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Ioris, Rafael. Transforming Brazil: A History Of National Development In The Postwar Era. New York: Routledge, 2014. 270p.

IORIS, Rafael. Transforming Brazil:. A History of National Development in the Postwar Era. 2014. Routledge, New York: 270

Em setembro de 1957, Dorothy Del Ben Pedroso, uma jovem estudante de uma escola pública do interior de São Paulo, enviou uma carta ao Conselho de Desenvolvimento (CD). O presidente Juscelino Kubitschek tinha responsabilizado essa agência para implementar seu ambicioso Plano de Metas, e o CD tinha a reputação de ser uma instituição tecnocrática de alto nível, envolvida nos problemas de peso da política nacional. Mesmo enfrentando essas pesadas responsabilidades, os membros do CD encontraram tempo para ler as perguntas de Dorothy sobre a meta de aumentar a mecanização agrícola, conforme ela havia lido em material publicado a respeito dos planos de JK. O secretário geral do Conselho, Lucas Lopes, confidente pessoal de Kubitschek e político poderoso, leu a carta juntamente com outros quatro membros do CD. Esse detalhe sobre as operações internas da agência demonstra um dos grandes feitos de Rafael Ioris, em seu novo livro sobre o desenvolvimentismo durante o governo Kubitschek. Ioris descreve, detalhadamente, as origens do Plano de Metas e como o mesmo foi colocado em ação. Ele foca seu estudo nos debates encetados em torno da política e dos mecanismos de implementação do Plano até a história mais ampla de como o mesmo foi encampado por vários setores sociais.

A carta de Dorothy revela que debates sobre o desenvolvimento nacional mobilizaram, de forma bastante ampla, a sociedade brasileira dos anos 1950. Das elites políticas até os estudantes das áreas rurais, todo tipo de gente sabia algo sobre os objetivos de Kubitschek e sentia que era partícipe do processo de sua implementação. Ioris fornece narrativas claras e cativantes do avanço desses debates em seus vários níveis de abstração e influência. Ele cataloga as perspectivas e os argumentos apresentados em uma ampla diversidade de material impresso, difundido por grupos empresariais e formadores de opinião. Analisa as operações internas das agências federais, como demonstra a atenção dedicada à correspondência do CD; bem como discorre sobre os pontos de vista da classe trabalhadora, especialmente a empregada na indústria automobilística, a partir de jornais, tais como A Voz do Metalúrgico. Apesar do fato de que muitos grupos tenham participado ativamente da discussão em busca do desenvolvimento, Ioris sustenta que, naquele momento, “não existia uma definição consensual de desenvolvimento nacional.” (p. 6) A heterogeneidade de opiniões fornece mais uma razão para a necessidade de reconstrução desses debates e de determinar quais vozes reverberaram mais alto que as demais, durante o rápido desenvolvimento ocorrido ao longo do governo JK. Ao fazê-lo, Ioris também fornece uma alternativa para a visão reducionista que marca muitas das análises sobre essa época – a de que Kubitschek presidiu em um período de concórdia social e de apoio monolítico às suas políticas.

Uma das principais contribuições do autor encontra-se em seu argumento insistente de que o Conselho de Desenvolvimento não funcionava como um corpo tecnocrático transcendental, isolado das influências externas. O mais importante veículo de interlocução do CD, Ioris argumenta, residiu na comunidade de negócios. O Conselho mantinha uma relação clara e ampla com os interesses privados e, de fato, as metas do Plano implementadas foram precisamente aquelas em torno das quais ocorreram interações mais efetivas entre a agência e o capital privado. Além disso, os mais fortes defensores do Plano vieram de setores sociais que, mais provavelmente, negariam o conteúdo político de suas posições. Setores de média e alta renda, incluindo os líderes empresariais, defendiam uma abordagem “técnica” da política, que encontrava ressonância no estilo aparente de JK. Mas, mesmo que eles procurassem as obscurecer, essas abordagens eram certamente políticas e a tendência, por parte desses mesmos setores, de apoiar a governança tecnocrática contribuiu para estruturar as bases de apoio aos militares, quando esses tomaram o poder, em 1964.

Ioris expõe um argumento perspicaz sobre o contexto em que ocorreu a queda do regime democrático, em 1964. Primeiro, revela que houve uma crescente predileção por administradores supostamente não-políticos. Em segundo lugar, demonstra que a abordagem de JK acerca de um desenvolvimento consistentemente ideal, favorável aos negócios, acabou com a oportunidade de outros setores sociais contribuírem com a sua própria visão de desenvolvimento, principalmente a classe trabalhadora, que se encontrava em rápida expansão. A sua frustração crescente com esse modelo desenvolvimentista que não conseguia resolver as desigualdades regionais e de classe ajuda a explicar a polarização dos anos Goulart. Enquanto, por exemplo, o período JK assistiu um crescimento anual de 11% na produção industrial, os empregos industriais só aumentaram 3% no mesmo intervalo. Na mesma época, o desenvolvimento industrial concentrou-se, cada vez mais, em São Paulo e, em particular, na região do ABC.

Lendo os relatos de Ioris sobre os debates que se desenrolaram nas páginas daConjuntura Econômica, ou nos Cadernos do Nosso Tempo, ou, ainda, nos jornais dos metalúrgicos é impressionante a forma como a questão do desenvolvimento nacional estava difundida na cultura da época. Mesmo que os brasileiros não estivessem de acordo sobre o que deveria significar esse desenvolvimento, a maioria concordava que era isso que eles queriam. Ioris centra-se, principalmente, nos discursos dos políticos e dos intelectuais, mas oferece um amplo contexto para se compreender outros debates maiores. Por exemplo, a peça teatral “Eles Não Usam Black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, estreou em 1958, e apresenta o segmento de trabalhadores examinado pelo autor. No quinto capítulo de seu livro, Ioris caracteriza a emergente cultura de consumo, mas deixa para outros estudiosos explorarem, ainda mais, as conexões existentes nos debates sobre a cultura e o desenvolvimento.

Os seis capítulos do livro são divididos, nitidamente, em duas seções. A primeira descreve o contexto histórico para a elaboração e a implementação do Plano de Metas e a segunda examina as relações existentes entre três grupos distintos em relação ao Plano. Os três capítulos que constituem a primeira seção definem o cenário para a compreensão da história do pensamento desenvolvimentista no Brasil, explorando o contexto com o intuito de compreender os anos do pós-guerra. Ioris também situa o Brasil no contexto internacional, apontando onde a experiência nacional se encaixava num quadro mais amplo, particularmente no hemisfério. Por fim, nesta seção, explica como o Conselho de Desenvolvimento foi formado e como o mesmo funcionava. A segunda seção é composta de três capítulos finais, que avaliam, em sequência, os intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), os líderes empresariais (incluindo os executivos da influente empresa publicitária norte-americana, J. Walter Thompson) e os trabalhadores da indústria automobilística. Este livro, assentado em vigorosa pesquisa, nos oferece um rico retrato da trajetória do desenvolvimento nos anos JK e, certamente, servirá como uma referência valiosa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2015
  • Aceito
    5 Abr 2015
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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