois, até 1996, os conceitos finais eram de exclusiva competência dos comitês. A introdução da nova escala conceitual de 1 a 7 (em substituição à escala A a E), significou a inclusão de gradações que alteraram as formas assentadas de identificação das hierarquias. A "mudança na escala da avaliação, que passou a ser numérica, de 1 a 7 - sendo 7 o seu ápice, 5 a nota máxima admitida para programas que ofereçam apenas mestrado e 3, a nota correspondente ao padrão mínimo de qualidade requerido para serem validados, pelo Ministério da Educação e do Desporto, os diplomas expedidos pelos programas; adoção, como referência, dos padrões internacionais de qualidade relativos a cada área - correspondendo a nota 5 ao anteriormente estabelecido como "Perfil para um Curso A" e as notas 6 e 7, a padrões internacionais de excelência, atribuídos a programas com nível de desempenho nitidamente diferenciado dos demais" (Relatório de Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 64).

Efetivamente, o CTC referendou, logo após o resultado fixado pelas comissões os conceitos que chegavam até o nível 5 e submeteu a uma apreciação pormenorizada as notas 6 e 7 levando, muitas vezes, à revisão das resoluções anteriormente firmadas pelas comissões das áreas (cf. Relatório de Atividades CAPES em 1998, 1999, p. 65-66). A homologação dos conceitos finais realizada pelo CTC apoiou-se na concepção de uniformizar os critérios entre as diversas áreas, constituindo princípios comuns a todo o sistema. Reforçou-se, desse modo, os laços entre as diversas partes que compõem o conjunto, ao mesmo tempo que se pretendeu criar um quadro tendencialmente homogêneo da pós-graduação. Em termos mais específicos, essas iniciativas apontam para a existência de concepções universalistas de cientificidade e de construção de procedimentos de pesquisa guiados por perspectivas que aspiram aproximar todas as áreas, cujo ideário lastreia-se na adoção de padrões internacionais. Encontra-se em curso a chamada Avaliação Internacional, dirigida aos programas conceituados nos níveis 6 e 7, que não alterará ou conferirá notas, mas deverá aquilatar a presteza do entendimento das comissões do que seja nível de excelência, transformando-se em guia para futuros julgamentos.

Do conjunto de programas avaliados (1.298), apenas 23 (1,77%) obtiveram conceito 7 e 103 (7,94%) conseguiram a nota 6 (cf. Relatório de Atividades CAPES em 1998, 1999, p. 68). Diferentemente do período anterior no qual 79% dos mestrados e 90% dos doutorados localizavam-se nos dois graus superiores da escala, a avaliação levada a efeito em 1998 apresentou um quadro completamente diverso, exibindo o vigor das mudanças efetuadas. Complementarmente, a limitação do mestrado em atingir os níveis 6 e 7 revela a orientação subjacente ao modelo, isto é, o doutorado é o objetivo da pós-graduação e a titulação de mestres deverá ser modificada, em nome de uma formação mais breve e de qualificação ágil. A regulamentação do Mestrado Profissionalizante, cujo desenho definitivo encontra-se ainda em discussão, revela nova modalidade de entendimento desse nível de titulação (Portaria nº 80, de 16/12/1998. Infocapes, 1998, p. 61-62).

No curso das transformações introduzidas estreitaram-se os laços entre avaliação e fomento, "devendo ser devidamente considerado na fundamentação das decisões sobre os investimentos na pós-graduação o conjunto de informações e indicadores fornecidos pelo acompanhamento e avaliação dos programas e não apenas as notas a eles atribuídas" (cf. Relatório de Atividades CAPES em 1998, 1999, p. 64). Efetivamente, o critério de concessão das bolsas de mestrado e de doutorado aos programas tem se baseado no tempo médio de titulação obtido, isto é, "o fluxo dos alunos compatível com as referências fixadas para a área, a produtividade docente e discente... " (cf. Relatório de Atividades CAPES em 1998, 1999, p. 64). Como o tempo de titulação tornou-se parâmetro fundamental à atribuição das bolsas, não só na CAPES, como também no CNPq e circunscreveu o limite de vigência dessa modalidade de financiamento a exemplo da FAPESP, o efeito na área de Humanidades implica a reformulação da agenda de investigação, como se pode depreender da pesquisa realizada na produção das teses em Ciências Sociais. "Por ora, constata-se apenas que na coleção de teses investigadas há uma clara preferência pelo exame de questões tópicas, em detrimento tanto das grandes versões interpretativas do Brasil, quanto das análises da tradição disciplinar, podendo-se afirmar que a via de especialização temática predomina, flagrantemente, sobre a obediência a recortes clássicos da disciplina, e que o personagem ideal-típico do "especialista" vem deslocando a caracterização do cientista social como um intelectual de tipo mannheimiano" (Werneck Vianna et alii, 1998, p. 473-474). Complementarmente, o financiamento da Pós-Graduação estimulou o processo de institucionalização, democratizou o acesso a esse nível de formação, mas provocou, como se vê, alterações substantivas na natureza dos estudos desenvolvidos no campo das Ciências Humanas (cf. Werneck Vianna et alii, 1998, p. 473). Nessa linha de raciocínio, os autores apontam o risco do insulamento da Universidade, "particularmente a área de Humanas, a via de especialização do saber vai desconhecer um caminho de ligação com os eventuais destinatários da sua produção, correndo o risco de girar em torno de si mesma, do qual muitos profissionais têm tentado escapar pela exposição da sua agenda de pesquisa na esfera pública" (Werneck Vianna et alii, 1998, p. 454). E aqui estaria ocorrendo a produção de efeitos não esperados, apesar do documento da pós-graduação sublinhar a relação entre conhecimento e realidade concreta, entre reflexão e articulação de problemas com vistas a construir modos de intervenção específicos a cada domínio. Ou, segundo Marilena Chauí, a Universidade teria se transformado em organização social caracterizada por "operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define" (Chauí, 1998, p. 27). Ou, ainda, nas palavras de Irene Cardoso, o modo de "representação da universidade como organização não está apenas nela circunscrita, mas tem os traços de outras formas organizacionais também contemporâneas, correspondendo a um "imaginário social nas sociedades ocidentais contemporâneas (Lefort, citado em Cardoso, 1999, p. 52) para o qual as "marcas do real tornam-se as da organização - signos de uma racionalização em si do social - e as marcas de sua própria identidade lhe são fornecidas em função de um suposto saber que a organização deteria sobre ele" (Lefort, citado em Cardoso, 1999, p. 52).

Nesse enquadramento, na avaliação centrada nos Programas, "é a instituição como tal que está em escrutínio" (Strathern, 1999, p. 20). A agência financiadora concede um empenho materializado em recursos outorgados sob a forma de bolsas e outras modalidades de financiamento. O desempenho é a resposta esperada, expresso em produtividade, parâmetro de dimensionamento da eficácia4 4 A CAPES concedeu, em 1998, 12.721 bolsas de mestrado e de doutorado aos Programas de Pós-Graduação e investiu 392 milhões de reais nessa modalidade de apoio. . Daí deriva a concepção de contínuo aperfeiçoamento, ligado à capacidade de melhorar, responder a estímulos, corrigir o curso, aprimorar o processo de cumprimento das metas pretendidas. "Aperfeiçoamento é um termo bastante indefinido, porque descreve tanto o esforço como os resultados" (Strathern, 1999, p. 17). Nesse diapasão, ficam nubladas as diferenças entre articulação de meios tendo em vista a obtenção de um fim desejado, podendo provocar o aparecimento da indistinção entre ambos, como aquela aludida no início deste texto. Em situações desse tipo, o círculo se fecha, levando, efetivamente, à desconexão entre a produção intelectual e os problemas sociais candentes, construindo um universo não apenas auto-referenciado, mas, sobretudo, esterilizado pela vivência de uma situação ritualística.

A questão da produtividade, nesses termos, teria que ultrapassar as medições e ser capaz de estabelecer formas de dimensionar contribuições intelectuais no plano qualitativo. O "Projeto Qualis", implantado pela CAPES, com o objetivo de classificar os veículos de divulgação dos trabalhos publicados, segundo a abrangência-local, nacional, internacional - e o nível A, B, C - representou a tentativa de aproximação das expressões qualitativas. O trabalho incomensurável realizado pelas comissões nesse setor, embora incompleto, expressou a busca de ultrapassagem da pura quantidade. Não obstante, há ainda aspectos efetivamente de substância qualitativa que escaparam à consideração. A pergunta que se põe, no entanto, diz respeito à real condição de se efetuar apreciações pertinentes nesse plano, quando se considera as dimensões atuais da Pós-Graduação no Brasil. Evidentemente, a implementação de procedimentos dessa natureza, caso seja factível, viria a alterar o Sistema de Avaliação ora vigente, por meio da agregação de novos critérios. Se a Pós-Graduação é hoje extensa e volumosa, conhecemos pouco sobre a densidade que assumiu ao longo desses anos.

No caso das Ciências Humanas, cujo processo de formação é inescapavelmente longo, a percepção da contribuição efetiva deve absorver os modos inerentes à construção desse saber. "As áreas são diferentes porque é diversa a natureza dos conhecimentos que o homem construiu ao longo da História. Há áreas em que o conhecimento é universal em sentido estrito, já que não operam com fenômenos históricos, não dizem respeito a determinadas formações sociais, a certo período histórico a uma língua ou uma literatura específicas" (Fiorin, 1998, p. 28). Mesmo no âmbito das chamadas "Ciências Duras" as interpretações são redirecionadas em função das questões abrangentes e até de problemas mais particulares. O livro instigante de Londa Schiebinger revela como a participação das mulheres no campo da ciência construiu novas indagações (cf. Schiebinger, 1999). Bruno Latour rejeita a noção singular de ciência, afirmando a perspectiva plural, adequada à apreensão de um conhecimento in fieri (cf. Latour, 1999).

Nessa medida, reconhecendo que a avaliação jamais reproduz uma situação apaziguada, uma vez que as dissensões ocupam todos os órgãos e instituições envolvidos e se manifestam em conflitos disseminados, a questão não se esgota nela própria e pressupõe considerar as transformações que perpassam a Universidade, alterando suas formas de reconhecimento, mudando a própria concepção da formação e o sentido da atividade acadêmica. Ainda que o sistema de avaliação de desempenho constitui-se em "ponto de inflexão" (cf. Cardoso, 1999) na história da Universidade, talvez se pudesse agregar outros motivos que colaboram na mudança dos antigos padrões. Na linha da pura exemplificação, lembro como a pulverização temática, ocorrida no campo das Ciências Humanas, não se explica exclusivamente em função da contração do tempo para a realização dos trabalhos no nível da pós-graduação, mas, concomitantemente, resulta de um tipo de pensamento que rejeitou interpretações e objetos abrangentes; a indústria cultural tem forte papel na legitimação do trabalho intelectual, basta lembrar o significado da media no processo de promoção da Nouvelle Histoire que se impôs como dominante; a própria ampliação do mundo acadêmico carreou, incontornavelmente, outras expectativas que adentraram o seu universo; a utilização dos meios de informação na realização dos trabalhos de pesquisa tem se constituído em procedimento dominante, constrangendo os ainda refratários a sua utilização, colocando-se de forma imperiosa.

Nessa linha de raciocínio, as questões atuais parecem desbordar o problema da avaliação de desempenho. A cultura da avaliação, segundo Mary Strathern, abeberou-se do antigo significado da idéia de aperfeiçoamento, antes referido "a renda extraída da terra", que passou a ser identificado com o "aperfeiçoamento do espírito" (Strathern, 1999, p. 18). Ao mesmo tempo, a "habilidade acadêmica estava então tradicionalmente associada à explicitação do que estava implícito. Articulado como "reflexividade", agora este mesmo processo de explicitação volta-se aos produtores do conhecimento: espera-se que olhem para dentro e descubram o que eles (ou a sua disciplina) projetaram nos seus objetos de conhecimento" (Strathern, 1999, p. 24-25). Daí, a autora afirmar que a avaliação "não é uma atividade estranha ao ensino superior" (Strathern, 1999, p. 30). A avaliação contínua atualmente implementada e a auto-avaliação como um dos seus objetivos (cf. Relatório das Atividades da CAPES em 1998, 1999, p. 67) inscrevem-se nos escaninhos da vida universitária, até como fruto da constituição das suas regras específicas de reconhecimento. "Pode-se medir o grau de autonomia de um campo de produção erudita com base no poder que dispõe para definir as normas da sua produção, os critérios de avaliação dos seus produtos e, portanto, para retraduzir e reinterpretar todas as determinações externas de acordo com seus princípios próprios" (Bourdieu, 1974, p. 106).

Segunda essa postura, é correto admitir que o Sistema de Avaliação, hoje difundido em todas as partes, delimitou a atividade intelectual e científica, concorrendo com os critérios de julgamentos inerentes ao campo. Cabe indagar, no entanto, sobre a existência efetiva da construção de regras próprias à produção erudita em países como o Brasil, no qual a vida intelectual sofreu constrangimentos ao longo da sua história. De qualquer modo, a realidade da constituição da Universidade no país e do seu desenvolvimento tensionam a incorporação de padrões universalistas do saber. O nosso dilema ultrapassaria, então, a avaliação de desempenho, construindo problemas que apontam para outras interrogações.

Recebido para publicação em setembro/1999

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  • Werneck Vianna, Luiz et alii (1998) Doutores e Teses em Ciências Sociais. Dados, Rio de Janeiro, 4(1): 453-515.
  • 1
    Em pesquisa realizada em 5 departamentos da UFMG, Claudio Beato obteve os seguintes resultados no aspecto rejeição aos padrões de avaliação interpares: os físicos e os demógrafos são unânimes em aceitá-la; 2,7% dos químicos a rejeitam; 9,1% dos economistas e cientistas políticos a recusam; 13% dos sociólogos rejeitaram-na. Os índices tendem a se ampliar nas carreiras mais humanísticas, porém as expressões da rejeição são significativamente baixas (cf. Beato F., p. 529-530).
  • 2
    Para Mannheim, enquanto o conservatismo histórico "reconhece a existência de um campo não-organizado e imprevisível que constitui a política", a mentalidade administrativa identifica ciência à administração (cf. Mannheim, 1968, p. 145).
  • 3
    A escolha do representante de área, como se sabe, é efetuada pelo Presidente da CAPES, a partir de uma lista de eleitos pela comunidade e após o exame dos curricula dos mais votados.
  • 4
    A CAPES concedeu, em 1998, 12.721 bolsas de mestrado e de doutorado aos Programas de Pós-Graduação e investiu 392 milhões de reais nessa modalidade de apoio.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Out 1999

    Histórico

    • Recebido
      Set 1999
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