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O TURISMO CINEMATOGRÁFICO NO CONTEXTO DO PROGRAMA FILME EM MINAS: A VISÃO DOS CINEASTAS ACERCA DA SINERGIA TURISMO-CINEMA

FILM TOURISM IN THE CONTEXT OF THE FILM IN MINAS PROGRAM: THE FILMMAKERS’ VISION OF THE TOURISM-CINEMA SYNERGY

CINE TURISMO EN EL CONTEXTO DEL PROGRAMA CINE EN MINAS: LA VISIÓN DE LOS DIRECTORES DE CINE SOBRE LA SINERGIA TURISMO-CINE

Resumo:

Este artigo se debruça sobre o Programa Filme em Minas, desenvolvido pela atual Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, e se inscreve no campo denominado de turismo cinematográfico. Algumas perguntas guiaram a pesquisa: os longas-metragens apoiados por essa política pública cultural contribuem para divulgar as localidades mineiras filmadas e promover o turismo neste Estado? A infraestrutura turística local atendeu as demandas das filmagens? A população local dos municípios onde os filmes foram rodados foi beneficiada de alguma maneira? O objetivo deste texto é investigar, junto aos diretores de filmes apoiados pelo Programa Filme em Minas, se essas obras audiovisuais contribuem para potencializar o turismo neste Estado, favorecendo a sinergia turismo-cinema. De abordagem qualitativa, a metodologia envolveu estudo bibliográfico, questionários e entrevistas online com diretores dos filmes selecionados. As respostas foram interpretadas com auxílio da análise de conteúdo. Seja considerando os impactos diretos ou indiretos do turismo cinematográfico, os resultados evidenciaram que a sinergia entre o turismo e o cinema não é simples de ser alcançada. Desse modo, nem sempre o turismo será fomentado simplesmente pelo fato de determinadas localidades aparecerem nas telas do cinema, embora isso seja algo relevante e possa, inquestionavelmente, acontecer.

Palavras-chave:
turismo; turismo cinematográfico; filmes; Minas Gerais

Abstract: This article focuses on the Film in Minas Program, developed by the current Secretary of State for Culture and Tourism of Minas Gerais, and is inscribed in the field called film-induced tourism. Some questions guided the research: do the feature films supported by this cultural public policy contribute to publicizing the filmed locations in Minas Gerais and promoting tourism in this state? Did the local tourist infrastructure meet the demands of the filming? Has the local population in the municipalities where the films were shot benefited in any way? The objective of this text is to investigate, with film directors supported by the Film in Minas Program, whether these audiovisual productions contribute to increasing tourism in this state, favoring the tourism-cinema synergy. With a qualitative approach, the methodology involved a bibliographic study, questionnaires and online interviews with directors of the selected films. The answers were interpreted with the aid of content analysis. Whether considering the direct or indirect impacts of film-induced tourism, the results showed that the synergy between tourism and cinema is not simple to be achieved. Thus, tourism will not always be promoted simply by the fact that certain locations appear on movie screens, although this is something relevant and can, unquestionably, happen.

Key-words:
tourism; film-induced tourism; movies; Minas Gerais State


Resumen:

Este artículo se centra en el Programa Cine en Minas, desarrollado por la actual Secretaría de Estado de Cultura y Turismo de Minas Gerais, y se inscribe en el campo denominado turismo cinematográfico. Algunas preguntas guiaron la investigación: ¿los largometrajes apoyados por esta política pública cultural contribuyen a dar a conocer los lugares filmados en Minas Gerais y promover el turismo en este estado? ¿La infraestructura turística local cumplió con las demandas del rodaje? ¿Se ha beneficiado de alguna forma la población local de los municipios donde se rodaron las películas? El objetivo de este texto es investigar, junto a los directores de cine apoyados por el Programa Cine en Minas, si estas obras audiovisuales contribuyen a impulsar el turismo en este estado, favoreciendo la sinergia turismo-cine. Con un enfoque cualitativo, la metodología involucró un estudio bibliográfico, cuestionarios y entrevistas en línea a los directores de las películas seleccionadas. Las respuestas se interpretaron con la ayuda de análisis de contenido. Ya sea considerando los impactos directos o indirectos del turismo cinematográfico, los resultados mostraron que la sinergia entre el turismo y el cine no es fácil de lograr. Así, el turismo no siempre se verá favorecido por el simple hecho de que determinados lugares aparezcan en las pantallas, aunque esto es algo relevante y, sin duda, puede suceder.

Palabras Clave:
turismo; turismo cinematográfico; películas; Minas Gerais

INTRODUÇÃO

A sinergia entre o turismo e o cinema vem sendo incentivada em diferentes países e, geralmente, é dimensionada pela correlação entre bilheterias de sucesso e o aumento do fluxo turístico no destino exibido nas telas. Isso decorre do fato de algumas locações de filmes serem visitadas por espectadores que buscam conhecer, in loco, o que despertou sua atenção no cinema (Nascimento, 2009Nascimento, F. M. (2009). Cineturismo. São Paulo: Aleph.).

Muitas vezes as iniciativas que pretendem favorecer a sinergia entre o turismo e o cinema priorizam duas possibilidades: as questões técnicas para orientar o trade, ou o marketing de destinos turísticos (Almeida, 2015Almeida, L. G. B. (2015). Cinema, representações do urbano e identidades: um olhar sobre o marketing de destinos em Vicky Cristina Barcelona. Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, 8, 1-15.; Sousa & Antunes, 2014Sousa, A. & Antunes, L. M. (2014). Barcelona, Paris, Roma: A promoção de destinos através dos traços culturais e dentitários em trailers de filmes de Woody Allen. Tourism and Hospitality International Journal, 3(1), 69-89.). Embora essas possibilidades sejam importantes, diferentes vertentes do chamado Turismo cinematográfico ainda precisam ser pesquisadas e aprofundadas.

Essa temática poderia ser abordada por meio de diferentes perspectivas, mas, nesta pesquisa, optou-se por investigar o ponto de vista de diretores de filmes produzidos com o apoio do Programa “Filme em Minas” acerca de diferentes aspectos relacionados à possível sinergia entre o audiovisual e o turismo. Esse programa consiste em uma política pública e cultural criada em 2004 pela atual Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais - SECULT, em parceria com a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). Tal iniciativa almejou ampliar a produção audiovisual no Estado, estimular pesquisas e impulsionar a adoção de novas narrativas audiovisuais comprometidas com a diversidade da cultura mineira.

Nessa direção, a presente pesquisa foi guiada pelas seguintes indagações: os longas-metragens apoiados por essa política pública cultural contribuem para divulgar as localidades mineiras filmadas e promover o turismo neste Estado? A infraestrutura turística local atendeu as demandas das filmagens? A população local dos municípios onde os filmes foram rodados foi beneficiada de alguma maneira?

Assim, o objetivo deste artigo é investigar, junto aos diretores de filmes apoiados pelo Programa Filme em Minas, se as obras audiovisuais por eles dirigidas contribuem para potencializar o turismo neste Estado, favorecendo a sinergia turismo-cinema.

Essa discussão justifica-se pelo fato de ainda serem incipientes e escassas as pesquisas e publicações dedicadas ao Turismo cinematográfico no Brasil e em vários outros países. Desse modo, este artigo evidencia a importância de compreender melhor a sinergia entre o turismo e o audiovisual que é tão enfatizada neste emergente campo de estudos.

REVISÃO TEÓRICA

Geralmente, o “turismo cinematográfico” é considerado uma tipologia do Turismo cultural. Para Brandão et al. (2016Brandão, M. et al. (2016). Destino turístico inteligente: um caminho para transformação. Seminário da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Turismo. Anais. Disponível em: https://www.anptur.org.br/anais/anais/files/13/451.pdf
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), as razões que geralmente levam os potenciais viajantes a optarem por um destino são influenciadas, a princípio, pelos seus recursos básicos. Os chamados recursos intrínsecos englobam características físicas e ambientais do destino, tais como paisagem, clima, fauna, flora e outros ativos geofísicos, patrimônio histórico e artístico-cultural, gastronomia, modos de vida e tradições, entre outros. Os recursos criados, por sua vez, incluem a infraestrutura turística (meios de hospedagem, atrativos, sistema de transportes, etc.), atividades de lazer, compras e eventos especiais.

Considerando a produção acadêmica internacional, os estudos pioneiros sobre as relações entre o turismo e o cinema foram realizados na década de 1990 (Riley & Van Doren, 1992Riley, R. W., & Van Doren, C. S. (1992). Movies as tourism promotion: A “pull” factor in a “push” destination. Tourism Management, 13(3), 267-274.; Hudson & Ritchie, 2006Hudson, S., & Ritchie, J. (2006). Promoting destinations via film tourism: an empirical identification of supporting marketing initiatives. Journal of Travel Research, 44(4), 387-396.; Beeton, 2001 __________. (2001). Smiling for the camera: the influence of film audiences on a budget tourism destination. Tourism, Culture & Communication, 3(1), 15-25., 2005__________. (2005). Film-Induced Tourism. Clevedon/United Kingdom: Channel View Publications., 2010__________. (2010). The advance of film tourism. Tourism and Hospitality Planning & Development, 7(1), 1-6., 2011Beeton, S. (2011) Tourism and the moving image: incidental tourism promotion. Tourism Recreation Research, 36(1), 49-56.). A princípio, as publicações sobre o film induced tourism (expressão geralmente traduzida para o português como turismo induzido por filmes, cineturismo ou turismo cinematográfico) buscavam justificar a importância do tema. Contudo, esse campo de pesquisa vem mobilizando estudos e pesquisas no âmbito internacional, sobretudo do ponto de vista das abordagens teóricas e metodológicas acerca das relações entre o turismo e o audiovisual, englobando diferentes produções: filmes, programas de TV, séries e videoclipes, entre outros (Beeton, 2010 __________. (2001). Smiling for the camera: the influence of film audiences on a budget tourism destination. Tourism, Culture & Communication, 3(1), 15-25.).

Conforme os estudos de Beeton (2005__________. (2005). Film-Induced Tourism. Clevedon/United Kingdom: Channel View Publications.), o turismo induzido por filmes apresenta formas e características que podem ser reunidas em seis grupos distintos: a) na própria locação, ou seja, inclui as viagens empreendidas por turistas motivados a conhecer cenários, paisagens, casas de celebridades e estúdios onde foram ou são gravadas as diferentes obras audiovisuais. b) Comercial, no qual o turismo induzido por filmes decorre da comercialização de produtos turísticos que são criados em função de uma produção audiovisual (como a construção de atrativos e a criação de roteiros temáticos). c) Identidades “equivocadas”, quando as viagens são feitas para o lugar em que o filme se passa, e não para onde as filmagens de fato ocorreram). d) Fora da locação, incluindo visitas a estúdios de gravação e a parques temáticos. e) Eventos pontuais, como os festivais de cinema, e f) viagens simbólicas ou “de poltrona”, em que o deslocamento físico não acontece, sendo apenas uma experiência imaginária (por exemplo, programas de TV dedicados a viagens).

Há, portanto, uma diversidade de possibilidades para que o turismo induzido por filmes se concretize e fomente a sinergia turismo-audiovisual. Nesse sentido, Wray e Croy (2015Wray, M. & Croy, G. (2015). Film tourism: Integrated Strategic tourism and regional economic development planning. Tourism Analysis, 20(1), 313-326. https://dx.doi.org/10.3727/108354215X14356694891898) argumentam que as localidades retratadas nos filmes precisam ser vistas como algo amigável para os espectadores, pois, estes são os potenciais visitantes daqueles destinos. Para os autores, é essencial que uma obra audiovisual apresente os pontos fortes daquele destino, de modo que cada filme gere oportunidades para concretizar experiências com o turismo cinematográfico.

No que concerne à produção bibliográfica acerca desta temática no Brasil, Körössy, Paes & Cordeiro (2021Körössy, N., Paes, R. G. dos S., & Cordeiro, I. J. D. (2021). Estado da arte sobre turismo e cinema no Brasil: uma revisão integrativa da literatura. PODIUM Sport, Leisure and Tourism Review, 10(1), 109-140. https://doi.org/10.5585/podium.v10i1.17212.
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) mapearam e analisaram os artigos publicados sobre turismo e cinema em periódicos nacionais, tecendo um panorama geral dessa produção. Nesse recente estudo, os autores objetivam compreender o estado da arte da relação entre o turismo e o cinema em nosso país, tendo em vista analisar o desenvolvimento do turismo cinematográfico na produção nacional.

Os resultados da pesquisa destacam que a produção científica nacional sobre o turismo cinematográfico pode ser dividida em três linhas: a) o cinema (e/ou audiovisual) como potencializador de imagens e vetor de promoção de destinos turísticos; b) imagem e representações de localidades em produções audiovisuais, e c) estudos de casos sobre o turismo cinematográfico em alguns municípios brasileiros. Um ponto em comum entre os diferentes estudos mapeados é a ênfase atribuída aos benefícios do turismo cinematográfico, que, para isso, precisaria ser bem planejado, e também aproveitar as potencialidades naturais, culturais, artísticas e gastronômicas de uma localidade. Por um lado, esses estudos ressaltam as potencialidades para o desenvolvimento sinérgico do audiovisual e do turismo (tais como as paisagens, a hospitalidade do povo brasileiro, o patrimônio histórico-cultural, etc.), mas, por outro lado, evidenciam o baixo aproveitamento desse potencial para incrementar o turismo cinematográfico no Brasil (Körössy, Paes & Cordeiro, 2021Körössy, N., Paes, R. G. dos S., & Cordeiro, I. J. D. (2021). Estado da arte sobre turismo e cinema no Brasil: uma revisão integrativa da literatura. PODIUM Sport, Leisure and Tourism Review, 10(1), 109-140. https://doi.org/10.5585/podium.v10i1.17212.
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).

Essas constatações corroboram o que foi afirmado por Campo, Brea & González (2014Campo, L. R., Brea, J. A. F. & González, E. (2014) El turismo cinematográfico como tipología emergente del turismo cultural. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 12(1), 159-171. ). Para esses autores, os estudos sobre a sinergia entre o audiovisual e o turismo ainda são embrionárias em vários países, tais como no Brasil, pelo fato de ainda não existirem muitas pesquisas sobre a temática, tampouco avanços teóricos e metodológicos significativos.

Apesar da produção acadêmica nacional ter se expandido nos últimos anos, de fato este campo de pesquisa ainda é emergente no Brasil, caracterizado por poucas experiências de gestão de destinos, o que é agravado pela inexistência de bases de dados oficiais sobre o setor. Desse modo, os estudos nacionais sobre a relação entre turismo e cinema são poucos e incipientes: “(...) além de escassas, as pesquisas já realizadas não aprofundam questões relacionadas à organização da oferta de turismo cinematográfico (...), tampouco abordam questões ligadas à demanda por este segmento.” (Körössy, Paes & Cordeiro, 2021Körössy, N., Paes, R. G. dos S., & Cordeiro, I. J. D. (2021). Estado da arte sobre turismo e cinema no Brasil: uma revisão integrativa da literatura. PODIUM Sport, Leisure and Tourism Review, 10(1), 109-140. https://doi.org/10.5585/podium.v10i1.17212.
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, p.136-137)

Nesse sentido, o presente artigo pretende ser mais uma contribuição para o tema, tendo em vista fomentar e ampliar reflexões/ações sobre a parceria entre o turismo e o audiovisual: seja no campo acadêmico, nas políticas públicas ou no setor de negócios e empreendimentos turísticos.

METODOLOGIA

A metodologia da investigação qualitativa que originou este artigo envolveu diferentes estratégias: pesquisa bibliográfica, análise fílmica, questionários e entrevistas, sendo as duas últimas possibilidades realizadas de forma online devido à impossibilidade de coletar as informações presencialmente, em decorrência da pandemia da Covid-19. Antes de detalhar essas estratégias, considera-se essencial fazer alguns apontamentos sobre o Programa investigado e explicitar os critérios de seleção dos filmes da pesquisa.

O primeiro edital do Programa Filme em Minas foi publicado em 2004. Até a sua última edição, em 2014, 140 obras audiovisuais (longas e curtas-metragens, documentários e animações, entre outras) foram apoiadas com recursos financeiros do Programa. O montante obtido no processo avaliativo por cada obra audiovisual poderia contemplar todas as etapas dos processos de produção, ou apenas algumas delas, como a finalização e a distribuição.

Os seguintes critérios foram considerados para selecionar os filmes desta pesquisa: a) Ser um filme de longa-metragem. b) Possuir trailer disponível na plataforma de vídeos Youtube, devido à gratuidade e facilidade de acesso do público. c) Apresentar enredo ambientado em Minas Gerais, ficando evidente para os espectadores que a narrativa se passa em terras mineiras. d) Contemplar, em sua narrativa, as categorias de análise definidas para a investigação: paisagem e hospitalidade, sendo esta última desdobrada nas subcategorias receber/hospedar, gastronomia e entretenimento/lazer.

Em 2019, quando foi feita a seleção da cinematografia da pesquisa, das 140 obras audiovisuais apoiadas pelo Programa, 53 filmes tinham trailers disponíveis no Youtube. Desse total, 10 filmes atenderam todos os critérios preestabelecidos e foram selecionados:

  • A cidade onde envelheço (2017, direção Marília Rocha).

  • Baronesa (lançado em 2018, Juliana Antunes).

  • Estrada real da cachaça (2008, Pedro UrbanoVidigal, T. (Produtor) & Urano, P. (Produtor/Diretor). (2008). Estrada real da cachaça. [DVD]. Brasil: Grupo Novo de Cinema e TV/Alice Filmes.).

  • O cineasta (2018, Leandro MartinsSilva, T. (Produtor) & Martins, L. (Diretor). (2017). O cineasta. [DVD]. Brasil: Tom Silva.).

  • O contador de histórias (2009, Luiz Vilaça).

  • O menino no espelho (2014, Guilherme FiúzaCarreira, A. (Produtor) & Fiúza, G. (Diretor). (2014). O menino no espelho. [DVD]. Brasil: Camisa Listrada/Solo Filmes.).

  • O palhaço (2011, Selton Mello).

  • O segredo dos diamantes (2014, Helvécio RattonMatos, S. (Produtora) & Ratton, H. (Diretor). (2014).O segredo dos diamantes. [DVD]. Brasil: Quimera Filmes. ).

  • Sonhos e desejos (2006, Marcelo SantiagoBarreto, L.C. (Produtor) & Santiago, M. (Diretor). (2006).Sonhos e desejos. [DVD]. Brasil: Produções Cinematográficas LC Barreto/Filmes do Equador.).

  • Vinho de rosas (2005, Elza CataldoCataldo, E. (Produtora/Diretora). (2005). Vinho de rosas. [DVD]. Brasil: Cataldo Participações/Persona Filmes.).

Foram utilizadas as diretrizes propostas por Aumont & Marie (2013Aumont, J. & Marie, M. (2013). A Análise do filme. Rio de Janeiro: Edições Texto e Grafia. ) para a análise fílmica desses 10 longa-metragens, priorizando-se a chamada análise de conteúdo temática, uma técnica que permite aprofundar nas narrativas e discussões apresentadas nos filmes. De acordo com Penafria (2009Penafria, M. (2009). Análise de Filmes-conceitos e metodologia(s). VI Congresso Sopcom. Anais. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-penafria-analise.pdf
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), esse tipo de análise considera o filme como um relato, sendo necessário focalizar especialmente a parte temática do filme. Deve-se, então, identificar os assuntos do enredo com potencial para a discussão do objeto investigado, visando compreender aquilo que o filme traz a respeito dos temas analisados.

Além da análise fílmica, a pesquisa contou com a colaboração de diretores e diretoras dos filmes selecionados. O contato com cada cineasta foi feito por e-mail e/ou redes sociais - diretamente, ou por intermédio das produtoras -, obtendo-se respostas positivas de cinco diretores e duas diretoras. O assessor de um cineasta justificou a impossibilidade de participar devido à sobrecarga de trabalho, e dois não retornaram após no mínimo três tentativas para estabelecer contato.

Cada diretor que respondeu positivamente ao convite escolheu a melhor forma para responder as perguntas: questionário online aplicado por meio do Google Forms ou Whatsapp, ou concessão de entrevista por meio de videochamada na plataforma Google Meet, sendo cada depoimento gravado e transcrito na íntegra. Todo esse processo concretizou-se com a concordância dos/as entrevistados/as, expressa pelo aceite formal do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os aspectos éticos foram observados, sendo o protocolo da investigação aprovado pelo Comitê de Ética da universidade responsável pela pesquisa.

O roteiro de perguntas contemplou questões relevantes para a compreensão do problema estudado: escolha das locações, intencionalidade das paisagens, contribuição do filme para o imaginário social de Minas Gerais enquanto um Estado hospitaleiro, comidas e bebidas destacadas nas narrativas, função das práticas de lazer que aparecem no filme, possível contribuição do longa-metragem para divulgar Minas Gerais, participação da população local e hospedagem da equipe técnica durante as filmagens, apoio da Minas Film Commission e acesso ao filme por parte de espectadores interessados em assisti-lo.

Os resultados de algumas informações colhidas junto aos diretores dos filmes foram priorizados neste artigo. As respostas foram articuladas com estudos teóricos, sendo interpretadas com o auxílio da análise de conteúdo. Laville & Dionne (1999Laville, C. & Dionne, J. A. (1999) construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciência humanas. Revisão técnica e adaptação da obra. Siman, L. M. (Org). Belo Horizonte: Editora UFMG. ) afirmam que a análise de conteúdo proporciona um processo de coleta das informações, bem como seu reagrupamento e interpretação, de forma a definir elementos coerentes com as categorias discutidas neste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este tópico apresenta os principais resultados da pesquisa realizada junto aos diretores de filmes apoiados pelo Programa Filme em Minas. Buscou-se compreender se essas obras audiovisuais contribuem, em alguma medida, para potencializar o turismo neste Estado, favorecendo a sinergia turismo-cinema.

Nesse sentido, foi indagado aos diretores dos filmes selecionados se os longas-metragens apoiados pelo Programa Filme em Minas buscaram promover as localidades mineiras filmadas. Sobre essa questão, os entrevistados foram unânimes ao afirmar que a escolha pelas locações estava diretamente relacionada com o roteiro de cada filme e com a ambiência da narrativa. Ou seja, não havia preocupação em divulgar as cidades mineiras que serviram de cenário para os roteiros, tampouco em promovê-las com o intuito de incentivar o turismo em Minas Gerais.

Os filmes que retratam épocas passadas precisavam passar a ideia de que as tramas ocorriam em Minas, mas, em decorrência das necessidades do próprio roteiro, como foi afirmado por alguns diretores. Segundo Elza Cataldo, diretora do filme Vinho de Rosas, este longa-metragem abordou o contexto da Inconfidência Mineira. Por isso, foram escolhidas locações impregnadas pela história, ou que apresentassem a atmosfera da época.

O diretor do filme O menino no espelho, Guilherme Fiúza, explica que o roteiro deste filme foi baseado no livro homônimo de Fernando Sabino. Embora a história fosse desenvolvida em Belo Horizonte, mas a capital mineira contemporânea não correspondia às características da década de 1930, sendo necessário recorrer a cidades do interior do Estado. Ele relata:

Procurávamos uma Belo Horizonte dos anos 30, nossa cidade sofreu uma descaraterização forte nos últimos 20 anos em função de uma especulação imobiliária insana. Por isto, procurar em cidades do interior de Minas que atendessem ao período abordado no filme. Além do fato que Cataguases já vinha ampliando o Polo Audiovisual da Zona da Mata. (Guilherme Fiúza, filme O menino no espelho)

Outro filme que também retrata o passado precisava contextualizar a história em Minas Gerais, por ser este o lócus da trama. Porém, neste caso, o diretor esclarece que isso fez parte de uma escolha particular, relacionada à sua própria história de vida.

A ideia inicial de filmar em Minas partiu de um pensamento absolutamente pessoal: por eu ser mineiro, gostava da ideia de rodar meu primeiro longa ali. Além disso, criava-se um ponto-de-vista original ou, pelo menos, pouco comum: a quase nunca visitada guerrilha urbana mineira. As condições favoráveis de produção obtidas fecharam a conta. No filme, há cenas passadas em Ouro Preto e em Congonhas, em meio aos profetas, ícones mineiros. E, ainda, o apocalíptico Conjunto JK de Belo Horizonte marca geograficamente o filme. (…) O filme se passa durante a ditadura. A intenção é sempre a de explicitar a opressão. As ruas de pedra de Ouro Preto, os profetas que vigiam, os prováveis olhos por trás das janelas fechadas. (Marcelo Santiago, Sonhos e desejos)

O documentário Estrada Real da Cachaça foi filmado majoritariamente no interior de Minas Gerais, e a opção por alguns municípios - todos devidamente identificados no filme por meio de legendas - se deve integralmente à relação desses contextos com o tema abordado. O diretor explica o seguinte:

Januária é um importante polo produtor e parte integrante do chamado caminho da Bahia, via colonial pouco explorada pelo turismo contemporâneo; Milho Verde, via do caminho para Diamantina, era uma das poucas localidades onde ainda se praticava o vissungo [cantigas de trabalho dos escravos] à época das filmagens, o uso de infusões de cachaça com animais peçonhentos e ervas medicinais também era comum na região à época; Morro Vermelho, localizada em região que servia às Estradas Reais, abrigava um ritual anual que relacionava cachaça e catolicismo; e Mariana possuía minas de ouro históricas preservadas e também a atualidade da mineração de minério de ferro e pedras preciosas. Jamais houve a preocupação de “passar a sensação de que boa parte do filme ocorria em MG”. O longa-metragem teve a maior parte de suas cenas filmadas em MG pela importância da região na extração aurífera e na produção e consumo de cachaça, que eram o objeto do filme. (...) As paisagens foram escolhidas em função da abordagem proposta - revelar a presença da cachaça na cultura brasileira e sua intersecção com a história colonial da região. (Pedro Urano, Estrada real da cachaça)

Questões logísticas, tais como as facilidades locais e a inserção da equipe, foram definidoras da locação do filme O cineasta. Assim, também não houve intenção de vincular a narrativa fílmica com a cidade retratada no filme.

A cidade de Caratinga era residência de boa parte da equipe técnica e elenco. Isso contribuiu para redução nos custos de produção. As locações externas são bem conhecidas do público regional. Os “mares de morros” talvez tenham contribuído para isso, mas não havia uma intenção objetiva em tornar a história totalmente atrelada à cidade ou ao Estado. (...) As paisagens serviram como ambiência da história ao revelarem a condição socioeconômica das personagens. Essa intenção era prevista no roteiro. (Leandro Martins, O cineasta)

Um dos diretores entrevistados esclarece que decidiu filmar no Serro por causa da beleza das locações dessa cidade colonial, situada no interior de Minas Gerais. Assim, pode-se dizer que a paisagem peculiar desta cidade histórica foi relevante para que a trama se desenrolasse ali.

Eu fiquei encantado com as locações do Serro e pelo fato dele ser muito pouco filmado. Diamantina, por exemplo, é uma cidade muito filmada, mas no Serro, poucas filmagens tinham acontecido lá. Resolvi situar a história no Serro porque eu acho que ele tem uma cenografia muito bonita, oferece pontos de vista muito bacanas e essa foi a razão da minha escolha, além do fato de que no Serro tinha acontecido uma parte importante dessa nossa história de busca por pedras preciosas e ouro, e muitas dessas histórias passavam por lá. Então nesse conjunto, resolvemos filmar essa história no Serro. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

Quanto ao filme Baronesa, a diretora esclarece que a proposta do filme partiu de uma casualidade decorrente de uma observação pessoal. Os nomes dos bairros indicados no transporte público de Belo Horizonte chamaram a atenção da diretora, pois, de alguma forma, eles diziam respeito a mulheres e a regiões periféricas da capital mineira.

Eu comecei a observação na Av. Augusto de Lima. Antes do Move, vários ônibus tinham nome de mulheres, aí parto para uma pesquisa e descubro que todos esses ônibus levavam para a periferia. (...) Daí começo minha pesquisa, de arquivo público, hemerotecas, paralelamente entrando nesses ônibus, conhecendo esses bairros (...). Já no terceiro ano do projeto, a gente chega no bairro Juliana, num salão de beleza que é limítrofe a uma ocupação urbana, que é a Vila Mariquinha, que fica entre os bairros Jaqueline e Juliana, em Venda Nova. E nesse salão, um dia, vejo a Andreia, que entra nesse salão. A gente troca um olhar e eu começo a correr atrás da Andreia por muito tempo. E ela topa fazer o filme, então a escolha veio a partir da pessoa. (Juliana Antunes, filme Baronesa)

Conforme evidenciado nos relatos anteriores, na visão dos diretores os filmes selecionados na pesquisa não tinham preocupação em divulgar as localidades de Minas Gerais onde as cenas foram rodadas. Não houve, assim, nenhum compromisso em divulgá-las visando potencializar o turismo neste Estado. Nesse sentido, é preciso redimensionar a sinergia entre o audiovisual e o turismo porque, de certa forma, ela corre o risco de ser tratada de uma forma superficial, idealizada e descontextualizada, sem possibilidades de gerar os impactos diretos e indiretos destacados na produção teórica sobre o tema. Portanto, são grandes os desafios para que esses impactos sejam efetivamente concretizados.

Um dos entrevistados foi enfático ao abordar essa questão:

Se eu estivesse fazendo um documentário institucional que me pedisse para fazer imagens de paisagens mineiras, seria outra coisa. As paisagens para mim, no filme, entram articuladas com a história, com o roteiro do filme. Quer dizer, você colocar de forma artificial paisagens no filme não funciona. Acho que o cenário num filme, seja um cenário construído ou já pré-existente, tem que entrar de uma forma orgânica no filme. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

O uso deliberado e, de certa forma, forçado e artificial de paisagens pode ser constatado em alguns longas-metragens de ficção dirigidos por Woody Allen para promover destinos europeus. Isso pode ser verificado nos filmes “Vicky, Cristina Barcelona”, “Meia noite em Paris”, “Para Roma com amor” e “Match point”, que se passa em Londres. Muitas das produções audiovisuais dirigidas por este cineasta foram filmadas em Nova Iorque, uma cidade pela qual ele nunca escondeu sua preferência e afeição. Porém, enquanto o cenário nova-iorquino foi escolhido e ambientado de forma orgânica em muitos filmes de Woody Allen, os roteiros dos filmes de ficção preparados para as quatro cidades europeias têm outras finalidades e características, relacionadas à promoção desses destinos. Esse tipo de empreendimento audiovisual pode ser vinculado ao marketing de destinos. No caso dos filmes do cineasta norte-americano, eles dão tanta evidência aos atrativos turísticos e a peculiaridades de Barcelona, Paris, Roma e Londres, que essas cidades parecem ser as próprias protagonistas das cinematografias.

Desse modo, a ênfase dada às quatro cidades europeias que servem de cenário para os filmes de Woody Allen supracitados é motivo de algumas críticas, sobretudo pelo fato de retratá-las de forma estereotipada e, por vezes, caricaturada, evidenciando desconhecimento da vida social e cultural própria desses contextos. Aersten (2011Aertsen, V. U. (2011). El cine como inductor del turismo. La experiencia turística en Vicky, Cristina, Barcelona. Razón y Palabra, 77, 1-24., p.20) comenta que a aproximação entre o espaço e os protagonistas desses filmes é tão superficial, descontextualizada e pouco relevante nas tramas, que eles poderiam ter sido filmados em qualquer cidade. “Los personajes simplemente están ahí, en el espacio, tomando fotos y observándolo minuciosamente, pero no se relacionan con él.”

Referindo-se à principal cidade histórica mineira escolhida para as filmagens, um dos diretores entrevistados comenta algo interessante sobre o distanciamento entre personagens e espaços filmados presente em algumas obras audiovisuais. Segundo ele:

Quando filmamos no Serro, várias daquelas imagens no filme, por exemplo, dos dois meninos lá no alto daquela escada onde temos a visão da cidade inteira ou mesmo de outros pontos de vista, isso tem que entrar de uma forma muito natural, e não com o objetivo de “vou mostrar paisagens”. Acho que isso não funciona. É legal quando a própria paisagem acaba sendo quase um personagem da história, a região onde está filmando. E acho que isso no filme é muito forte, porque tem ali todo um casario de uma cidade colonial, tem um entorno das montanhas da região, sendo que não filmamos só na cidade do Serro mas também em Milho Verde, na casa (...) que, inclusive, tem a Serra do Espinhaço ao fundo. (...) Nesse conjunto, quando há uma integração forte entre a história e o cenário em que ela está acontecendo, acho que aí potencializa mais e acaba gerando um interesse maior por aquele lugar, do que se fizesse um documentário sobre aquela cidade. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

As reflexões até aqui desenvolvidas indicam que os diretores dos filmes que foram analisados na presente pesquisa deixaram claro não haver preocupação ou compromisso com a divulgação dos lugares filmados em terras mineiras. No entanto, é interessante constatar que quase todos os diretores entrevistados responderam de forma afirmativa à pergunta se o filme contribuiu para divulgar Minas Gerais como um destino turístico.

Acredito que sim, uma vez que o filme mostra as diversas localidades de Ouro Preto, Congonhas e Belo Horizonte de forma atraente, seja pela subjetividade do olhar, seja pela plasticidade fotográfica. (Marcelo Santiago, Sonhos e desejos).

Sim, pois o filme ajuda a dar espessura existencial a elementos importantes da cultura mineira (como a cachaça), além de revelar paisagens caras ao imaginário mineiro. (Pedro Urano, Estrada real da cachaça)

Claro que sim! (...) Eu recebi na época muitas perguntas de gente de outros Estados sobre que lugar era aquele que havia filmado. Gente que não sabia do Serro, que é um lugar menos conhecido do que Ouro Preto, Tiradentes e Diamantina. Então eu acho que o cinema tem esse poder mesmo, como quando você vê filmes europeus e se interessa pelas paisagens ou aquelas cidades diferentes (...). Como eu disse antes, isso não deve acontecer de uma forma explícita: eu não quero vender o turismo no Serro, eu estou contando uma história que se passa no Serro. O interesse das pessoas vem muito forte quando você vê olhares bonitos sobre uma cidade, olhares atraentes e, no caso do filme, buscamos olhares super bonitos sobre a cidade. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

Espero que sim. Ao apontar a beleza das suas paisagens, a preservação das suas edificações e a importância da participação de Minas na história do Brasil. (Elza Cataldo, Vinho de rosas).

Sim, por mostrarmos uma cidade agradável e convidativa. (Guilherme Fiúza, O menino no espelho).

Na visão dos diretores entrevistados, portanto, a divulgação das localidades mineiras por meio dos filmes pode acabar, de fato, ocorrendo. No entanto, é necessário fazer uma ressalva sobre essa constatação: em nosso contexto, predomina uma visão de turismo na qual apenas os lugares centrais, privilegiados e considerados bonitos ou exóticos é que são qualificados como atraentes do ponto de vista turístico. Isso precisa ser repensado porque o turismo, enquanto um fenômeno complexo, é constituído por uma teia de inter-relações socioculturais. E, por sê-lo, se manifestam incontáveis possibilidades nos mais variados contextos, não abrangendo somente aqueles ambientes chancelados pelos princípios mercadológicos que regem a atividade turística.

Segundo Perinotto e Siqueira (2018Perinotto, A. R. C. & Siqueira, R. A. de. (2018). As novas tendências do marketing digital para o setor turístico. Turismo: Estudos & Práticas, 7(2), 186-215., p.5), o turismo precisa considerar “[...] as diversidades culturais, o sentimento de pertencimento e a valorização da história e cultura dos povos”. Esses aspectos sinalizam o potencial do turismo, nem sempre aproveitado, para promover a inclusão social à medida que é planejado e executado de forma consciente (Moraes, 2016Moraes, C. (2016). Turismo em favelas: notas etnográficas sobre um debate em curso. PLURAL, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, 23(2), 65-93.).

Uma das diretoras entrevistadas não considera, de forma alguma, que os locais do filme por ela roteirizado e dirigido possam constituir uma destinação turística. Ela esclarece: “Baronesa é uma ocupação urbana. As pessoas estão lutando pelo básico - direito à moradia. Nós gravamos na Vila Mariquinhas. Acho o turismo de favela uma prática criminosa” (Juliana Antunes, Baronesa).

Muitas controvérsias perpassam o chamado “turismo de favela”, sendo postulado como um tema polêmico e que instiga debates acadêmicos. No entender de Jafari (2005Jafari, J. (2005). El turismo como disciplina científica: the scientification of tourism. Política y Sociedad, 42(1), 39-56.), o turismo no contexto das “favelas” pode significar uma potente ferramenta sociopolítica. Para o autor, diversos atores sociais (de acadêmicos a empreendedores) demonstram interesse em compreender esta prática social, percebendo limites e possibilidades que contribuem para tecer reflexões atuais e futuras sobre o fenômeno. Essa visão, no entanto, ainda é controversa devido às efetivas contribuições que a prática do turismo em contextos de precariedade material pode gerar para as comunidades, e com as comunidades.

Outro aspecto a ser destacado nesta discussão está relacionado com os possíveis impactos positivos do turismo cinematográfico para as regiões de Minas Gerais que foram escolhidas como locações dos filmes. Nesse sentido, foi indagado aos diretores se eles ficaram hospedados nas cidades mineiras escolhidas para filmar os roteiros dos filmes por eles dirigidos. Foi também perguntado, a esses profissionais, se a equipe técnica e o elenco tiveram oportunidade de usufruir das experiências de lazer local.

As respostas foram positivas, indicando que, de fato, a infraestrutura de turismo local foi beneficiada, sobretudo considerando os meios de hospedagem disponíveis no local, e os estabelecimentos de alimentação, conforme evidenciado nos relatos a seguir.

Em cinema a gente trabalha seis dias e folga um, então, na folga, o pessoal ia para as cachoeiras em volta do Serro. Cachoeiras em Milho Verde, em São Gonçalo, e em outros distritos próximos. O pessoal gostou muito! (...) Fizemos um acordo com um restaurante que nos fornecia alimentação, a gente almoçava praticamente todos os dias lá, a não ser quando estava filmando em São Gonçalo ou em uma cachoeira. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

Nos hospedamos em todos os locais em que houveram filmagens: Ouro Preto, Januária, Morro Vermelho, Milho Verde, entre outros. Durante as folgas semanais, a equipe tinha a liberdade de fazer o que desejasse. Eventualmente, fazia-se turismo. (Pedro Urano, Estrada real da cachaça)

Ficamos hospedados próximos às locações durante todo o período de filmagem que foi ao todo de seis semanas. Durante este período, embora que uma carga de trabalho muito intensa, a equipe acaba sempre conseguindo desfrutar um pouco dos atrativos de lazer locais. (Elza Cataldo, Vinho de rosas)

A equipe se hospedou em Ouro Preto, por onde começamos as filmagens, e depois em Belo Horizonte. Na primeira cidade, ficamos por um período curto, mas os profissionais puderam conhecer um pouco da rede gastronômica local. Em BH ficamos um tempo maior e, portanto, todos puderam conhecer bem a cidade, embora tivéssemos apenas uma folga semanal. (Marcelo Santiago, Sonhos e desejos)

A infraestrutura turística necessária para apoiar os trabalhos, contudo, por vezes foi considerada insuficiente para atender à demanda decorrente das filmagens de forma adequada. Esse aspecto evidencia desafios pendentes para o avanço do turismo em Minas Gerais.

Tivemos sérios problemas para hospedar a equipe no Serro. Tínhamos uma equipe em torno de 60-70 pessoas (...), não havia pousadas suficientes e tivemos muitos problemas. (...) Nós tivemos que alugar várias casas para comportar a equipe. Então tivemos que nos valer de coisas assim, pois a cidade não tinha infraestrutura para receber bem as pessoas. Eram pousadas incômodas, sem tapete, sem cortina, só cerâmicas e portas, sem tecidos no chão que amortecessem os sons, falta de um certo conforto que se deve ter, quando se oferece essa hospitalidade. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

Outra pergunta feita aos diretores buscou verificar se a população local das cidades havia participado do processo de produção do filme de alguma maneira, seja como prestadores de serviços ou como figurantes, por exemplo. Todas as respostas foram positivas, evidenciando que este tipo de impacto direto de fato aconteceu nos locais onde os filmes foram rodados.

Segundo os entrevistados, a população foi demandada “especialmente no fornecimento de hospedagem e alimentação. A população local (...) está em cena na maior parte das sequências do filme” (Pedro Urano, Estrada real da cachaça). Os diretores Elza Cataldo (Vinho de rosas), Guilherme Fiúza (O menino no espelho) e Marcelo Santiago (Sonhos e desejos) também contaram com membros da população local para prestar serviços de alimentação e hospedagem, exercer funções técnicas e atuar como figurantes.

Conforme mencionado anteriormente, em geral esses processos são facilitados pelas Film Commissions, que têm entre suas atribuições, facilitar a produção e também o desenvolvimento do audiovisual nas regiões em que esses órgãos estão inseridos, ampliando a interação local. Geralmente, as Film Commissions são fundamentais para atrair produções audiovisuais para os locais em que atuam, seja prestando serviços de apoio à produção dos filmes, seja negociando com os órgãos públicos, no sentido de minimizar a burocracia governamental (Campos, Gomes & Fonseca, 2020Campos, J. L., Gomes, C. L. & Fonseca, J. L. (2020). Atuação das Film Commissions da Região Sudeste do Brasil: Interfaces com o Turismo Cinematográfico. Marketing & Tourism Review, 5(1).).

Apenas um dos entrevistados considera que a Film Commission de Minas Gerais contribuiu para equacionar as demandas da equipe no decorrer das filmagens. De acordo com Marcelo Santiago (Sonhos e desejos), a Minas Film Commission prestou apoios junto a restaurantes, hotéis e alguns fornecedores. “Embora eu não tenha participado diretamente das questões e acordos de produção, sei que tivemos a melhor acolhida possível, tanto em Belo Horizonte quanto em Ouro Preto.”

No entanto, vários diretores (dos filmes O cineasta, Baronesa, Vinho de Rosas, Estrada Real da cachaça e O menino no espelho, por exemplo) tiveram opinião diferente. Quando foram perguntados se a Minas Film Commission colaborou com as demandas do filme, sem contar o apoio financeiro concedido pelo Programa Filme em Minas, as respostas negativas predominaram.

Considerando o contexto de Minas Gerais, o diretor do filme O segredo dos diamantes faz uma ponderação sobre a Film Commission nesse Estado:

Na verdade, ainda não há uma film commission atuante, efetivamente, que te conceda todas as licenças necessárias, que faça o contato em relação à segurança, trânsito. Acaba que a gente faz esses contatos diretamente. A gente procura um Detran local, a polícia, por iniciativa e a gente está acostumado a fazer isso de forma profissional, por fazer cinema há mais de 30 anos, então estamos acostumados a esse tipo de coisa. Eu sinto que a gente precisa, de fato, fazer essas film commissions funcionarem, além de ser uma placa em uma sala, para ver que ações eles podem fazer no sentido de atrair mais filmagens para Minas Gerais - não só de projetos mineiros, mas de projetos de fora, na medida em que podem oferecer certas facilidades que atraiam as produções para cá. Eu acho que elas [Film commissions] são um projeto iniciante, mas que podem vir a ser efetivas. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

Apesar de Minas Gerais ter uma film commission, constata-se pelos relatos dos entrevistados que sua atuação é ainda modesta e até mesmo desconhecida por muitos diretores de cinema. Tendo em vista que a Minas Film Commission é de caráter estadual, sua atuação pode ser dificultada devido à grande extensão territorial do Estado. Uma film commission pode contribuir com esse processo quando auxilia os órgãos de cultura responsáveis pelo setor audiovisual (que muitas vezes financiam a produção de filmes), a se aproximar e a dialogar com as secretarias de turismo. Quando essa parceria envolve instituições formativas comprometidas com atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária, fica ainda mais interessante e promissora (Brasil, 2008; Campos, Gomes, Fonseca, 2020Campos, J. L., Gomes, C. L. & Fonseca, J. L. (2020). Atuação das Film Commissions da Região Sudeste do Brasil: Interfaces com o Turismo Cinematográfico. Marketing & Tourism Review, 5(1).).

Um dos diretores entrevistados enfatizou o potencial turístico de Minas Gerais:

(...) nós temos uma diversidade de cenários no interior de Minas que é impressionante, como cenários de montanhas, rios, vales, pequenas cidades rurais, amplas paisagens, cidades coloniais. Então Minas tem uma vocação enorme para isso. E a melhor forma de vender um Estado de forma atraente, para mim, é através do cinema pela sua possibilidade de ir para o mundo inteiro, pois qualquer filme pode circular em qualquer parte do mundo, em qualquer formato. Então acho que falta ao Estado de Minas acreditar nesse potencial e saber juntar essas coisas: turismo, cultura e cinema, principalmente. (Helvécio Ratton, O segredo dos diamantes)

Para finalizar esta discussão, reitera-se que a maioria dos cineastas entrevistados considera que os filmes por eles dirigidos não tinham como propósito contribuir com a potencialização do turismo em Minas Gerais, mas, para a maioria, indiretamente essa divulgação acaba ocorrendo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo investigou, junto aos diretores de filmes apoiados pelo Programa Filme em Minas, se as obras audiovisuais por eles dirigidas contribuem para potencializar o turismo neste Estado, favorecendo a sinergia turismo-cinema.

Seja considerando os impactos diretos ou indiretos do chamado turismo cinematográfico, a pesquisa evidenciou que essa sinergia não é simples de ser alcançada. Desse modo, nem sempre o turismo será fomentado simplesmente pelo fato de determinadas localidades aparecerem nas telas do cinema, embora isso seja algo relevante e possa, inquestionavelmente, acontecer. Esta é uma das contribuições teóricas e empíricas mais relevantes desta pesquisa.

As entrevistas com os diretores de cinema demonstram a ocorrência de impactos diretos na economia local em decorrência do trabalho de produção fílmica (demandas de serviços, entre outros, de hospedagem e de alimentação das equipes nos períodos em que permaneceram na região, geração de receitas e impostos). Cabe ressaltar, contudo, que alguns diretores comentaram que os serviços prestados localmente, em especial aqueles ligados ao setor de hospedagem, foram insuficientes ou estavam aquém das demandas das equipes de produção e elenco dos filmes.

Além disso, com apenas uma exceção, os cineastas entrevistados acreditam que os filmes por eles dirigidos e produzidos em terras mineiras contribuem para divulgar o Estado de Minas Gerais. Esse resultado indica possíveis impactos indiretos e/ ou intangíveis nos lugares filmados, como fruto do trabalho audiovisual realizado pelas equipes. A divulgação de diferentes paisagens mineiras pode despertar o interesse dos espectadores em conhecê-las pessoalmente devido às imagens visualizadas, apreciadas e assimiladas. Vale ressaltar que quando não for possível explicitar na própria narrativa os lugares filmados, é relevante identificá-los nos créditos finais, como foi feito nos filmes O cineasta e Vinho de rosas, por exemplo. O registro desta informação não compromete nem interfere no roteiro do filme.

Dada a sua complexidade, frequentemente os impactos indiretos e intangíveis do turismo cinematográfico se mostram de difícil concretização e verificação e, quase sempre, este assunto é abordado de maneira superficial e idealizada na literatura. Por essa razão, este artigo é uma contribuição para a produção teórica sobre o tema, com implicações práticas no que se refere à possível sinergia audiovisual-turismo em diferentes contextos.

Uma limitação deste estudo relaciona-se ao número reduzido de filmes analisados na pesquisa. Sugere-se que sejam realizadas outras investigações sobre diferentes aspectos do turismo cinematográfico que não foram aqui discutidos, tais como a percepção da população local, visitantes de locações, gestores públicos, empresários e profissionais do mercado acerca deste tema - considerando tanto o ponto de vista do turismo, como do audiovisual.

O cinema pode contribuir para a formação da imagem de um destino, retratando as mais diversas possibilidades de um determinado local. Para que a sinergia entre o turismo e o audiovisual de fato aconteça, algumas articulações entre esses dois setores podem e devem ser feitas por meio de um trabalho consistente junto aos envolvidos, que respeite as particularidades de cada um deles.

AGRADECIMENTOS

A pesquisa que gerou este artigo contou com o apoio do CNPq (Pesquisa de Produtividade da autora, processo n. 310932/2017-3). A equipe de pesquisa foi constituída pelos pesquisadores: João Lucas Campos, Jonas F. Carvalho, Joyce K. C. Pereira e Julia D. Cunha, a quem agradeço pelas relevantes contribuições à investigação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2021
  • Aceito
    12 Jan 2022
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