Acessibilidade / Reportar erro

INTERFACE ENTRE ECOSSISTEMAS EMPREENDEDORES E ATIVIDADE TURÍSTICA: INTEGRANDO LITERATURAS EM PROL DO DESENVOLVIMENTO

THE INTERFACE BETWEEN ENTREPRENEURIAL ECOSYSTEMS AND TOURIST ACTIVITY: INTEGRATING LITERATURE FOR DEVELOPMENT

INTERFAZ ENTRE ECOSISTEMAS EMPRENDEDORES Y ACTIVIDAD TURÍSTICA: INTEGRANDO LITERATURA PARA EL DESARROLLO

Resumo:

O objetivo do estudo foi aprofundar a compreensão da interface entre a atividade turística e o ecossistema empreendedor em prol do desenvolvimento. Trata-se de uma revisão semiestruturada da literatura (Snyder, 2019), realizada na base Web of Science que levanta a produção internacional no período de 2016-2021. Após a análise de 19 artigos trouxe-se como resultado a definição compilada dos temas abordados, gerando uma estrutura para sistematização do conteúdo, dividida em quatro frentes de pesquisa: definições de ecossistemas empreendedores, estágios de desenvolvimento, dimensões de análise e ecossistemas empreendedores e o turismo. Tais resultados ampliam a compreensão acerca da contribuição do ecossistema empreendedor para o turismo e, consequentemente, para o desenvolvimento, mediante o fomento da atividade turística, além da contribuição para a literatura, haja vista que estudos anteriores mostram que apesar da aparente complementariedade desta interface, a abordagem do ecossistema empreendedor e do turismo ainda é pouco abordada em pesquisas.

Palavras-chave:
Ecossistema empreendedor; Turismo; Revisão sistemática

Abstract:

The aim of this study was to deepen the understanding of the interface between tourism activity and the entrepreneurial ecosystem in favor of development. This is a semi-structured literature review (Snyder, 2019) on the Web of Science database, searching for international studies published from 2016 to 2021. After analyzing nineteen articles, a compiled definition of the topics covered was produced, generating a structure for the systematization of the content, which was divided into four research fronts: descriptions of entrepreneurial ecosystems, stages of development, dimensions of analysis, and entrepreneurial ecosystems and tourism. These results expand the understanding of how the entrepreneurial ecosystem contributes to tourism and, consequently, to development through the promotion of tourist activity. They also contributes to the literature on the theme, given that studies addressing entrepreneurial ecosystem and tourism are still scarce, despite the apparent complementarity of this interface, as shown in previous studies.

Keywords:
Entrepreneurial ecosystem; Tourism; Systematic review

Resumen:

El objetivo del estudio fue profundizar en la comprensión de la interfaz entre la actividad turística y el ecosistema emprendedor a favor del desarrollo. Se trata de una revisión bibliográfica semiestructurada (Snyder, 2019), realizada en la base de datos Web of Science que releva la producción internacional en el período 2016-2021. Luego de analizar 19 artículos, se planteó la definición compilada de los temas abordados, generando una estructura para la sistematización del contenido, dividida en cuatro frentes de investigación: definiciones de ecosistemas emprendedores, etapas de desarrollo, dimensiones de análisis y ecosistemas emprendedores y el turismo. Tales resultados amplían la comprensión de la contribución del ecosistema emprendedor al turismo y, en consecuencia, al desarrollo a través de la promoción de la actividad turística, además de la contribución a la literatura, dado que estudios previos muestran que a pesar de la aparente complementariedad de esta interfaz, el enfoque del ecosistema emprendedor y el turismo es aún poco abordado en la investigación.

Palabras clave:
Ecosistema emprendedor; Turismo; Revisión sistemática

INTRODUÇÃO

No capitalismo contemporâneo a região é uma unidade fundamental da vida social (Storper, 1997Storper, M. (1997). The regional world: territorial development in a global economy. Guilford press.), o que justifi ca o interesse sobretudo a partir da década de 1980 pela identifi cação de fatores e con- dicionantes distintivos presentes em algumas localidades, capazes de gerar certas confi gurações com desempenho diferenciado (Vale, 2007Vale, G. M. V. (2007). Territórios vitoriosos: o papel das redes organizacionais. Rio de Janeiro - RJ, Editora Garamond.). Desde então, a literatura se encarrega em apresen- tar perspectivas teórico-conceituais buscando a geração de subsídios e propostas para orientar políticas de promoção da competitividade e do desenvolvimento regional, mediante a promoção do crescimento de empregos, inovação e empreendedorismo (Wurth et al., 2021Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50. ). A esse exemplo destacam-se os distritos industriais (Becattini, 1990Becattini, G. (1990). The Marshallian industrial districts as a socio-economic notion. In: Pyke, F.; Becatinni, G.; Sengenberger, W. (ed). Industrial districts and inter-firm cooperation in Italy. Genebra: International Institute for Labour Studies, p. 37-51.) na década de 1980, os clusters (Porter, 1990Porter, M.E. (1990). The competitive advantages of nations. London: Macmillan.; 1998) na década de 1990 e 2000, e os ecossistemas empreendedores (Isenberg, 2010Isenberg, D. J. (2010). The big idea: How to start an entrepreneurial revolution. Harvard Business Review, 88(6).), a abordagem mais contemporânea, que combina contexto, agência e sistemas multiníveis complexos (Wurth et al., 2021), apresentando o empreendedorismo e a inovação como principais fatores organizadores da economia de mercado (Rocha & Audretsch, 2022Rocha, H. & Audretsch, D. B. (2022). Entrepreneurial ecosystems, regional clusters, and industrial districts: Historical transformations or rhetorical devices?. The Journal of Technology Transfer , p. 1-24.).

O trabalho de Isenberg (2010Isenberg, D. J. (2010). The big idea: How to start an entrepreneurial revolution. Harvard Business Review, 88(6).) na Harvard Business Review e o livro Startup Communities de Feld (2012) foram os percursores que impulsionaram a popularidade dos ecossistemas empreendedores dentro das comunidades de profissionais e políticas públicas (Wurth et al., 2021Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50. ). Esses autores destacam a importância da comunidade em termos dos vários atores que apoiam socialmente e financeiramen te o empreendedor, assim como os ambientes educacionais, políticos e econômicos que fornecem recursos para novos empreendimentos (Spigel & Harrison, 2018Spigel, B. & Harrison, R. (2018). Towards a process theory of entrepreneurial ecosystems. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 12, n. 1, p. 151-168. ). As ideias fundamentais por trás do ecossistema empreendedor (EE) incorporam o papel das forças sociais, culturais e econômicas no processo de desenvolvimento (Spigel & Harrison, 2018; Stam & Van de Ven, 2019Stam, E. & Van de Ven, A. (2019). Entrepreneurial ecosystem elements. Small Business Economics , v. 56, n. 2, p. 809-832. ).

A caracterização de um ecossistema parte do princípio que as novas empresas não surgem do nada, mas crescem e sobrevivem em ambientes onde inúmeros fatores podem apoiar o seu desenvolvi mento (Souza et al., 2016Souza, M. J. B. de, Trindade, F. de M.; Freire, R. & Lyra, F. R. (2016). Potencial Empreendedor De Empresárias Do Setor Turístico De Florianópolis (Sc). Revista Alcance, v. 23, n. 4, p. 455-474. ). Diante disso, um EE é constituído por diversos stakeholders, que possuem algum grau de interação entre si, com inciativas relacionadas ao empreendedorismo e que, geral mente, estão ligados geograficamente (Corradi & Pereira, 2020Corradi, M. G., & Pereira, M. A. (2020). Análise do potencial de desenvolvimento do ecossistema empreendedor da cidade de Lorena no Brasil. Espacios, v. 41, n. 50, p. 74-92. ). Em um EE observa-se a presença e atuação de organizações não governamentais, associações, entidades econômicas, instituições de ensino e pesquisa com interesse no empreendedorismo, e a existência de redes de relacionamento locais, regionais e internacionais entre empreendedores (Isenberg, 2011Isenberg, D. J. (2011). The Entrepreneurship Ecosystem Strategy as a New Paradigm for Economic Policy: Principles for Cultivating Entrepreneurships. The Babsos Entrepreneurship Ecosystem Project, v. 1, n. 781, p. 1-13. ).

Ainda no contexto de aproveitar a estrutura local para fomentar a economia, o turismo apresen ta-se como um vetor potencial para o desenvolvimento do país, reconhecido pela gestão pública, no caso brasileiro, em razão da sua expansão em campo global, e mais exclusivamente, no cenário nacional (Lima et al., 2022Lima, M. A. G. de, Irving, M. D. A. & Oliveira, E. (2022). Decodificando Narrativas de Políticas Públicas de Turismo no Brasil: uma leitura crítica sobre o turismo de base comunitária (TBC). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 16, 1-15.). Nos municípios brasileiros, a atividade turística tem se mostrado cada vez mais uma realidade como forma de desenvolvimento local, principalmente em pequenos mu nicípios (Colasante & Silva, 2021Colasante, T. & Silva, E. P. (2021). Potencialidades para o desenvolvimento do turismo em Magalhães de Almeida - MA. Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo, v.15, n.2.). Com isso, o turismo é colocado em prática com a finalidade de auxiliar empreendimentos que objetivam o crescimento da cidade e que, simultaneamente, sejam fontes geradoras de oportunidades de trabalho para a população (Almeida et al., 2020Almeida, l. L. S., Enoque, A. G. & Júnior, A. de O. (2020). Turismo religioso como fonte de desenvolvimento local. Marketing & Tourism Review, 4(2). ).

Dito isso, torna-se evidente que os EEs podem ampliar a compreensão da gestão socioeconômica da atividade turística, sendo estes ecossistemas caracterizados por um grande número de atores que requerem coordenação e colaboração (Eichelberger et al., 2020Eichelberger, S., Peters, M., Pikkemaat, B. & Chan, C. S. (2020). Entrepreneurial ecosystems in smart cities for tourism development: From stakeholder perceptions to regional tourism policy implications. Journal of Hospitality and Tourism Management , v. 45, p. 319-329. ). A abordagem dos elementos do EEs possibilita uma estrutura de análise mais completa e dinâmica, que revela a multiplicidade de elementos envolvidos na sua atividade cotidiana, assim como as necessidades de intervenção para o fortalecimento da ação empreendedora em uma dada realidade. Logo, quando aplicado ao turismo, “possibilita que a região turística possa aproveitar todo o seu potencial e alavancar novas iniciativas empreendedoras, em um ciclo virtuoso de crescimento” (Silva et al., 2017Silva, P. H. O., Fonseca, D. L. P., & Spinola, C. de A. (2017). Considerações Sobre O Empreendedorismo Como Elemento Propulsor Do Turismo No Baixo São Francisco. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 1, n. 39, p. 26. , p. 15).

No entanto, apesar da nítida complementariedade dessa interface “a abordagem do EE raramen te tem sido usada para pesquisas sobre o turismo até hoje” (Eichelberger et al., 2020Eichelberger, S., Peters, M., Pikkemaat, B. & Chan, C. S. (2020). Entrepreneurial ecosystems in smart cities for tourism development: From stakeholder perceptions to regional tourism policy implications. Journal of Hospitality and Tourism Management , v. 45, p. 319-329. , p. 319) e as “publicações sob esta lente integrativa ainda são raras” (Bachinger et al., 2020Bachinger, M., Kofler, I. & Pechlaner, H. (2020). Sustainable instead of high-growth? Entrepreneurial Ecosystems in Tourism. Journal of Hospitality and Tourism Management, v. 44, n. July, p. 238-242. , p. 238). Nesse ponto, concordamos com Eichelberger et al. (2020), ao afirmarem que o conhecimento sobre EE é necessário à exploração de oportunidades de expansão de mercado e criação de valor agregado à atividade turística (Eichelberger et al., 2020), o que nos desperta para a necessidade de lançar mais luz a este tópico, respondendo à seguinte pergunta de pesquisa: como os EEs contribuem para o fortalecimento da atividade turística?

Isso posto, nosso objetivo é analisar como os EEs contribuem para o fortalecimento da atividade turística, mediante um esforço de revisão da literatura internacional, a partir da base de dados Web of Science. Para tanto, nossos objetivos secundários desdobram-se em identificar as definições de EEs; analisar os estágios de desenvolvimento dos EEs; avaliar as dimensões de análise dos EEs e, especificamente, estudar a relação dos EEs com o turismo.

Cumpre destacar que muitas revisões de literatura recentes (Robertson et al., 2020; Cao & Shi, 2021Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110. ; Wurth et al., 2021Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50. ) avançam na compreensão do que são e como atuam os EEs, inclusive vinculan do-os às tradições de pesquisas anteriores que levam em consideração a localidade como lócus de promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental. Mas como já apontado, a interface com os estudos em turismo ainda é pouco explorada, motivação para a condução dessa revisão.

Este estudo trata-se de uma revisão semiestruturada (Snyder, 2019Snyder, H. (2019). Literature review as a research methodology: An overview and guidelines. Journal of Business Research, v. 104, p. 333-339.), realizada na base de dados Web of Science que levanta a produção internacional no período de 2016-2021. Após a análise de 19 artigos, trouxe-se como resultado a definição compilada dos principais temas abordados, gerando uma estrutura para sistematização do conteúdo, dividida em quatro frentes de pesquisa: definições de ecossistemas empreendedores, estágios de desenvolvimento, dimensões de análise e ecossiste mas empreendedores e o turismo. Tais temas abordados ampliam a compreensão acerca da con tribuição do ecossistema empreendedor para o turismo e, consequentemente, para o desenvolvi mento, mediante o fomento da atividade turística, além da contribuição para a literatura, haja vista que estudos anteriores mostram que apesar da aparente complementariedade desta interface, a abordagem do ecossistema empreendedor e do turismo ainda é pouco analisada em pesquisas.

Entende-se que a relevância deste estudo reside no fato de que ainda parcos estudos avançam na compreensão da interface desses tópicos, como destacou-se anteriormente. Tal conhecimento pode possibilitar o avanço do conhecimento teórico, tanto dos estudantes da área, como dos em preendedores, especialmente do turismo, em ações em redes (Knupp et al., 2021Knupp, M., Emmendoerfer, M., & González, M. V. (2021). Tourism networks-interdependent relationships among public policy actors. Journal of Multidisciplinary Academic Tourism, 1, 39-52. https://doi.org/10.31822/jomat.2021-SP-1-39 ) e nas estruturas de governança (Emmendoerfer et al., 2022Emmendoerfer, M. L., Mediotte, E. J., & dos Santos, Y. T. (2022). Governança pública no turismo: polissemia, reflexões e implicações. Ateliê Geográfico, 16(1), 24-49. https://doi.org/10.5216/ag.v16i1.69253 ) para desenvolvimento territorial. Além disso, conside rando que as pesquisas científicas podem ser a base na formulação de políticas públicas e de es tratégias de gestão empresariais, obtendo resultados expressivos (Souza et al., 2016Souza, M. J. B. de, Trindade, F. de M.; Freire, R. & Lyra, F. R. (2016). Potencial Empreendedor De Empresárias Do Setor Turístico De Florianópolis (Sc). Revista Alcance, v. 23, n. 4, p. 455-474. ). Argumenta -se, pois, que explorar essa questão é crucial para acadêmicos e formuladores de políticas, dado o esforço intelectual e político gasto implementando iniciativas de promoção ao desenvolvimento, mediante o fomento da atividade turística.

Este artigo inclui três seções, a partir desta introdução. Inicialmente expõe todo o processo meto dológico da revisão, da coleta dos artigos até a análise dos dados. Em seguida, extrai-se as infor mações destacadas, dentre os artigos estudados. E, finalmente, são apresentadas as considerações finais em resposta aos objetivos e a questão de pesquisa.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Existem diferentes abordagens para a revisão de literatura, dependendo do seu objetivo e o méto do utilizado pode variar em função de uma série de diretrizes existentes (Booth et al., 2021). Neste trabalho, realizou-se uma revisão semiestruturada para um maior aprofundamento na interface dos estudos envolvendo EEs e turismo. Este tipo de revisão caracteriza-se por identificar e com preender pesquisas potencialmente relevantes para o tópico estudado através de metanarrativas, além de analisar e avaliar dados qualitativos e quantitativos (Snyder, 2019Snyder, H. (2019). Literature review as a research methodology: An overview and guidelines. Journal of Business Research, v. 104, p. 333-339.).

De acordo com a autora, as revisões semiestruturadas têm como objetivo apresentar uma visão geral de um tópico, examinar como a pesquisa em um campo selecionado progrediu ao longo do tempo, e como um tópico se desenvolveu através das tradições de pesquisa, logo, alinha-se aos propósitos deste estudo. Além disso, tem sido um método bibliográfico utilizado em estudos no campo do turismo e em interface com outras áreas de conhecimento (Emmendoerfer et al., 2021Emmendoerfer, M. L., Trentin, F., Ponton, M. B. Z., da Silva, A. C., & Ponton, R. G. Z. (2021). Tourist destinations and development: what was published by the scientific community in Brazil before COVID-19 pandemic?. Navus - Revista de Gestao e Tecnologia, 11, 1-13. https://doi.org/10.22279/navus.2021.v11.p01-13.1596).

O procedimento inicial para a seleção dos artigos a serem analisados foi a definição do termo-chave “entrepreneurial ecosystem” para uma captação mais ampla das publicações internacionais. A base de dados utilizada foi Web of Science, na área (negócio, gestão e economia), na forma (artigos e re visão), idioma inglês e na categoria temporal artigos dos últimos cinco anos (período de 2016-2021).

A escolha da base Web of Science como fonte de dados de pesquisa (artigos e revisão) foi motivada pela representatividade de estudos no âmbito nacional e internacional em periódicos que incluem a área de ciências sociais, o que tornou mais adequado para a pesquisa que procurou selecionar artigos bem avaliados. A Web of Science é uma base internacional que possui o maior número de periódicos e artigos de qualidade (Scaringella & Radziwon, 2018Scaringella, L. & Radziwon, A. (2018). Innovation, entrepreneurial, knowledge, and business ecosystems: Old wine in new bottles? Technological Forecasting and Social Change , v. 136. p. 59-87. ). O idioma selecionado da busca foi o inglês, por ser o idioma de maior representação nos artigos. Quanto à categoria temporal, utilizou-se o critério de recentidade/atualidade para a seleção dos artigos dos últimos cinco anos, e pela representativida de das pesquisas sobre o tema apresentarem maior concentração a partir do ano de 2016.

Quanto à avaliação dos periódicos JCR (Journal Citation Reports), última etapa de refino dos artigos antes da análise, esse recurso permitiu avaliar as revistas mais importantes por área do conheci mento que foram publicadas no ano referência (todas indexadas nas duas principais bases da Web of Science: Science & Social Science), avaliadas por influência, citações recebidas, além de vários indicadores a serem calculados, incluindo o fator de impacto (Web Of Science Group, 2021Web Of Science Group. Como utilizar o JCR no Portal de Periódicos da CAPES. Journal Citation Reports. Disponível em: < http://www.periodicos.capes.gov.br/images/documents/Journal%20Citation%20Reports%20JCR%20(guia).pdf>. Acessado em 20 de julho de 2021. ). A es colha do fator de impacto (FI)>3,8, avaliados pelo JCR se deu por corresponder a avaliação máxima Qualis-Periódicos, que corresponde a A1 (Sistema de Bibliotecas da Unicamp, 2021Sistema de Bibliotecas da Unicamp- SBU. Qualis-CAPES. Disponível em < http://www.sbu.unicamp.br/sbu/qualiscapes/#:~:text=QUALIS%20%C3%A9%20o%20conjunto%20de,do%20aplicativo%20Coleta%20de%20Dados.> Acessado em 02 de abril de 2022.). As etapas da busca dos artigos se resumem de acordo com o Quadro 1.

Quadro 1
Base de busca dos artigos analisados

Como retorno da primeira busca realizada em maio de 2021, foram selecionados 269 artigos. Na etapa seguinte, o novo critério de seleção adotado foi a avaliação de periódicos seguindo os crité rios do Journal Citation Report ou JCR, selecionando apenas journals com fator de impacto (FI) >3,8, resultando em 77 artigos. Cada um dos artigos pré-selecionados na segunda etapa seguiu para uma seleção mais minuciosa, passando por um filtro que se baseou na leitura do título, palavra-chave e resumo. O título do artigo deveria remeter ao tema da pesquisa em questão (EE), as palavras-chaves deveriam conter o termo definido para a pesquisa (EE) e o resumo vir de encontro aos objetivos da pesquisa (as definições de EEs; e/ou os estágios de desenvolvimento dos EEs e/ou as dimensões de análise com modelos propostos). Nesta terceira etapa, foram selecionados 41 artigos, que passa ram por um último filtro, que se orientou pelo processo de leitura da introdução e conclusão, de modo a atender ao máximo os requisitos dos objetivos da pesquisa. Finalmente, nesta quarta etapa do processo de seleção dos artigos a serem analisados sistematicamente, 19 artigos foram selecio nados, para análise de todo o conteúdo e, assim, construir a síntese, de acordo com os propósitos esperados para a pesquisa.

ECOSSISTEMAS EMPREENDEDORES: O QUE DIZEM OS ESTUDOS

Os achados provenientes da revisão sistemática, bem como as discussões decorrentes são apre sentados na sequência, de acordo com a seguinte lógica: (i) definições de ecossistemas empreen dedores; (ii) estágios de desenvolvimento dos ecossistemas empreendedores; (iii) dimensões de análise dos ecossistemas empreendedores; e (iv) ecossistemas empreendedores em interface com a atividade turística.

Definições de ecossistemas empreendedores

Para o entendimento do subtópico acima, de acordo com os artigos analisados, partiu-se da ordem cronológica do mais antigo ao mais recente, concretamente do ano de 2017-2021, percebendo-se, assim, os seus pontos de congruência. O conceito de EE destaca a ideia de que o empreendedoris mo não é um evento isolado, mas parte de um ecossistema econômico mais amplo (Isenberg, 2010Isenberg, D. J. (2010). The big idea: How to start an entrepreneurial revolution. Harvard Business Review, 88(6). & Adner, 2016Adner, R. (2016). Ecosystem as structure: An actionable construct for strategy. Journal of Management, 43(1), 39-58. ). Isso oferece uma abordagem holística para entender melhor o empreendedorismo. Os EEs são interações entre indivíduos, que impulsionam a alocação de recursos por meio da cria ção e operação de novos empreendimentos, em outras palavras, interagem e influenciam a identi ficação e comercialização de oportunidades empreendedoras.

Apresentam-se como combinações de elementos sociais, políticos, econômicos e culturais dentro de uma região, que apoiam o desenvolvimento e o crescimento do EE. Com o passar dos anos abra çou-se a ideia da conexão entre a estratégia de desenvolvimento econômico regional, a atividade empreendedora e as iniciativas inovadoras associadas à criação de empregos e revitalização. Iden tificou-se que se refere a um amplo sistema de elementos heterogêneos.

Na pesquisa acadêmica, política e prática, os EEs são conceituados de duas formas, ontologicamen te destacando seu “ser” e epistemologicamente evidenciando em “como pode ser conhecido”. Na visão ontológica, sustenta-se que os EEs surgem em determinadas regiões, em um determinado ponto crítico do desenvolvimento empreendedor, ou seja, os EEs “estando” ali. Sob outra perspec tiva, a visão epistemológica sustenta que as economias (locais, regionais, nacionais) estão sempre lá, mas sua condição como sistemas econômicos que permitem ou limitam o empreendedorismo produtivo pode ser conhecida com conhecimento adequado, incluindo dados objetivos e conheci mento local subjetivo (Wurth et al., 2021Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50. ).

Dessa forma, com base na revisão, os EEs, inspirados pelos ecossistemas biológicos, buscam cons truir uma relação de cooperação entre as organizações, empresas, universidades, associações, en tre outras. A evolução e consolidação desses ecossistemas pode ser considerada resultado de um conjunto das instituições que contribuíram durante bastante tempo para o surgimento de outras novas organizações. No Quadro 2 estão detalhadas todas as definições conceituais encontradas e utilizadas no corpus de artigos desta revisão.

Sendo assim, entendemos que o EE é utilizado para alinhar valor e capacidade de alavancagem por meio de empreendimentos empreendedores coletivos. E com isso, pela revisão, o conceito foi evoluindo e incorporando novas dimensões, consistindo nos elementos necessários para sustentar o empreendedorismo em um determinado território, através de um conjunto de atores (institucio nais e organizacionais) e de uma rede entre empresas, visando ao desenvolvimento de projetos inovadores para a criação de empregos e o fortalecimento dos negócios.

Quadro 2
Conceitos de ecossistemas empreendedores identificados na literatura estudada

Estágios de desenvolvimento

Destaca-se as fases de um EE, que segundo Cantner et al. (2020), no artigo intitulado “Entrepre- neurial ecosystems: a dynamic lifecycle model” apontam cinco estágios, quais sejam: nascimento de um EE; o crescimento de um EE; a maturidade e estabilização de um EE; o declínio de um EE e o ressurgimento de um EE, conforme ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Fases de um Ecossistema Empreendedor

Sobre a primeira fase que é o nascimento de um EE, Marshall (1920) citado por Cantner et al. (2020) defi ne uma ideia como o ponto inicial, o “Big Bang” de um EE, argumentando que, se um homem começa uma ideia nova, ela é adotada pelos demais, por sua vez, só se faz as combinações com suas próprias sugestões, e, assim, torna-se a fonte de novas ideias adicionais.

Quanto à segunda fase, que tem a ver com o crescimento de um EE, Audretsch & Lehmann (2005) e Audretsch et al. (2019), citado por Cantner et al. (2020), explicam que é o momento em que todos os diferentes atores, como incubadoras e aceleradoras que estão em funcionamento e instituições de ensino, passam a oferecer programas específi cos de empreendedorismo para fomentar a criação e localização de novas empresas.

A terceira fase é a maturidade e estabilização de um EE. Nesta fase, o EE atinge uma fase de matu ridade e estabilização, caracterizada por um menor número de novas empresas empreendedoras entrando no mercado e um maior número de saídas (Cantner et al., 2020). Ao final do estágio dois, o acesso a recursos financeiros não serve como barreira e restrição proibitivas de entrada, levando a efeitos adversos de entradas no mercado (Cantner et al., 2020).

A penúltima fase, declínio de um EE, é caracterizada por uma maneira reversa de explorar ideias e oportunidades. Novas ideias e conhecimentos são agora explorados principalmente em empresas estabelecidas, e a criação de novos empreendimentos para explorar oportunidades parece uma exceção e não a regra (Cantner et al., 2020).

De acordo com Spigel & Harrison (2019), a cultura inovadora não pode ser criada, mas pode se desenvolver apenas ao longo do tempo por meio da atividade empreendedora e do sucesso. Ou seja, enquanto houver atividades empreendedoras constantemente, e o foco for criar e gerar valor ao cidadão em diferentes lugares e circunstâncias, se readaptando ao mercado, provavelmente nunca acontecerá o declínio. Audretsch et al. (2019), baseados em Clarysse et al. (2014), Stephen et al. (2012), Vargo & Lusch (2010), no seu artigo “Entrepreneurial ecosystems: economic, technologi cal, and societal impacts” dizem que, finalmente, um EE, como qualquer ecossistema, deve cumprir duas tarefas: gerar valor para o ecossistema e distribuir o valor entre os membros do ecossistema.

A grande questão é que, novas empresas entram no mercado, mas acabam se assemelhando mais com as empresas tradicionais do que as empreendedoras. Vale ressaltar que, mesmo quando esta fase é caracterizada por uma baixa taxa de entrada no mercado, a fase de declínio de um EE não é equivalente a um declínio do sistema econômico regional, ou da competitividade e riqueza regio nais (Cantner et al., 2020).

Por fim, a última Fase, o ressurgir de EE, como explicado no quarto estágio pelos autores, o ciclo de vida empresarial pode terminar neste estágio, tornando-se um ecossistema de negócios com empresas, rotinas e normas bem estabelecidas, bem como, até agora, ecossistemas regionais di nâmicos e empreendedores tendem também a emergir em aglomerados industriais e distritos de aglomeração (Cantner et al., 2020).

Dimensões de análise

Ecossistemas Empreendedores são muito promissores como uma estrutura conceitual, para entender as relações entre o processo de empreendedorismo e seu ambiente local e uma ferramenta de política para ajudar as regiões a catalisar o desenvolvimento econômico sustentável, liderado pelo empreendedorismo (Spigel & Harrison, 2018Spigel, B. & Harrison, R. (2018). Towards a process theory of entrepreneurial ecosystems. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 12, n. 1, p. 151-168. ). Embora os ecossistemas possam ter diferentes estruturas e origens, seu sucesso está na capacidade de criar um sistema social e econômico consistente, que apoie a criação e o crescimento de novos empreendimentos (Stam & Van de Ven, 2019Stam, E. & Van de Ven, A. (2019). Entrepreneurial ecosystem elements. Small Business Economics , v. 56, n. 2, p. 809-832. ). Ter foco exclusivamente nas necessidades das empresas startups não é uma boa abordagem de políticas públicas, deve também concentrar em empresas orientadas para o crescimento (Pustovrh et al., 2020Pustovrh, A., Rangus, K., & Drnovsek, M. (2020). The role of open innovation in developing an entrepreneurial support ecosystem. Technological Forecasting and Social Change, v. 152. ).

Analisar o empreendedorismo sob a perspectiva de um ecossistema, possibilita uma análise minuciosa dos elementos ou fatores envolvidos, que identifique os pontos positivos e a necessidade de intervenção para o fortalecimento da ação empreendedora em um espaço. A literatura analisada oferece alguns modelos de análise de EE, todos baseados em uma análise de fatores/determinantes/ variáveis. Viu-se que, das diferentes modalidades do EE, a maioria tem similaridade no que concerne à interação entre as organizações, empresas, universidades, escolas, associações (capital humano), a cultura permanente, e está em causa a ideia das redes.

De acordo com os textos analisados e suas citações, identificam-se os seguintes modelos, no Quadro 3:

Quadro 3
Modelos de análise ecossistemas empreendedores identificados na literatura estudada e nas citações

Audretsch & Belitski (2017Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051. ), inspirados em Autio et al. (2014), revelam que a abordagem holística do empreendedorismo e da inovação se tornou a tendência mais recente na política de empreendedo- rismo e inovação na Europa, com foco no papel do EE e nos processos de como ele é desenvolvido, adaptado e sustentado. Em uma pesquisa para avaliar as variações no empreendedorismo em 70 cidades europeias, os autores realizaram um estudo no qual desenvolveram um modelo complexo que envolve três etapas de análise, exposto no quadro 3. Este modelo foi inspirado em diversos auto- res, descrito no artigo em questão “Entrepreneurial ecosystems in cities:establishing the framework conditions”. Nesta análise, eles enfocam as condições da estrutura do EE, incluindo a importância do alinhamento de TI, que ajuda na tomada de decisão individual, julgamento e capacidade de prever oportunidades. O Índice de REDI aplicado ao modelo foi defendido por eles como um instrumento poderoso para prever a atividade empreendedora nas cidades, incluindo as regiões. O REDI se tornou muito popular e eficiente para explicar a atividade empreendedora nas regiões, identificando os obs- táculos e as implicações políticas (Audretsch & Belitski, 2017).

Diante da análise holística dos seis domínios do EE (cultura, instituições formais, infraestrutura, informação, diversidade e demanda), Audretsch & Belitski (2017Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051. ) elaboram seis hipóteses baseadas em sua pesquisa, que podem promover um ecossistema de sucesso, no qual podemos sintetizar: 1) A cultura local que promove a confiança e segurança provavelmente melhorará o EE; 2) cone- xões de transporte e otimização da cidade provavelmente melhorarão o EE; 3) recursos gastos com responsabilidade e serviços de administração eficientes, podem melhorar o ecossistema do em- preendedorismo; 4) o acesso e a conectividade à internet provavelmente melhorarão o EE; 5) Os estrangeiros bem integrados provavelmente melhorarão o EE; 6) o impacto da alta demanda por força de trabalho e habitação no EE é ambíguo (Audretsch & Belitski, 2017).

Outro modelo de análise do EE exposto na tabela 3, que foi elaborado segundo os moldes do gover- no chinês, é o modelo proposto por Xie et al. (2021Xie, Z., Wang, X., Xie, L., & Duan, K. (2021). Entrepreneurial ecosystem and the quality and quantity of regional entrepreneurship: A configurational approach. Journal of Business Research , v. 128, n. January, p. 499-509. ). Diante da forte intervenção governamental na China, o tamanho dos gastos do governo é um fator institucional importante quando se analisam os elementos do EE. A intervenção governamental, na China, influencia todo o processo de empre- endedorismo e pode determinar o sucesso ou o fracasso de um novo empreendimento. Com base em suas investigações, Xie et al. (2021) propõem um modelo que destaca sete fatores necessários para sustentar o empreendedorismo regional na China, no qual o tamanho do governo o diferencia, sendo possível enumerar: 1) capacidade de inovação, 2) potencial de mercado, 3) capital humano e financeiro, 4) infraestrutura física, 5) infraestrutura de internet, 6) tamanho do governo, 7) qualida- de e quantidade empreendedora (Xie et al., 2021).

Um EE com incorporação de tecnologias avançadas e maior conectividade de internet na região, pode ser o catalisador ideal para tirar o máximo proveito do enorme potencial das tecnologias que facilitam o início de empresas e um alto crescimento das já existentes, foi o que concluiu Audretsch & Belitski (2017Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051. ) em sua pesquisa na Europa. A era digital caracterizada por rápidas mudanças tec- nológicas coloca esse recurso no centro da sua capacidade de sobreviver e prosperar (Audretsch & Belitski, 2017).

Wurth et al. (2021Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50. ), em seu trabalho, dão destaque no papel do empreendedor como líder organi- zacional, inovador e comunitário. Isso distingue sua capacidade de romper as estruturas existentes e criar novos caminhos com base em suas características e circunstâncias individuais. Os outros atores em um ecossistema também têm relevância na forma como escolhem operar dentro de um EE, incluindo os investidores, servidores públicos, funcionários. As consequências dessa ideia de ecossistema liderado pelo empreendedor é que, os mecanismos causais que impulsionam a inova- ção e evolução dos EEs regionais podem não ser os mesmos que para outros modelos territoriais de inovação (Spigel & Harrison, 2018Spigel, B. & Harrison, R. (2018). Towards a process theory of entrepreneurial ecosystems. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 12, n. 1, p. 151-168. ).

Quanto aos recursos relacionados ao empreendedorismo dentro dos EEs, Cao & Shi (2021Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110. ) escla- recem que, são fornecidos por várias partes interessadas dentro desse sistema, que podem incluir infraestrutura financeira, humana, de conhecimento e física que os empresários precisam. Ainda segundo o autor, os recursos financeiros podem ser fornecidos pelo estado, por meio de subsídios e doações, entidades privadas, por meio de capital ou dívida; os recursos humanos podem ser ofe- recidos por instituições educacionais, grandes empresas estabelecidas e novos empreendimentos bem-sucedidos ou fracassados; o conhecimento técnico especializado e métodos empreendedores podem ser preparados por instituições de pesquisa ou educacionais, bem como por empresas exis- tentes por meio de mentoria e, por último, os recursos de infraestrutura, como espaços de escri- tório, podem ser fornecidos por intermediários, como espaços de coworking e incubadoras (Cao & Shi, 2021). Além do investimento direto, a reciclagem também é um elemento-chave da provisão de recursos (Spigel & Harrison, 2018Spigel, B. & Harrison, R. (2018). Towards a process theory of entrepreneurial ecosystems. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 12, n. 1, p. 151-168. ).

Para Pustovrh et al. (2020Pustovrh, A., Rangus, K., & Drnovsek, M. (2020). The role of open innovation in developing an entrepreneurial support ecosystem. Technological Forecasting and Social Change, v. 152. ), a política econômica e a política de empreendedorismo devem concen- trar-se na criação de condições para um empreendedorismo inovador ambicioso, em vez de um empreendedorismo autônomo por necessidade. Para o autor, os empreendedores por necessidade geralmente não criam inovação disruptiva, assim, não são o alvo das medidas de política de inova- ção. Com isso, os empreendedores que não inovam, não estão qualificados para as políticas que influenciam a disponibilidade de recursos (empréstimos bancários), seus custos ou as condições ge- rais do empreendedorismo (como o tempo, custos de criação e gestão de uma nova empresa), que são as medidas mais importantes para os empreendedores se desenvolverem e atingir o sucesso (Pustovrh et al., 2020).

Sob uma aplicação prática e diferenciada de outros ecossistemas, o trabalho de Xie et al. (2021Xie, Z., Wang, X., Xie, L., & Duan, K. (2021). Entrepreneurial ecosystem and the quality and quantity of regional entrepreneurship: A configurational approach. Journal of Business Research , v. 128, n. January, p. 499-509. ) enfoca os principais determinantes do empreendedorismo regional, numa análise baseada em ci- dades da China. O autor mostrou que as variáveis baseadas no país, geralmente, são consistentes e atribuídas de acordo com os mesmos métodos estatísticos em cidades diferentes. Isto é uma distinção do empreendedorismo da China, que, com a maior economia emergente do mundo, tem um governo muito ativo na promoção do empreendedorismo. Essa estratégia de empreendedoris- mo e inovação em massa proposta pelo governo chinês fez com que a atividade empreendedora em estágio inicial diminuísse, enquanto aumentavam os empreendedores que esperavam grande crescimento (Xie et al., 2021).

Considerando que os estudos sobre os EEs intensificaram demasiadamente nos últimos anos, prin- cipalmente nos últimos seis anos, Cao & Shi (2021Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110. , p. 2) apontam que “o empreendedorismo nos países em desenvolvimento é o fenômeno econômico global importante menos estudado hoje”. Compreender os EEs nas economias emergentes é relevante tanto para os pesquisadores, quanto para os formuladores de políticas. Outra contribuição do autor para as economias emergentes trata das infraestruturas físicas. Essas economias, nas últimas duas décadas, demandam enormes inves- timentos em infraestrutura, por encontrarem lacunas críticas em infraestruturas físicas, incluindo estradas subdesenvolvidas, pontes, redes de telecomunicações, instalações de água e saneamento e usinas de energia, o que dificulta a atividade empreendedora (Cao & Shi, 2021).

Cao & Shi (2021Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110. ) observam que, dada a cultura de evitar a incerteza e a falta de acesso ao financia- mento em economias emergentes, indivíduos qualificados tendem a se envolver em empregos em vez de carreiras empreendedoras de alto risco, ou seja, os indivíduos com capital humano nessas regiões são mais propensos a trabalhar para outra pessoa, em vez de iniciar seus próprios empre- endimentos, se comparados a indivíduos em economias avançadas (Cao & Shi, 2021).

Quanto ao desafio dos empreendedores de assumir riscos e inovação, Spigel & Harrison (2019) elu- cidam que o maior dos desafios da política do EE é como os empresários e o estado podem apoiar o desenvolvimento de um ecossistema forte e funcional, pois sua cultura, sua rede de empreende- dores e mentores bem-sucedidos e seus estoques de conhecimento empreendedor surgem dos próprios empreendedores. Para ele, é extremamente difícil construir uma cultura por meio da in- tervenção externa. Assim, a criação de ecossistemas fortes e funcionais depende da liderança da comunidade empresarial para criar redes consistentes e lógicas, fundamentada em uma cultura de confiança, reciprocidade e aceitação de riscos (Spigel & Harrison, 2018).

A pesquisa de Audretsch & Belitski (2017Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051. ) revela que envolver o setor privado e reformar a estrutura burocrática e regulatória está no centro de EE eficiente. Segundo os autores, os empreendedores são desencorajados a iniciar um novo negócio, se forem limitados pela burocracia, numerosos re- gulamentos e procedimentos locais e requisitos de tempo. Diante disso, os resultados positivos de serviços administrativos eficientes e alocação de recursos criarão estabilidade e tornarão o local mais atraente para viver, trabalhar e investir (Audretsch & Belitski, 2017).

Para um ecossistema de sucesso, é importante permitir que as empresas estabeleçam uma ampla rede de ligações e relacionamentos, com a finalidade de facilitar o compartilhamento de conheci- mento dentro das organizações inovadoras novas ou já existentes, que não se limitam aos ecossis- temas locais, mas podem se estender internacionalmente (Pustovrh et al., 2020Pustovrh, A., Rangus, K., & Drnovsek, M. (2020). The role of open innovation in developing an entrepreneurial support ecosystem. Technological Forecasting and Social Change, v. 152. ).

Para entender melhor se e como os EEs estão realmente aumentando a prosperidade e o bem-estar social das regiões, ou se estão simplesmente intensificando a riqueza em um pequeno subconjunto da sociedade, mais pesquisas com perspectivas críticas são necessárias. Nesse sentido, o pesqui- sador tem a missão de demonstrar o valor normativo dos EEs para a comunidade em geral, bem como investigar os problemas que surgem à medida que os EEs crescem e estimulam o empreen- dedorismo produtivo, como o aumento dos preços da habitação e questões de desenvolvimento mais desiguais (Wurth et al., 2021Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50. ).

O trabalho de Cao & Shi (2021Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110. ) resumiu nove tipos de deficiências, no contexto do empreendedo- rismo, que caracterizam as economias emergentes: instituições subdesenvolvidas, políticas gover- namentais pouco claras e inconsistentes, governança inadequada, infraestrutura desarticulada, op- ções de financiamento limitadas, cultura inibidora, redes personalizadas, sistema educacional mal financiado e ambivalente e internacionalização relutante. Os autores identificaram que o principal gargalo no EE brasileiro é a falta de interação e cooperação entre instituições de ensino e empresá- rios (Cao & Shi, 2021).

Ecossistemas empreendedores e o turismo

No mundo contemporâneo, o turismo é um dos principais fenômenos sociais e econômicos, pois, além de gerar empregos e receitas fiscais, este setor estimula investimento em infraestrutura, ca- pital humano e tecnologia (Cavalheiro et al., 2020Cavalheiro, M. B., Joia, L. A. & Cavalheiro, G. M. do C. (2020). Towards a Smart Tourism Destination Development Model: Promoting Environmental, Economic, Socio-cultural and Political Values. Tourism Planning and Development, v. 17, n. 3, p. 237-259. ). O desenvolvimento dessa atividade exige pla- nejamento e ações tecnicamente dirigidas. Com isso, o interesse e a importância nesse setor vêm crescendo para as economias regionais e para os governos, dada a preocupação em desenvolver políticas públicas capazes de fomentar essa atividade empreendedora e gerar crescimento econô- mico (Souza et al., 2016Souza, M. J. B. de, Trindade, F. de M.; Freire, R. & Lyra, F. R. (2016). Potencial Empreendedor De Empresárias Do Setor Turístico De Florianópolis (Sc). Revista Alcance, v. 23, n. 4, p. 455-474. ).

A atividade turística oferece muitas oportunidades para os empreendedores, uma vez que esse setor demanda um conjunto de diferentes serviços e constante necessidade de renovação dos pro- dutos (Guimarães & Silva, 2017Silva, P. H. O., Fonseca, D. L. P., & Spinola, C. de A. (2017). Considerações Sobre O Empreendedorismo Como Elemento Propulsor Do Turismo No Baixo São Francisco. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 1, n. 39, p. 26. ). Trata-se de uma área do empreendedorismo aberta e acessível a negócios, ainda que pequenos empreendimentos, e que pode apresentar oportunidades com baixa necessidade de capital e grande potencial de inovação (Silva et al., 2017).

Complementarmente, a experiência turística particulariza e difere a atividade turística de outras ati- vidades econômicas, devido às configurações físicas e culturais, que fazem com que essas caracterís- ticas sejam consideradas um fator sistêmico, em vez de condição estrutural (Bachinger et al., 2020Bachinger, M., Kofler, I. & Pechlaner, H. (2020). Sustainable instead of high-growth? Entrepreneurial Ecosystems in Tourism. Journal of Hospitality and Tourism Management, v. 44, n. July, p. 238-242. ). As configurações físicas e culturais fazem com que a experiência turística seja única em uma cidade, impossível de ser replicada em outras regiões. Devido a essa natureza composta dos produtos turís- ticos, configurações físicas ou culturais, as redes e a governança de redes têm um papel fundamental nas condições sistêmicas, o que diferencia da atuação em outros segmentos, pois, além de apoiar os empreendedores, trabalha em prol da conservação e restauração dos pontos turísticos e na promo- ção da região, realizando eventos culturais típicos do destino turístico (Bachinger et al., 2020).

Conforme mencionado, o turismo é uma atividade que traz crescimento econômico pela movimen- tação da economia através da geração de empregos, receitas fiscais e estímulo ao investimento nas cidades turísticas (Cavalheiro et al., 2020Cavalheiro, M. B., Joia, L. A. & Cavalheiro, G. M. do C. (2020). Towards a Smart Tourism Destination Development Model: Promoting Environmental, Economic, Socio-cultural and Political Values. Tourism Planning and Development, v. 17, n. 3, p. 237-259. ). Para que o empreendedorismo aconteça no setor de turismo, de forma a alcançar o sucesso, ele deve estar com seu ecossistema ativo, a fim de que haja elementos inter-relacionados à disposição dos empreendedores, que estimulem, alavanquem e gerem confiança nas pessoas envolvidas nas atividades turísticas (Silva et al., 2017Silva, P. H. O., Fonseca, D. L. P., & Spinola, C. de A. (2017). Considerações Sobre O Empreendedorismo Como Elemento Propulsor Do Turismo No Baixo São Francisco. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 1, n. 39, p. 26. ).

O EE surge como uma proposta para o fortalecimento da ação empreendedora em uma região, que no caso da indústria do turismo, é caracterizada por muitos atores (devido à grande variedade de serviços destinados aos turistas), exigindo coordenação e colaboração (Eichelberger et al., 2020Eichelberger, S., Peters, M., Pikkemaat, B. & Chan, C. S. (2020). Entrepreneurial ecosystems in smart cities for tourism development: From stakeholder perceptions to regional tourism policy implications. Journal of Hospitality and Tourism Management , v. 45, p. 319-329. ). O conhecimento sobre as expectativas da demanda de EE é vital para os empreendedores ao ex- plorarem as oportunidades de expansão de mercado e produzir uma criação de valor agregado (Eichelberger et al., 2020).

Partindo do conceito de Stam e Van de Ven (2019Stam, E. & Van de Ven, A. (2019). Entrepreneurial ecosystem elements. Small Business Economics , v. 56, n. 2, p. 809-832. ), que definem o ecossistema empreendedor como “todos os elementos necessários para sustentar o empreendedorismo em um determinado terri- tório”, para criar empreendimento e expandir os negócios em crescimento, faz-se necessária uma variedade de atores envolvidos em todos os processos e interações que, no caso do turismo, devido à gama de opções de serviços, requer grande número de atores. As grandes empresas, universida- des, instituições públicas, startups e corretoras em um EE são de grande importância, de forma a dar o suporte necessário a esses atores (Pustovrh et al., 2020Pustovrh, A., Rangus, K., & Drnovsek, M. (2020). The role of open innovation in developing an entrepreneurial support ecosystem. Technological Forecasting and Social Change, v. 152. ).

Os modelos propostos para a análise do EE são baseados em um estudo de fatores que levam a um ecossistema de sucesso. Esse estudo, aplicado ao turismo de uma dada região, se torna muito relevante, pois identifica os pontos positivos e a necessidade de intervenção para o fortalecimento dessa atividade empreendedora e faz com que a região possa aproveitar todo o seu potencial e alavancar novas iniciativas empresariais em um ciclo virtuoso de crescimento (Silva et al., 2017Silva, P. H. O., Fonseca, D. L. P., & Spinola, C. de A. (2017). Considerações Sobre O Empreendedorismo Como Elemento Propulsor Do Turismo No Baixo São Francisco. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 1, n. 39, p. 26. ). No turismo, o sucesso dos empreendimentos irá depender de sua capacidade de identificar as neces- sidades do consumidor e oferecer produtos sob medida, para a satisfação desse público (Cooper et al., 2002).

Quanto aos recursos humanos, eles podem ser oferecidos por instituições educacionais, grandes empresas estabelecidas e novos empreendimentos bem-sucedidos ou fracassados (Cao & Shi, 2021Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110. ). A atividade turística do Brasil enfrenta uma grande dificuldade, que é a capacitação das pes- soas para o atendimento no setor de serviços e para a sensibilização em relação às oportunidades que o empreendedorismo pode trazer (Silva et al., 2017Silva, P. H. O., Fonseca, D. L. P., & Spinola, C. de A. (2017). Considerações Sobre O Empreendedorismo Como Elemento Propulsor Do Turismo No Baixo São Francisco. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 1, n. 39, p. 26. ).

O empreendedor como líder do ecossistema deve ter um papel de destaque no EE (Wurth et al., 2021Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50. ). No turismo, que é um setor constituído por 47 tipos de serviços (OMT, 2001), que envolve desde pequenos empreendedores até os grandes empreendedores com alto investimento, ter no EE um líder empreendedor atuante no setor, conhecedor das necessidades e interesses da catego- ria, poderá ser de grande ganho para o ecossistema.

O empreendedorismo nos países em desenvolvimento ainda é pouco estudado nos dias de hoje, apesar de ser um fenômeno econômico global importante (Cao & Shi, 2021Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110. ). Assim como o EE no turismo, “apesar do seu potencial de contribuição, a abordagem do EE raramente tem sido usada para pesquisas sobre o turismo até hoje” (Eichelberger et al., 2020Eichelberger, S., Peters, M., Pikkemaat, B. & Chan, C. S. (2020). Entrepreneurial ecosystems in smart cities for tourism development: From stakeholder perceptions to regional tourism policy implications. Journal of Hospitality and Tourism Management , v. 45, p. 319-329. , p. 319), assim como as publica- ções que trabalhem de forma conjunta, tais abordagens ainda são raras (Bachinger et al., 2020Bachinger, M., Kofler, I. & Pechlaner, H. (2020). Sustainable instead of high-growth? Entrepreneurial Ecosystems in Tourism. Journal of Hospitality and Tourism Management, v. 44, n. July, p. 238-242. , p. 238). Beni (2008Beni, M. (2008). Análise estrutural do turismo (13ª ed.). São Paulo: Senac.) esclarece:

A análise da natureza de fenômeno turístico e de seus constituintes é necessário para se obter dele uma visão holística e sistêmica, permitindo melhor situar cada um de seus ele- mentos. Sua complexidade deu tal dimensão à empresa de turismo que é impossível defi- nir-lhes as fronteiras de atuação, razão essencial de considerável falta de estudos a respei- to de sua natureza e de seu produto (Beni, 2008Beni, M. (2008). Análise estrutural do turismo (13ª ed.). São Paulo: Senac., p. 178).

Compreender os EEs nas economias emergentes é relevante tanto para os pesquisadores, quanto para os formuladores de políticas. Para a administração pública brasileira é um tema relevante, pois o turismo é uma atividade econômica que pode atrair investimentos em infraestrutura, que é uma lacuna crítica para o turismo nas regiões de países em desenvolvimento. Cooper et al. (2002) esclarecem sobre as infraestruturas que atendem de forma satisfatória ao turismo de uma região:

É essencial para destinações e aparece principalmente na forma de transporte (estradas, ferrovias, aeroportos, estacionamentos), serviço de utilidade pública (eletricidade, água, comunicações) e outros serviços (saúde, segurança), e é normalmente compartilhada por residentes e visitantes (Cooper et al., 2002, p. 142).

Audretsch & Belitski (2017Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051. ), em sua pesquisa na Europa, mostraram que a maior conectividade de internet na região de um EE é um catalisador ideal para as empresas iniciantes e o crescimento das já existentes. Na indústria do turismo, as tecnologias de informação possibilitam aos viajantes acessar informações confiáveis e precisas, e fazer reservas com tempo, custo e desconforto bem menores do que pelos métodos convencionais. Diante disso, eles melhoram a qualidade do serviço e contribuem para uma maior satisfação do turista (Cooper et al., 2002).

Quanto aos estímulos para iniciar um negócio, os empreendedores serão desencorajados, se fo- rem limitados pela burocracia, devido aos numerosos regulamentos e procedimentos (Audretsch & Belitski, 2017Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051. ; Eichelberger et al., 2020Eichelberger, S., Peters, M., Pikkemaat, B. & Chan, C. S. (2020). Entrepreneurial ecosystems in smart cities for tourism development: From stakeholder perceptions to regional tourism policy implications. Journal of Hospitality and Tourism Management , v. 45, p. 319-329. ). No Brasil, a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019) busca desburocratizar processos para estabelecimentos de baixo risco, com o fim dos alvarás, a digitalização de documentos, a inovação e o fortalecimento dos instrumentos contratuais que beneficiam os empreendedores, atendendo boa parte dos serviços do setor turís- tico (Governo Federal, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi analisar como os EEs podem contribuir para o fortalecimento da ação empreendedora na indústria do turismo. Para tanto, realizamos uma revisão sistemática da litera- tura no intuito de analisar as definições dos EEs, os estágios de desenvolvimento dos EEs, as dimen- sões de análise dos EEs, a interface dos EEs e a atividade turística.

Apesar de ser um tema relativamente novo no setor do empreendedorismo, só nos últimos cinco anos, as pesquisas sobre EE passaram a ter maior destaque, com um número considerável de pu- blicações. Porém, trabalhos voltados para os EEs e o turismo ainda são escassos. Com isso, o levan- tamento dos artigos baseou-se no tema EE, para, após a análise, relacionarmos ao turismo, já que os EEs podem ser aplicados ao turismo.

Baseando-nos no conceito mais simples e abrangente identificado no estudo, que define EE como “todos os elementos necessários para sustentar o empreendedorismo em um determinado territó- rio” (Stam & Van de Ven, 2019Stam, E. & Van de Ven, A. (2019). Entrepreneurial ecosystem elements. Small Business Economics , v. 56, n. 2, p. 809-832. ), percebemos que, para alcançar o sucesso, os empreendedores do setor turístico, que, no caso, são caracterizados por um grande número de atores, necessitam das redes e governança para dar o suporte necessário, desde o conhecimento, financiamento, estímulo e confiança. A análise de um EE através de um modelo, possibilita identificar os problemas, soluções e sucesso do empreendedorismo de uma região, assim como as necessidades de intervenção para o fortalecimento da ação empreendedora em uma dada realidade.

O setor do turismo apresenta várias fragilidades que, estando orientado por um EE, poderia supe- rar com mais facilidade. Começando pela capacitação das pessoas para o atendimento no setor de serviços, que no EE poderia ser oferecido por instituições educacionais, grandes empresas estabele- cidas e novos empreendimentos bem-sucedidos. A decisão de iniciar um negócio, quando limitada pela burocracia, desestimula os empreendedores, abrangendo até os do setor do turismo que são, em grande parte, pequenos negócios (Audretsch & Belitski, 2017Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051. ). Quanto à infraestrutura que en- volve esse setor, que é compartilhada pelos turistas e residentes, nos países em desenvolvimento é um problema crítico, que no EE poderia ser amenizado através de políticas públicas. Dentre essas infraestruturas, encontra-se a conectividade de internet na região de um EE, que hoje é considerado um dos maiores catalisadores do turismo.

Este estudo possibilita, então, o avanço do conhecimento teórico em EE e sua divulgação contribui na formulação de políticas públicas e de gestão empresarial. O setor do turismo enfrentou um dos piores momentos da sua história com a pandemia de covid-19, que se iniciou, no Brasil, em março de 2020 e ainda não foi totalmente extinguida. A queda brusca no consumo e a grande demanda de cancelamento de viagens, motivadas principalmente pelo fechamento das fronteiras, por ques- tão de saúde pública, colocaram as empresas do setor em situação crítica, extinguindo a oferta de empregos e a saúde financeira do próprio Estado, principalmente, em localidades que têm maior dependência do turismo (Carneiro & Allis, 2021Carneiro, J., Allis, T. (2021). How Does Tourism Move During The COVID-19 Pandemic? Revista Brasileira de pesquisa em Tutismo Brazilian Journal of Tourism Research, v. 15, n. 1, p. 1-23. ). Na medida que as limitações impostas pela pan- demia estão se flexibilizando, reconstruir esse setor é primordial, dado os benefícios que o turismo traz para uma região.

Mesmo diante das contribuições, devemos reconhecer algumas limitações relativas ao volume de trabalhos revisados restritos ao único idioma e a uma única base. Pesquisas futuras podem ampliar o escopo de busca para a revisão, incluir novos critérios para análise e, sobretudo, ir a campo para realizar, através de estudos de casos e observação, a realidade dos ecossistemas de turismo.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Estendemos também nossos agradecimentos à equipe editorial e aos avaliado- res anônimos da Revista Turismo: Visão e Ação, por suas valiosas contribuições, que repercutiram positivamente neste artigo.

REFERÊNCIAS

  • Adner, R. (2016). Ecosystem as structure: An actionable construct for strategy. Journal of Management, 43(1), 39-58.
  • Almeida, l. L. S., Enoque, A. G. & Júnior, A. de O. (2020). Turismo religioso como fonte de desenvolvimento local. Marketing & Tourism Review, 4(2).
  • Audretsch, D. B. & Belitski, M. (2017). Entrepreneurial ecosystems in cities: establishing the framework conditions. Journal of Technology Transfer, v. 42, n. 5, p. 1030-1051.
  • Bachinger, M., Kofler, I. & Pechlaner, H. (2020). Sustainable instead of high-growth? Entrepreneurial Ecosystems in Tourism. Journal of Hospitality and Tourism Management, v. 44, n. July, p. 238-242.
  • Becattini, G. (1990). The Marshallian industrial districts as a socio-economic notion. In: Pyke, F.; Becatinni, G.; Sengenberger, W. (ed). Industrial districts and inter-firm cooperation in Italy Genebra: International Institute for Labour Studies, p. 37-51.
  • Beni, M. (2008). Análise estrutural do turismo (13ª ed.). São Paulo: Senac.
  • Cantner, U., Cunningham, J. A., Lehmann, E. E. & Menter, M. (2021). Entrepreneurial ecosystems: a dynamic lifecycle model. Small Business Economics, v. 57, n. 1, p. 407-423.
  • Cao, Z. & Shi, X. (2021). A systematic literature review of entrepreneurial ecosystems in advanced and emerging economies. Small Business Economics , v. 57, n. 1, p. 75-110.
  • Carneiro, J., Allis, T. (2021). How Does Tourism Move During The COVID-19 Pandemic? Revista Brasileira de pesquisa em Tutismo Brazilian Journal of Tourism Research, v. 15, n. 1, p. 1-23.
  • Cavalheiro, M. B., Joia, L. A. & Cavalheiro, G. M. do C. (2020). Towards a Smart Tourism Destination Development Model: Promoting Environmental, Economic, Socio-cultural and Political Values. Tourism Planning and Development, v. 17, n. 3, p. 237-259.
  • Colasante, T. & Silva, E. P. (2021). Potencialidades para o desenvolvimento do turismo em Magalhães de Almeida - MA. Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo, v.15, n.2.
  • Cooper, C, Fletcher, J., Wanhill, S. & Shepherd, R. (2001). Turismo, princípios e práticas 2ªedi, Porto Alegre: Bookman.
  • Corradi, M. G., & Pereira, M. A. (2020). Análise do potencial de desenvolvimento do ecossistema empreendedor da cidade de Lorena no Brasil. Espacios, v. 41, n. 50, p. 74-92.
  • Eichelberger, S., Peters, M., Pikkemaat, B. & Chan, C. S. (2020). Entrepreneurial ecosystems in smart cities for tourism development: From stakeholder perceptions to regional tourism policy implications. Journal of Hospitality and Tourism Management , v. 45, p. 319-329.
  • Emmendoerfer, M. L., Mediotte, E. J., & dos Santos, Y. T. (2022). Governança pública no turismo: polissemia, reflexões e implicações. Ateliê Geográfico, 16(1), 24-49. https://doi.org/10.5216/ag.v16i1.69253
  • Emmendoerfer, M. L., Trentin, F., Ponton, M. B. Z., da Silva, A. C., & Ponton, R. G. Z. (2021). Tourist destinations and development: what was published by the scientific community in Brazil before COVID-19 pandemic?. Navus - Revista de Gestao e Tecnologia, 11, 1-13. https://doi.org/10.22279/navus.2021.v11.p01-13.1596
  • Governo Federal- Ministério da Economia (2021). A Lei de Liberdade Econômica, Brasil. Disponível em < https://www.gov.br/inmetro/pt-br/centrais-de-conteudo/campanhas/lei-de-liberdade-economica>. Acessado em 02 de abril de 2022.
    » https://www.gov.br/inmetro/pt-br/centrais-de-conteudo/campanhas/lei-de-liberdade-economica
  • Guimarães, C. R. F. F. & Silva, J. R. (2017). Turismo e geração de empregos formais : Um estudo sobre o Brasil e suas regiões Tourism and formal job creation : A study on Brazil and its regions. Revista Turismo & Desenvolvimento, v. 27/28, p. 1273-1286.
  • Isenberg, D. J. (2010). The big idea: How to start an entrepreneurial revolution. Harvard Business Review, 88(6).
  • Isenberg, D. J. (2011). The Entrepreneurship Ecosystem Strategy as a New Paradigm for Economic Policy: Principles for Cultivating Entrepreneurships. The Babsos Entrepreneurship Ecosystem Project, v. 1, n. 781, p. 1-13.
  • Lima, M. A. G. de, Irving, M. D. A. & Oliveira, E. (2022). Decodificando Narrativas de Políticas Públicas de Turismo no Brasil: uma leitura crítica sobre o turismo de base comunitária (TBC). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 16, 1-15.
  • Knupp, M., Emmendoerfer, M., & González, M. V. (2021). Tourism networks-interdependent relationships among public policy actors. Journal of Multidisciplinary Academic Tourism, 1, 39-52. https://doi.org/10.31822/jomat.2021-SP-1-39
  • OMT- Organização Mundial do Turismo (2021). Introdução ao Turismo São Paulo.
  • Porter, M.E. (1990). The competitive advantages of nations London: Macmillan.
  • Porter, M.E. (1998). Cluster and the new economics of competition. Harvard Business Review , p. 77-90.
  • Pustovrh, A., Rangus, K., & Drnovsek, M. (2020). The role of open innovation in developing an entrepreneurial support ecosystem. Technological Forecasting and Social Change, v. 152.
  • Robertson, J., Pitt, L. & Ferreira, C. (2019). Entrepreneurial ecosystems and the public sector: A bibliographic analysis. Socio-Economic Planning Sciences, 72. https://doi.org/10.1016/j.seps.2020.100862
  • Rocha, H. & Audretsch, D. B. (2022). Entrepreneurial ecosystems, regional clusters, and industrial districts: Historical transformations or rhetorical devices?. The Journal of Technology Transfer , p. 1-24.
  • Scaringella, L. & Radziwon, A. (2018). Innovation, entrepreneurial, knowledge, and business ecosystems: Old wine in new bottles? Technological Forecasting and Social Change , v. 136. p. 59-87.
  • Silva, P. H. O., Fonseca, D. L. P., & Spinola, C. de A. (2017). Considerações Sobre O Empreendedorismo Como Elemento Propulsor Do Turismo No Baixo São Francisco. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 1, n. 39, p. 26.
  • Sistema de Bibliotecas da Unicamp- SBU. Qualis-CAPES. Disponível em < http://www.sbu.unicamp.br/sbu/qualiscapes/#:~:text=QUALIS%20%C3%A9%20o%20conjunto%20de,do%20aplicativo%20Coleta%20de%20Dados.> Acessado em 02 de abril de 2022.
  • Souza, M. J. B. de, Trindade, F. de M.; Freire, R. & Lyra, F. R. (2016). Potencial Empreendedor De Empresárias Do Setor Turístico De Florianópolis (Sc). Revista Alcance, v. 23, n. 4, p. 455-474.
  • Spigel, B. & Harrison, R. (2018). Towards a process theory of entrepreneurial ecosystems. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 12, n. 1, p. 151-168.
  • Stam, E. & Van de Ven, A. (2019). Entrepreneurial ecosystem elements. Small Business Economics , v. 56, n. 2, p. 809-832.
  • Storper, M. (1997). The regional world: territorial development in a global economy Guilford press.
  • Snyder, H. (2019). Literature review as a research methodology: An overview and guidelines. Journal of Business Research, v. 104, p. 333-339.
  • Vale, G. M. V. (2007). Territórios vitoriosos: o papel das redes organizacionais. Rio de Janeiro - RJ, Editora Garamond.
  • Web Of Science Group. Como utilizar o JCR no Portal de Periódicos da CAPES. Journal Citation Reports Disponível em: < http://www.periodicos.capes.gov.br/images/documents/Journal%20Citation%20Reports%20JCR%20(guia).pdf>. Acessado em 20 de julho de 2021.
  • Wurth, B., Stam, E., & Spigel, B. (2021). Toward an Entrepreneurial Ecosystem Research Program. Entrepreneurship Theory and Practice, p. 1-50.
  • Xie, Z., Wang, X., Xie, L., & Duan, K. (2021). Entrepreneurial ecosystem and the quality and quantity of regional entrepreneurship: A configurational approach. Journal of Business Research , v. 128, n. January, p. 499-509.

Apêndice I


Artigos selecionados e analisados na revisão sistemática, segundo a avaliação de periódicos JCR - ordem decrescente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2022
  • Aceito
    12 Out 2022
Universidade do Vale do Itajaí Quinta Avenida, 1100, bloco 7, CEP: 88337-300, Balneário Camboriú, SC - Brasil, Tel.: (47)3261-1315 - Balneário Camboriú - SC - Brazil
E-mail: revistaturismo@univali.br