Acessibilidade / Reportar erro

Prevendo a sobrevida da fibrose pulmonar idiopática: estamos melhorando?

EDITORIAL

Prevendo a sobrevida da fibrose pulmonar idiopática: estamos melhorando?

Harold R. Collard; Talmadge E. King Jr.

Divisão de Ciências Pulmonares e Medicina Intensiva, Centro de Ciências da Saúde, Universidade do Colorado, Denver, Colorado (HRC) e Departamento de Medicina, Hospital Geral de São Francisco, Universidade da Califórnia em São Francisco, São Francisco, Califórnia (TEK)

Fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma doença pulmonar crônica difusa caracterizada por dispnéia progressiva e padrão histológico de pneumonia intersticial usual (PIU).(1) A proeminência da histopatologia na sua definição ressalta o recente reconhecimento de que FPI/PIU é uma forma única de pneumonia intersticial idiopática com resposta mínima ao tratamento e um prognóstico particularmente ruim.(2-5) Além disso, há evidências crescentes sugerindo que o paradigma tradicional da inflamação crônica levando a fibrose (relevante para muitas formas de doença pulmonar difusa) pode não se aplicar à FPI/PIU.(6) Ao invés disso, anormalidades de remodelamento tecidual e reparo podem levar a um distúrbio primariamente fibroproliferativo.(7,8)

O padrão histopatológico da PIU é definido pela heterogeneidade temporal da fibrose, com áreas de pulmão normal adjacente a áreas de fibrose em fase terminal, e pulmão em favo de mel.(9) Uma característica do padrão PIU é a ocorrência de coleções subepiteliais de tecido conectivo frouxo e miofibroblastos, as quais têm sido denominadas "focos fibroblásticos". O foco fibroblástico parece ser relativamente único à FPI/PIU, já que ele ocorre raramente, se realmente isso acontece, em outros padrões histológicos de pneumonias intersticiais idiopáticas. Tem sido proposto que o foco fibroblástico represente o principal elemento para o desenvolvimento da doença com a eventual progressão dessa lesão para fibrose terminal.(6)

Devido à hipótese de que FPI/PIU seja um distúrbio primariamente fibroproliferativo e que os focos fibroblásticos possam representar áreas de deposição ativa do colágeno e remodelação tecidual, vários centros têm investigado a relação entre características histológicas, incluindo os focos fibroblásticos, e a sobrevida em populações cuidadosamente definidas de pacientes com FPI/PIU.(10-14) Em 1998, Gay et al., da Universidade de Michigan, reviram biópsias pulmonares cirúrgicas de 38 pacientes com FPI/PIU e não encontraram relação entre "tecido conectivo intersticial jovem"(ou seja, focos fibroblásticos) e sobrevida.(12) Esse estudo, muito provavelmente, incluiu casos de PINS (pneumonia intersticial não específica) e o tamanho da amostra era provavelmente pequeno para identificar uma relação significante. Em 2001, publicamos dados relativos a 87 pacientes vistos no National Jewish Medical and Research Center com diagnóstico de FPI/PIU.(10) Usando o mesmo sistema de escore histopatológico empregado no estudo de Gay, encontramos uma relação significante entre focos fibroblásticos e sobrevida (razão de risco: 1,93; 95% IC: 1,31 a 2,83; p = 0,0009). Em 2002, Nicholson et al., do Royal Brompton Hospital, revisaram 53 pacientes com FPI/PIU usando um diferente sistema de escores histopatológicos e encontraram uma relação significante entre focos fibroblásticos e sobrevida (p = 0,006).(11) Mais recentemente, Flaherty et al., novamente da Universidade de Michigan, revisaram 99 pacientes com FPI/PIU e, usando um terceiro sistema de escores histológicos, não encontraram relação entre focos fibroblásticos e sobrevida (razão de risco: 1,33; 95% IC: 0,86 a 2,05; p = 0,20).(13)

É no contexto desses estudos discordantes que o artigo de Coletta et al. é publicado no presente número deste jornal.(15) Nesse estudo, 51 pacientes com FPI/PIU foram identificados por critérios clínicos e histopatológicos rigorosos. Os critérios de seleção parecem ser adequados, embora os resultados tenham encontrado um grau de celularidade maior do que seria esperado para o padrão PIU, levantando a preocupação de que alguns pacientes com pneumonia intersticial não específica fibrótica tenham sido incluídos. Utilizando um sistema de escores histopatológicos semelhante ao usado por outros centros, os autores encontraram que focos fibroblásticos e espessamento miointimal correlacionaram-se de maneira significante com sobrevida (p < 0,05). Curvas de Kaplan-Meyer de sobrevida para pacientes separados em função de escores de focos fibroblásticos inferiores a 2 (considerados esparsos) e iguais a ou maiores do que 2 revelaram sobrevidas medianas superiores a 70 meses (n = 14) e 29 meses (n = 37), respectivamente.

Por que a identificação de fatores preditores de sobrevida tem sido um desafio na FPI, uma doença com taxa de mortalidade semelhante à do câncer? Há várias razões importantes. Primeiro, o diagnóstico de FPI/PIU foi apenas recentemente revisto, e muitos estudos haviam incluído, e continuam a incluir, pacientes com diagnósticos alternativos sob a rubrica de FPI. Segundo, FPI/PIU é uma doença relativamente rara e amostras de tamanho significativo são difíceis de ser obtidas. Terceiro, a maioria dos modelos preditores publicados é derivada da análise de regressão de múltiplas variáveis, aumentando a possibilidade da identificação de preditores apenas pelo acaso (erro tipo I). Finalmente, a maioria dos estudos baseia-se em revisões retrospectivas de bancos de dados clínicos, o que fatalmente leva à possibilidade de viés e fatores de confusão nos seus resultados.

Como então deve ser a abordagem de um clínico para prever a sobrevida de um paciente com FPI/PIU sob os seus cuidados? Mais importante, o diagnóstico de FPI/PIU deve ser confirmado por rígidos critérios clínicos e radiográficos (e, se indicados, histopatológicos), como os descritos recentemente no Consenso da American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS).(1) O diagnóstico de FPI/PIU tem sido consistentemente associado a prognóstico ruim, com tempo de sobrevida mediana de aproximadamente dois-três anos.1,3-5,16 No presente momento, a graduação histopatológica de focos fibroblásticos (ou de qualquer outro fator) não deve ser usada para prever a sobrevida na FPI/PIU. Modelos de previsão baseados na combinação de múltiplas medidas clínicas e/ou fisiológicas basais têm sido derivados a partir de grandes grupos de pacientes com FPI/PIU cuidadosamente selecionados, e parecem funcionar bem.(17,18) Além disso, vários grupos têm descrito que mudanças em variáveis clínicas (como, por exemplo, a capacidade vital forçada) e em imagens obtidas por tomografia de alta resolução ao longo do tempo são capazes de prever o tempo de sobrevida em FPI/PIU.(19-24) O emprego de modelos de previsão clínica e a avaliação de mudanças em variáveis clínicas e radiográficas ao longo do tempo podem ajudar a obtermos melhor idéia do prognóstico de pacientes com FPI. É importante lembrar, entretanto, que nenhum elemento preditor de sobrevida pode prever de maneira confiável o prognóstico individual de um paciente. Os clínicos devem tomar consciência dessa limitação e usar os instrumentos preditores disponíveis como linhas gerais de prognóstico e não como bolas de cristal.

Referências

1. American Thoracic Society. Idiopathic pulmonary fibrosis: diagnosis and treatment. International consensus statement. American Thoracic Society (ATS), and the European Respiratory Society (ERS). Am J Respir Crit Care Med 2000;161:646-64.

2. Katzenstein ALA, Myers JL. Idiopathic pulmonary fibrosis. Clinical relevance of pathologic classification. Am J Respir Crit Care Med 1998; 157:1301-15.

3. Bjoraker JA, Ryu JH, Edwin MK. Prognostic significance of histopathologic subsets in idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med 1998;157:199-203.

4. Nicholson A, Colby TV, du Bois RM, Hansell DM, Wells AU. The prognostic significance of the histologic pattern of interstitial pneumonia in patients with the clinical entity of cryptogenic fibrosing alveolitis. Am J Respir Crit Care Med 2000;162:2213-7.

5. Flaherty KR, Toews GB, Travis WD. Clinical significance of histological classification of idiopathic interstitial pneumonia. Eur Respir J 2002; 19:275-83.

6. Selman M, King TE, Pardo A. Idiopathic pulmonary fibrosis: prevailing and evolving hypotheses about its pathogenesis and implications for therapy. Ann Intern Med 2001;134:136-51.

7. Selman M, Pardo A. Idiopathic pulmonary fibrosis: an epithelial/fibroblastic cross-talk disorder. Respir Res 2002;3:3.

8. Pardo A, Selman M. Idiopathic pulmonary fibrosis: new insights in its pathogenesis. The International Journal of Biochemistry & Cell Biology 2002;34:1534-8.

9. Katzenstein AL, Zisman DA, Litzky LA, Nguyen BT, Kotloff RM. Usual interstitial pneumonia: histologic study of biopsy and explant specimens. Am J Surg Pathol 2002;26:1567-77.

10. King TE, Jr., Schwarz MI, Brown K. Idiopathic pulmonary fibrosis: relationship between histopathologic features and mortality. Am J Respir Crit Care Med 2001;164:1025-32.

11. Nicholson AG, Fulford LG, Colby TV, du Bois RM, Hansell DM, Wells AU. The relationship between individual histologic features and disease progression in idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med 2002;166:173-7.

12. Gay SE, Kazerooni EA, Toews GB. Idiopathic pulmonary fibrosis: predicting response to therapy and survival. Am J Respir Crit Care Med 1998;157:1063-72.

13. Flaherty KR, Colby TV, Travis WD. Fibroblastic foci in usual interstitial pneumonia: idiopathic versus collagen vascular disease. Am J Respir Crit Care Med 2003;167:1410-5.

14. Flaherty KR, Colby T, Travis WD. Prognostic value of fibroblastic foci in patients with usual interstitial pneumonia. Chest 2001;120:76S-77S.

15. Coletta E, Pereira C, Ferreira R. Histological features and survival in idiopathic pulmonary fibrosis. J Pneumol 2003;29:371-8.

16. American Thoracic Society/European Respiratory Society International Multidisciplinary Consensus Classification of the Idiopathic Interstitial Pneumonias. Am J Respir Crit Care Med 2002;165:277-304.

17. King TE, Jr., Tooze JA, Schwarz MI, Brown KR, Cherniack RM. Predicting survival in idiopathic pulmonary fibrosis: scoring system and survival model. Am J Respir Crit Care Med 2001;164:1171-81.

18. Wells AU, Desai SR, Rubens MB. Idiopathic pulmonary fibrosis: a composite physiologic index derived from disease extent observed by computed tomography. Am J Respir Crit Care Med 2003;167:962-9.

19. Martinez F, Bradford W, Safrin S, Starko K, Brown K. Rates and characteristics of death in patients with idiopathic pulmonary fibrosis (IPF). Chest 2003;124:117S.

20. Latsi PI, du Bois RM, Nicholson AG. Fibrotic idiopathic interstitial pneumonia: the prognostic value of longitudinal functional trends. Am J Respir Crit Care Med 2003;168:531-7.

21. Flaherty KR, Mumford JA, Murray S. Prognostic implications of physiologic and radiographic changes in idiopathic interstitial pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 2003;168:543-8.

22. Collard HR, Jr TEK, Bucher-Bartelson B, Vourlekis JV, Schwarz MI, Brown KK. Changes in clinical and physiologic variables predict survival in idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med 2003; In press.

23. Hanson D, Winterbauer RH, Kirtland SH, Wu R. Changes in pulmonary function test results after 1 year of therapy as predictors of survival in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. Chest 1995;108:305-310.

24. Nagao T, Nagai S, Hiramoto Y. Serial evaluation of high-resolution computed tomography findings in patients with idiopathic pulmonary fibrosis in usual interstitial pneumonia. Respiration 2002;69:413-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de Patologia, Laboratório de Poluição Atmosférica, Av. Dr. Arnaldo, 455, 01246-903 São Paulo SP Brazil, Tel: +55 11 3060-9281 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: jpneumo@terra.com.br