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Animais e direitos: as fronteiras do humanismo e do sujeito em questão

Animals and rights: the frontiers of humanity and the subject in question

RESUMO

Através de diferentes áreas e percursos teóricos, alguns autores vinculados às Ciências Sociais refletem sobre as divisões que caracterizam a modernidade, tais como natureza e cultura, humano e não humano e humanidade e animalidade. Em diálogo com as reflexões promovidas por esses autores, a Antropologia brasileira conformou um novo campo de estudos intitulado “relações humano-animal”. A partir desse conjunto de discussões, o objetivo do artigo é analisar a mobilização dos defensores dos animais, perguntando sobre como o questionamento do exclusivismo humano acionado por esses atores ganha a forma de um projeto político. Para tanto, analisei o conteúdo de textos e palestras dos defensores que reivindicam a igualdade moral e jurídica entre humanos e animais. E foi possível observar que esses atores acionam os princípios do humanismo que sacralizam a vida humana para fazer dos animais seres implicados com a justiça e a moral.

PALAVRAS-CHAVE:
Humanismo; direito dos animais; sociologia e antropologia da moral; relações humano-animal

ABSTRACT

Through different areas and theoretical paths, some authors linked to Social Sciences reflect on the divisions that characterize modernity, such as nature and culture, human and non-human and humanity and animality. In dialogue with the reflections promoted by these authors, Brazilian Anthropology has shaped a new field of studies entitled “human-animal relations”. From this set of discussions, the objective of the article is to analyze the mobilization of animal advocates, asking how the questioning of human exclusivism triggered by these actors takes the form of a political project. To this end, I analyzed the content of texts and lectures by defenders who claim moral and legal equality between humans and animals. And it was possible to observe that these actors activate the principles of humanism that sanctify human life in order to make animals involved with justice and morals.

KEYWORDS:
Humanism; animal law; sociology and moral anthropology; human-animal relations

INTRODUÇÃO

Em 25 de Agosto de 2015, em Barueri, grande São Paulo, um caminhão carregado de porcos destinados ao abate tombou. Os animais ficaram cerca de 7 horas presos na carroceria até que o resgate fosse feito. Em razão do acidente, dezenas de animais morreram e outros ficaram feridos. Chamou atenção, para a discussão que se pretende aqui, que em poucas horas ativistas que defendem os animais chegaram ao local para ajudar na realização do resgate e acompanhar o que seria feito com os sobreviventes. Os ativistas também realizaram uma captação coletiva de recursos e conseguiram arrecadar no mesmo dia R$50.000, que ao longo da semana chegou ao valor de R$280.000. Além disso, conseguiram negociar com o frigorífico a liberação dos mais de 60 porcos sobreviventes, e então transportaram os animais para o chamado Santuário Terra dos Bichos, localizado em São Roque, SP. Por fim, com o dinheiro arrecadado financiaram tratamento veterinário para os animais feridos. Toda essa ação teve repercussão nacional, gerando comoção entre os ativistas presentes e entre as pessoas que acompanharam a “tragédia” e a “agonia dos animais” pelos meios de comunicação.

Situações críticas em favor dos animais como essa se tornaram comuns e ganham as páginas dos noticiários. Antes, esses acontecimentos ficavam restritos à divulgação e ação entre os próprios grupos que compartilham valores em favor dos “direitos dos animais”. Mas nos últimos anos, esses eventos passaram a adquirir repercussão pública entre aqueles que não se consideram “militantes” da causa. As ações em favor dos animais são entendidas pelos próprios atores que se consideram militantes como uma ação política, oriunda do fato objetivo de que humanos e animais possuem igualmente vidas que são um fim em si mesmo, e, portanto, não como um gesto individual de sensibilidade. Nesse sentido, as mobilizações diretas em favor dos animais ocorrem em conjunto e embasadas por outra forma de militância realizada no âmbito científico e filosófico.

A linha de ação em favor dos animais que será aqui discutida diz respeito à mobilização de professores/pesquisadores universitários e membros do Ministério Público, sendo estes homens e mulheres, que defendem o “abolicionismo animal” como ética a ser seguida e desenvolvida, e o “veganismo” como prática imprescindível para a “libertação animal” (Perrota, 2015PERROTA, Ana Paula. 2015. Humanidade estendida: a construção dos animais como sujeitos de direito. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Os termos “abolicionismo animal”, “veganismo” e “libertação animal” fazem parte do repertório desses atores e são constitutivos da especificidade dessa forma de mobilização política. Esses termos dão sentido a uma forma de luta que consiste em eliminar todas as atividades que fazem uso de animais, desde alimentos até vestuário e passando por produtos que foram testados em animais. No Brasil, desde os anos 2000, existe o que poderíamos chamar de uma “rede animalista” formada por esses atores e que são ligados a diferentes áreas do conhecimento, tais como direito, medicina veterinária, história, biologia e filosofia. Os atores que formam essa rede se dedicam à causa animal por meio de pesquisas realizadas e publicadas como livros, artigos, dissertações e teses; da promoção de congressos nacionais e internacionais realizados em diferentes regiões do país e por meio de ações públicas contra circos, rodeios, zoológicos, e etc. no âmbito do Direito. Essa rede se notabiliza então por fazer das atividades acadêmicas uma forma de construir, legitimar e levar à frente a luta pelo “direito dos animais”.

As apresentações em congressos e os livros e artigos publicados por essa rede possuem um conjunto de conteúdos comuns, mas que também encontra divergências, que visa garantir proteção aos animais, comprovando em termos científicos e filosóficos que o seu uso para fins humanos não é ético e, portanto, deve ser transformado. A ação desses atores é influenciada pelo chamado “moderno movimento de direito dos animais”, que é referenciado à publicação do livro do filósofo australiano Peter Singer, intitulado “A libertação Animal”, lançado em 1975, e também aos trabalhos dos filósofos americanos Tom Regan e Gary Francione. Considerando esses modos de ação política que identifiquei como “militantismo acadêmico” (Perrota, 2015PERROTA, Ana Paula. 2015. Humanidade estendida: a construção dos animais como sujeitos de direito. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.), o que está em jogo é um projeto político e epistemológico que visa a transformação ontológica dos animais, de modo que estes sejam, assim como os humanos, tidos como sujeitos de direitos.

Este artigo tratará, portanto, exclusivamente sobre a ação em favor dos animais empreendida pelos “militantes acadêmicos” no Brasil, e que serão aqui chamados também de “defensores dos animais1 1 Os dois termos não são utilizados pelos atores aqui discutidos como forma de auto-identificação, sendo portanto, uma terminologia adotada pelo autor. ”. A partir de então o objetivo proposto será o de compreender, a partir do conteúdo de seus textos e palestras, as bases da “cosmologia animalista” que servem de suporte às ações diretas desenvolvidas em favor dos animais, e também de justificativa para a reivindicação de que se efetive mudanças na moral e no direito no que diz respeito à relação entre humanos e não humanos. A importância em focalizar o projeto acadêmico e político em favor dos animais é justificada uma vez que traz luz ao modo como se dá, nessa situação política, a confusão entre os cânones epistemológicos que dão inteligibilidade ao que se entende por humano e animal; sujeito e objeto. E ao mesmo tempo permite compreender como os defensores buscam legitimar o que poderia ser tido como um projeto disparatado: reivindicar direitos para os animais.

A discussão sobre a defesa do direito dos animais, nos termos aqui propostos, tem como pano de fundo o questionamento das definições de humano e animal e do reconhecimento de quem tem ou não direitos. Atualmente, a problemática que envolve a noção de humanidade é alvo de investigação entre cientistas sociais que problematizam a conceitualização de humano e a separação radical com relação a outros viventes nas sociedades modernas. Esses autores pertencem a diferentes correntes teóricas e ainda que por caminhos distintos se notabilizam pelo desenvolvimento de novas perspectivas acerca da compreensão moderna dos limites do humano e do social, e, portanto, da separação entre natureza e cultura (Latour, 2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa. Salvador/Bauru: Edufba/Edusc.; Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar Vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes .; Descola, 1998DESCOLA, Philippe. 1998. “Estrutura ou Sentimento: A relação com o animal na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 4, n. 1: 23-45. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100002
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).

A partir do debate com esses autores, observa-se também na Antropologia brasileira o surgimento dos estudos chamados “relações humano-animal”. Tais estudos levam em consideração enquanto objeto de análise antropológica “mais entes, em um repovoamento para além do anthropos” (Segata et al., 2017SEGATA, Jean; LEWGOY; Bernardo; VANDER VELDEN, Felipe; BECILAQUA, Ciméa. 2017. “Apresentação Dossiê Antropologia e Animais”. Horizontes Antropológicos , ano 23, n. 48: 9-16. https://doi.org/10.1590/s0104-71832017000200001
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). Essa problemática já conforma o campo da Antropologia no Brasil e de acordo com os autores citados acima, mesmo sendo um campo recente, se expande a passos largos. Os antropólogos Jean Segata e Bernardo Lewgoy (2016SEGATA, Jean; LEWGOY, Bernardo. 2016. “Animals in anthropology”. Vibrant, v. 13, n. 2: 27-37. http://dx.doi.org/10.1590/1809-43412016v13n2p027
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) apontam que uma das características desse campo consiste no fato de que “os animais são reposicionados no debate antropológico” (p. 28). Em outras palavras, estes deixam de ser compreendidos como meros apêndices dos humanos e são levados ao primeiro plano nas etnografias. Como tais autores observam, essa transformação da posição dos animais permite que seja visualizado o modo como a vida de humanos e animais interagem e são co-produzidas.

A partir desses trabalhos, observa-se então um questionamento do exclusivismo humano (Sussekind, 2018SUSSEKIND, Felipe. 2018. “Sobre a vida multiespécie”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 69: 159-178. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901x.v0i69p159-178
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) enquanto objeto de estudo das Ciências Humanas e enquanto portador de características ou competências próprias. Nesse sentido, a distinção entre natureza e cultura vem sendo desestabilizada a partir de trabalhos teóricos e etnográficos que, como Donna Haraway discute em entrevista a Nicholas Gane (2010GANE, Nicholas; HARAWAY, Donna. 2010. “Se nós nunca fomos humanos, o que fazer?”. Ponto Urbe, n.6. https://doi.org/10.4000/pontourbe.1635
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), colocam em questão a nossa relacionalidade com o que não é humano. Desse modo, tendo em vista tanto as discussões mais amplas a respeito dos divisores que caracterizam a modernidade, quanto a emergência do campo de estudos sobre as relações humano-animal, o objetivo aqui proposto é compreender como os defensores reposicionam essa relação em termos filosófico, moral e político pela defesa dos animais como sujeitos de direitos. Nesse sentido, se por um lado alguns desses trabalhos realizam a “etnografia multiespécie”, caracterizada como uma metodologia que focaliza todos os organismos que têm suas vidas e mortes entrelaçadas com os seres humanos (Kirksey e Helmreich, 2010); a proposta aqui não será esta, mas trata-se de compreender como os defensores dos animais elaboram uma política multiespécie.

Acerca dessa proposta, os trabalhos de Tim Ingold (1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,, 1994bINGOLD, Tim. 1994b. “Humanity and Animality”. In INGOLD, Tim (ed.), Companion Encyclopedia of Anthropology, London, Routledge: pp.14-32.) que debatem sobre o modo como o pensamento ocidental reconhece o que é ou não humano constitui uma referência para essa discussão. Tais reflexões do autor nos ajudarão a questionar a ideia implícita na moral e na política moderna de que a humanidade seria algo de um tipo natural. Em diálogo com essa discussão, esse artigo pretende observar não somente como o pressuposto humano é colocado em questão pelos defensores dos animais, mas principalmente como a contraposição ao exclusivismo humano adquire a forma de um projeto intelectual com pretensões políticas. Nesse sentido, discutiremos que por parte dos defensores esse desafio não se trata apenas de uma questão epistemológica, mas consiste fundamentalmente num projeto político que visa transformar a moral e o direito no que se refere às normas e valores que orientam a relação entre humanos e animais.

A partir da análise da produção textual (teses, dissertações, livros, artigos científicos) dos chamados defensores dos animais, e da participação em Congressos organizados por esses atores, que será retomada da discussão de minha tese de doutorado, a principal questão deste artigo é compreender como esses agentes políticos fazem do “humanismo” uma “questão animal”, ao incorporar seus princípios para defender o valor da vida animal nos moldes da vida humana. Os defensores, em suas pesquisas e atividades intelectuais, têm o objetivo de estabelecer as bases de uma teoria ética e dos direitos dos animais, capaz de articular o dever moral em favor dos animais à institucionalização dessa compreensão através do direito. Nesse sentido, o que será discutido aqui é que os defensores recorrem à tradição dos direitos humanos, estendendo-a para os animais enquanto uma nova classe de seres a quem devemos considerar como “sujeitos de uma vida”. Cabe ainda ressaltar que não se trata aqui de equacionar o problema das Ciências Sociais diante da proliferação de estudos que atestam a consciência, vida social e inteligência entre determinadas espécies de animais. Mas de compreender como essa comensurabilidade é acionada enquanto um projeto político.

COMENSURABILIDADE MATERIAL E ESSENCIALISTA DE HUMANOS E ANIMAIS

A análise dos textos publicados pelos defensores, bem como do conteúdo das palestras ministradas em diferentes congressos, nos permite observar que a articulação intelectual desses atores consiste em estabelecer equivalências entre a vida humana e a vida animal. Por meio da afirmação enunciada pelos defensores2 2 O material empírico referente a atuação dos defensores dos animais e que será aqui analisado consiste, em sua maior parte, em publicações científicas. Nesse sentido, sempre apresentarei essas citações, identificando-as como tendo sido escrita pelos defensores a fim de que não sejam confundidas com a bibliografia utilizada para análise. de que os animais “são sencientes/conscientes, possuem interesses, interesse no seu bem-estar, na preservação da sua vida, liberdade, integridade física, são capazes de sentir dor física, sofrimento psicológico, depressão” (Lourenço e Oliveira, 2013LOURENÇO, Daniel Brag; OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza. 2013. “Reduzir animal a meio para propósitos humanos é intolerável”. Consultório Jurídico. Disponível em: <Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-nov-01/reduzir-animal-meio-propositos-humanos-intoleravel >. Acesso em 10 de janeiro de 2014.
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), estes atores buscam reconstruir o entendimento de que entre o humano e o animal existiriam barreiras intransponíveis. Para tanto, os defensores fazem uma crítica direta ao pensamento cartesiano que teria contribuído por legitimar em termos epistemológicos a exclusão dos animais da esfera de preocupação moral. Para ilustrar esse posicionamento utilizo uma citação do defensor Laerte Levai (2010LEVAI, Laerte. 2010. “Íntegra da petição e sentença sobre o uso cruel de cães”. Agência de Notícias de Direitos Animais. Disponível em: Disponível em: https://www.anda.jor.br/2010/08/integra-da-peticao-e-sentenca-sobre-o-uso-cruel-de-caes/ . Acesso em 29 de junho de 2012.
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), que explica que o filósofo René Descartes “justificava a exploração dos animais ao afirmar que eles seriam somente autômatos ou máquinas destituídas de sentimentos, incapazes, portanto, de experimentar sensações de dor e de prazer”.

Conforme a crítica dos defensores, o tratamento ao qual destinamos aos animais por meio do seu uso para a produção de alimentos, experimentação científica, entretenimento e etc, encontra sentido em uma “crise de valores” provocada pelo pensamento cartesiano. Essa matriz filosófica seria responsável por legitimar o tratamento conferido aos animais como objetos, e, portanto, para sua consideração como seres (a)morais (Perrota, 2015PERROTA, Ana Paula. 2015. Humanidade estendida: a construção dos animais como sujeitos de direito. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; 2016). A realização dessa discussão, tal como se apresenta no projeto político e intelectual dos defensores, condiz com o debate filosófico sobre a concepção de humano estabelecida na modernidade. Trata-se de afirmar então que os defensores se posicionam contra a “figura de humanidade” (Wolff, 2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .) que se impôs na Filosofia e na Ciência a partir do século XVII com o desenvolvimento do trabalho de René Descartes. Nesse sentido, o humano cujo qual se contrapõe aos animais e, ao mesmo tempo, que serve de modelo para os defensores não é um ser genérico e neutro. Ao contrário, os defensores se referem a uma determinada concepção de humano - enquanto ser pensante e racional - que emergiu do pensamento essencialista cartesiano, e que diferiria de maneira radical dos animais.

A articulação política em favor dos animais consiste, portanto, num debate sobre o que seriam as semelhanças e diferenças entre humanos e animais, mas que não é exclusivo dos defensores. Pelo contrário, esse debate diz respeito a um questionamento que acompanha a trajetória do pensamento filosófico ocidental, e que busca reconhecer a diferença entre humanidade e animalidade (Ingold, 1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,). Uma explicação dada a esse questionamento foi elaborada por Aristóteles, na Antiguidade, quando estabeleceu a definição de que o homem é um “animal racional”. De acordo com Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .), esta fórmula atravessou os séculos até a Idade Clássica, conferindo aos humanos uma essência e atribuindo a eles um lugar privilegiado no centro do mundo. No entanto, a resposta aristotélica deu lugar ao homem duplo de Descartes, que se constitui através da união entre o pensamento e o corpo. Fazendo do homem um ser pensante, o filósofo determinou a maneira em que este tem de ser mais do que apenas um corpo, e portanto, diferente do animal. O pensamento, capacidade exclusiva atribuída aos humanos, se constitui como uma essência única, necessária, universal e constante. Sobre o homem cartesiano, nas palavras de Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .: 158): “Há o que ele tem de específico, por um lado (o pensamento - ou a cultura, a História, etc.) e, por outro lado, o que nele pertence à esfera da natureza (o corpo - a vida).

Em oposição aos humanos, a natureza é pensada em si mesma como nada mais que um corpo. Tratando especificamente dos animais, estes não possuiriam o pensamento, e uma vez desprovidos de consciência seriam de um gênero ontológico radicalmente diferente do homem, pois não compartilhariam da mesma substância. Conforme essa tradição do pensamento, todo o resto dos viventes, além dos humanos, constitui-se de corpos suscetíveis apenas às leis do movimento. A vida desses seres não seria nada mais que “uma porção de matéria mecanicamente organizada” (Wolf, 2012: 224). E haveria ainda um posicionamento hierárquico dos seres, colocando os humanos abaixo de Deus e acima de todo o resto do mundo criado.

Essa discussão encontra diálogo com o trabalho de Tim Ingold (1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,), que afirma que os animais têm ocupado uma posição central na construção ocidental do conceito de “homem”, mas de uma maneira específica. De acordo com o autor, a concepção própria de animalidade se dá como uma deficiência de tudo aquilo que apenas os seres humanos possuem. A partir dessas explicações podemos compreender as bases do diálogo realizado pelos defensores. E ao mesmo tempo, através da ideia de “figura de humanidade” presente no trabalho de Francis Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .) é possível buscar uma compreensão de como esses atores repensam as ideias científicas e filosóficas sobre a humanidade para a redefinição política e moral dos animais e de sua relação com os humanos.

De acordo com Francis Wolff, entende-se por figura de humanidade “uma concepção filosófica da humanidade (uma resposta à pergunta: “O que é o homem?”), quer explícita, quer implícita, que se esteia em conhecimentos ou teorias científicas, quer do âmbito das Ciências Exatas, quer das Ciências Humanas, e na qual se baseiam regras, normas e valores” (2012: 10). O projeto político engendrado pelos defensores consiste em refutar a concepção filosófica da humanidade que emergiu do pensamento de Descartes. Esse pensamento se baseia em premissas que atribuem singularidade aos humanos ao conferir apenas a eles a condição de ser que pensa. Os defensores refutam essa perspectiva, identificando nos animais a competência primordial que assinala a diferença entre ambos: a capacidade de raciocinar (Perrota, 2016PERROTA, Ana Paula. 2016. ““Quem” ou o “que” sãos os animais? Um estudo sobre os defensores dos animais (re)definem sua natureza”. Iluminuras, v. 17, n. 42: 17-50.). A mobilização em favor dos animais, aqui discutida, repousa então sobre uma nova percepção ontológica da animalidade em que não haveria uma separação radical entre os viventes, pois os animais também realizariam operações mentais, e, portanto, possuiriam consciência. Tendo como base pesquisas empíricas realizadas, por exemplo, por primatólogos, etólogos, psicólogos e neurocientistas, os defensores sustentam a sua argumentação de que humanos e animais igualmente possuem racionalidade, e portanto, competências como a linguagem, o livre-arbítrio, vontades e etc. Segundo o defensor Heron Gordilho:

As ciências empíricas têm descoberto habilidades linguísticas nos grandes primatas que acabaram por ter significativas implicações na teoria moral, ao demonstrar que a doutrina tradicional que vê a espécie humana como seres ontologicamente distintos dos animais é fundamentalmente falsa e inconsistente. (2006: 61)

Em contraste com estudos e pesquisas científicas que assinalam comportamentos e capacidades tidas como exclusivas de seres humanos, um grupo de neurocientistas proclamou em 2012 que os humanos não são os únicos seres que possuem consciência. Conhecida como Declaração de Cambridge, o documento afirma o seguinte:

A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos.

Os termos dessa declaração comprovariam, com a legitimidade de tal instituição de ensino e pesquisa, o que os defensores já argumentavam através de outros estudos científicos. A partir de então, tornou-se recorrente o uso do conteúdo desta declaração nas palestras e produções textuais dos defensores dos animais para reforçar o argumento sobre a similaridade entre as operações mentais de humanos e animais. O conteúdo da Declaração de Cambridge faz parte de uma nova figura de humanidade, tal como é descrito por Francis Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .) e também discutida por outros pesquisadores, como veremos a seguir. De acordo com Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .) temos nos deparado desde as últimas décadas com outro conceito de humano oriundo do paradigma cognitivista, e que foi chamado de “homem neuronal”. Nesse paradigma, “o cérebro tornou-se um personagem central para a nossa definição de identidade pessoal, de sujeito” (Azize, 2011AZIZE, Rogerio Lopes. 2011. “O cérebro como órgão pessoal: uma antropologia de discursos neurocientíficos”. Trabalho, Educação e Saúde, v. 8 n. 3: 563-574. https://doi.org/10.1590/S1981-77462010000300014
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: 566). Essa “figura de humanidade” entra em choque com o pensamento cartesiano acerca do homem duplo, que confere singularidade aos humanos. Como explica Azize, a “centralidade do cérebro desfaz o dualismo ontológico” (2011: 570), na medida em que a explicação para o que somos deixa de ser metafísica e centra-se no estudo biológico do órgão. Segundo esta perspectiva, observamos o surgimento do “homem neuronal” como um ser da natureza, ou seja, como um animal do mesmo modo que os outros.

A igualdade entre humanos e os demais seres vivos é explicada a partir da perspectiva de que o cérebro, órgão que se constitui como elemento central para a definição do sujeito, não diz respeito “a cabeça, nem a mente ou a alma, mas o órgão físico ele mesmo” (Azize, 2011AZIZE, Rogerio Lopes. 2011. “O cérebro como órgão pessoal: uma antropologia de discursos neurocientíficos”. Trabalho, Educação e Saúde, v. 8 n. 3: 563-574. https://doi.org/10.1590/S1981-77462010000300014
https://doi.org/10.1590/S1981-7746201000...
: 564). Essa leitura naturalizante e materialista da espécie humana levou Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .) a afirmar que o “homem neuronal” consiste numa abordagem científica inédita, que pela primeira vez postula a inexistência de quaisquer propriedades que distinguiriam fundamentalmente os humanos de outros seres naturais. O surgimento dessa concepção de pessoa tem como efeito a exclusão ou negação da essência humana que assinalava a sua distância intransponível em relação aos animais. Tal leitura da mente humana assume que “as características básicas de seu funcionamento são as características básicas do funcionamento da natureza como um todo” (Russo e Ponciano, 2002RUSSO, Jane; PONCIANO, Ednal. 2002. “O sujeito da neurociência: da naturalização do homem ao re-encantamento da natureza”. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, v. 12, n.2:345-373. https://doi.org/10.1590/S0103-73312002000200009
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: 363). Desse modo, os cientistas vinculados ao paradigma cognitivista tratam o cérebro, pensamento e inteligência de humanos e animais como tendo uma diferença apenas de grau. E dessa perspectiva resulta a tese de que “o homem é (realmente) um animal como os outros” (Wolff, 2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .: 255).

Então, se o pensamento cartesiano postula uma descontinuidade radical entre os homens e os demais seres, as ciências cognitivistas entendem que entre o reino animal e o reino humano não repousa nenhuma especificidade radical ou essencial. Esse pensamento converge com a posição dos “gradualistas”, conforme foi discutido por Tim Ingold (1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,). De acordo com o antropólogo, esse grupo contesta o fato de que a condição humana seria um estado de existência aberto apenas aos membros da espécie humana e então negado a todos os animais. Assim como se dá entre os debates recentes acerca do “homem neuronal”, os gradualistas se posicionam contra a separação radical entre humanos e não humanos, nos alertando contra a subestimação da inteligência dos animais, e portanto, contra a perspectiva de que qualidades como a razão e a consciência seriam exclusivas dos humanos. Em diálogo com esse debate, a nova concepção sobre pessoa produzida no âmbito da neurociência retira o humano de sua posição privilegiada, de modo que o paradigma cognitivista consiste em um igualitarismo anti-hierárquico, como nos explica Russo e Ponciano:

É possível ver nesse movimento a radicalização de uma das características básicas do individualismo moderno: o igualitarismo, isto é, o achatamento das diferenças pela negação de qualquer hierarquia. A naturalização do humano/humanização da natureza nos parece ser claramente a exacerbação da postura antihierárquica e niveladora que caracteriza o universo de valores moderno. (2002: 365)

Essa abordagem contraria a visão de mundo ocidental que pensa a animalidade como o exato oposto da humanidade, pois faz desaparecer o que seriam as capacidades superiores dos humanos perante os animais. A mudança de concepção entre o homem pensante de Descartes e o homem neuronal não significa apenas a transformação de um paradigma filosófico e científico, mas traz consequências morais e políticas, pois tem a possibilidade de estabelecer novas regras, normas e valores que versam sobre a relação entre humanos e animais. A compreensão sobre essa nova teoria indica o surgimento de novos modos de construção de si, na medida em que “talvez seja possível falar que a naturalização do ser humano é correlata a uma espécie de humanização e, por que não dizer, encantamento da natureza” (Russo e Ponciano: 363).

Observamos então que a simetria entre humanos e animais assinalada pelo paradigma cognitivista é mobilizada politicamente pelos defensores dos animais. Nesse sentido, essa apropriação ocorre de forma diferente, pois os defensores a mobilizam tendo em vista um projeto político com pretensões normativas. Entretanto, como será discutido, permanece entre os defensores a perspectiva do dualismo ontológico, mas a partir de uma fronteira mais alargada capaz de fazer de humanos e animais viventes que pertencem à mesma qualidade de ser.

PREENCHENDO CORPOS VAZIOS: A ESSÊNCIA QUE DIGNIFICA O SUJEITO NEURONAL

Na modernidade, passamos a entender que a racionalidade garante a transcendência humana que existe a priori nos humanos. Essa questão presente na filosofia cartesiana foi elaborada e tratada por Emmanuel Kant como fundamento epistemológico e ético que tornou o Homem um fim em si mesmo. A ideia de essência faz referência a uma natureza humana dada e definitiva e os valores em torno do humano são respeitados e considerados como pré-existentes. A partir dessas ideias, o filósofo alemão é considerado responsável por sistematizar a “revolução cartesiana” (Douzinas, 2009DOUZINAS, Costas. 2009. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos.) e fazer do homem pensante a prerrogativa do sujeito. A filosofia crítica de Kant é considerada responsável pela virada subjetiva da modernidade, que tem como pressuposto filosófico o que seria a essência única do homem. Dentre as múltiplas transformações ocorridas nesse período, o século XVIII constituiu-se, portanto, por fazer da noção de pessoa enquanto agente autônomo uma entidade sagrada. E a crença na autonomia da razão do indivíduo “é o dogma do sistema de sacralidade desse individualismo” (Joas, 2012JOAS, Hans. 2012. A sacralidade da pessoa. Nova genealogia dos direitos humanos. São Paulo: Editora UNESP.: 82).

Como acrescenta Tim Ingold (1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,), essa prerrogativa do sujeito como único ser que pensa fez com que apenas os humanos fossem capazes de ir além da condição física da animalidade, alcançando a condição moral de pessoa. A modernidade é caracterizada então pela negação dogmática de formas não humanas de discernimento e, conforme afirma a filosofia kantiana, os humanos são constituídos como senhores da natureza, tendo nascido para ser o seu fim último (Ingold, 1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,). Nesse sentido, podemos afirmar que a perspectiva de que animais raciocinam não significa a atribuição de uma simples competência. Mas capacita-os no aspecto primordial que fez dos seres humanos mais do que corpos materiais, mas um gênero único e sacralizado, oriundo da combinação corpo-pensamento. Em razão dessa semelhança apontada, os animais emergem no discurso dos defensores não mais como vivos-vazios, ou seja, como seres que agem de forma automatizada (Perrota, 2015PERROTA, Ana Paula. 2015. Humanidade estendida: a construção dos animais como sujeitos de direito. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). E nem meramente como seres neuronais, mas como sujeitos morais. Isto significaria dizer que, assim como os humanos, os animais também são agentes autônomos que tomam decisões a partir da racionalidade e, por conseguinte, da consciência de si. E, no entendimento dos defensores, se estes critérios garantiram ao homem a sua transcendência, e, por conseguinte o estatuto de sujeito moral, deveriam garantir também aos animais.

A partir dessa imagem sobre humanidade e animalidade, poderíamos por um lado pressupor o rebaixamento dos seres humanos já que não haveria mais características que os diferenciariam substancialmente dos demais seres vivos. Mas o que vemos na articulação política dos defensores é que a identificação de consciência como uma competência também dos animais não perde de vista a questão metafísica e os preceitos Kantiano sobre a moralidade acerca da sacralidade humana. Portanto, ao invés do rebaixamento do humano, temos a elevação dos animais, pois estes ascendem ao status de ser pensante e racional e alcançariam, conforme os defensores, a condição moral de pessoa.

Entendendo as consequências políticas e morais que podem ser geradas por esta mudança das figuras de humanidade, os defensores dos animais dialogam diretamente com as noções do homem cartesiano e do homem neuronal para fazer valer as suas reivindicações por direitos, baseadas no que seria a reparação ontológica dos animais. Essa reparação consiste em questionar a “ruptura ontológica” (Schaeffer, 2007SCHAEFFER, Jean-Marie. 2007. La Fin de l’exception humaine. Paris: Éditions Gallimard.) que atesta a incomensurabilidade entre homens e os demais seres vivos, afirmando que animais e humanos pertenceriam à mesma modalidade de ser. Os defensores utilizam-se, por um lado, da figura do homem neuronal para desconstruir a perspectiva sobre a singularidade humana, mas por outro lado, recorrem ao essencialismo do homem cartesiano para reivindicar a excepcionalidade da vida animal nos moldes da vida humana. Essa perspectiva pode ser exemplificada na citação abaixo do defensor Tagore Trajano:

Homens e animais possuem características em comum, ainda que desenvolvidas em diferentes graus. Se entre homens e animais existe uma continuidade, sendo as diferenças entre eles apenas de grau e não de essência, nenhuma conceituação que se diga libertária pode estabelecer uma arbitrária hierarquização da vida. (2008: 260)

Por meio de estudos das ciências cognitivistas, os defensores se contrapõem à diferença radical assinalada pelo pensamento cartesiano. Mas essa contraposição não é absoluta, pois os defensores não deixam de argumentar em termos essencialistas. Portanto, defendem que humanos e animais compartilham da mesma substância que tornava o homem único entre os demais viventes e, desse modo, um fim em si mesmo. Os estudos provenientes dos trabalhos de neurocientistas não são entendidos pelos defensores como uma pesquisa apenas do cérebro orgânico, mas da mente enquanto realidade metafísica. Assim, ao afirmar que os animais também possuem racionalidade, os defensores estão ao mesmo tempo argumentando que “os animais possuem atributos que em regra são considerados como exclusivos da vida do espírito (mind )” (Gordilho, 2006GORDILHO, Heron. 2006. “Espírito animal e o fundamento moral do especismo”. Revista Brasileira de Direito Animal, a. 1. n.1: 37-65. http://dx.doi.org/10.9771/rbda.v1i1.10240
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: 62).

A transformação ontológica dos animais se faz, portanto, pela combinação entre as atividades mentais em termos orgânicos e a condição de ser pensante em termos metafísicos. Tais perspectivas que vêm de noções diferentes sobre a definição de pessoa são ajustadas pelos defensores para reivindicar que animais compartilham com os humanos não apenas de uma realidade biológica e material, mas também da condição moral de pessoa. A partir dessa combinação, que faz surgir animais com capacidades racionais, e, portanto, donos tanto de um corpo quanto de um espírito, os defensores proclamam que “a redução deste animal a meio para propósitos humanos, que traduz precisamente a coisificação da vida, não é tolerável” (Lourenço e Oliveira, 2012LOURENÇO, Daniel Brag; OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza. 2013. “Reduzir animal a meio para propósitos humanos é intolerável”. Consultório Jurídico. Disponível em: <Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-nov-01/reduzir-animal-meio-propositos-humanos-intoleravel >. Acesso em 10 de janeiro de 2014.
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).

Conforme a crítica dos defensores, que pode ser vista na citação a seguir, a noção de espírito teria levado às últimas consequências o processo de reificação dos animais, se constituindo como “a raiz da ética que legitima a discriminação baseada na espécie” (Gordilho, 2006GORDILHO, Heron. 2006. “Espírito animal e o fundamento moral do especismo”. Revista Brasileira de Direito Animal, a. 1. n.1: 37-65. http://dx.doi.org/10.9771/rbda.v1i1.10240
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: 47). Mas essa mesma noção cumpre agora o papel inverso: o de habilitar o animal à condição sacralizada de pessoa. Na perspectiva dos defensores, dizer que os animais “pensam”, que eles “querem”, “fazem escolhas” etc, nega sua condição de “vivo-vazio”, de “objeto”, de “máquina” ou de “autômato” (Perrota, 2015PERROTA, Ana Paula. 2015. Humanidade estendida: a construção dos animais como sujeitos de direito. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Portanto, não oferece a eles simplesmente similaridades biológicas com os humanos. Dizer que a vida animal se reproduz não por reflexo, mas pela consciência de si a torna valiosa e confere singularidade a cada ser da espécie, como afirma a defensora Sônia Felipe (2009aFELIPE, Sonia. 2009a. Fundamentação ética dos direitos animais. Agência de Notícias de Direitos Animais. Disponível em: Disponível em: https://www.anda.jor.br/2009/02/fundamentacao-etica-dos-direitos-animais/ . Acesso em 29 de junho de 2012.
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):

Animais têm uma percepção específica, uma inteligência específica, uma linguagem específica e uma racionalidade específica. Se todas essas faculdades são o que institui a liberdade e a autonomia, no caso humano, porque simplesmente nos negamos a reconhecê-las nos animais?

Através da combinação dessas duas figuras de humanidade, os defensores reconfiguram a oposição entre sujeito e objeto para além dos limites do que se entende a diferença entre humanidade e animalidade. E, além de preservar os pressupostos essencialistas de Descartes, aciona também os princípios humanistas a eles associados de modo a incluir os animais no ideal de bem comum. A combinação dessas ideias científicas e filosóficas constitui estratégia fundamental para legitimar a reivindicação de direitos aos animais.

O fato de que animais e humanos compartilham de uma interioridade comum justifica, na crítica dos defensores, que a fronteira do humanismo seja expandida para além da espécie humana. Conforme essa perspectiva, o erro apontado sobre a filosofia de René Descartes não está no essencialismo que separa os humanos de todos os demais viventes, mas na tese de que apenas estes são seres que possuem mais do que um corpo. A crítica dos defensores consiste em afirmar que, de forma equivocada, naturalizou-se uma diferença entre a humanidade e a animalidade que não se comprova na realidade. Acionando as capacidades mentais semelhantes entre humanos e animais, esses atores argumentam que a diferença entre esses seres não é natural, mas histórica e acima de tudo transformável. Ou melhor dizendo, consiste em uma diferença que deve ser reparada.

A tese da exceção humana baseada não no indivíduo como espécie biológica, mas no sujeito enquanto condição moral é mantida. Mas, tornando sacralizada a vida de humanos e animais. Falar do fim da exceção humana significa dizer que na configuração de mundo dos defensores humanos e animais compartilham de corpos diferentes, mas não totalmente uma vez que possuem capacidades cerebrais semelhantes. E essa semelhança seria suficiente para garantir a igualdade de condição moral, pois faz deles igualmente portadores de um espírito.

Como pontua Jean-Paul Sartre (2013SARTRE, Jean-Paul. 2013. O existencialismo é um humanismo. Petrópolis: Vozes .), em seu trabalho publicado pela primeira vez em 1945 e que já se tornou clássico, o humanismo atribui ao homem uma dignidade que é a única que não o transforma num objeto. Ao expandir o humanismo para abarcar os animais, pretende-se que estes também sejam tratados moralmente como sujeito e não como objeto. Tendo em vista a ação dos defensores dos animais, entendemos então que de maneira paradoxal o humanismo se torna menos humano (na medida em que inclui também os animais), mas ao mesmo tempo mais humanitário (na medida em que expande os seus princípios para outras classes de seres). O humanismo como conceito se desprende, portanto, do homem como espécie biológica e é apropriado pelos defensores como princípio moral para justificar a proteção dos animais. Essa discussão, que na Antropologia, por exemplo, investiga as bases morais em torno do humano, se torna na luta política dos defensores dos animais um fundamento normativo, tal como é possível observar na seguinte citação:

O que é razoável pensar, num caso, continua a ser razoável pensar, noutro, quando há semelhanças. Assim conclui Primatt: “Embora seja verdade que um homem não é um cavalo, ainda assim, dado que um cavalo é um sujeito afetado pelo preceito, isto é, capaz de ser beneficiado por ele, o dever aí implicado alcança o homem, e equivale à regra: na condição de homem, trata teu cavalo como desejarias que teu dono te tratasse, se fosses tu um cavalo. Não vejo absurdo algum nem falso raciocínio nesse preceito, nem qualquer consequência negativa que possa resultar disso, ainda que a barbárie dos costumes assim o considere.”. (Felipe, 2006FELIPE, Sonia. 2006. Fundamentação ética dos direitos animais. O legado de Humphry Primatt. Revista Brasileira de Direito Animal: Evolução, n. 1: 207-230.: 221)

Nesse sentido, a transformação ontológica dos animais não implica na transformação do dualismo ontológico que caracteriza a modernidade. Como o antropólogo Philippe Descola (1998DESCOLA, Philippe. 1998. “Estrutura ou Sentimento: A relação com o animal na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 4, n. 1: 23-45. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100002
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) já discutiu acerca dessa sensibilidade ecológica, o humanismo moderno é acionado como fundamento para reivindicar respeito aos animais, estendendo a uma nova classes seres os princípios jurídicos que regem as pessoas. Conforme a “ética animalista” elaborada pelos defensores tem como referencial o humano, podemos dizer que diferentemente do modo como os próprios defensores intitulam, esta mobilização política visa a elaboração de uma “ética humanista para os animais”. O humano, bem como, a qualificação moral de sua vida na modernidade são referências para (re)pensar a natureza da animalidade através da identificação de atributos comuns entre os seres. Trata-se de afirmar então que, por um lado, as dimensões em torno da natureza humana são problematizadas para desconstruir sua excepcionalidade ante outras formas de vida. Mas, por outro lado, essas dimensões são acentuadas e servem de princípio para a expansão da necessidade de proteção moral dos animais.

A partir dessas considerações, observamos um novo desdobramento acerca das noções de humanidade e animalidade na tradição do pensamento ocidental. Tendo como referência para essa discussão os trabalhos de Tim Ingold (1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,, 1994bINGOLD, Tim. 1994b. “Humanity and Animality”. In INGOLD, Tim (ed.), Companion Encyclopedia of Anthropology, London, Routledge: pp.14-32.), observa-se que esse novo desdobramento encontra tanto uma convergência quanto uma divergência. A convergência existe em torno da relacionalidade entre esses dois conceitos, assim como foi apontado por Ingold (1994aINGOLD, Tim. (org.) 1994a. What is an animal? London: Routledge,), ao afirmar que desde os clássicos até os dias de hoje as noções de humanidade determinaram e foram determinadas pelas ideias sobre os animais. E a divergência existe, pois diferentemente do que o autor apontou, que a construção de animalidade é construída como uma deficiência de tudo aquilo que apenas nós humanos supostamente temos, o que se observa no projeto filosófico, moral e político dos defensores é o inverso. Pois não se trata de contrastar ambas as concepções de humanos e animais para buscar as diferenças, ao contrário, trata-se de apontar as semelhanças. Então, se antes a animalidade era definida em comparação aos humanos pela soma das deficiências, atualmente, a concepção dos animais como sujeitos morais é definida pela soma das características similares aos humanos.

DIREITO DOS ANIMAIS

As reivindicações dos defensores acerca da ampliação dos limites filosóficos e morais da humanidade resultam também numa luta jurídica. A conquista de direitos aos animais consagraria institucionalmente a reabilitação de sua dignidade moral. Nesse sentido, os defensores consideram importante que as noções em torno da igualdade entre humanos e animais não se tornem apenas uma norma moral, mas também uma norma legal e, portanto, que se configure em direitos constitucionais. Embora nem todos os defensores falem em direitos, de maneira geral é entendido que esse domínio é fundamental. A partir do diálogo com os valores humanistas e devido à sua relação com o direito, a esfera jurídica também é convocada a se reacomodar a fim de garantir e proteger a vida dos animais como um fim em si mesmo.

Portanto, em interlocução com a transformação ontológica dos animais e com a percepção moral que decorreria dessa nova realidade, os defensores consideram que o direito deve igualmente ser transformado após o reconhecimento de que animais são um indivíduo com as características de um sujeito moral agente. Essa nova realidade dos animais, conforme discutido até aqui, legitimaria a procedência de direitos. E tornaria imprescindível o surgimento de regras e normas que garantissem salvaguardas jurídicas sobre a vida animal como forma de reparar as injustiças das quais seriam historicamente vítimas. Essa questão pode ser observada na citação abaixo da defensora Sônia Felipe:

Quando um direito é dado por líquido e certo, isso significa que uma longa trajetória de violação, exploração, dano, dor, sofrimento e agonia está chegando ao fim. A instituição do direito cessa a liberdade que se julgava natural, portanto, sem custos, de se fazer com aquele sujeito o que se vinha fazendo até então. Assim foram instituídos os direitos humanos. Não será diferente com a instituição de direitos animais e de ecossistemas naturais (Felipe, 2009bFELIPE, Sonia. 2009b. “Por que os direitos nos obrigam?” Agência de Notícias de Direitos Animais. Disponível em: <Disponível em: http://www.anda.jor.br/20/03/2009/por-que-os-direitos-nos-obrigam >. Acesso em 30 de outubro de 2011.
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).

A reivindicação de que animais sejam protegidos como sujeitos de direitos poderia, em um primeiro momento, parecer absurda se naturalizássemos os ideais humanistas que fizeram das palavras homem, espécie humana e humanidade sinônimos irredutíveis3 3 Poderia ser absurda por outros motivos. Cf. FERRY, Luc e VINCENT, Jean-Didier (2011) . Mas proponho levar a sério o modo como se dá a luta política em favor dos animais, considerando, como já foi dito, que esse tema permite discutirmos sobre noções relativas à definição de humanidade, de direito e de valores. Além disso, a repercussão que essa temática adquiriu fez com que alguns pesquisadores, como o antropólogo Philippe Descola (2010DESCOLA, Philippe. 2010. “À Chacun ses animaux”. In: BIRNBAUM, Jean. (dir.). Qui sont les animaux, Paris, Éditions Gallimard, pp.164-181.), afirmassem que a questão dos direitos dos animais é sem dúvidas crucial e tem se mostrado como um dos grandes desafios políticos do século XXI. Nesse mesmo sentido, o jurista Costas Douzinas (2011) afirma que o movimento pelos direitos dos animais fincou firmemente a diferenciação jurídica entre humano e animal na agenda política. Segundo o autor, e em conformidade com o que estamos discutindo, importantes questões filosóficas e ontológicas estão envolvidas aqui, que incidem principalmente sobre a ideia de humanidade.

Nesse caso, não é novidade nas Ciências Sociais, como já afirmava Marcel Mauss no começo do século passado, que a maneira como a noção de ser humano se entrelaça com o direito e a moral não é natural e nem uma ideia bem definida. Diferentemente, como afirmou Marcel Mauss (2003MAUSS, Marcel. 2003. Sociologia e Antropologia. São Paulo, Cosac Naify.), em seu estudo clássico sobre a categoria “pessoa”, trata-se de uma ideia que lentamente surgiu e cresceu ao longo dos séculos. E tendo como referência o trabalho do antropólogo, entendemos que os seres humanos criam um conceito a seu respeito, que varia ao longo dos séculos e das diferentes sociedades. Em complementaridade a essa discussão, podemos compreender, nas palavras de Michel Serres (2015SERRES, Michel. 2015. Narrativas do humanismo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.), que o humanismo consiste, portanto, numa palavra abstrata que evoca a ideia de um homem universal que não existe. Do mesmo modo, o direito, e mais especificamente os direitos humanos, não têm uma realidade autoevidente, mas é tido como a maior invenção política e jurídica da filosofia e da jurisprudência modernas (Douzinas, 2009DOUZINAS, Costas. 2009. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos.). Os valores associados ao sentido moral e jurídico do humano bem como do direito que a ele pertence são, portanto, um processo histórico e de modo algum algo já dado.

Observamos que se o conceito moral de pessoa e a definição de direitos humanos não existem a priori, os defensores vão atrás dessas aberturas, recolocando a pergunta sobre que entidades são as legítimas detentoras de direitos? Essa mesma pergunta, ainda no que diz respeito aos próprios seres humanos, não é inédita. A história dos direitos humanos é acompanhada pela extensão de direitos a novos reivindicantes, que em seu início não foram contemplados. Nesse caso, é possível compreender a humanidade como uma categoria elástica que pode ser distendida e contraída. Tanto é, como afirma Douzinas, que o reconhecimento jurídico raramente acompanhou a compreensão moderna da humanidade. De acordo com o autor, na Idade Média “porcos, ratos, sanguessugas e insetos eram acusados de vários delitos e formalmente intimados aos tribunais, julgados com toda a pompa do devido processo e absolvidos ou condenados e punidos” (Douzinas, 2009DOUZINAS, Costas. 2009. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos.: 194). E em contraposição, escravos humanos foram colocados para fora da fronteira da humanidade ao longo da história e até recentemente, sendo, portanto, excluídos da proteção dos direitos humanos.

A respeito dessa discussão que envolve questões jurídicas em torno das noções de humanos e animais, e entre pessoas e coisas, a antropóloga Ciméa Bevilaqua (2011BEVILAQUA, Ciméa Barbato. 2011. “Chimpanzés em juízo: pessoas, coisas e diferenças”. Horizontes Antropológicos, ano 17, n. 35: 65-102. https://doi.org/10.1590/S0104-71832011000100003
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) abordou um tema específico, referente ao pedido de habeas corpus em favor de chimpanzés. A antropóloga analisou os processos judiciais em torno desses pedidos e ressaltou justamente a ambiguidade das formas de existência definidas pela oposição jurídica entre pessoas e coisas e que cercam os próprios seres humanos. De acordo com a autora, os pedidos de habeas corpus em favor de chimpanzés desafiam a longa tradição doutrinária que separa humanos e animais, e a partir dos casos analisados, observou que algumas categorias jurídicas tidas como óbvias são então questionadas e os advogados se encontram “relativamente livres para explorar um amplo leque de argumentos, nem sempre mutuamente coerentes, para sustentar demandas em relação às quais nem a lei nem a jurisprudência ofereciam aos tribunais uma orientação segura” (Bevilaqua, 2011BEVILAQUA, Ciméa Barbato. 2011. “Chimpanzés em juízo: pessoas, coisas e diferenças”. Horizontes Antropológicos, ano 17, n. 35: 65-102. https://doi.org/10.1590/S0104-71832011000100003
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: 77).

Considerando esse caminho aberto em torno da fabricação jurídica de pessoas e coisas, os defensores pretendem que a teoria do direito dos animais seja capaz de romper com o que identificam como sendo mais uma barreira que limita a extensão do ideal dos direitos humanos. Essa perspectiva sobre a conquista de novos direitos é discutida pelos defensores que afirmam que se em outros momentos o reconhecimento de que todos os humanos têm direito a igual proteção foi limitado por critérios racistas e machistas (em referência à mobilização política por igualdade de mulheres e negros), essa limitação ocorreria agora por critérios “especistas”. Segundo essa perspectiva, o “outro” que precisa ser incluído na proteção jurídica deixa de ser pensado apenas como “outro” humano e passa a ser pensado também como sendo “os animais”. Essa reflexão é feita pelos próprios defensores ao analisarem a conjuntura em torno da defesa de direitos:

Estamos agora no limiar de mais uma vaga de ampliação do círculo daqueles considerados titulares de direitos. Antes os estrangeiros, as crianças, as mulheres, os escravos, os negros, os índios. A época contemporânea conhece a reivindicação pelos direitos dos animais, pelos direitos da natureza. Estende-se, em mais um capítulo da história, o universo dos sujeitos de direito. É a passagem da filosofia, da ética animal e ecológica para o campo jurídico. E o portal já vem sendo passado. A Constituição do Equador e, na Bolívia, a Lei da Mãe Terra já cruzaram a fronteira. A própria Carta Magna boliviana convida a ver os animais como sujeitos e não objetos. Na Suíça, Áustria e Alemanha já se sabe, pela redação legal explícita, ao menos, que animais não são coisas. Em paralelo, interpretações de textos legais tomam a direção da afirmação da existência de sujeitos de direito para mais dos seres humanos. (Oliveira, 2013OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de. 2013. “Especismo religioso. Direitos da natureza e direitos dos animais, um enquadramento”. Revista do Instituto de Direito Brasileiro (RIDB), ano 2, n. 10: 11325-11370.: 11361)

A busca por respostas sobre onde começa a humanidade e onde termina não é simples, como podemos observar a partir da própria institucionalização do ideal dos direitos humanos. Entretanto, se a definição das fronteiras da humanidade tem sido um projeto instável, as noções morais que deram origem aos direitos humanos se tornaram incontestáveis e o principal ideal contra as violações da vida humana e a favor da garantia fundamental do valor absoluto do sujeito. Ao conferir humanidade aos animais, os defensores se apropriam do triunfo4 4 Ressalta-se que as ideias acerca do triunfo dos direitos humanos são pensadas como vitoriosas enquanto um princípio moral. Entretanto, considerando as situações de vida, essas ideias são instáveis inclusive para os seres humanos. Essa questão foi discutida em trabalho anterior (Perrota, 2015). dos ideais dos direitos humanos, e caracterizam esse movimento político como uma questão primordial ligada à ética da vida (Levai, 2010LEVAI, Laerte. 2010. “Íntegra da petição e sentença sobre o uso cruel de cães”. Agência de Notícias de Direitos Animais. Disponível em: Disponível em: https://www.anda.jor.br/2010/08/integra-da-peticao-e-sentenca-sobre-o-uso-cruel-de-caes/ . Acesso em 29 de junho de 2012.
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). Esse referencial consiste num aspecto central da luta em favor dos animais, dando nome a uma das terminologias pelas quais essa forma de ação política é conhecida: Movimento de direito dos animais. Observa-se então que do mesmo modo que os defensores pretendem incluir os animais no ideário humanista, pretende-se também que eles desfrutem de direitos por compartilharem do aspecto que confere humanidade aos humanos: o pensamento.

Os termos da reivindicação de direito dos animais se constitui a partir dos mesmos parâmetros dos direitos humanos. Trata-se de uma norma jurídica que visa assegurar a libertação contra a opressão e a dominação de humanos e animais, e assim garantir a emancipação e a autorrealização dos seres. A utilização dos direitos humanos como referencial na luta em favor dos animais pode ser observada através da proclamação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, em 1978, pela UNESCO, em Bruxelas. A observação comparativa com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, nos leva a perceber que a premissa central entre as duas diz respeito ao reconhecimento da dignidade intrínseca a todos os indivíduos. Os caminhos para atender a esses direitos, bem como os caminhos que os violariam são diferentes para humanos e animais e assim tratados nas duas declarações. Mas as questões em torno da liberdade, autorrealização e valor da vida fazem parte do ideal comum e são tidas como objetivo último do tratamento que deve ser destinado a humanos e animais5 5 É importante enfatizar que para humanos e animais, tais definições não são igualmente simples e nem óbvias. E nesse sentido, é possível citar um exemplo que ilustra essa complexidade, que é o artigo 7 da Declaração Universal dos Direitos dos Animais.Esse artigo versa sobre como devem ser as condições de vida de animais que trabalham. Em contraposição a esses princípios, que prevêem que animais de trabalho, em certas circunstâncias, podem ter uma vida digna, a perspectiva aqui discutida (abolicionista e em favor da libertação animal), considera que qualquer forma de utilização dos animais por parte dos seres humanos não é considerada ética. .

Para a concretização da proteção jurídica dos animais, nos termos reivindicados pelos defensores, o direito precisa se recompor em termos de valor e se colocar através de leis a serviço de novas práticas. O novo valor em jogo deve considerar de maneira irrestrita que as ações contra a vida dos animais sejam tidas como práticas criminosas. E as novas práticas exigem que abandonemos todas as atividades que, segundo suas concepções, violam a vida dos animais. Os defensores sabem que esta não é uma transformação fácil, pois entendem que o reconhecimento desse novo animal torna imprescindível outra concepção do direito, de maneira que este deixe de ser “influenciado por uma visão antropocêntrica que exclui os animais da esfera de consideração moral humana” (Trajano, 2007TRAJANO, Tagore. 2007. “Direito animal e os paradigmas de Thomas Kuhn: Reforma ou revolução científica na teoria do direito?”. Revista Brasileira de Direito Animal , v. 2, n.3: 239-269. http://dx.doi.org/10.9771/rbda.v2i3.10365
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: 245).

No entanto, pensar sobre como o direito trata os animais é mais complexo do que a dualidade estanque entre pessoas e coisas. Quando consideramos as diferentes categorias de animais: de produção, de pesquisa, doméstico, selvagem, e a forma como cada uma é representada juridicamente, observamos diferentes matizes dessa fronteira. Como discuti em um trabalho anterior (Perrota, 2015PERROTA, Ana Paula. 2015. Humanidade estendida: a construção dos animais como sujeitos de direito. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.), um exemplo da existência plural dos animais no sistema jurídico pode ser abordado a partir de um acontecimento noticiado em 2009 na cidade de São Paulo. Na ocasião, a polícia identificou um abatedouro que produzia carne de cachorro para ser vendida em restaurantes que atendem fundamentalmente a comunidade coreana que vive na cidade, e que, em seu país, essa prática é admitida legalmente. O abatedouro foi interditado e os responsáveis presos pela polícia civil. Os crimes cometidos, segundo o delegado Anderson Pires Giampaoli, foram os de maus-tratos, relação de consumo e formação de quadrilha. Importa-nos aqui refletir sobre a questão dos maus-tratos. Nas palavras do delegado, em entrevista à TV UOL, concedida em 12 de novembro de 2009, o evento foi considerado da seguinte maneira: “Sob o manto dessa cultura que eles lá têm, querem aqui no nosso país praticar esse tipo de crueldade contra os nossos animais e consumir esse tipo de carne”.

A questão pertinente a ser dita nesse caso é que o direito protege cachorros de serem abatidos para a produção de carne através da legislação que criminaliza a crueldade cometida contra animais domésticos, mas não protege animais de produção: bois, porcos e frangos, por exemplo. Os cachorros, como o caso demonstra, são vítimas do abate. Diferentemente dos animais de produção, que são abatidos diariamente para nosso consumo sem a consideração de que essa prática seja considerada um “tipo de crueldade”. Observa-se então que a crítica feita pelos defensores é que essas leis conseguem no máximo, e de maneira instável, colocar animais no limiar da divisão entre pessoas e coisas. Instável, pois nessa situação citada foi possível visualizar a utilização da legislação brasileira para a proteção dos cachorros abatidos para a produção de alimentos. Entretanto, em outros casos essa mesma espécie animal poderia ser morta sem que se configurasse como maus-tratos. Por exemplo, cachorros que são utilizados em experimentos científicos e sofrem manipulações em seus corpos das mais diversas formas, sendo “sacrificados” no final do experimento como procedimento padrão. Esses casos podem ser considerados contrastantes, pois consistem em situações em que a vida do mesmo animal oscila entre ser protegida juridicamente da morte ou não. Por essa perspectiva, os defensores reivindicam um deslocamento do lugar dos animais no mundo do direito. E se considerarmos analiticamente os dois polos, o de pessoas e o de coisas, trata-se de trazer os animais para o mundo das pessoas e, por conseguinte, cobrir-lhes com os direitos correspondentes a essa forma de existência moral e jurídica. Não se trata de afirmar então que os animais não são representados e protegidos pelo direito, mas de dizer que a maneira como são tratados não garante a eles, segundo a reivindicação dos defensores, a sua plena existência e dignidade. Em se tratando desse novo lugar, espera-se em termos práticos que os animais recebam cuidado, atenção e proteção dos humanos. Para tanto, o direito deve adquirir uma abrangência mais ampla, a fim de se tornar uma instituição social destinada à representação igualitária de humanos e animais. Nas palavras dos defensores, o direito dos animais consiste então na adição de “novos valores morais, como o respeito a todas as formas de vida, que devem ser absorvidos no novo processo de significação jurídica” (Trajano, 2008TRAJANO, Tagore. 2008. “Direito Animal e hermenêutica jurídica da mudança: a inserção da linguagem dos movimentos sociais em um novo significado jurídico”. Revista Brasileiro de Direito Animal, ano 3, n. 4: 247-264. http://dx.doi.org/10.9771/rbda.v3i4.10468
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: 252). Trata-se de corrigir o direito, fazendo dele um elemento de unificação entre as espécies.

Essas questões já refletem na esfera jurídica por meio de transformações no Código Civil de diferentes países acerca da natureza jurídica dos animais. Ainda que em termos diferentes do que é postulado pelos defensores, países como Equador, Índia, Suíça, Alemanha, Áustria e França promoveram mudanças em seus Códigos, alterando a forma de reconhecimento jurídico dos animais. Essas alterações rompem com o estatuto animal que o reconhece como coisa e que os confere apenas valor econômico e de mercado. No Brasil, está em tramitação desde 2015 o Projeto de Lei do Senado n° 351, de 2015, que prevê uma alteração no Código Civil para determinar que os animais não serão considerados coisas.

A respeito de tais mudanças, não se pode afirmar que os novos Códigos promoveram ou teriam a capacidade promover transformações substanciais, principalmente no que diz respeito às pretensões políticas dos defensores aqui discutidos. Mas ao mesmo tempo não podemos negar que esse debate traz implicações sobre as diferentes atividades que fazem uso de animais. A regulação do emprego de animais como cobaias, ou como fonte de matéria prima para a indústria alimentícia, por exemplo, passa a incorporar preocupações de ordem ética a respeito das condições de vida e morte desses animais. A respeito dessa questão, é possível citar como exemplo a Instrução Normativa n. 56, de 6 de novembro de 2008, que estabelece os procedimentos gerais para boas práticas de bem-estar para animais de produção e de interesse econômico. E a Resolução Normativa n.12 de 20 de setembro de 2013 que estabelece práticas para o cuidado e utilização de animais para fins científicos e didáticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A menção ao acidente envolvendo os porcos na introdução desse artigo descreve uma tensão sobre a responsabilidade moral que nós (os humanos) temos com relação a eles (os animais) e que tem a ver com as concepções de humanidade e animalidade reivindicada pelos defensores dos animais. A repercussão do caso foi mobilizada para ilustrar essa situação crítica enquanto um fenômeno social caracterizado por um novo modo de entendimento sobre humanos, animais e sobre a maneira como os defensores pressionam que deveria ser constituída tal relação, não somente em termos práticos, mas fundamentalmente em termos filosófico, moral e jurídico. A temática colocada por essa forma de ação política pode ser inserida no debate presente atualmente nas Ciências Sociais que propõe o questionamento sobre a ruptura entre sujeito e objeto e, por conseguinte, sobre o paradigma representacional e simbólico no que diz respeito aos animais. A atuação dos defensores no campo acadêmico dialoga diretamente com essa discussão, mas entendo que a partir de outros termos, pois mais do que uma preocupação epistemológica, esses agentes fazem da questão animal uma luta política por justiça e direitos.

A reivindicação de que animais sejam incluídos no âmbito da esfera humanitária, tanto no que diz respeito à proteção moral quanto jurídica, permite observarmos um projeto político que relativiza o entendimento que possuímos sobre o que é o humano e o que é o animal. Sem pretender encerrar qualquer debate, o meu objetivo aqui foi o de compreender como os defensores acionam os saberes científicos e filosóficos para tornar humanos e animais equivalentes no plano moral e jurídico. A noção de figura de humanidade de Francis Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .) teve um papel importante nessa discussão. A perspectiva do autor de que existem concepções filosóficas diferentes de humanidade que se aliam a um projeto científico e a uma moral nos serviu de orientação para compreender o caminho percorrido pelos defensores em sua busca por transformar a realidade ontológica dos animais. Como vimos, em seus esforços por constituir uma teoria ética e do direito dos animais, os defensores dialogam com a perspectiva essencialista de Descartes que pensa o humano como um ser duplo constituído pela conjunção entre o corpo e o espírito; e com o paradigma cognitivista que realiza um estudo materialista do cérebro, considerando que entre humanos e animais existe uma diferença apenas de grau.

Em termos políticos, os defensores acionam a igualdade postulada pelas pesquisas relacionadas às neurociências, mas herdam os pressupostos cartesianos que fazem dos homens mais do que um corpo. A identificação de capacidades mentais semelhantes entre humanos e animais é incorporada como argumento que confere legitimidade à crítica de que é intolerável, em qualquer situação, tratar os animais como objetos. Se o pensamento cartesiano, como explica Francis Wolff (2012WOLFF, Francis. 2012. Nossa humanidade. De Aristóteles às neurociências. São Paulo: Editora UNESP .), reduziu a natureza a uma matéria homogênea e fez dessa forma de vida nada mais que uma porção de matéria mecanicamente organizada, para os defensores, o paradigma cognitivista confere aos animais o algo a mais que fez com que humanos fosse mais do que uma matéria bruta. Para que a identificação de capacidades mentais nos animais preencha seus corpos com esse espírito, os defensores recorrem à terceira natureza do pensamento cartesiano, que se torna existente através da união entre corpo e alma.

Conclui-se então que a maneira como os defensores colocam em questão o paradigma moderno não o subverte inteiramente. As fronteiras marcadas pela dualidade entre sujeito e objeto, pessoa e coisa são mantidas, ainda que de maneira alargada a fim de incluir os animais na mesma condição moral de pessoa que os humanos. A respeito desse aspecto, observamos que a transformação ontológica dos animais segue os pressupostos humanistas e os princípios jurídicos que regem as pessoas. Nesse sentido, como já foi discutido por Philippe Descola (1998DESCOLA, Philippe. 1998. “Estrutura ou Sentimento: A relação com o animal na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 4, n. 1: 23-45. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100002
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), tal preocupação com os animais protege as espécies percebidas como as mais próximas dos homens, e, portanto, não coloca em causa de maneira fundamental a separação moderna entre natureza e cultura. Portanto, os defensores não desfazem o dualismo ontológico que caracteriza a modernidade, pois é através da ideia de essência que buscam tornar lógica a extensão de ideais humanitários aos animais. Nesse sentido, o que está em jogo para os defensores não é a essência humana, mas o exclusivismo humano que faz dessa espécie a única portadora de tal qualidade.

Entretanto, as posições hierárquicas entre os seres do mundo e que dão aos humanos um lugar privilegiado já que seriam os únicos seres pensantes são abaladas, desafiando mesmo que indiretamente a humanidade moderna. Conforme os animais se tornam também um outro a quem devemos considerar moralmente, as mobilizações políticas dos defensores, nos termos aqui propostos, tensionam a liberdade humana moderna, que reivindicou para si poderes ilimitados no que diz respeito às possibilidades de interferência sobre o planeta, e no que diz respeito à sua liberdade frente quaisquer determinações naturais.

Ao menos os animais, ou melhor dizendo, aos menos os animais considerados mais próximos dos humanos por compartilharem faculdades comuns, tal como reivindica os defensores, são deslocados de sua posição reificada e de sua condição de objeto de experimentação e controle, através da sua consideração como sujeitos de direitos. Retomando o acidente mencionado no início do capítulo, observamos então que esse deslocamento coloca em questão a legitimidade da criação dos porcos para o abate, o tratamento destinado aos animais acidentados, e o futuro dos animais que se mantiveram vivos. E exige uma transformação do modo como as sociedades modernas convencionaram a tratar os animais. Portanto, a atribuição aos animais de faculdades tidas como exclusivamente humanas promove um choque, que, de acordo com a perspectiva dos defensores, exige o comprometimento direto com um novo rearranjo moral e político e que aponta para um caminho específico e bem delimitado em que humanos e animais sejam igualmente considerados sujeitos de direitos.

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  • 1
    Os dois termos não são utilizados pelos atores aqui discutidos como forma de auto-identificação, sendo portanto, uma terminologia adotada pelo autor.
  • 2
    O material empírico referente a atuação dos defensores dos animais e que será aqui analisado consiste, em sua maior parte, em publicações científicas. Nesse sentido, sempre apresentarei essas citações, identificando-as como tendo sido escrita pelos defensores a fim de que não sejam confundidas com a bibliografia utilizada para análise.
  • 3
    Poderia ser absurda por outros motivos. Cf. FERRY, Luc e VINCENT, Jean-Didier (2011FERRY, Luc; VINCENT, Jean-Didier. 2011. O que é o ser humano? Sobre os princípios fundamentais da filosofia e da biologia. Petrópolis: Vozes.)
  • 4
    Ressalta-se que as ideias acerca do triunfo dos direitos humanos são pensadas como vitoriosas enquanto um princípio moral. Entretanto, considerando as situações de vida, essas ideias são instáveis inclusive para os seres humanos. Essa questão foi discutida em trabalho anterior (Perrota, 2015PERROTA, Ana Paula. 2015. Humanidade estendida: a construção dos animais como sujeitos de direito. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).
  • 5
    É importante enfatizar que para humanos e animais, tais definições não são igualmente simples e nem óbvias. E nesse sentido, é possível citar um exemplo que ilustra essa complexidade, que é o artigo 7 da Declaração Universal dos Direitos dos Animais.Esse artigo versa sobre como devem ser as condições de vida de animais que trabalham. Em contraposição a esses princípios, que prevêem que animais de trabalho, em certas circunstâncias, podem ter uma vida digna, a perspectiva aqui discutida (abolicionista e em favor da libertação animal), considera que qualquer forma de utilização dos animais por parte dos seres humanos não é considerada ética.
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    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2019
  • Aceito
    24 Fev 2021
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