Acessibilidade / Reportar erro

A antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial: dissonâncias, assonâncias e ressonâncias

Anthropology of the senses and sensory ethnography: dissonances, assonances and resonances

RESUMO

Nesse trabalho procuramos situar as relações entre a antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial observando as dissonâncias, assonâncias e ressonâncias presentes em seus escopos teórico-metodológicas. Apresentamos algumas perspectivas e fontes contemporâneas desta relação, notadamente as reflexões propostas a partir da antropologia interpretativa de Geertz (1989GEERTZ, Clifford. 1989. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Ed. LTC.), aquelas dos autores do “Seminário de Santa Fé” (1984), da antropologia dos sentidos proposta por Howes; Synnott; Classen, (1994) e da antropologia modal de Laplantine (2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.). Nossa discussão também está ancorada na contribuição de Ingold (2000INGOLD, Tim. 2000. The Perception Of The Environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge .; 1008; 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
; 2012INGOLD, Tim. 2012. “Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 25-44. https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201200...
) e de Pink (2006PINK, Sarah. 2006. The Future Of Visual Anthropology: Engaging the senses. Londres: Routledge; 2008; 2011PINK, Sarah. 2011. “What is sensory ethnography?” [Streaming video]. SAGE Research Methods: 2011. Disponível em: Disponível em: http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography . Acesso em 10 de janeiro de 2018.
http://methods.sagepub.com/video/what-is...
; 2017). Desta maneira, por meio da síntese que esses autores fazem do debate a respeito da natureza reflexiva da etnografia.

PALAVRAS-CHAVE:
Antropologia; sentidos; etnografia sensorial; fenomenologia; interpretação

ABSTRACT

In this work we try to situate the relations between the anthropology of the senses and the sensory ethnography, observing the dissonances, assonances and resonances present in their theoretical and methodological scopes. We present some contemporary perspectives and sources of this relationship, notably the reflections proposed from Geertz’s interpretive anthropology (1989GEERTZ, Clifford. 1989. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Ed. LTC.), those of the authors of the “Santa Fé Seminar” (1984), of the anthropology of the senses proposed by Howes; Synnott; Classen, (1994) and Laplantine’s modal anthropology (2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.). Our discussion is also anchored in the contribution of Ingold (2000INGOLD, Tim. 2000. The Perception Of The Environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge .; 1008; 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
; 2012INGOLD, Tim. 2012. “Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 25-44. https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201200...
) and Pink (2006PINK, Sarah. 2006. The Future Of Visual Anthropology: Engaging the senses. Londres: Routledge; 2008; 2011PINK, Sarah. 2011. “What is sensory ethnography?” [Streaming video]. SAGE Research Methods: 2011. Disponível em: Disponível em: http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography . Acesso em 10 de janeiro de 2018.
http://methods.sagepub.com/video/what-is...
; 2017). In this way, through the synthesis that these authors make of the debate about the reflective nature of ethnography.

KEYWORDS:
Anthropology; senses; sensorial ethnography; phenomenology; interpretation

INTRODUÇÃO

Pretendemos neste artigo situar as relações entre a antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial no âmbito do processo de construção do conhecimento no campo antropológico e etnográfico. Desta maneira, buscaremos oferecer algumas perspectivas e fontes contemporâneas desta relação, especialmente as reflexões propostas pela antropologia interpretativa de Geertz (1989GEERTZ, Clifford. 1989. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Ed. LTC.), por aquelas dos autores do “Seminário de Santa Fé” (1984), pela antropologia dos sentidos proposta por Howes; Synnott; Classen, (1994CLASSEN, Constance; HOWES, David; SYNNOTT, Anthony. 1994. Aroma: The cultural history of smell. London: Routledge .) e pela “antropologia modal” de Laplantine (2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.). Nossa discussão também está ancorada na contribuição de Ingold (2000INGOLD, Tim. 2000. The Perception Of The Environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge .; 2008INGOLD, Tim. 2008. “Pare, Olhe, Escute! Visão, Audição e Movimento Humano”. Ponto Urbe [Online], v. 3: 1-53. https://doi.org/10.4000/pontourbe.1925
https://doi.org/10.4000/pontourbe.1925...
; 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
; 2012INGOLD, Tim. 2012. “Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 25-44. https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201200...
) e de Pink (2006PINK, Sarah. 2006. The Future Of Visual Anthropology: Engaging the senses. Londres: Routledge; 2008; 2011PINK, Sarah. 2011. “What is sensory ethnography?” [Streaming video]. SAGE Research Methods: 2011. Disponível em: Disponível em: http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography . Acesso em 10 de janeiro de 2018.
http://methods.sagepub.com/video/what-is...
; 2017) sobre os processos etnográficos construídos no campo de pesquisa. Desta maneira, procuraremos colocar em evidência, por meio da interpretação que nos propomos fazer do pensamento desses autores, o debate a respeito da natureza reflexiva da etnografia.

Nesse processo procuraremos colocar em evidência dissonâncias e assonâncias entre etnografia sensorial e antropologia dos sentidos, sem deixar de considerar que as duas perspectivas, bem como outras que mencionarei, possuem uma herança comum que ecoa a tradição das ciências de espírito (Geisteswissenschaftliche), particularmente o debate, iniciado por Dilthey (2010DILTHEY, Wilhelm. 2010. Introdução às ciências humanas - tentativa de uma fundamentação para o estudo da sociedade e da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária.) e que repercute paradigmaticamente no pensamento de Simmel (1983SIMMEL, Georg. 1983. “Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal”. In MORAIS FILHO, Evaristo de (Org.). Georg Simmel: sociologia. São Paulo: Ática., 2006SIMMEL, Georg. 2006. Questões fundamentais da sociologia. Rio de Janeiro: Zahar.) e de Weber (2009WEBER, Max. 2009. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UNB.), a respeito da diferença entre explicação e compreensão, que constituiriam processos gnosiológicos distintos, apropriados, o primeiro deles, para a análise de objetos naturais e, o segundo, de objetos culturais. Essa herança comum que mencionamos refere-se, dentro do vasto panorama metodológico do paradigma da compreensão, a uma disposição em validar a sensorialidade como dispositivo de acesso à vivência da vida cotidiana - disposição essa que se faria presente nos diversos autores e perspectivas que discutimos neste artigo, consideradas as dissonâncias, assonâncias e ressonâncias entre eles que referimos no título do trabalho. Compreendemos por assonâncias essa repetição dos mesmos referenciais semânticos, com sentidos semelhantes ou próximos, construídos a partir de reflexões teóricas sobre o mundo da vida, sem que, os outros que contribuem para essa assonância precisem referirem-se ou mesmo lerem-se entre eles. Com o termo ressonâncias, compreendo quando perspectivas e referenciais semânticos ressoam em outros trabalhos - a partir de leituras entre autores-pesquisadores que corroboram por geram e reverberar a construção de um novo pensamento a partir do que foi apreendido.

Por fim, por meio do termo dissonâncias, explicitamos as divergências semânticas presente nas tomadas de posturas do pesquisador e, portanto, nas interpretações.1 1 Assonância é uma figura de som que indica a repetição de um som vocálico em uma frase; dissonâncias são os desacordos de som, sem harmonia, sem possibilidade de um entendimento melódico; e ressonâncias, seria o ressoar, no nosso caso, de uma ideia, de uma teoria ou de uma perspectiva. Trago essas categorias para falar dos sentidos de um termo e das harmonias e desarmonias, assonâncias e dissonâncias que ressoam ou não, nos trabalhos dos autores que, acreditamos, contribuem, seja para a antropologia dos sentidos, seja para a etnografia sensorial. Retornando à diferença e à complementariedade entre as perspectivas da antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial, compreendemos que ambas, no horizonte das heranças intelectuais referidas, partem da compreensão de que os sentidos se tornaram um objeto por inteiro, e legítimo, do interesse antropológico. De acordo com Pink o foco nos sentidos se tornou um tema chave na antropologia contemporânea (Pink, 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
: 331). Ela sugere, igualmente, que esse foco pode ser entendido de duas maneiras: nos termos de uma antropologia dos sentidos e nos termos de uma etnografia sensorial. Uma antropologia dos sentidos equivaleria a uma investigação de base empírica sobre os sentidos. Já uma etnografia sensorial implicaria num aporte, à disciplina, da contribuição dada pelas teorias da percepção sensorial (Pink, 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
: 331).

A perspectiva de uma antropologia dos sentidos começou a se consolidar em 1988, por meio da fundação do Centre for Sensory Studies, vinculado à Universidade de Concordia, em Montreal, Canadá. O centro foi criado por iniciativa do sociólogo Anthony Synnott e do antropólogo David Howes que, em 1988, receberam financiamento do Social Sciences and Humanities Research Council of Canada (SSHRC) para desenvolver um projeto de pesquisa intitulado The Varieties of Sensory Experience. Nos anos seguintes o Centre for Sensory Studies expandiu rapidamente, agregando vários outros pesquisadores, notadamente a historiadora Constance Classen, que se destacou por seu trabalho no campo da história cultural dos sentidos. Essa expansão acabou gerando um programa de colaboração interdisciplinar entre pesquisadores da universidade de Concordia, o Concordia Sensorial Research Team (CONSERT). Esse grupo recebeu importante financiamento da indústria de perfumes, no começo dos anos 1990, para desenvolver o estudo sobre os sentidos culturais do olfato e dos odores, o qual deu origem ao livro “Aroma: The Cultural History of Smell (Howes; Synnott; Classen, 1994) e levou à organização do seminário Uncommon Senses: An International Conference on the Senses in Art and Culture, realizada em abril de 2000 e que reuniu cerca de 300 pesquisadores que, de alguma forma, começaram a se filiar à perspectiva da antropologia dos sentidos.

Um segundo seminário internacional, realizado em fevereiro de 2005 e intitulado Sensory Collections and Display, expandiu e consolidou essa rede de cooperação. Agregaram-se à perspectiva do Centre for Sensory Studies pesquisadores de diversas áreas, como Bianca Grohmann, da comunicação, e Chris Salter, da área do design.

Sem buscar uma relação exaustiva, refiro alguns dos trabalhos que foram desenvolvidos a partir da experiência do Centre for Sensory Studies e da antropologia dos sentidos. Num plano estritamente ligado à etnografia, citamos os trabalhos de Amato (2001AMATO, Joseph A. 2001. Dust: A history of the small and the Invisible. Berkeley, California: University of California Press.), sobre odores; de Degen (2012DEGEN, Monica. 2012. “The Everyday city of the sense”. In: PADDISON, Ronan; MCCANN, Eugene. (eds.) Cities and Social Change, London: Sag, pp.92-112.), sobre sensibilidades urbanas; de Geurts (2002GEURTS, Kathryn Linn. 2002. Culture and the Senses: Bodily ways of knowing in an African community. Berkeley, California: University of California Press.), sobre sentidos corporais numa comunidade africana; de Hahn (2007HAHN, Tomie. 2007. Sensational Knowledge: Embodying Culture through Japanese Dance. Wesleyan University Press.) sobre danças japonesas; de Henshaw (2013HENSHAW, Victoria. 2013. Urban Smellscapes: Understanding and designing urban smell environments. Nova York: Routledge), sobre odores no espaço urbano; de Rhys-Taylor (2010RHYS-TAYLOR, Alex. 2017. Coming to our Senses: A Multi-sensory Ethnography of Class and Multiculture in East London. Londres, Tese de doutorado, Universidade de Londres. Disponível em: Disponível em: http://eprints.gold.ac.uk/3226/1/SOC_thesis_Rhys-Taylor_2011.pdf . Consultada em 20/11/2017.
http://eprints.gold.ac.uk/3226/1/SOC_the...
), sobre sensibilidades de diferentes classes sociais no leste de Londres; de Spencer (2012SPENCER, Dale C. 2012. Ultimate Fighting and Embodiment. London: Routledge .), sobre sensibilidades em artes marciais e de Jackson (2004JACKSON, Phil. 2004. Inside Clubbing: Sensual experiments in the art of being human. Oxford: Berg .), sobre sensualidade num clube de encontros sexuais. Já num plano da reflexão teórico-metodológica da antropologia dos sentidos poderíamos citar os trabalhos de Bull; Gilroy; Howes; Kahn (2006BULL, Michael; GILROY, Paul; HOWES, David; KAHN, Douglas. “Introducing sensory studies”. In: The Senses and Society, v. 1, n. 1: 5-7.); Hinton; Howes; Kirmayer (2008HINTON, Davon E.; HOWES, David; KIRMAYER, Laurence J. 2008. Medical anthropology of sensations. In Transcultural Psychiatry, 45 (2) special issue.); Hsu (2008HSU, Elisabeth. 2008. “The senses and the social”. Ethnos, v. 73, n. 4: 433-443. https://doi.org/10.1080/00141840802563907
https://doi.org/10.1080/0014184080256390...
); Rivlin; Gravelle (1985RIVLIN, Robert; GRAVELLE, Karen. 1985. Deciphering the Senses: The Expanding World of Human Perception. New York: Simon and Schuster.); Roeder (1994ROEDER, George H. 1994. “Coming to Our Senses”. The Journal of American History, v. 81: 1112-1122. https://doi.org/10.2307/2081453
https://doi.org/10.2307/2081453...
) e Jay (2012JAY, Martin. 2012. “In the realm of the senses: an introduction”. The American Historical Review, v. 116, n. 2: 307-315. https://doi.org/10.1086/ahr.116.2.307
https://doi.org/10.1086/ahr.116.2.307...
).

Junto com eles, é interessante observar, também, os trabalhos desenvolvidos pelos três pesquisadores mais associados à elaboração dos modelos da antropologia dos sentidos: Howes (1991HOWES, David. 1991. The varieties of sensory experience: A Sourcebook in the Anthropology of the Senses, Toronto: University of Toronto Press.; 2003HOWES, David. 2003. Sensual relations: engaging the senses in culture and social theory. Ann Arbor: University of Michigan Press.; 2005HOWES, David. (ed.) 2005. Empire of the Senses: The sensual culture reader. Oxford: Berg.; 2006HOWES, David. 2006. “Charting the sensorial revolution”. InThe Senses and Society , v. 1, n.1: 113-28.; 2008HOWES, David. 2008. “Can these dry bones live? An anthropological approach to the history of the senses”. Journal of American History, v. 95, n. 2: 442-51. https://doi.org/10.2307/25095629
https://doi.org/10.2307/25095629...
; 2009HOWES, David. (ed.) 2009. The Sixth Sense Reader. Oxford: Berg .; 2012HOWES, David. 2012. “Re-visualizing anthropology through the lens of the Ethnographer’s Eye”. In: HEYWOOD, Ian; SANDYWELL, Barry (eds.) The handbook of visual culture. Oxford: Berg .); Classen (1990CLASSEN, Constance. 1990. “Sweet colors, fragrant songs: sensory models of the Andes and the Amazon”. American Ethnologist, v. 17, n. 4: 722-735. https://doi.org/10.1525/ae.1990.17.4.02a00070
https://doi.org/10.1525/ae.1990.17.4.02a...
; 1993CLASSEN, Constance. 1993. Worlds of Sense: Exploring the senses in history and across cultures. London: Routledge.; 1997CLASSEN, Constance. 1997. “Foundations for an anthropology of the senses”. International Social Science Journal, 153: 401-12. https://doi.org/10.1111/j.1468-2451.1997.tb00032.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2451.1997...
; 1998CLASSEN, Constance. 1998. The Color of Angels: Cosmology, gender and the aesthetic imagination. London: Routledge .; 2001CLASSEN, Constance. 2001. “The senses”. In: STEARNS, Peter. (ed.), Encyclopedia of European social history, vol. IV. Nova York: Charles Scribner’s Sons, pp.356-357.; 2005CLASSEN, Constance. 2005. The Book of Touch. Oxford and New York, Berg.; 2012CLASSEN, Constance. 2012. The Deepest Sense: A cultural history of touch, Champaign: University of Illinois Press.); Synnott (1993SYNNOTT, Anthony. 1993. The Body Social. London: Routledge .); Howes; Classen; Synnott (1994); e Howes; Classen (1991HOWES, David; CLASSEN, Constance. 1991. “Sounding sensory profiles”. In: D. HOWES (ed.) The varieties of sensory experience. Toronto: University of Toronto Press, 1991.; 2013HOWES, David; CLASSEN, Constance. 2013. Ways of Sensing: Understanding the senses in society. London: Routledge .).

Nos tópicos seguintes procuraremos situar a antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial, na tentativa de melhor compreender o diálogo entre ambas a partir de suas disputas semânticas. Em seguida evidenciamos a importância de ambas as disciplinas para que possamos compreender o fazer antropológico e etnográfico, colocando em evidência a importância dos sentidos na construção do conhecimento, assim como da prática de novas construções de sentidos não só antropológico, mas do pesquisador das ciências humanas e sociais.

EM DIREÇÃO À ANTROPOLOGIA DOS SENTIDOS

David Howes tem sido o principal articulador da antropologia dos sentidos. Em sua compreensão, essa perspectiva procuraria compreender “como a modelagem da experiência sensorial varia de uma cultura para outra, de acordo com o significado e a ênfase atribuídos a cada uma das modalidades de percepção” (Howes, 1991HOWES, David. 1991. The varieties of sensory experience: A Sourcebook in the Anthropology of the Senses, Toronto: University of Toronto Press.: 3).2 2 Como no original: “how the patterning of sense experience varies from one culture to the next in accordance with the meaning and emphasis attached to each of the modalities of perception” (Howes, 1991: 3). Tradução livre da pesquisadora. Efetivamente, Howes propôs um programa de comparação das variações entre as hierarquias das experiências sensíveis por meio das diferentes culturas (Howes; Classen 1991HOWES, David; CLASSEN, Constance. 1991. “Sounding sensory profiles”. In: D. HOWES (ed.) The varieties of sensory experience. Toronto: University of Toronto Press, 1991.: 257). Trata-se de, por meio da comparação empírica das formas de sensibilidade das diferentes culturas, estabelecer um sistema analítico de base comparativa, seguindo os padrões da antropologia mais tradicional.

A despeito da proposição instigante e inovadora de investigar o papel dos sentidos e das sensibilidades nas sociedades humanas, a antropologia dos sentidos estava comprometida com uma perspectiva comparativista, que foi crescentemente rejeitada a partir das críticas impostas a esse modelo pelas perspectivas interpretativas e reflexivas da disciplina (Geertz, 1989GEERTZ, Clifford. 1989. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Ed. LTC.; Clifford; Marcus, 1986).

A abordagem de Howes foi bastante criticada por Tim Ingold (2000INGOLD, Tim. 2000. The Perception Of The Environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge .; 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
) que, evocando a necessidade de uma maior reflexividade antropológica como esteira para o futuro da disciplina, sugeriu uma refocagem mais sensorial para a antropologia dos sentidos. Explicitamente, uma aproximação à fenomenologia da percepção e da experiência (Merleau-Ponty, 1945MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Phenomenologie de La perception. Paris: Gallimard .) e à psicologia ecológica (Gibson, 1966GIBSON, James J. 1966. The Senses Considered As Perceptual Systems. Boston: Houghton Mifflin.; 1979GIBSON, James J. 1979. The Ecological Approach to Visual Perception. Boston: Houghton Mifflin .).

Pink procura sintetizar a crítica de Ingold à perspectiva de Howes da seguinte maneira:

O trabalho de Ingold sugeriu que a separação das modalidades sensoriais, como Howes propôs, as situa em uma “cultura” desencarnada e é incompatível com uma antropologia que entende aprender e conhecer como situada na incorporação da prática e do movimento.”3 3 “Ingold’s work suggested that separating out sensory modalities as Howes proposed situates them in disembodied ‘culture’ and is incompatible with an anthropology that understands learning and knowing as situated in embodied practice and movement”. (Pink, 2010: 332) Trad. Livre da pesquisadora (Pink, 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
: 332).

Ocorreu importante debate entre Sara Pink e David Howes (2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
) na revista Social Anthropology em 2010.4 4 A íntegra do debate pode ser encontrada em: https://monoskop.org/images/5/54/Pink_Sarah_2010_The_Future_of_Sensory_Anthropology_The_Anthropology_of_the_Senses.pdf. Nele, Pink procurou estabelecer as diferenças entre os dois campos - antropologia dos sentidos e etnografia sensorial - com base em três elementos, aos quais Howes (2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.) responde enfaticamente. O primeiro elemento seria o de que a antropologia dos sentidos se compreende como uma subdisciplina exclusivamente empírica da antropologia. Howes (2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.) refuta essa ideia e diz que ela está presente, talvez, no trabalho de Constance Classen (1997CLASSEN, Constance. 1997. “Foundations for an anthropology of the senses”. International Social Science Journal, 153: 401-12. https://doi.org/10.1111/j.1468-2451.1997.tb00032.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-2451.1997...
), Foundations for an Anthropology of the Senses, mas que não caracterizaria a perspectiva geral da antropologia dos sentidos. O segundo elemento seria o de que os antropólogos que seguem essa perspectiva teriam negligenciado o diálogo interdisciplinar. Howes (2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.) também refuta essa afirmação, evocando exemplos, inclusive em seu próprio trabalho, que ilustram o contrário. O terceiro elemento, enfim, sugere que a antropologia dos sentidos tende a separar as modalidades sensoriais. A resposta de Howes (2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.) foi de que, ainda que essa separação possa ser útil, algumas vezes, a tendência mais recente da antropologia dos sentidos tem sido a de explorar a relação entre os diferentes sentidos. Howes (2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.) indaga, afinal, se há realmente uma diferença entre antropologia dos sentidos e etnografia sensorial.

Em nosso ponto de vista há, efetivamente, uma imensa proximidade entre os dois grupos, e as refutações de Howes (2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.) nos parecem bem ponderadas, mas há também reflexões de ordens práticas, tomadas em campo que evocam uma semântica diferente, que é a questão da inserção do pesquisador no campo e a consciência deste de sua experiência no fazer etnográfico, o que vai impactar, acreditamos, na própria construção do conhecimento. E ainda há, pelo menos, mais uma questão sem resposta no seu debate com Pink: a perspectiva comparativista.

Pensamos que a crítica de Pink (2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
) não está realmente clara. Ela não chega ao fundo do problema, que diz respeito à compreensão representacional presente na teoria do conhecimento desenvolvida por Howes (2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.), com a consequente desvalorização, como elemento de análise, da própria matéria prima dos sentidos: a percepção.

EM DIREÇÃO À UMA ETNOGRAFIA SENSORIAL

Façamos uma breve síntese do percurso da etnografia sensorial. A perspectiva surgiu no começo dos anos 2000, a partir da leitura feitas por antropólogos como Ingold (2000INGOLD, Tim. 2000. The Perception Of The Environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge .; 2008INGOLD, Tim. 2008. Bindings against Boundaries: Entanglements of life in na open World In Environment and Planning A: Economy and Space. Vol 40, Issue 8, pp.1796-1810.; 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
; 2012INGOLD, Tim. 2012. “Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 25-44. https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201200...
); Pink (2006PINK, Sarah. 2006. The Future Of Visual Anthropology: Engaging the senses. Londres: Routledge; 2008; 2011PINK, Sarah. 2011. “What is sensory ethnography?” [Streaming video]. SAGE Research Methods: 2011. Disponível em: Disponível em: http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography . Acesso em 10 de janeiro de 2018.
http://methods.sagepub.com/video/what-is...
; 2017); Csordas (2012CSORDAS, Thomas. J. 2012. “Intuition, revelation”. In: ROBBEN, Antonius C.G.M; SLUKA, Jeffrey A. (eds.) Ethnographic fieldwork. An anthropological reader. Malden (Massachusetts): Blackwell, pp. 540-546.); Geurts (2002GEURTS, Kathryn Linn. 2002. Culture and the Senses: Bodily ways of knowing in an African community. Berkeley, California: University of California Press.); Field (2012), do debate a respeito da natureza reflexiva da etnografia, que acima referimos entre Howes e Pink. Partindo de Clifford (1983CLIFFORD, James. 1983. “On Ethnografic authority”. In Representations, v. 2: 118-146.; 2003CLIFFORD, James. 2003. On the Edges of Anthropology. Chicago: Prickly Paradigm Press.); Rabinow (1991RABINOW, Paul. 1991. “Las representaciones son hechos sociales: Modernidad y postmodernidad en la antropologia”. In CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madri, Ediciones Júcar, pp. 321-356.; 2007RABINOW, Paul. 2007. Marking Time: On the Anthropology of the Contemporary, Princeton: Princeton University Press.; 2012RABINOW, Paul. 2012. “Fieldwork and friendship in Morocco”. In ROBBEN, Antonius C.G.M; SLUKA, Jeffrey A. (eds.). Ethnographic Fieldwork: An anthropological reader. New Jersey, Blackwell, pp. 520-528.); Rabinow; Sullivan (1987RABINOW, Paul; SULLIVAN, William M. Interpretive Social Science: A Second Look. University of California Press, 1987.); e Crapanzano (2012CRAPANZANO, Vincet. 2012. “At the heart of the discipline: Critical reflections on fieldwork”. In: ROBBEN, Antonius C.G.M.; SLUKA, Jeffrey A. (eds.). Ethnographic fieldwork. An anthropological reader. Malden (Massachusetts): Blackwell, pp. 547-562.), Ingold e Pink, como referidos, procuram destacar a importância da sensorialidade para a construção dos sentidos, não somente dos sentidos do corpo, mas dos sentidos presente nas culturas. Pink define a etnografia sensorial da seguinte maneira:

A etnografia sensorial é, o que penso, o repensar da etnografia em termos de sentidos. Portanto, isso não significa o estudo etnográfico dos sentidos, embora isso possa fazer parte de um projeto de etnografia sensorial. Mas a etnografia sensorial é uma metodologia. É uma abordagem para fazer etnografia que leva em conta a experiência sensorial, a percepção sensorial e as categorias sensoriais que usamos quando falamos sobre nossas experiências e nossa vida cotidiana.5 5 Como no original: “Sensory ethnography is, what I think, the rethinking of ethnography in terms of senses. So that doesn’t mean the ethnographic study of the senses, although that could form part of a sensory ethnography project. But sensory ethnography is a methodology. It’s an approach to doing ethnography that takes account of sensory experience, sensory perception, and sensory categories that we use when we talk about our experiences and our everyday life” (Pink, 2011b: video). Tradução livre da pesquisadora. (Pink, 2011PINK, Sarah. 2011. “What is sensory ethnography?” [Streaming video]. SAGE Research Methods: 2011. Disponível em: Disponível em: http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography . Acesso em 10 de janeiro de 2018.
http://methods.sagepub.com/video/what-is...
b: vídeo).

Sua autoinserção numa perspectiva transdisciplinar, sua dinâmica interpretativa e fenomenológica e seu apreço pelos suportes midiáticos e pela comunicação, notadamente os meios audiovisuais6 6 A respeito do diálogo entre a etnografia sensorial e os meios digitais e audiovisuais, ver: Castaing-Taylor (1994); Grimshaw (2001); Laplantine (2005); MacDougall (2005); Pink (2006; 2009). , fazem dela uma proposição metodológica instigante.

Essa perspectiva estaria, à princípio, sempre de acordo com Pink, mais próxima da disposição reflexiva da antropologia contemporânea que de uma antropologia dos sentidos. Como Pink observa que “Uma antropologia sensorial implica uma antropologia “repensada””7 7 Como no original: a sensory anthropology implies a ‘re-thought’ anthropology” (Pink, 2010: 331). Tradução livre da pesquisadora. (Pink, 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
: 331), ela estaria mais disposta a rejeitar os tradicionais padrões da comparação entre culturas (cross-cultural comparison) e a dissociar a relação entre cultura e lugar. Outra de sua característica seria a sua disposição interdisciplinar, evidenciada pelo contemporâneo interesse da geografia e de certa sociologia no debate sobre o papel da sensorialidade na construção do sentido de lugar. Essa aproximação também se daria em relação à comunicação e às artes.

Sem discordar de Pink, acrescentaríamos que outro diferencial da etnografia sensorial, em relação à antropologia dos sentidos, estaria numa compreensão mais acurada do pensamento de Merleau-Ponty (1945MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Phenomenologie de La perception. Paris: Gallimard .) e, objetivamente, uma compreensão que seguiria o viés de uma fenomenologia hermenêutica, tal como elaborada por Martin Heidegger, profundamente crítica do referencial fundador da própria fenomenologia, o da fenomenologia pura e transcendental, elaborado por Edmund Husserl.8 8 Considerando não ter pertinência um aprofundamento, neste artigo, desse diálogo entre Antropologia e Fenomenologia, observamos, apenas, a aderência da procura operada por Merleau-Ponty no que concerne a uma leitura crítica do ipseísmo - a centralidade da subjetividade - na obra de Husserl. Nessa perspectiva, acompanhada por Heidegger, abre-se a possibilidade de uma fenomenologia do corpo e da sensorialidade.

Efetivamente, sem deixar de reconhecer a importância da antropologia dos sentidos para a valorização, para a entrada na ordem do dia da pesquisa antropológica, senão mesmo das ciências sociais como um todo, dos sentidos, das sensações, e do gosto comum, penso que a etnografia sensorial acrescenta uma perspectiva crítica - senão também autocrítica - a esses estudos, que entendo como fundamental para a construção de uma abordagem antropológica mais reflexiva, relativista e crítica.

Ingold (2000INGOLD, Tim. 2000. The Perception Of The Environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge .) procura fazer uma triangulação, como ele mesmo diz (Ingold, 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
) entre Merleau-Ponty (1945MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Phenomenologie de La perception. Paris: Gallimard .), Hans Jonas (1966JONAS, Hans. 1966. The Phenomenon of Life. Chicago: University of Chicago Press.) e James Gibson (1966GIBSON, James J. 1966. The Senses Considered As Perceptual Systems. Boston: Houghton Mifflin.; 1979GIBSON, James J. 1979. The Ecological Approach to Visual Perception. Boston: Houghton Mifflin .). O núcleo da crítica que Ingold faz à antropologia dos sentidos de Howes (1990HOWES, David. 1990. Les Cinq sens. Laval, Université de Laval, Département d’Anthropologie.; 1991HOWES, David. 1991. The varieties of sensory experience: A Sourcebook in the Anthropology of the Senses, Toronto: University of Toronto Press.) está no fato de que esta estaria estruturada numa teoria representacional do conhecimento (Ingold, 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
). Efetivamente, os primeiros trabalhos de Howes (1990HOWES, David. 1990. Les Cinq sens. Laval, Université de Laval, Département d’Anthropologie.; 1991HOWES, David. 1991. The varieties of sensory experience: A Sourcebook in the Anthropology of the Senses, Toronto: University of Toronto Press.; 2003HOWES, David. 2003. Sensual relations: engaging the senses in culture and social theory. Ann Arbor: University of Michigan Press.) estão dominados pela ideia de que o sentido não é senão um registro corporal que emite mensagens para a mente de alguém: “Howes’s anthropology is so founded is apparent from the way he reifies ‘the senses’ as bodily registers that convey messages to the mind of the perceiver” (Ingold, 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
: 315).

Com efeito, trata-se da crítica clássica que Merleau-Ponty (1945MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Phenomenologie de La perception. Paris: Gallimard .) elabora, com sua fenomenologia, à teoria do conhecimento advinda do pensamento de Descartes que racionaliza do ato de conhecer como o alcance de uma verdade dada e necessariamente objetiva e natural, por meio de uma operação de raciocínio; ou seja, o mundo é mediado pela mente, e toda forma de conhecimento decorre desta mediação e, num segundo plano, ao fundador da fenomenologia, Edmund Husserl.

O papel dos sentidos, a partir desse raciocínio cartesiano, se torna de segundo plano, senão, inferior e, perigoso: os sentidos, em todo pensamento que deriva de Descartes, seriam enganadores. Seriam instrumentos de conhecimento do mundo, mas seriam instrumentos precários e, por vezes, enganadores e fúteis. Sem a mediação de uma operação de raciocínio, não são confiáveis. A percepção, entendida como processo cognoscente e vista dessa maneira, se constituiria como uma operação representacional, por meio da qual o sujeito produz o conhecimento de algo, alguma coisa, alguém, a cultura... De acordo com Ingold, a antropologia dos sentidos caminharia nessa mesma direção:

Howes mantém como sacrossanto o princípio de que, como antropólogos, devemos atender e respeitar os entendimentos indígenas da percepção. “O caminho deve sempre ser deixado aberto”, diz ele, “para paradigmas indígenas de percepção” romper “modelos antropológicos ou filosóficos ou neurológicos de percepção” (Howes e Pink 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
: 340).

Concordo. O modelo antropológico de percepção de Howes, no entanto, faz precisamente o contrário. Ao insistir que cada paradigma indígena é em si um “produto da cultura”, efetivamente neutraliza qualquer desafio que possa apresentar à sua própria abordagem. (Ingold, 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
: 315).9 9 Como no original: “Howes holds as sacrosanct the principle that as anthropologists, we should attend to and respect indigenous understandings of perception. ‘The way should always be left open’, he says, ‘for indigenous paradigms of perception to “break through” anthropological or philosophical or neurological models of perception’ (HOWES & PINK 2010: 340). I agree. Howes’s anthropological model of perception, however, does precisely the opposite. By insisting that every indigenous paradigm is itself a ‘product of culture’, he effectively neutralises any challenge it might present to his own approach.” (INGOLD, 2011: 315). Tradução livre da pesquisadora.

A chave da questão está no conceito de percepção. No entendimento de Ingold (2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
), acreditamos, o pensamento cartesiano, ainda que já muito modificado, chega à antropologia dos sentidos, compreendendo percepção como operação intelectual de natureza lógica. Por outro lado, o modelo no qual se inscreve o pensamento de Merleau-Ponty (1945MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Phenomenologie de La perception. Paris: Gallimard .), Hans Jonas (1966JONAS, Hans. 1966. The Phenomenon of Life. Chicago: University of Chicago Press.), James Gibson (1979GIBSON, James J. 1979. The Ecological Approach to Visual Perception. Boston: Houghton Mifflin .), Tim Ingold (2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
) e Sara Pink (2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
), para referir apenas os autores que citamos nesta ponderação - mas que é o mesmo modelo crítico que produziu, no pensamento antropológico a demanda reflexiva e interpretativa proposta por Geertz (1989GEERTZ, Clifford. 1989. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Ed. LTC.; 2003GEERTZ, Clifford. 2003. Le Souk de Sefrou. Sur l’économie du bazar. Saint-Denis: Ed. Bouchene.) e renovada por Clifford e Marcus (1986), para a reflexividade e interpretação, em antropologia, dos autores associados ao chamado Seminário de Santa Fé - procuram romper a lógica binária (sujeito/objeto) colocada pela perspectiva representacional do conhecimento e valorizar a percepção, bem como os processos sensoriais e toda forma de experiência como processos e formas legítimas e integrais do ato de conhecer. Bem ilustra essa percepção a ideia de Merleau-Ponty (1964MERLEAU-PONTY, Maurice. 1964. Le Visible et l’invisible. Paris: Gallimard .) de que o conhecimento não está na mente, mas sim no encontro do sujeito, por meio do seu corpo, com a “carne” (chair) do mundo.

Resta observar que, seja ou não por efeito desse debate, o qual teve lugar ente 2010 e 2011, percebemos uma transformação importante na obra de Howes (2013HOWES, David; CLASSEN, Constance. 2013. “The social life of the senses”. Multi-Sensory Aesthetics and the Cultural Life of the Senses. Institut of Ars Vivendi Journal 1(3): 4-23. Kyoto, Ritsumeikan University Ed.) mais recente, o que parece assinalar novas possibilidades de abordagem antropológica a partir do diálogo entre a antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial.

AS DISPUTAS SEMÂNTICAS: AS DISSONÂNCIAS, ASSONÂNCIAS E RESSONÂNCIAS

Descrito o percurso de disputas semânticas e referenciais presentes na relação da construção da antropologia dos sentidos, retornemos aos autores e aos elementos que comporiam, a nosso ver, a etnografia sensorial, dando-lhe seu substrato metodológico e suas perspectivas teóricas.

Em nosso entendimento, a partir do conjunto de suas obras, alguns autores contemporâneos são evocados como estruturantes do campo referencial da etnografia sensorial (Certeau, 1994, 2001; Laplantine, 2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.; Favret-Saada, 1977FAVRET-SAADA, Jeanne. 1977. Les Mots, la Mort, les Sorts: la sorcellerie dans le bocage, Paris: Gallimard., 2012FAVRET-SAADA, Jeanne. 2012. “The way things are said”. In: ROBBEN, Antonius C.G.M.; SLUKA, Jeffrey A. (eds.). Ethnographic fieldwork: An anthropological reader. Vol. 23. John Wiley & Sons Malden (Massachusetts): Blackwell, pp. 528-539.). Compreendemos que suas obras produzem assonâncias em relação à ideia geral de uma etnografia sensorial, ou seja, acreditamos que produzem projetos e trajetos paralelos, igualmente centrados num debate a respeito da validade da sensorialidade, ou, mais especificamente, das vivências sensoriais, como abordagem etnográfica. Destacamos dois deles: Michel de Certeau, fundamental para a discussão sobre a mobilidade como fundamento metodológico, desenvolvida por vários autores da etnografia sensorial, dentre eles Sarah Pink (2009PINK, Sarah. 2009 [2017]. Doing Sensory Ethnography. London: SAGE Publications Ltd. [2017]) a quem usamos como principal interlocutora; e François Laplantine, antropólogo contemporâneo, que mantém importante diálogo com a etnografia sensorial e que desenvolve uma perspectiva bastante próxima a ela, a qual denomina “antropologia modal”.

Em relação a Michel de Certeau (1994DE CERTEAU, Michel. 1994. A Invenção do quotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes.), deve ser dito que sua obra reflete em diversos aspectos sobre uma certa ideia de etnografia sensorial. Compreendemos que seu pensamento, pautado pela fenomenologia, evoca a uma valorização da experiência vivencial e da vida cotidiana como fundamento da abordagem da vida social e, assim, como instrumento metodológico. À medida em que De Certeau constrói perspectivas que visam compreender as micro resistências presentes na vida cotidiana e a perceber como elas possibilitam micro liberdades que deslocam fronteiras de dominação constrói-se, em sua obra, uma reflexão etnográfica de ordem sensorial. A vivência sensorial do cotidiano constitui sua resposta para a abordagem metodológica do “mundo da vida”, espaço de indagação central da fenomenologia. Nessa vivência sensorial, o cotidiano se produz como “inversão” (De Certeau, 2001DE CERTEAU, Michel. 2001. A Cultura no Plural. Campinas, Papirus.), ou seja, como ruptura da disciplinarização preconizada pela ordem narrativa e compreensiva - ontológica, diríamos - dominante. A disposição etnográfica de De Certeau tem por base “inverter” as formas do poder que apresentam e disciplinarizam o real e, por via da sensorialidade, explorar fissuras, confrontações e contra-usos que permitem perceber de maneira não-convencional a rotina e a cotidianidade.

Relendo os textos referenciais da etnografia sensorial percebemos uma constante valorização da experiência vivencial e a compreensão de que o estar no mundo da vida cotidiana constitui-se como uma mediação dos sentidos, mas não localizamos, até o momento, uma discussão sólida a respeito dos fundamentos fenomenológicos, inerentes a essa perspectiva, como substância da própria proposição de uma etnografia sensorial. Talvez porque isso equivaleria, possivelmente, a um movimento de sair do campo da antropologia para ir em direção ao campo da filosofia.

Porém, ao contrário, observamos discussões avançadas em torno de certos aspectos da analítica do estar no mundo cotidiano, de De Certeau (1984DE CERTEAU, Michel. 1985. “Practices of space”. In: BLONSKY, Marshall. (ed.). On Signs. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, pp. 122-145./1994DE CERTEAU, Michel. 2001. A Cultura no Plural. Campinas, Papirus.); particularmente, em torno da ideia de mobilidade. Ao discutir a vida cotidiana, De Certeau (1984DE CERTEAU, Michel. 1985. “Practices of space”. In: BLONSKY, Marshall. (ed.). On Signs. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, pp. 122-145.) destaca a importância do caminhar como uma prática que produz o lugar. Para ele, o caminhar na cidade é “um processo de apropriação do sistema topográfico por parte do pedestre”10 10 Como no original: “a process of appropriation of the topographical system on the part of the pedestrian” (De Certeau, 1984: 97-98) Tradução Livre da pesquisadora. (1984: 97-98). Nessa prática, se evidencia o fundamento sensorial promovido pelo simples estar no mundo, pelo simples da vida cotidiana.

O pensamento de Michel de Certeau ecoa, também, na obra do filósofo Edward Casey (1996), citado por Pink (2008), especificamente na sua discussão sobre entre o lugar onde se dá a pesquisa de campo e a construção desse lugar como experiência para o etnógrafo. Para Casey (1996), o lugar não é, simplesmente, uma dimensão análoga ao espaço. Influenciado por Merleau-Ponty (1945MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Phenomenologie de La perception. Paris: Gallimard .), o lugar é equivalente ao “estar no mundo” da fenomenologia, ou seja, à percepção vivencial do mundo tal como ele se torna possível, para alguém, em determinada circunstância e contexto.

Em nossa compreensão, o lugar não antecede o espaço e o espaço não determina o lugar. Existem os múltiplos lugares, individuais e socialmente constituídos, produzidos na vivência da feira.

Casey (1996) sugere que o lugar possa ser percebido como evento, ou como processo. Especificamente que se leve em consideração que o lugar está em permanente transformação. Com base nele, Pink afirma que “a relação entre a construção do lugar e a caminhada urbana já está claramente estabelecida na literatura de ciências sociais”11 11 Como no original: “a process of appropriation of the topographical system on the part of the pedestrian” (De Certeau, 1984: 97-98) Tradução Livre da pesquisadora. (Pink, 2008: 3). Pink procura perceber como as rotas urbanas são construídas, em termos de percepção, pelos indivíduos que as utilizam cotidianamente. Com essa disposição, ela pensa em termos de simultaneidade e paralelidade de percepção na compreensão das formas de produção dos sentidos de “lugar”.

A ideia também está presente em Rodman (2003) e em Lee e Ingold (2006LEE, Jo; INGOLD, TIM. 2006. “Fieldwork on foot. Perceiving, routing, socializing”. In: COLEMAN, Simon; COLLINS, Peter (orgs.) Locating the Field. Space, place, and context in anthropology. Oxford / Nova York: Berg, pp. 67-86.). Rodman desenvolve a ideia de multilocalidade, que implicaria em perceber a multiplicidade dos pontos de vista que contribuem para a construção social do “lugar” (Rodman, 2003: 212).

Lee e Ingold (2006LEE, Jo; INGOLD, TIM. 2006. “Fieldwork on foot. Perceiving, routing, socializing”. In: COLEMAN, Simon; COLLINS, Peter (orgs.) Locating the Field. Space, place, and context in anthropology. Oxford / Nova York: Berg, pp. 67-86.), por sua vez, destacam a necessidade de que os antropólogos passem a perceber o fenômeno da mobilidade e, por meio dele, as rotas tomadas pelos indivíduos: “andar por aí é fundamental para a prática cotidiana da vida social”12 12 Como no original: “the relationship between the making of place and urban walking is already clearly established in the social science literature” (Pink, 2008: 3) Tradução Livre da pesquisadora. (Ingold, 2006: 67). E também sugerem que essa disposição é particularmente importante para a pesquisa de campo antropológica: “para muito trabalho de campo antropológico” (2006: 67).13 13 Como no original: “to much anthropological fieldwork” (Ingold, 2006: 67) Além disso, também observam que o ato geral e fundamental do ser humano da locomoção precisa ser levado em conta na pesquisa de campo, e que é fundamental que o antropólogo compreenda as rotas e as mobilidades dos indivíduos:

O aspecto locomotor da caminhada permite a compreensão de locais criados por rotas. Um lugar percorrido é feito pela interação sempre em mudança entre a pessoa e o meio ambiente, na qual o movimento, feito com o corpo por inteiro, é importante não apenas como um ato de visão a partir de um ponto fixo. Ao caminhar, estamos em movimento, vendo e sentindo uma rota à nossa frente e criando um caminho ao redor e depois de nós. Muitas vezes, podemos explorar um novo lugar de forma mais proveitosa caminhando através e em volta dele. Para o antropólogo, se torna útil compreender as rotas e as mobilidades dos outros.14 14 Como no original: “locomotive (or getting around) aspect of walking allows for an understanding of places being created by routes. A place walked through is made by the shifting interaction of person and environment, in which the movement of the whole body is important rather than just as an act of vision outwards from a fixed point. In walking we are on the move, seeing and feeling a route ahead of us and creating a path around and after us. We can often explore a new place most fruitfully by walking through and around it. For the anthropologist, this in turn leads to the realization that we have to understand the routes and mobilities of others.” (Lee; Ingold, 2006: 68). (Lee; Ingold, 2006LEE, Jo; INGOLD, TIM. 2006. “Fieldwork on foot. Perceiving, routing, socializing”. In: COLEMAN, Simon; COLLINS, Peter (orgs.) Locating the Field. Space, place, and context in anthropology. Oxford / Nova York: Berg, pp. 67-86.: 68).

Efetivamente, a experiência de um campo etnográfico on footing sugere a valorização da percepção e da experiência sensorial. O “caminhar etnográfico” sugerido é, na verdade, uma prática verbal, tátil, auditiva, olfativa, visual - multissensorial. É como, a respeito da proposição da etnografia on footing de Lee e Ingold (2006LEE, Jo; INGOLD, TIM. 2006. “Fieldwork on foot. Perceiving, routing, socializing”. In: COLEMAN, Simon; COLLINS, Peter (orgs.) Locating the Field. Space, place, and context in anthropology. Oxford / Nova York: Berg, pp. 67-86.), que comenta Sara Pink: “é claro que essas experiências e práticas não são simplesmente visuais, em vez disso, as suas visualidades estão inseridas em experiências e contextos multissensoriais e está inextricavelmente ligada ao uso de formas verbais, táteis e outras formas de comunicação.”15 15 Como no original: “of course these experiences and practices are not simply visual, rather the visuality of them is embedded in multisensorial experiences and contexts and is inextricably tied to the use of verbal, tactile and other forms of communication” (PINK, 2008: 3). (2008: 3).

Importante observar que partilhamos do entendimento de Favret-Saada de que “ser afetado não tem a ver com uma operação de conhecimento por empatia...” (2005: 158), seja essa empatia tomada como um partilhar dos mesmos ideais e sentimentos e das mesmas percepções de mundo, seja empatia como uma comunhão de afetos. Mas ser afetado significa a capacidade que se estabeleceu na interação em campo - e tudo que ele traz com ele - de “mobiliza(r) ou modifica(r) meu próprio estoque de imagens, sem, contudo, instruir-me sobre aquele dos meus parceiros.” (Favret-Saada, 2005: 159). Ser afetada é cair no mundo da vida, é ser inautêntico (Castro, 2013CASTRO, Marina Ramos Neves. 2013. A arte na sua cotidianidade: Uma percepção de arte na feira do Guamá. Belém, Dissertação Mestrado, Universidade Federal do Pará.; Castro e Castro 2016CASTRO, Marina Ramos Neves; CASTRO, Fábio Fonseca de. 2016. “Mercado, forma, don: Asimetrías de la sociación en un mercado en Belém (Amazonia)”. Cuadernos de Antropología Social, n. 44 : 101-113. https://doi.org/10.34096/cas.i44.3583.
https://doi.org/10.34096/cas.i44.3583...
; 2017CASTRO, Marina Ramos Neves; CASTRO, Fábio Fonseca de. 2017. “No emaranhado do Guamá: trajetos etnográficos numa feira de Belém”. Ponto Urbe, v. 20. https://doi.org/10.4000/pontourbe.3404.
https://doi.org/10.4000/pontourbe.3404...
) é estar completamente envolvido pelas circunstâncias do campo, é quando “não podemos narrar a experiência; [pois] no momento que narramos não podemos compreendê-la” (Favret-Saada, 2005: 160), precisamos de tempo para podermos assimilá-la e, quiçá, interpretá-la, pois nela e dentro dela estávamos perdidos. E nesse lá estar, submersos, criamos dispositivos que engendram a reciprocidade da qual partilharmos ao vivenciarmos experiências mútuas.

Essa experiência partilhada, que provoca e engendra dispositivos de reciprocidade, não implica, necessariamente, em identificar-se com o nativo, mas implica sim, na troca de impressões, de expressões, de visões de mundo, e isso é ser recíproco. Ser recíproco é a capacidade do pesquisar de ser afetado e de ter consciência da alteridade e de posicioná-la no processo de produção de conhecimento, pois a alteridade é o elemento norteador deste processo. A antropologia dos sentidos e a etnografia sensorial, acreditamos, fornecem os instrumentos necessários para pensarmos nossas possibilidades de construção do conhecimento, o nosso e o do outro, sabendo que o nós (eu) não existe sem o outro e que essa percepção passa pelos sentidos produzidos, também, pelo corpo.

Já em relação ao trabalho de Laplantine, cabe dizer, à princípio, que constitui uma fonte importante para os antropólogos norte-americanos que seguem a perspectiva da etnografia sensorial e que, embora com o nome de “antropologia modal”, acaba propondo e realizando uma etnografia similar àquela.

Com um trabalho de campo realizado entre o Brasil e o Japão, Laplantine procura explorar “tonalidades e intensidades rítmicas” da vida social, ou melhor, das diferentes maneiras de viver, e de sentir. Sua perspectiva central, em Le social et le sensible: introduction à une anthropologie modale (2017)16 16 Neste trabalho utilizamos tanto a edição em língua francesa (Laplantine, 2017) com a em língua inglesa (Laplantine, 2017). , é que sensação e socialidade são dimensões da vida humana que precisam ser pensadas juntas.

Efetivamente, o que Laplantine chama de antropologia modal é uma oposição à antropologia estrutural, com o consequente abandono das perspectivas categoriais e classificatórias e com uma valorização do sensível e da experiência no mundo da vida cotidiana.

Uma antropologia modal, que é, portanto, uma antropologia de modos, modificações e modulações, implica um modo de conhecimento (suscetível) capaz de dar conta da natureza dúctil e flexível da experiência sensorial.

Pode ser qualificado como modal tudo o que foi rejeitado pela ordem dos logos (platônico, cristão, cartesiano) e culmina na lógica denotativa, lógica unívoca, uniforme, unilateral, monológica, monocultural, monolinguística, cuja principal preocupação é de definir, de colocar por exemplo legendas sob as imagens e de nos submete a esta injunção: “escute”, “olhe”.17 17 Como no original: “Une anthropologie modale, qui est donc une anthropologie des modes, des modifications et des modulations, implique un mode de connaissance susceptible de render en compte du caractère ductible et flexible de l’expérience sensible. Peut être qualifié de modal tout ce qui a été rejeté par l’ordre du logos (platonicien, chrétien, cartésien) et culmine dans la logique dénotative, logique univoque, uniforme, unilatérale, monologique, monoculturelle, monolinguistique dont le souci majeur est de définir, de mettre par exemple des légendes sous les images et de nous soumettre à cette injonction : « écoute », « regarde » » (Laplantine, 2017: 187). (Laplantine, 2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.: 187).

Rivière (2006RIVIÈRE, Claude. 2006. “LAPLANTINE François. Le Social et le sensible, introduction à une anthropologie modale. Recherches sociologiques et anthropologiques”. Recherches Sociologiques et Anthropologiques, v. 37, n. 2: 212-214. https://doi.org/10.4000/rsa.597
https://doi.org/10.4000/rsa.597...
), a respeito da obra de Laplantine (2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.), assim a descreve:

...mudança significativa de temperatura, vulnerabilidade da pessoa sensível, sensibilidade a sons, odores, gostos e percepções, ele se interessa ao vivido (erleben) entre opacidade e transparência, presença e ausência (como na saudade) em vez da vida (leben) no sentido biológico. Nada estável, tudo flui18 18 Como no original: “changement sensible de température, vulnérabilité de la personne sensible, sensibilité aux sons, odeurs, goûts et perceptions, il s’intéresse au vécu (erleben) entre opacité et transparence, présence et absence (comme dans la saudade) plutôt qu’à la vie (leben) au sens biologique. Rien de stable, tout s’écoule » (Rivière, 2006: 1) Tradução livre da pesquisadora. (Rivière, 2006RIVIÈRE, Claude. 2006. “LAPLANTINE François. Le Social et le sensible, introduction à une anthropologie modale. Recherches sociologiques et anthropologiques”. Recherches Sociologiques et Anthropologiques, v. 37, n. 2: 212-214. https://doi.org/10.4000/rsa.597
https://doi.org/10.4000/rsa.597...
: 1).

Para caracterizar a proposta do antropólogo francês como um ensaio filosófico que tem por objetivo demandar, à antropologia, que não omita, de sua perspectiva, a fluidez do sensível:

A antropologia modal proposta por François Laplantine é um ensaio de caráter mais filosófico para sugerir não omitir, na apreensão inteligível do social, a fluidez do sensível, o emocional e corpóreo vivido dos indivíduos, as vibrações do movimento, as modificações em ato, incluindo as gênese, maturações e declínios.19 19 Como no original: “L’anthropologie modale proposée par François Laplantine est un essai à caractère plutôt philosophique pour suggérer de ne pas omettre, dans l’appréhension intelligible du social, la fluidité du sensible, le vécu émotif et corporel des individus, les vibrations du mouvant, les modifications en acte y compris les genèses, maturations et déclins » (Rivière, 2006: 1). Tradução livre da pesquisadora. (Rivière, 2006RIVIÈRE, Claude. 2006. “LAPLANTINE François. Le Social et le sensible, introduction à une anthropologie modale. Recherches sociologiques et anthropologiques”. Recherches Sociologiques et Anthropologiques, v. 37, n. 2: 212-214. https://doi.org/10.4000/rsa.597
https://doi.org/10.4000/rsa.597...
: 1).

Com efeito, defensor dessa antropologia mais sensível, Laplantine propõe a necessidade de pensar em termos antropológicos em uma “política do sensível” (Laplantine, 2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.: 81-93), base para uma reorientação da nossa compreensão e maneira de entender a realidade.

A partir do pensamento de Michel de Certeau e de François Laplantine acreditamos que podemos sistematizar alguns dos elementos que compõem o núcleo teórico da etnografia sensorial. Acima, relacionamos alguns desses elementos: a perspectiva transdisciplinar, a dinâmica interpretativa e fenomenológica; o apreço pelos suportes midiáticos e pela comunicação, notadamente os meios audiovisuais, são elementos centralmente presentes na etnografia sensorial - embora não ausentes da antropologia dos sentidos - e que a caracterizam.

Ernest Karel, antropólogo e artista sonoro, coordenador do Sensory Ethnography Lab (SEL) da Universidade de Harvard, com essa mesma perspectiva diz o seguinte, a respeito da etnografia sensorial:

A prática de fazer um trabalho de não-ficção que sob os nomes antropologia da mídia ou etnografia sensorial baseia-se no entendimento de que o significado humano não emerge apenas da linguagem; ele se envolve com as maneiras pelas quais nossa experiência sensorial é pré ou não linguística e faz parte do nosso ser corporal no mundo. Ela tira proveito do fato de que a nossa consciência cognitiva - consciente, bem como inconsciente - consiste em múltiplos fios de significação, tecidos de fragmentos mutáveis de imagens, sensações e memória maleável. Trabalhos de mídia sensorial são capazes de ecoar, refletir ou incorporar esses tipos de múltiplos fios simultâneos de significação (Karel, 2013: 1)20 20 Como no original “The practice of making nonfiction work which goes under the names media anthropology or sensory ethnography is based on the understanding that human meaning does not emerge only from language; it engages with the ways in which our sensory experience is pre-or non-linguistic, and part of our bodily being in the world. It takes advantage of the fact that our cognitive awareness - conscious as well as unconscious - consists of multiple strands of signification, woven of shifting fragments of imagery, sensation and malleable memory. Works of sensory media are capable of echoing or reflecting or embodying these kinds of multiple simultaneous strands of signification” (Karel, 2013: 1), tradução livre da pesquisadora. .

Por meio dessa posição é possível perceber que um dos princípios da etnografia sensorial seria a de que a compreensão da linguagem é apenas um dos instrumentos de construção do sentido; pois, juntamente com ela há toda uma plêiade de experiências sensórias pré ou não linguísticas que orientam o processo de percepção do mundo.

É na reflexão das obras dos autores citados neste tópico onde encontro as assonâncias do que acreditamos ser uma etnografia sensorial, pois os mesmos, de maneiras diferentes abordam as relações na e da carne do mundo, compreendendo que não há espaço para a lógica binária (sujeito/objeto) colocada pela perspectiva representacional do conhecimento, evidenciando e valorizando as experiências sensoriais e a percepção destas como processos legítimos e integrais do ato de conhecer. Ainda que não sejam filiados a uma dita antropologia dos sentidos ou etnografia sensorial, observo que esses autores também davam atenção aos sentimentos, sentidos e percepções sensoriais como cruciais à pesquisa etnográfica. Desta maneira, penso que, ainda que Pink não utilize todos os autores acima citados, podemos crer que sua reflexão surge como uma ressonância desses pensadores, o que a prefigura como uma pesquisadora que percebe o mundo a partir dos mesmos referenciais reflexivos dos pensadores elencados acima, muitos deles seus predecessores no campo da antropologia e da etnografia. Desta maneira podemos compreender que esses pesquisadores colaboraram para a construção do escopo que caracteriza, em nosso entendimento, a etnografia sensorial, em especial, aquela configurada por Pink (2012).

Convém observar, ainda, que Pink torna-se aquela que, percebendo o arcabouço de uma etnografia que leva em consideração os sentidos do corpo, e em especial, os sentidos percebidos pelo próprio pesquisador em campo, delimitou um arcabouço teórico-metodológico que situa o pesquisador e, ao mesmo tempo, o faz ter a consciência desse processo de experiência levando em consideração os sentidos.

“A etnografia sensorial é, o que eu penso, o repensar da etnografia em termos de sentidos. Então isso não significa o estudo etnográfico dos sentidos, embora pudesse fazer parte de um projeto de etnografia sensorial. Mas a etnografia sensorial é uma metodologia. É uma abordagem para fazer etnografia que leva em conta a experiência sensorial, a percepção sensorial e as categorias sensoriais que usamos quando falamos sobre nossas experiências e nossa vida cotidiana.”21 21 No original: Sensory ethnography is, what I think, the rethinking of ethnography in terms of senses. So that doesn’t mean the ethnographic study of the senses, although that could form part of a sensory ethnography project. But sensory ethnography is a methodology. It’s an approach to doing ethnography that takes account of sensory experience, sensory perception, and sensory categories that we use when we talk about our experiences and our everyday life. In https://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography, consultado em 10/11/2020. Tradução livre da pesquisadora. (Fala da Sara Pink em

Portanto, pensamos que todos os autores referidos acima, de alguma maneira, consideraram as vivências e experiências sensíveis como fundamentais para o fazer etnográfico e para a antropologia. Não obstante, as dissonâncias estarem presentes no campo de disputa semântico da disciplina22 22 Ressaltamos que o artigo se propõe a mapear e colocar em evidências dissonâncias e assonâncias semânticas na construção da antropologia dos sentidos e da etnografia sensorial, assim como em evidenciar as ressonâncias na construção dessas disciplinas. .

PARA A PRÁTICA DE NOVAS CONSTRUÇÕES DE CONHECIMENTO A PARTIR DA ETNOGRAFIA SENSORIAL

A partir do que foi exposto ao longo deste artigo e a partir das ressonâncias, dissonâncias e assonâncias entre as perspectivas da antropologia dos sentidos e da etnografia sensorial, podemos observar que ambas, a partir das heranças intelectuais mencionadas, compreendem que os sentidos são um objeto verdadeiro e autêntico do interesse antropológico e etnográfico. Essa percepção pode ser entendida, como já observamos no início deste trabalho, nos termos, seja de uma antropologia dos sentidos, seja nos termos de uma etnografia sensorial, pois a antropologia dos sentidos tem por base uma investigação de empírica sobre os sentidos, e a etnografia sensorial implicaria uma contribuição dada pelas teorias da percepção sensorial (Pink, 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
).

Compreendo essa nova postura de pensar, de aproximação ou de construção do objeto, está ratificada com insistência no pensamento de Pink (2012), Clifford (1991CLIFFORD, James. 1991. “Sobre la alegoría etnográfica”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madrid, Ediciones Júcar , p. 151-182.), quando observa que a prática etnográfica é essa “cosa artesanal, cosa apegada a la práctica de la escritura” (Clifford, 1991CLIFFORD, James. 1991. “Introducción: Verdades parciales in Retóricas de la Antropología”. In : CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madrid, Ediciones Júcar, pp. 25-60.:32) configurada como

... as seis maneiras seguintes: (1) pelo contexto (descrição dos significados sociais); (2) pela retórica (uso e desuso de convenções expressivas); (3) pela desinstitucionalização (contra tradições específicas, das disciplinas que acostumam o destinatário da mensagem); (4) pela generalização (uma vez que um etnógrafo, em geral, é fácil de descobrir entre um romancista ou entre simples viajantes); (5) pela politização (toda autoridade, todo autoritarismo cultural, que procura o discurso unidimensional, deve ser contestado); (6) pelo historicismo (é necessário conhecer a História para conseguir a cessação de lugares comuns). (Clifford, 1991CLIFFORD, James. 1991. “Sobre la alegoría etnográfica”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madrid, Ediciones Júcar , p. 151-182.: 32-33)23 23 Como no original, “... las seis maneras siguientes: (1) por el contexto (descripción de los significados sociales); (2) por la retórica (uso y desuso de las convencionalidades expresivas); (3) por la desinstitucionalización (en contra de las tradiciones específicas, de las disciplinas que acostumbran al receptor del mensaje); (4) por la generalización (pues un etnógrafo, por lo general, resulta fácil de descubrir entre un novelista o entre unos simples viajeros); (5) por la politización (toda autoridad, todo autoritarismo cultural, que pretenda la unidimensión del discurso, debe ser contestado); (6) por el historicismo (es necesario conocer la Historia para lograr el cese de los lugares comunes).” (Clifford, 1991: 32-33)

Prática que procura fazer uma descrição exaustiva levando em conta o maior número de elementos que envolvem os sujeitos observados, a partir de uma postura pós-moderna. Ou seja, uma postura pós-moderna como aquela colocada por Stephen Tyler (1991TYLER, Stephen. 1991. “Etnografia postmoderna: desde el documento de lo oculto al oculto documento”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madri, Ediciones Júcar , pp. 183-204.)

Precisamente porque a etnografia pós-moderna privilegia o “discurso” sobre o “texto”, apresenta o diálogo em oposição ao monólogo; e coloca uma ênfase maior na cooperação natural com o sujeito em estudo, situação que contrasta bastante com aquela em que o observador, o pesquisador, equipado com a ideologia, se toma como um observador científico transcendente. (Tyler, 1991TYLER, Stephen. 1991. “Etnografia postmoderna: desde el documento de lo oculto al oculto documento”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madri, Ediciones Júcar , pp. 183-204.: 188)24 24 Como no original “Precisamente porque la etnografía postmoderna prima el “discurso” sobre el “texto”, presenta el diálogo como oposición al monólogo; y pone un énfasis mayor en la cooperación natural con el sujeto sometido a estudio, situación que contrasta grandemente con ésa en la que el observador, el investigador, pertrechado de ideología, se toma por transcendente observador científico.” (Tyler, 1991: 188)

Assim, a importância é colocada em uma atitude que possibilite a construção de uma pesquisa pactuada entre o pesquisador e o pesquisado, possibilidade que o método dialogal ou a polifonia - inerente ao processo cultural de qualquer sociedade - tome forma na pesquisa, que a forma emerja por sí mesma impregnando el trabajo del etnógrafo y también la manera de narrar del nativo com el que dialoga el investigador. (Tyler, 1991TYLER, Stephen. 1991. “Etnografia postmoderna: desde el documento de lo oculto al oculto documento”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madri, Ediciones Júcar , pp. 183-204.: 190). É preciso dizer que quando mencionei uma abordagem fenomenológico-arqueológica não busquei, estritamente um método fenomenológico. E que, igualmente, não busquei uma explanação para apontar o que vimos, para colocar em evidência o gosto como forma social - mesmo porque essa tarefa estaria certamente além de nossa competência e proposta. E ainda que não tenha procurado fazer, estritamente, uma etnografia sensorial ou dos sentidos. Este trabalho não se enquadra em uma caixa de conceitos; mas, sim, ele utiliza instrumentos dessas antropologias e etnografias, assim como de outras disciplinas e enseja o labirinto onde “o andarilho se submete, e fica à mercê daquilo que acontece” (Ingold, 2015INGOLD, Tim. “O dédalo e o labirinto. Caminhar, imaginar e educar a atenção”. Horizontes Antropológicos , 2015, v. 21, n. 44: 21-36. https://doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201500...
: 29).

Em nosso entendimento a trilha etnográfica é sempre um labirinto, não obstante o necessário horizonte de uma paisagem a apresentar - no caso das etnografias feitas para conformarem teses, dissertações, relatórios e prestações de contas de bolsas e projetos e outras paisagens afins. Recorro a Ingold, mais uma vez, para falar dessas paisagens múltiplas (Ingold, 2008INGOLD, Tim. 2008. Bindings against Boundaries: Entanglements of life in na open World In Environment and Planning A: Economy and Space. Vol 40, Issue 8, pp.1796-1810.) referentes ao mundo da vida, aquelas referidas “aos mundos virtuais criados pela captura das experiências incorporadas e perceptuais da habitação e pela sua devolução, em formas artificialmente purificadas, para interpretação e consumo.” (Ingold, 2008INGOLD, Tim. 2008. Bindings against Boundaries: Entanglements of life in na open World In Environment and Planning A: Economy and Space. Vol 40, Issue 8, pp.1796-1810.: 2)

Ingold, como podemos perceber, da adequação da pesquisa à metodologia. O excerto é de um texto de 2008, mas num outro texto, publicado em 2015, ele é mais específico em relação a essa questão:

Ao ser empregada, a noção de metodologia transforma meios em fins, divorciando o conhecimento-enquanto-conteúdo dos modos através dos quais se conhece, e assim impondo um fechamento que é a própria antítese da abertura para o presente que a pedagogia pobre oferece. Se uma metodologia rica nos oferece conhecimento pronto, a pedagogia pobre abre nossas mentes para a sabedoria da experiência. Uma pertence à instituição da escola, e a outra, ao tempo da scholè; uma ao dédalo, a outra, ao labirinto (Ingold, 2015INGOLD, Tim. “O dédalo e o labirinto. Caminhar, imaginar e educar a atenção”. Horizontes Antropológicos , 2015, v. 21, n. 44: 21-36. https://doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201500...
: 34).

Como todas os escritos de caráter antropológico, ou ainda, que busque tratar das questões que concernem à antropologia eà etnografia, este também vaga entre o dédalo e o labirinto, mas ressaltamos nossa sempre presente disposição de, como disse Masschelein (2010), estar “presente no presente” que, se vulnerável, é gratificada pela possibilidade interpretativa e compreensiva assentada a experiência mediada pelo processo de interação, da alteridade e da experiência vivenciada, daquilo que, em nosso entendimento, estaria para além do conhecimento interposto pela academia. No nosso entendimento seria o aquilo que Ingold (Ingold, 2015INGOLD, Tim. “O dédalo e o labirinto. Caminhar, imaginar e educar a atenção”. Horizontes Antropológicos , 2015, v. 21, n. 44: 21-36. https://doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201500...
: 34) observa como o “entendimento a caminho da verdade”.

Aliás, a própria ação de estar no mundo iminentemente, ou seja, na vida cotidiana na qual é possível a imersão no mundo comum dos outros indivíduos, equivale a, repentinamente, se lançar num labirinto. Como mais uma vez diz Ingold, a atenção de uma pessoa quando anda, quando está no mundo e tem uma postura imanente, equivale a de acompanhar “um mundo que não está pronto, que é sempre incipiente, que se encontra no limiar da emergência contínua” (Ingold, 2015INGOLD, Tim. “O dédalo e o labirinto. Caminhar, imaginar e educar a atenção”. Horizontes Antropológicos , 2015, v. 21, n. 44: 21-36. https://doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201500...
: 29).

...é literalmente inimaginável, sobretudo para um etnógrafo, habituado a trabalhar com representações: quando se está em tal lugar, é-se bombardeado por intensidades específicas (chamemo-las de afetos), que geralmente não são significáveis.” (Favret-Saada, 2005: 159).

Ser afetada é uma situação a qual demoramos certo tempo para nos darmos conta ou, por assim dizer, respondermos, compreendermos, ou melhor, nos percebermos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AMATO, Joseph A. 2001. Dust: A history of the small and the Invisible Berkeley, California: University of California Press.
  • BULL, Michael; GILROY, Paul; HOWES, David; KAHN, Douglas. “Introducing sensory studies”. In: The Senses and Society, v. 1, n. 1: 5-7.
  • CASTRO, Marina Ramos Neves; CASTRO, Fábio Fonseca de. 2016. “Mercado, forma, don: Asimetrías de la sociación en un mercado en Belém (Amazonia)”. Cuadernos de Antropología Social, n. 44 : 101-113. https://doi.org/10.34096/cas.i44.3583
    » https://doi.org/10.34096/cas.i44.3583
  • CASTRO, Marina Ramos Neves; CASTRO, Fábio Fonseca de. 2017. “No emaranhado do Guamá: trajetos etnográficos numa feira de Belém”. Ponto Urbe, v. 20. https://doi.org/10.4000/pontourbe.3404
    » https://doi.org/10.4000/pontourbe.3404
  • CASTRO, Marina Ramos Neves. 2013. A arte na sua cotidianidade: Uma percepção de arte na feira do Guamá Belém, Dissertação Mestrado, Universidade Federal do Pará.
  • CASTRO, Marina Ramos Neves. 2018. Socialidades e sensibilidades no quotidiano da Feira do Guamá: uma etnografia das formas sociais do gosto. Belém, Tese de Doutorado, Universidade Federal do Pará.
  • CLASSEN, Constance. 1990. “Sweet colors, fragrant songs: sensory models of the Andes and the Amazon”. American Ethnologist, v. 17, n. 4: 722-735. https://doi.org/10.1525/ae.1990.17.4.02a00070
    » https://doi.org/10.1525/ae.1990.17.4.02a00070
  • CLASSEN, Constance. 1993. Worlds of Sense: Exploring the senses in history and across cultures. London: Routledge.
  • CLASSEN, Constance. 1997. “Foundations for an anthropology of the senses”. International Social Science Journal, 153: 401-12. https://doi.org/10.1111/j.1468-2451.1997.tb00032.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1468-2451.1997.tb00032.x
  • CLASSEN, Constance. 1998. The Color of Angels: Cosmology, gender and the aesthetic imagination. London: Routledge .
  • CLASSEN, Constance. 2001. “The senses”. In: STEARNS, Peter. (ed.), Encyclopedia of European social history, vol. IV. Nova York: Charles Scribner’s Sons, pp.356-357.
  • CLASSEN, Constance. 2005. The Book of Touch Oxford and New York, Berg.
  • CLASSEN, Constance. 2012. The Deepest Sense: A cultural history of touch, Champaign: University of Illinois Press.
  • CLASSEN, Constance; HOWES, David; SYNNOTT, Anthony. 1994. Aroma: The cultural history of smell London: Routledge .
  • CLIFFORD, James. 1991. “Introducción: Verdades parciales in Retóricas de la Antropología”. In : CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia Madrid, Ediciones Júcar, pp. 25-60.
  • CLIFFORD, James. 1983. “On Ethnografic authority”. In Representations, v. 2: 118-146.
  • CLIFFORD, James. 1991. “Sobre la alegoría etnográfica”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madrid, Ediciones Júcar , p. 151-182.
  • CLIFFORD, James. 2003. On the Edges of Anthropology Chicago: Prickly Paradigm Press.
  • DE CERTEAU, Michel. 2001. A Cultura no Plural Campinas, Papirus.
  • DE CERTEAU, Michel. 1994. A Invenção do quotidiano: 1. Artes de fazer Petrópolis: Vozes.
  • DE CERTEAU, Michel. 1985. “Practices of space”. In: BLONSKY, Marshall. (ed.). On Signs Baltimore: The Johns Hopkins University Press, pp. 122-145.
  • CRAPANZANO, Vincet. 2012. “At the heart of the discipline: Critical reflections on fieldwork”. In: ROBBEN, Antonius C.G.M.; SLUKA, Jeffrey A. (eds.). Ethnographic fieldwork. An anthropological reader Malden (Massachusetts): Blackwell, pp. 547-562.
  • CSORDAS, Thomas. J. 2012. “Intuition, revelation”. In: ROBBEN, Antonius C.G.M; SLUKA, Jeffrey A. (eds.) Ethnographic fieldwork. An anthropological reader Malden (Massachusetts): Blackwell, pp. 540-546.
  • DEGEN, Monica. 2012. “The Everyday city of the sense”. In: PADDISON, Ronan; MCCANN, Eugene. (eds.) Cities and Social Change, London: Sag, pp.92-112.
  • DILTHEY, Wilhelm. 2010. Introdução às ciências humanas - tentativa de uma fundamentação para o estudo da sociedade e da história Rio de Janeiro: Forense Universitária.
  • FAVRET-SAADA, Jeanne. 2012. “The way things are said”. In: ROBBEN, Antonius C.G.M.; SLUKA, Jeffrey A. (eds.). Ethnographic fieldwork: An anthropological reader Vol. 23. John Wiley & Sons Malden (Massachusetts): Blackwell, pp. 528-539.
  • FAVRET-SAADA, Jeanne. 1977. Les Mots, la Mort, les Sorts: la sorcellerie dans le bocage, Paris: Gallimard.
  • GEERTZ, Clifford. 2003. Le Souk de Sefrou. Sur l’économie du bazar Saint-Denis: Ed. Bouchene.
  • GEERTZ, Clifford. 1989. A Interpretação das culturas Rio de Janeiro, Ed. LTC.
  • GEURTS, Kathryn Linn. 2002. Culture and the Senses: Bodily ways of knowing in an African community Berkeley, California: University of California Press.
  • GEURTS, Kathryn Linn. 2012. “On Rocks, walks and talks in west Africa. Cultural categories and an anthropology of the senses”. In: ROBBEN, Antonius C.G.M.; SLUKA, Jeffrey A. (eds.). Ethnographic fieldwork: An anthropological reader Vol. 23. John Wiley & Sons Malden (Massachusetts): Blackwell, pp. 496-510.
  • GIBSON, James J. 1966. The Senses Considered As Perceptual Systems Boston: Houghton Mifflin.
  • GIBSON, James J. 1979. The Ecological Approach to Visual Perception Boston: Houghton Mifflin .
  • HAHN, Tomie. 2007. Sensational Knowledge: Embodying Culture through Japanese Dance Wesleyan University Press.
  • HENSHAW, Victoria. 2013. Urban Smellscapes: Understanding and designing urban smell environments. Nova York: Routledge
  • HINTON, Davon E.; HOWES, David; KIRMAYER, Laurence J. 2008. Medical anthropology of sensations. In Transcultural Psychiatry, 45 (2) special issue.
  • HOWES, David. 1990. Les Cinq sens Laval, Université de Laval, Département d’Anthropologie.
  • HOWES, David. 1991. The varieties of sensory experience: A Sourcebook in the Anthropology of the Senses, Toronto: University of Toronto Press.
  • HOWES, David. 2003. Sensual relations: engaging the senses in culture and social theory. Ann Arbor: University of Michigan Press.
  • HOWES, David. (ed.) 2005. Empire of the Senses: The sensual culture reader. Oxford: Berg.
  • HOWES, David. 2006. “Charting the sensorial revolution”. InThe Senses and Society , v. 1, n.1: 113-28.
  • HOWES, David. 2008. “Can these dry bones live? An anthropological approach to the history of the senses”. Journal of American History, v. 95, n. 2: 442-51. https://doi.org/10.2307/25095629
    » https://doi.org/10.2307/25095629
  • HOWES, David. (ed.) 2009. The Sixth Sense Reader. Oxford: Berg .
  • HOWES, David. 2012. “Re-visualizing anthropology through the lens of the Ethnographer’s Eye”. In: HEYWOOD, Ian; SANDYWELL, Barry (eds.) The handbook of visual culture. Oxford: Berg .
  • HOWES, David; CLASSEN, Constance. 1991. “Sounding sensory profiles”. In: D. HOWES (ed.) The varieties of sensory experience. Toronto: University of Toronto Press, 1991.
  • HOWES, David; CLASSEN, Constance. 2013. Ways of Sensing: Understanding the senses in society. London: Routledge .
  • HOWES, David; CLASSEN, Constance. 2013. “The social life of the senses”. Multi-Sensory Aesthetics and the Cultural Life of the Senses. Institut of Ars Vivendi Journal 1(3): 4-23. Kyoto, Ritsumeikan University Ed.
  • HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.
  • HOWES, David; MARCOUX, Jean-Sébastien. 2006. “Introduction a la Culture sensible”. Anthropologie et Sociétés, v. 30, n.3: 7-17. doi:10.7202/014922ar
    » https://doi.org/10.7202/014922ar
  • HSU, Elisabeth. 2008. “The senses and the social”. Ethnos, v. 73, n. 4: 433-443. https://doi.org/10.1080/00141840802563907
    » https://doi.org/10.1080/00141840802563907
  • INGOLD, Tim. 2012. “Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 37: 25-44. https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
    » https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
  • INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
  • INGOLD, Tim. 2008. “Pare, Olhe, Escute! Visão, Audição e Movimento Humano”. Ponto Urbe [Online], v. 3: 1-53. https://doi.org/10.4000/pontourbe.1925
    » https://doi.org/10.4000/pontourbe.1925
  • INGOLD, Tim. 2008. Bindings against Boundaries: Entanglements of life in na open World In Environment and Planning A: Economy and Space Vol 40, Issue 8, pp.1796-1810.
  • INGOLD, Tim. “O dédalo e o labirinto. Caminhar, imaginar e educar a atenção”. Horizontes Antropológicos , 2015, v. 21, n. 44: 21-36. https://doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
    » https://doi.org/10.1590/S0104-71832015000200002
  • INGOLD, Tim. 2000. The Perception Of The Environment: essays on livelihood, dwelling and skill London: Routledge .
  • JACKSON, Phil. 2004. Inside Clubbing: Sensual experiments in the art of being human Oxford: Berg .
  • JAY, Martin. 2012. “In the realm of the senses: an introduction”. The American Historical Review, v. 116, n. 2: 307-315. https://doi.org/10.1086/ahr.116.2.307
    » https://doi.org/10.1086/ahr.116.2.307
  • JONAS, Hans. 1966. The Phenomenon of Life Chicago: University of Chicago Press.
  • LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale Paris: Téraèdre.
  • LEE, Jo; INGOLD, TIM. 2006. “Fieldwork on foot. Perceiving, routing, socializing”. In: COLEMAN, Simon; COLLINS, Peter (orgs.) Locating the Field. Space, place, and context in anthropology Oxford / Nova York: Berg, pp. 67-86.
  • PINK, Sarah. 2009 [2017]. Doing Sensory Ethnography London: SAGE Publications Ltd.
  • PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php Acesso em 2 de dezembro de 2017.
    » https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php
  • PINK, Sarah. 2006. The Future Of Visual Anthropology: Engaging the senses Londres: Routledge
  • PINK, Sarah. 2014. “Mobilising Visual Ethnography: Making Routes, Making Place and Making”. SQS - Forum Qualitative Social Research / Sozialforschung, v. 9, n. 3, Art. 36. https://doi.org/10.17169/fqs-9.3.1166
    » https://doi.org/10.17169/fqs-9.3.1166
  • PINK, Sarah. 2011. “What is sensory ethnography?” [Streaming video]. SAGE Research Methods: 2011. Disponível em: Disponível em: http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography Acesso em 10 de janeiro de 2018.
    » http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography
  • MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Phenomenologie de La perception Paris: Gallimard .
  • MERLEAU-PONTY, Maurice. 1964. Le Visible et l’invisible Paris: Gallimard .
  • MERLEAU-PONTY, Maurice. 1985. L’Oeil et l’esprit Paris: Gallimard .
  • RABINOW, Paul. 1991. “Las representaciones son hechos sociales: Modernidad y postmodernidad en la antropologia”. In CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia Madri, Ediciones Júcar, pp. 321-356.
  • RABINOW, Paul. 2007 Marking Time: On the Anthropology of the Contemporary, Princeton: Princeton University Press.
  • RABINOW, Paul. 2012. “Fieldwork and friendship in Morocco”. In ROBBEN, Antonius C.G.M; SLUKA, Jeffrey A. (eds.). Ethnographic Fieldwork: An anthropological reader New Jersey, Blackwell, pp. 520-528.
  • RABINOW, Paul; SULLIVAN, William M. Interpretive Social Science: A Second Look University of California Press, 1987.
  • RHYS-TAYLOR, Alex. 2017. Coming to our Senses: A Multi-sensory Ethnography of Class and Multiculture in East London Londres, Tese de doutorado, Universidade de Londres. Disponível em: Disponível em: http://eprints.gold.ac.uk/3226/1/SOC_thesis_Rhys-Taylor_2011.pdf Consultada em 20/11/2017.
    » http://eprints.gold.ac.uk/3226/1/SOC_thesis_Rhys-Taylor_2011.pdf
  • RIVIÈRE, Claude. 2006. “LAPLANTINE François. Le Social et le sensible, introduction à une anthropologie modale. Recherches sociologiques et anthropologiques”. Recherches Sociologiques et Anthropologiques, v. 37, n. 2: 212-214. https://doi.org/10.4000/rsa.597
    » https://doi.org/10.4000/rsa.597
  • RIVLIN, Robert; GRAVELLE, Karen. 1985. Deciphering the Senses: The Expanding World of Human Perception New York: Simon and Schuster.
  • ROEDER, George H. 1994. “Coming to Our Senses”. The Journal of American History, v. 81: 1112-1122. https://doi.org/10.2307/2081453
    » https://doi.org/10.2307/2081453
  • SIMMEL, Georg. 1983. “Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal”. In MORAIS FILHO, Evaristo de (Org.). Georg Simmel: sociologia. São Paulo: Ática.
  • SIMMEL, Georg. 2006. Questões fundamentais da sociologia Rio de Janeiro: Zahar.
  • SPENCER, Dale C. 2012. Ultimate Fighting and Embodiment London: Routledge .
  • SYNNOTT, Anthony. 1993. The Body Social London: Routledge .
  • TYLER, Stephen. 1991. “Etnografia postmoderna: desde el documento de lo oculto al oculto documento”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia Madri, Ediciones Júcar , pp. 183-204.
  • WEBER, Max. 2009. Economia e sociedade Brasília: Editora da UNB.
  • 1
    Assonância é uma figura de som que indica a repetição de um som vocálico em uma frase; dissonâncias são os desacordos de som, sem harmonia, sem possibilidade de um entendimento melódico; e ressonâncias, seria o ressoar, no nosso caso, de uma ideia, de uma teoria ou de uma perspectiva. Trago essas categorias para falar dos sentidos de um termo e das harmonias e desarmonias, assonâncias e dissonâncias que ressoam ou não, nos trabalhos dos autores que, acreditamos, contribuem, seja para a antropologia dos sentidos, seja para a etnografia sensorial.
  • 2
    Como no original: “how the patterning of sense experience varies from one culture to the next in accordance with the meaning and emphasis attached to each of the modalities of perception” (Howes, 1991HOWES, David. 1991. The varieties of sensory experience: A Sourcebook in the Anthropology of the Senses, Toronto: University of Toronto Press.: 3). Tradução livre da pesquisadora.
  • 3
    “Ingold’s work suggested that separating out sensory modalities as Howes proposed situates them in disembodied ‘culture’ and is incompatible with an anthropology that understands learning and knowing as situated in embodied practice and movement”. (Pink, 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
    https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
    : 332) Trad. Livre da pesquisadora
  • 4
  • 5
    Como no original: “Sensory ethnography is, what I think, the rethinking of ethnography in terms of senses. So that doesn’t mean the ethnographic study of the senses, although that could form part of a sensory ethnography project. But sensory ethnography is a methodology. It’s an approach to doing ethnography that takes account of sensory experience, sensory perception, and sensory categories that we use when we talk about our experiences and our everyday life” (Pink, 2011PINK, Sarah. 2011. “What is sensory ethnography?” [Streaming video]. SAGE Research Methods: 2011. Disponível em: Disponível em: http://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography . Acesso em 10 de janeiro de 2018.
    http://methods.sagepub.com/video/what-is...
    b: video). Tradução livre da pesquisadora.
  • 6
    A respeito do diálogo entre a etnografia sensorial e os meios digitais e audiovisuais, ver: Castaing-Taylor (1994); Grimshaw (2001); Laplantine (2005); MacDougall (2005); Pink (2006PINK, Sarah. 2006. The Future Of Visual Anthropology: Engaging the senses. Londres: Routledge; 2009PINK, Sarah. 2009 [2017]. Doing Sensory Ethnography. London: SAGE Publications Ltd.).
  • 7
    Como no original: a sensory anthropology implies a ‘re-thought’ anthropology” (Pink, 2010PINK, Sarah. 2010. What is Sensory Ethnography In National Center for Research Methods. [Streaming video] [Streaming video] https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/RMF2010/pages/18_Sensory.php . Acesso em 2 de dezembro de 2017.
    https://www.ncrm.ac.uk/resources/video/R...
    : 331). Tradução livre da pesquisadora.
  • 8
    Considerando não ter pertinência um aprofundamento, neste artigo, desse diálogo entre Antropologia e Fenomenologia, observamos, apenas, a aderência da procura operada por Merleau-Ponty no que concerne a uma leitura crítica do ipseísmo - a centralidade da subjetividade - na obra de Husserl. Nessa perspectiva, acompanhada por Heidegger, abre-se a possibilidade de uma fenomenologia do corpo e da sensorialidade.
  • 9
    Como no original: “Howes holds as sacrosanct the principle that as anthropologists, we should attend to and respect indigenous understandings of perception. ‘The way should always be left open’, he says, ‘for indigenous paradigms of perception to “break through” anthropological or philosophical or neurological models of perception’ (HOWES & PINK 2010HOWES, David; PINK, Sara. 2010. The future of sensory anthropology/the anthropology of the senses. In Social Anthropology, 18 (3): 331-40.: 340). I agree. Howes’s anthropological model of perception, however, does precisely the opposite. By insisting that every indigenous paradigm is itself a ‘product of culture’, he effectively neutralises any challenge it might present to his own approach.” (INGOLD, 2011INGOLD, Tim. 2011. “Worlds of sense and sensing the world: a response to Sarah Pink and David Howes”. Social Anthropology/ Anthropologie Sociale nº 19, 3313-317. https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011.00163.x
    https://doi.org/10.1111/j.1469-8676.2011...
    : 315). Tradução livre da pesquisadora.
  • 10
    Como no original: “a process of appropriation of the topographical system on the part of the pedestrian” (De Certeau, 1984: 97-98) Tradução Livre da pesquisadora.
  • 11
    Como no original: “a process of appropriation of the topographical system on the part of the pedestrian” (De Certeau, 1984: 97-98) Tradução Livre da pesquisadora.
  • 12
    Como no original: “the relationship between the making of place and urban walking is already clearly established in the social science literature” (Pink, 2008: 3) Tradução Livre da pesquisadora.
  • 13
    Como no original: “to much anthropological fieldwork” (Ingold, 2006: 67)
  • 14
    Como no original: “locomotive (or getting around) aspect of walking allows for an understanding of places being created by routes. A place walked through is made by the shifting interaction of person and environment, in which the movement of the whole body is important rather than just as an act of vision outwards from a fixed point. In walking we are on the move, seeing and feeling a route ahead of us and creating a path around and after us. We can often explore a new place most fruitfully by walking through and around it. For the anthropologist, this in turn leads to the realization that we have to understand the routes and mobilities of others.” (Lee; Ingold, 2006LEE, Jo; INGOLD, TIM. 2006. “Fieldwork on foot. Perceiving, routing, socializing”. In: COLEMAN, Simon; COLLINS, Peter (orgs.) Locating the Field. Space, place, and context in anthropology. Oxford / Nova York: Berg, pp. 67-86.: 68).
  • 15
    Como no original: “of course these experiences and practices are not simply visual, rather the visuality of them is embedded in multisensorial experiences and contexts and is inextricably tied to the use of verbal, tactile and other forms of communication” (PINK, 2008: 3).
  • 16
    Neste trabalho utilizamos tanto a edição em língua francesa (Laplantine, 2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.) com a em língua inglesa (Laplantine, 2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.).
  • 17
    Como no original: “Une anthropologie modale, qui est donc une anthropologie des modes, des modifications et des modulations, implique un mode de connaissance susceptible de render en compte du caractère ductible et flexible de l’expérience sensible. Peut être qualifié de modal tout ce qui a été rejeté par l’ordre du logos (platonicien, chrétien, cartésien) et culmine dans la logique dénotative, logique univoque, uniforme, unilatérale, monologique, monoculturelle, monolinguistique dont le souci majeur est de définir, de mettre par exemple des légendes sous les images et de nous soumettre à cette injonction : « écoute », « regarde » » (Laplantine, 2017LAPLANTINE, François. 2017. Le Social et le sensible. Introduction à une anthropologie modale. Paris: Téraèdre.: 187).
  • 18
    Como no original: “changement sensible de température, vulnérabilité de la personne sensible, sensibilité aux sons, odeurs, goûts et perceptions, il s’intéresse au vécu (erleben) entre opacité et transparence, présence et absence (comme dans la saudade) plutôt qu’à la vie (leben) au sens biologique. Rien de stable, tout s’écoule » (Rivière, 2006RIVIÈRE, Claude. 2006. “LAPLANTINE François. Le Social et le sensible, introduction à une anthropologie modale. Recherches sociologiques et anthropologiques”. Recherches Sociologiques et Anthropologiques, v. 37, n. 2: 212-214. https://doi.org/10.4000/rsa.597
    https://doi.org/10.4000/rsa.597...
    : 1) Tradução livre da pesquisadora.
  • 19
    Como no original: “L’anthropologie modale proposée par François Laplantine est un essai à caractère plutôt philosophique pour suggérer de ne pas omettre, dans l’appréhension intelligible du social, la fluidité du sensible, le vécu émotif et corporel des individus, les vibrations du mouvant, les modifications en acte y compris les genèses, maturations et déclins » (Rivière, 2006RIVIÈRE, Claude. 2006. “LAPLANTINE François. Le Social et le sensible, introduction à une anthropologie modale. Recherches sociologiques et anthropologiques”. Recherches Sociologiques et Anthropologiques, v. 37, n. 2: 212-214. https://doi.org/10.4000/rsa.597
    https://doi.org/10.4000/rsa.597...
    : 1). Tradução livre da pesquisadora.
  • 20
    Como no original “The practice of making nonfiction work which goes under the names media anthropology or sensory ethnography is based on the understanding that human meaning does not emerge only from language; it engages with the ways in which our sensory experience is pre-or non-linguistic, and part of our bodily being in the world. It takes advantage of the fact that our cognitive awareness - conscious as well as unconscious - consists of multiple strands of signification, woven of shifting fragments of imagery, sensation and malleable memory. Works of sensory media are capable of echoing or reflecting or embodying these kinds of multiple simultaneous strands of signification” (Karel, 2013: 1), tradução livre da pesquisadora.
  • 21
    No original: Sensory ethnography is, what I think, the rethinking of ethnography in terms of senses. So that doesn’t mean the ethnographic study of the senses, although that could form part of a sensory ethnography project. But sensory ethnography is a methodology. It’s an approach to doing ethnography that takes account of sensory experience, sensory perception, and sensory categories that we use when we talk about our experiences and our everyday life. In https://methods.sagepub.com/video/what-is-sensory-ethnography, consultado em 10/11/2020. Tradução livre da pesquisadora.
  • 22
    Ressaltamos que o artigo se propõe a mapear e colocar em evidências dissonâncias e assonâncias semânticas na construção da antropologia dos sentidos e da etnografia sensorial, assim como em evidenciar as ressonâncias na construção dessas disciplinas.
  • 23
    Como no original, “... las seis maneras siguientes: (1) por el contexto (descripción de los significados sociales); (2) por la retórica (uso y desuso de las convencionalidades expresivas); (3) por la desinstitucionalización (en contra de las tradiciones específicas, de las disciplinas que acostumbran al receptor del mensaje); (4) por la generalización (pues un etnógrafo, por lo general, resulta fácil de descubrir entre un novelista o entre unos simples viajeros); (5) por la politización (toda autoridad, todo autoritarismo cultural, que pretenda la unidimensión del discurso, debe ser contestado); (6) por el historicismo (es necesario conocer la Historia para lograr el cese de los lugares comunes).” (Clifford, 1991CLIFFORD, James. 1991. “Sobre la alegoría etnográfica”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madrid, Ediciones Júcar , p. 151-182.: 32-33)
  • 24
    Como no original “Precisamente porque la etnografía postmoderna prima el “discurso” sobre el “texto”, presenta el diálogo como oposición al monólogo; y pone un énfasis mayor en la cooperación natural con el sujeto sometido a estudio, situación que contrasta grandemente con ésa en la que el observador, el investigador, pertrechado de ideología, se toma por transcendente observador científico.” (Tyler, 1991TYLER, Stephen. 1991. “Etnografia postmoderna: desde el documento de lo oculto al oculto documento”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George. Retóricas de la Antropologia. Madri, Ediciones Júcar , pp. 183-204.: 188)
  • FINANCIAMENTO:

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará - FAPESPA e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2020
  • Aceito
    14 Jan 2021
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com