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Acesso à educação infantil e trajetórias de desempenho escolar no ensino fundamental

Acceso a la educación preescolar y trayectorias de desempeño en la escuela de educación primaria

Resumos

No pressuposto de que a educação infantil (EI) contribui para trajetórias escolares mais favoráveis, o objetivo deste estudo foi verificar o impacto do tempo de exposição à educação infantil sobre o desempenho acadêmico e avaliar o progresso escolar das crianças, na trajetória do 3º ao 5º ano do ensino fundamental, em função da exposição à educação infantil. Participaram 294 alunos de escolas públicas, reunidos em três grupos: sem EI, com um ano de EI e com dois anos de EI. Avaliou-se o desempenho no 3º, 4º e 5º anos, por meio do julgamento do professor e provas coletivas. O Teste de Desempenho Escolar foi aplicado no 3º e 5º ano. Controlado o efeito do nível socioeconômico, a análise de variância com medidas repetidas mostrou que o acesso à EI foi consistentemente associado a melhor desempenho, porém um tempo maior de exposição à EI não teve efeito adicional. Dadas suas implicações para políticas públicas, este último resultado requer verificação e esclarecimento por meio de novas pesquisas.

educação infantil; rendimento escolar; ensino fundamental


Bajo el presupuesto de que la educación preescolar (EP) afecta positivamente el progreso académico, esto estudio investigó el impacto del tiempo de exposición a la educación infantil en el desempeño académico y evaluar el progreso escolar de los niños, en la trayectoria del 3º al 5º año de la educación primaria, en función de la exposición a la educación preescolar. Participaron 294 niños y niñas, alumnos de escuelas públicas, en tres grupos: sin EP, con un año de EP o con dos años de EP. El desempeño escolar fue evaluado en el tercer, cuarto y quinto grado por los profesores y con pruebas colectivas de portugués y matemática. El Test de Desempeño Escolar fue aplicado en el tercer y en el quinto grado. Controlado el nivel socioeconómico, el análisis de variancia con medidas repetidas mostró que el acceso a la EP fue consistentemente asociado a un mejor desempeño, pero un año a más de frecuencia a la EP no tuvo efecto adicional. Esto último resultado requiere verificación y clarificación mediante nuevas investigaciones, dadas sus implicaciones para políticas públicas.

crianza del nino; rendimiento escolar; enseñanza de primer grado


The conception that early childhood education (ECE) positively affects academic progress is well established. The purpose of this study was to verify the impact of time of exposure to ECE on the academic performance of children and evaluate their academic progress from the 3rd to the 5th grade when there is exposure to early childhood education. Participants were 294 public school students (both genders) divided into three groups: no ECE, one year of ECE, and two years of ECE. Academic achievement was assessed in the 3rd, 4th, and 5th grades through the judgment of teachers and collective written evaluations of the Portuguese language and mathematics. An Academic Achievement test was administered to 3rd and 5th year students. A multivariate analysis with repeated measures, controlled for socioeconomic level, showed ECE was consistently associated with greater achievement, though one extra year in ECE did not show any additional effect on academic performance. Further research is required due to the implications of this last result for public policies.

early childhood education; academic achievement; elementary education


ARTIGO

Acesso à educação infantil e trajetórias de desempenho escolar no ensino fundamental1 1 Artigo derivado da Tese de Doutorado da primeira autora, defendida no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 2010. Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Acceso a la educación preescolar y trayectorias de desempeño en la escuela de educación primaria

Elaine Cristina Gardinal-PizatoI; Edna Maria MarturanoII; Anne Marie Germaine Victorine FontaineIII

IFaculdades Integradas de Jaú, Jaú-SP, Brasil

IIUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

IIIUniversidade do Porto, Porto, Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Elaine Cristina Gardinal-Pizato Rua Oswaldo Cruz, 103, Jardim Figueira Branca CEP: 17.300-000. Dois Córregos-SP, Brasil E-mail: egardinal@yahoo.com.br

RESUMO

No pressuposto de que a educação infantil (EI) contribui para trajetórias escolares mais favoráveis, o objetivo deste estudo foi verificar o impacto do tempo de exposição à educação infantil sobre o desempenho acadêmico e avaliar o progresso escolar das crianças, na trajetória do 3º ao 5º ano do ensino fundamental, em função da exposição à educação infantil. Participaram 294 alunos de escolas públicas, reunidos em três grupos: sem EI, com um ano de EI e com dois anos de EI. Avaliou-se o desempenho no 3º, 4º e 5º anos, por meio do julgamento do professor e provas coletivas. O Teste de Desempenho Escolar foi aplicado no 3º e 5º ano. Controlado o efeito do nível socioeconômico, a análise de variância com medidas repetidas mostrou que o acesso à EI foi consistentemente associado a melhor desempenho, porém um tempo maior de exposição à EI não teve efeito adicional. Dadas suas implicações para políticas públicas, este último resultado requer verificação e esclarecimento por meio de novas pesquisas.

Palavras-chave: educação infantil, rendimento escolar, ensino fundamental

RESUMEN

Bajo el presupuesto de que la educación preescolar (EP) afecta positivamente el progreso académico, esto estudio investigó el impacto del tiempo de exposición a la educación infantil en el desempeño académico y evaluar el progreso escolar de los niños, en la trayectoria del 3º al 5º año de la educación primaria, en función de la exposición a la educación preescolar. Participaron 294 niños y niñas, alumnos de escuelas públicas, en tres grupos: sin EP, con un año de EP o con dos años de EP. El desempeño escolar fue evaluado en el tercer, cuarto y quinto grado por los profesores y con pruebas colectivas de portugués y matemática. El Test de Desempeño Escolar fue aplicado en el tercer y en el quinto grado. Controlado el nivel socioeconómico, el análisis de variancia con medidas repetidas mostró que el acceso a la EP fue consistentemente asociado a un mejor desempeño, pero un año a más de frecuencia a la EP no tuvo efecto adicional. Esto último resultado requiere verificación y clarificación mediante nuevas investigaciones, dadas sus implicaciones para políticas públicas.

Palabras clave: crianza del nino, rendimiento escolar, enseñanza de primer grado

A evidência de efeitos positivos da educação infantil sobre o desempenho escolar posterior está bem estabelecida (Benitez & Flores, 2002; Entwisle & Alexander, 1998). Atualmente se reconhece, ao redor do mundo, que programas destinados às crianças pequenas constituem um bom investimento social e econômico, dados seus amplos e duradouros benefícios (Reynolds & Temple, 2008; Sassi, 2011).

A questão do impacto da educação infantil é particularmente relevante em nosso país, onde tem havido maior atenção a políticas públicas para a infância nas últimas décadas. A educação infantil é reconhecida oficialmente como a primeira etapa da educação básica, com a finalidade de promover o desenvolvimento integral da criança (Lei No. 9.394, 1996). O Plano Nacional da Educação - PNE (Lei No. 10.172, 2001) define metas de expansão do atendimento em creches (idade até 3 anos) e pré-escolas (4 a 5 anos), visando à universalização do acesso.

A cobertura da educação infantil revela crescimento, ainda que com diferenças regionais e distorções relacionadas a variáveis sócio-demográficas (Campos, Fullgraf, & Wiggers, 2006). Levantamento recente indica que a proporção de crianças, na faixa etária de 04 a 06 anos, que frequentava escola em 2008 alcançou a média nacional de 80%, índice que atendeu antecipadamente à meta do PNE para 2010 (Vieira, 2010).

A educação infantil como investimento tem atraído a atenção de pesquisadores brasileiros no campo da economia social, interessados em identificar fatores relacionados ao sucesso na vida escolar e no mercado de trabalho. Em levantamento nacional com dados da rede pública obtidos no SAEB 2003 e na Prova Brasil 2005, Felício e Vasconcellos (2007) encontraram resultados sugestivos de uma relação de causalidade entre a frequência à educação infantil e os resultados em matemática, na quarta série do ensino fundamental. Curi e Menezes-Filho (2006) investigaram o efeito da educação infantil sobre a probabilidade de conclusão das etapas de ensino e sobre os salários futuros, a partir dos dados da Pesquisa de Padrão de Vida (PPV) realizada pelo IBGE, e sobre o desempenho em matemática, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Seus resultados indicam que ter frequentado a pré-escola tem efeitos positivos e significativos em todos os casos.

Os dados da literatura nacional mencionados nos parágrafos precedentes sugerem que a educação infantil, ainda que não tenha a atribuição oficial de preparar a criança para o enfrentamento dos desafios da escolarização formal (Lei No. 9.394, 1996), opera como um construtor de competências facilitadoras de uma trajetória escolar bem sucedida, assim como aponta a literatura internacional (Reynolds & Temple, 2008). Em uma perspectiva de desenvolvimento, Trivellato-Ferreira e Marturano (2008) puderam constatar efeitos facilitadores na transição para o ensino fundamental. Em seu estudo, crianças que concluíram um ano de educação infantil, comparadas aos colegas sem essa experiência prévia, não só foram mais bem avaliadas por seus professores quanto ao desempenho em português e matemática, mas também se saíram melhor em um teste padronizado de desempenho escolar, foram consideradas pelos professores como mais ajustadas na sala de aula e relataram, elas mesmas, menos sintomas de stress, assim como menor vulnerabilidade a eventos escolares estressantes no 1º ano do ensino fundamental.

Este artigo examina efeitos da exposição à educação infantil (EI) em uma perspectiva de desenvolvimento, focalizando duas questões ainda pouco exploradas. A primeira é se o tempo de exposição à EI faz diferença no aprendizado no ensino fundamental. Estudos esparsos sugerem efeitos pontuais. Entwisle e Alexander (1998) verificaram que crianças com mais tempo na educação infantil tinham melhores resultados acadêmicos e sócio-emocionais na primeira série. No Brasil, Curi e Menezes-Filho (2006) mostraram que os alunos da 4ª série que iniciaram os estudos no maternal obtiveram notas mais altas em matemática na Prova SAEB-2003 em comparação aos alunos que iniciaram os estudos na pré-escola.

A segunda questão examinada neste artigo é a de como o acesso à EI afeta a trajetória escolar das crianças no ensino fundamental, em termos da vantagem no desempenho, constatada em diferentes níveis escolares por meio de estudos transversais. Haveria um padrão ao longo do tempo? Tal vantagem se mantém constante, diminui ou, ao contrário, aumenta conforme as crianças progridem na escola?

A possibilidade de um padrão de diferenças estáveis recebe apoio de estudos longitudinais (Andersson, 2010; Landerl & Wimmer, 2008), bem como de pesquisas mostrando que o desempenho e as habilidades da criança no início da escola elementar predizem sua trajetória escolar nos anos subsequentes (Crosnoe et al., 2010; Entwisle & Alexander, 1998; Malaspina & Rimm-Kaufman, 2008; McClelland, Acock, & Morrison, 2006). No Brasil, a prática de agrupar os alunos em turmas homogêneas, frequentemente adotada nas escolas (Cafiero, Rocha, & Soares, 2007), pode ser considerada como um fator de manutenção das diferenças iniciais.

Alternativamente, pode-se sugerir que as diferenças se atenuam com o tempo, em virtude de um efeito compensatório da exposição das crianças ao ensino formal. Essa hipótese, assim como a precedente, não tem base empírica relacionada diretamente ao efeito da EI. No entanto, o estudo longitudinal conduzido por Alves e Soares (2008), sobre o efeito das escolas no aprendizado de língua portuguesa e matemática a partir da 5ª série, sugere efeitos de atenuação de diferenças à medida que as crianças avançam para níveis mais avançados. Seus resultados mostraram que os alunos com nível inicial mais baixo progrediram, em média, mais que os alunos com nível inicial mais alto, embora as diferenças de nível persistissem no final do estudo. Parrila, Aunola, Leskinen, Nurmi e Kirby (2005) encontraram resultados semelhantes para desempenho em leitura, em crianças canadenses seguidas do 1º ao 5º ano: atenuação, mas não a ponto de compensar as diferenças iniciais.

A alternativa oposta, de que as diferenças de desempenho entre crianças com e sem acesso prévio à EI se acentuam ao longo do ensino fundamental, está relacionada à evidência do papel de fatores extra-escolares no desempenho. Estudos com os dados de avaliação dos sistemas de ensino conduzidos no país mostram que uma parcela significativa da variação nos resultados escolares pode ser explicada por circunstâncias externas à sala de aula, associadas, principalmente, à origem social dos alunos (Alves & Soares, 2008), o que é encontrado também na literatura internacional (Aikens & Barbarin, 2008).

Como o acesso à EI é influenciado por variáveis socioeconômicas (Felício & Vasconcellos, 2007; Vieira, 2010), a vantagem inicial das crianças com acesso à EI seriam devidas, pelo menos em parte, a condições socioeconômicas mais favoráveis que, persistindo ao longo da trajetória escolar, continuariam influenciando positivamente e cumulativamente o desempenho desse grupo, contribuindo assim para ampliar sua vantagem em relação às crianças sem acesso à EI. Alves & Soares (2008) detectaram aumento da vantagem associada ao nível socioeconômico entre a 5ª e a 7ª série, apenas em relação à matemática. Jordan, Kaplan, Ramineni e Locuniak (2009) verificaram que as crianças de baixa renda progrediam mais lentamente em matemática, entre o 1º e o 3º ano, em comparação às crianças de renda média ou alta. Nesse estudo, a associação entre nível socioeconômico e progresso em matemática foi mediada por habilidades numéricas avaliadas na educação infantil.

Uma quarta possibilidade pode ser cogitada, a de que os efeitos não são globais, mas variam conforme os domínios específicos focalizados. Por exemplo, Hinnant, O'Brien e Ghazarian (2009) verificaram que trajetórias de desempenho em leitura e aritmética são afetadas diferentemente pelas expectativas do professor no início do ensino fundamental.

Com base nessas considerações, o objetivo deste estudo foi verificar o impacto do tempo de exposição à educação infantil sobre o desempenho acadêmico e avaliar o progresso escolar das crianças, na trajetória do 3º ao 5º ano do ensino fundamental, em função da exposição à educação infantil. O tempo de exposição foi definido em termos de ciclos anuais completos, com variação de zero a dois anos na EI. Para avaliar o desempenho levou-se em consideração a visão do professor, o conteúdo programático de cada nível escolar e o progresso em habilidades acadêmicas básicas. O período entre o 3º e o 5º ano (anteriormente 2ª e 4ª série) foi escolhido por se tratar da fase menos estudada nas pesquisas nacionais sobre efeitos da EI. O nível socioeconômico foi levado em consideração, devido à evidência de que tanto o acesso à EI como o desempenho no ensino fundamental são influenciados por variáveis socioeconômicas (Alves & Soares, 2008; Felício & Vasconcellos, 2007; Vieira, 2010).

Método

O estudo seguiu um delineamento de pesquisa longitudinal. As crianças foram avaliadas três vezes: no segundo semestre do 3º ano (agosto-setembro), no segundo semestre do 4º ano (agosto-setembro) e no primeiro semestre do 5º ano (maio-junho).

Participantes

O estudo é um recorte de investigação mais ampla. A amostra da pesquisa foi composta de 294 crianças, 146 meninos e 148 meninas. Foram considerados potenciais participantes todos os alunos com idade entre 7 anos e 9 anos completos que frequentavam o 3º ano do ensino fundamental no ano de 2007 nas cinco escolas públicas de uma cidade do estado de São Paulo com aproximadamente 24.000 habitantes. A amostra foi reunida no início do ano letivo de 2007 e seguida longitudinalmente até 2009, quando os alunos já estavam no 5º ano. Em 2007, havia 372 alunos matriculados no 3º ano em todo o município, dos quais 89% tinham tido acesso prévio à EI. Atendiam ao critério etário 351 crianças, das quais 336 participaram da primeira coleta e 294 permaneceram no estudo até o final, ou seja, 79% da população escolar do 3º ano na rede pública em 2007.

Os 294 participantes que permaneceram até o final do estudo foram distribuídos em três grupos de acordo com o número de anos na EI: Grupo 0, com 30 alunos sem acesso prévio à EI; Grupo 1, com 78 alunos que haviam completado um ano na EI; Grupo 2, com 186 alunos que haviam completado dois anos na EI. Essa distribuição corresponde a uma taxa de 90% de crianças com acesso à EI, um percentual semelhante ao encontrado na população escolar do 3º ano no início da pesquisa. A Tabela 1 mostra composição dos grupos quanto ao gênero e à classe socioeconômica, com as classes agrupadas em três níveis.

Instrumentos

Os intrumentos utilizados são descritos a seguir.

Critério de Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], 2003): avalia o nível socioeconômico por meio de informações a respeito do número de itens de conforto a que a família tem acesso, como por exemplo, geladeira, empregada mensalista, automóvel, etc.

Escala de Competência Acadêmica do Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais- SSRS-BR (Bandeira, Del Prette, Del Prette, & Magalhães, 2009): é composta por nove itens em que o professor avalia a posição da criança em relação aos colegas da classe em leitura, matemática, motivação, estímulo dos pais, funcionamento intelectual e comportamento geral. A pontuação máxima na escala é 45. Bandeira et al. (2009) reportam índices satisfatórios de consistência interna e estabilidade temporal para a versão brasileira da escala.

Avaliação Pedagógica (Escolano, 2004): esta avaliação é aplicada coletivamente em sala de aula e tem por objetivo avaliar o desempenho acadêmico de alunos no primeiro ciclo do ensino fundamental. É composta por duas partes, uma de Português, comportando tarefas de ditado, interpretação de texto e questões gramaticais, e outra de matemática, com questões referentes às quatro operações, problemas e, a partir do 5º ano, frações. Na aplicação, as instruções de cada item da tarefa são dadas em voz alta pelo avaliador, passando adiante conforme as crianças terminam de anotar suas respostas. No presente estudo foram utilizadas as provas de nível II (3º ano), III (4º ano) e IV (5º ano), com pontuação máxima igual a 10. Escolano (2004) relata elevada correlação (acima de 0,60) entre a pontuação obtida nessas provas e a Avaliação de Final de Ciclo realizada pela escola no 5º ano (então 4ª série).

Teste de Desempenho Escolar (TDE) de Stein (1994): constituído por três subtestes - leitura, escrita e aritmética, fornece, além da pontuação bruta, a classificação da criança em relação à série. No presente estudo foram utilizadas as pontuações brutas dos subtestes, com a finalidade de medir as aquisições em cada ano letivo, em relação ao ano anterior. A pontuação máxima em leitura é 70, em escrita 35 e em aritmética 38. O TDE apresenta índices de consistência interna entre 0,93 e 0,98 (Stein, 1994).

Procedimento

Coleta de dados. A coleta de dados se processou em três etapas. Na primeira, que ocorreu no 3º ano do ensino fundamental, cada criança participou de uma sessão individual, onde foi aplicado o Teste de Desempenho Escolar (TDE) e de uma sessão coletiva na sua própria classe, onde foi aplicada a Avaliação Pedagógica II. O SRSS-BR foi preenchido pelos professores e o formulário do Critério de Classificação Econômica Brasil foi preenchido pelos pais ou responsáveis durante reuniões de pais promovidas pelas escolas. Na segunda etapa, que ocorreu no 4º ano do ensino fundamental, cada criança participou de uma sessão coletiva na sua própria classe, onde foi aplicada a Avaliação Pedagógica III. O SRSS-BR foi preenchido pelos professores. Nessa etapa não foi aplicado o TDE, por razões orçamentárias. Na terceira etapa, que ocorreu no 5º ano do ensino fundamental, cada criança participou de uma sessão individual, onde foi aplicado o Teste de Desempenho Escolar (TDE), e de uma sessão coletiva na sua própria classe, onde foi aplicada a Avaliação Pedagógica IV. O SRSS-BR foi preenchido pelos professores.

Análise dos dados. O tratamento estatístico foi feito no programa SPSS v. 17.0. A equivalência dos grupos, em relação a gênero, idade e classificação socioeconômica, foi testada com o recurso ao qui-quadrado ou análise de variância (ANOVA). Para avaliar o efeito da educação infantil ao longo do tempo, foram realizadas análises utilizando análise de variância para medidas repetidas (MANOVA), tendo os anos na EI como variável independente e as medidas de desempenho como variáveis dependentes. A possível influência do nível socioeconômico foi controlada por meio de sua inclusão no modelo como variável covariada. No caso de serem observadas diferenças significativas, testes post-hoc foram conduzidos para identificar os fatores responsáveis por estas diferenças.

Considerações Éticas

A pesquisa atendeu às diretrizes e normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Depois de obtida a autorização dos diretores para sua realização, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP (Processo nº 306/2007 - 2007.1.335.59.0). Após a aprovação, foi obtido o consentimento dos pais para a participação de seus filhos e o dos professores para participarem como informantes, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As crianças deram seu consentimento verbal para participar.

Resultados

Os grupos não diferiram em relação ao gênero (χ2 = 0,124; p = 0,94), mas diferiram em relação à idade (ANOVA: F2,291 = 18,847; p < 0,001). Comparações post-hoc indicaram que os participantes do G1, com média de idade igual a 98,38, eram significativamente mais jovens que os do G0 (M = 101,27) e os do G2 (M = 101,96).

Para verificar se os grupos diferiam em relação ao indicador socioeconômico, foi aplicada uma ANOVA comparando a pontuação bruta no Critério de Classificação Econômica Brasil nos três grupos. Os resultados indicaram diferença significativa (F2,291 = 14,34; p < 0,001). O teste post-hoc mostrou que o grupo com dois anos de EI tem média significativamente mais alta (14,36) que os demais: grupo sem EI (10,87) e grupo com um ano de EI (12,21). Resultados semelhantes foram obtidos sobre o indicador de escolaridade do chefe da família e sobre os dados de estratificação em cinco classes, fornecidos pelo instrumento. Não há diferença entre G0 e G1. Desse modo, o tempo de frequência à educação infantil está associado ao nível socioeconômico, ao passo que o acesso à EI não está.

Além disso, verificou-se que o NSE está significativamente associado a todos os indicadores de desempenho: competência acadêmica (F = 15,13; p < 0,001); avaliação coletiva em Português (F = 32,77; p < 0,001); desempenho no TDE, subtestes de leitura (F = 10,93; p < 0,001) e de escrita (F = 27,60; p < 0,001); avaliação coletiva em matemática (F = 43,77; p < 0,001) e desempenho no TDE, subtestes de aritmética (F = 49,03; p < 0,001). No seu conjunto, esses resultados sustentam a necessidade de controle do NSE nas comparações entre grupos definidos em função da sua frequência à educação infantil: o NSE foi considerado covariada nas análises de variância efetuadas.

A Tabela 2 mostra as médias dos grupos nas avaliações de desempenho feitas no 3º, no 4º e no 5º ano do ensino fundamental. Os resultados obtidos por meio da análise de variância com medidas repetidas permitiram avaliar o efeito da duração de exposição à EI (variável independente intergrupo: EI), o efeito tempo de exposição ao ensino fundamental (variável independente intra-sujeito: Tempo) nos diversos indicadores de desempenho (variáveis dependentes), após controle do NSE considerado covariada.

Em relação à competência acadêmica, avaliada pelo professor, a análise intra-sujeito não detectou diferenças significativas entre as medidas tomadas em diferentes momentos da trajetória escolar. De acordo com a análise realizada intergrupos, há um efeito significativo do acesso à educação infantil (F2,291 = 18,02; p < 0,001), controlada a variável nível socioeconômico. Os resultados dos testes post-hoc indicam diferença significativa entre G0 e os demais, mas não entre G1 e G2. Não foram encontrados efeitos significativos de interação entre o tempo e os anos na educação infantil o que indica que as diferenças se mantêm durante os três anos de escolaridade.

Relativamente ao desempenho em português, obtido na avaliação coletiva, os resultados da análise intra-sujeito indicam efeito estatisticamente significativo do tempo na amostra como um todo. Registra-se uma queda dos valores médios do 4º ano para o 5º ano. As médias do 5º ano são significativamente inferiores às do 3º e do 4º anos, que não se diferenciam uma da outra (3º ano: M = 5,74; 4º ano: M = 5,76; 5º ano: M = 4,89; F2,291 = 20,72; p < 0,005).

De acordo com a análise realizada intergrupos, há um efeito significativo em relação às médias dos grupos com educação infantil e sem acesso prévio à educação infantil, controlado o nível socioeconômico. Os resultados apontam que a frequência na educação infantil implica em melhor desempenho em português em todos os momentos de avaliação (G0: 3,41; G1: 5,52; G2: 5,77; F2,291 = 54,08; p < 0,001).

Não foram encontrados efeitos significativos de interação entre o tempo e os anos na educação infantil na variável dependente. A ausência destes efeitos de interação indica que as diferenças entre G0, G1 e G2 não se alteram durante a escolaridade.

Para o desempenho acadêmico em matemática, na análise intra-sujeito, não foram encontradas diferenças significativas em função do tempo para a amostra total. De acordo com a análise realizada intergrupos, na mesma direção do desempenho em português, os dados apontam que há um efeito significativo do acesso à educação infantil, controlado o nível socioeconômico. Foram encontradas diferenças significativas entre G0 e os demais grupos. Os dados apontam que a frequência na educação infantil implica em melhores resultados no desempenho em matemática (G0: 3,08; G1: 4,96; G2: 5,11; F2,291=10,77; p < 0,001).

Não foram encontrados efeitos significativos de interação entre o tempo e os anos na educação infantil. A ausência destes efeitos de interação indica que as diferenças entre G0, G1 e G2 não se alteram durante a escolaridade.

Em relação ao desempenho em leitura, avaliado pelo TDE no 3º e no 5º ano do ensino fundamental, os resultados da análise intra-sujeito indicam aumento estatisticamente significativo dos valores médios com a progressão escolar, após controle do nível socioeconômico. (3º ano: 47,92; 5º ano: 55,52; F1,291 = 51,24; p < 0,001). De acordo com a análise intergrupos, há um efeito significativo do acesso à educação infantil. De fato, os resultados dos testes post-hoc indicam que existe uma diferença significativa entre G0 e os demais, mas não entre G1 e G2, no subteste de leitura (G0: 35,31; G1: 60,12; G2: 59,73; F2,291 = 33,02; p < 0,001). Os resultados indicam, ainda, uma interação significativa entre os anos na educação infantil e a progressão escolar (F2,292 = 3,36; p < 0,05). Pelo exame das médias verifica-se que esse efeito de interação reflete um aumento maior da média do grupo sem educação infantil, em relação aos outros grupos. No G0, a média passou de 27,63 para 39,33 entre o 3º ano e o 5º ano; portanto, subiu mais de 11 pontos. No G1, a média se elevou em cerca de sete pontos (de 55,50 para 62,99) e no G2 pouco mais que quatro pontos (de 58,28 para 62,49). Nota-se que as médias de G1 e G2 no 5º ano sugerem uma concentração de resultados próximos à pontuação máxima do subteste, que é 70, o que pode levar a pensar que há um efeito de teto. Mesmo com a atenuação das discrepâncias, persiste uma diferença significativa entre o grupo sem EI e os demais.

Relativamente ao desempenho em escrita no TDE, os resultados da análise intra-sujeito indicam que o desempenho aumenta significativamente do 3º para o 5º ano (3º ano: 13,58; 5º ano: 20,03; F1,292 = 39,98; p < 0,001). De acordo com a análise das diferenças intergrupos, foram encontradas diferenças significativas entre G0 e os demais grupos. Os alunos que frequentam educação infantil apresentam melhores resultados em escrita em relação aos alunos sem acesso prévio à EI. (G0: 11,33; G1: 19,09; G2: 20,00; F2,291 = 16,83; p < 0,001). Não foram encontrados efeitos significativos de interação entre o tempo e os anos na educação infantil o que indica que as diferenças se mantêm durante os três anos de escolaridade.

Os resultados da análise intra-sujeito, referentes ao desempenho no subteste de aritmética do TDE, mostram aumento dos valores médios do 3º ano para o 5º ano do ensino fundamental (3º ano: 8,17; 5º ano: 15,02; F1,292 = 57,68; p < 0,001). De acordo com a análise intergrupos, há diferenças significativas entre G0 e os demais grupos: a frequência na educação infantil se reflete em melhores resultados no desempenho em aritmética. (G0: 8,30; G1: 12,91; G2: 13,57; F2,291 = 22,36; p < 0,001).

Os resultados indicam, ainda, uma interação significativa entre os anos na educação infantil e a progressão no ensino fundamental (F2,291 = 5,11; p < 0,05). O exame das médias indica que esse efeito de interação reflete o incremento maior das médias de G1 e G2 em relação a G0, entre o 3º e o 5º ano.

Discussão

O presente estudo surgiu do interesse em explorar efeitos da educação infantil em uma perspectiva de desenvolvimento. Duas questões nortearam a pesquisa: o tempo de exposição à educação infantil faz diferença no aprendizado ao longo do ensino fundamental? Como a experiência de educação infantil afeta a trajetória escolar das crianças? Assim, os objetivos perseguidos foram os de obter indícios de efeito do tempo de exposição à educação infantil no desempenho acadêmico e avaliar o progresso escolar das crianças, na trajetória do 3º ao 5º ano do ensino fundamental, em função da exposição à educação infantil. Na discussão dos resultados, é importante considerar o contexto em que o estudo foi conduzido: escolas públicas de um município com menos de 30 mil habitantes, com taxa de acesso à educação infantil igual a 89%, superior à média nacional de 2008 e à meta do PNE para 2010 (Vieira, 2010).

Nesse contexto, os resultados sugerem fortemente que o acesso à EI favoreceu o desempenho, o que já era esperado com base na literatura nacional e internacional (Benitez & Flores, 2002; Entwisle & Alexander, 1998; Felício & Vasconcelos; 2007; Reynolds & Temple, 2008; Trivellato-Ferreira & Marturano, 2008). Os efeitos sugeridos foram reforçados em um modelo de análise que controlou os eventuais efeitos do nível socioeconômico da família. Trata-se de resultados consistentes, afetando todos os indicadores de desempenho empregados no estudo: a classificação do aluno pelo professor, em relação aos colegas de classe; uma aferição do domínio de conteúdos programáticos, feita coletivamente na sala de aula; um teste padronizado de aplicação individual que possibilitou a avaliação do progresso em habilidades acadêmicas básicas.

Se o acesso à EI foi consistentemente associado a melhor desempenho, um ano a mais de frequência à educação infantil não trouxe vantagem adicional aos 63% de participantes que tiveram essa oportunidade. Isto não significa que as crianças com dois anos de educação pré-escolar não estão em situação privilegiada. O fato de provirem de famílias com indicadores socioeconômicos mais favoráveis coloca-as em uma condição privilegiada em relação aos outros dois grupos, já que a maior parte da variação nos resultados escolares pode ser explicada por fatores associados à origem social dos alunos (Aikens & Barbarin, 2008; Alves & Soares, 2008). O controle do NSE permitiu desagregar as duas fontes de influência: o status da família e a frequência à educação infantil. Assim, mediante o emprego de um modelo de análise que controlou a variável socioeconômica, os resultados não mostraram vantagem acadêmica das crianças com dois anos de EI em relação aos colegas com um ano de EI; desse modo, a primeira questão investigada na pesquisa recebe uma resposta negativa, contrariando estudos anteriores com resultados positivos (Curi & Menezes-Filho, 2006; Entwisle & Alexander, 1998). Com várias provas objetivas em que havia boa margem para diferenças individuais, é pouco provável que esse resultado seja um artefato.

Deve-se assinalar que Curi e Menezes-Filho (2006) encontraram melhores resultados no SAEB-matemática de 2003 em alunos da 4ª série (correspondente ao atual 5º ano) com mais tempo na educação infantil, mesmo depois de inseridos nos modelos de predição de indicadores sociais como escolaridade materna e paterna, computador em casa, acesso à internet e tipo de escola - pública ou privada. Algumas diferenças entre nosso estudo e o desses autores devem ser realçadas. Curi e Menezes-Filho trabalharam com uma amostra nacional extensa, alcançando amplitude de variação individual muito maior que a do nosso estudo, focalizado sobre a população escolar do ensino público em um único município. Por outro lado, a amostra da 4ª série do SAEB-2003, com variação etária entre 9 e 15 anos, mostrava uma clara relação inversa entre a idade e a taxa de acesso à educação infantil, relação essa mais forte para o maternal que para a pré-escola. Essa particularidade pode ter introduzido na pesquisa de Curi e Menezes-Filho um fator de confusão entre o acesso mais tardio à educação infantil e o atraso escolar devido a fatores não controlados no estudo. De todo modo, a questão permanece aberta à investigação.

Para a segunda questão explorada nesta pesquisa, sobre como o acesso à educação infantil afetaria a trajetória escolar das crianças no ensino fundamental, três alternativas haviam sido consideradas: (a) as diferenças favoráveis às crianças com acesso à EI são estáveis, (b) as diferenças se atenuam com o avanço da escolaridade, (c) as diferenças se acentuam. A quarta alternativa cogitada foi a de trajetórias heterogêneas, com efeitos específicos para diferentes domínios de conteúdo. Os resultados em geral apoiaram a primeira alternativa, com duas exceções. A hipótese de atenuação foi confirmada para os resultados do subteste de leitura do TDE e a hipótese de amplificação das diferenças foi confirmada para o subteste de aritmética do TDE.

A primeira alternativa é a que encontra na literatura maior apoio, ainda que indireto, proveniente de estudos longitudinais sem relação com a educação infantil. Por exemplo, a estabilidade nas diferenças individuais de desempenho é compatível com a observação de que as habilidades avaliadas no primeiro ano escolar são preditoras dos resultados ao longo do ensino fundamental (Hughes & Kwok, 2007; Malaspina & Rimm-Kaufman, 2008; McClelland et al., 2006). Outro argumento em favor da estabilidade se reporta à prática, comum nas escolas brasileiras, de agrupar os alunos em turmas homogêneas, o que pode introduzir um fator artificial de perpetuação das diferenças iniciais (Cafiero et al., 2007).

A atenuação das diferenças encontrada no subteste de leitura do TDE, compatível com achados prévios de Parrila et al. (2005), poderia ser considerada um resultado promissor do ponto de vista do poder da escola para reduzir desigualdades. No entanto, na interpretação desse resultado há que considerar que as médias de leitura de G1 e G2 no 5º ano sugerem um efeito de teto, visto que estão próximas à pontuação máxima do subteste, que é 70. Sendo assim, não se sabe se a redução das diferenças detectada pela prova estatística não foi um artefato, já que no 5º ano o teste não discriminaria tão bem os alunos com melhor desempenho. Efeito de teto semelhante no escore bruto do subteste de leitura do TDE foi apontado recentemente por Lúcio, Pinheiro e Nascimento (2009). Salles, Parente e Freitas (2010) destacam que no sistema de escrita do português brasileiro há poucas irregularidades para a leitura, comparativamente à escrita, o que pode estar relacionado a fato de as crianças alcançarem mais cedo a precisão na leitura.

A ampliação da vantagem dos alunos com acesso à EI foi efetivamente encontrada apenas no subteste de aritmética do TDE. A discrepância desse resultado relativamente aos anteriores aparentemente apóia a quarta alternativa proposta na introdução - a de que as trajetórias podem variar em função do domínio curricular específico que é o foco da investigação. Pode-se perguntar, todavia, por que não se observou tendência semelhante nos resultados da avaliação coletiva de matemática, que em princípio pertence ao mesmo domínio.

Cabe a esse respeito uma reflexão sobre as habilidades avaliadas. O desempenho em aritmética engloba operações com dígitos e solução de problemas; estas, por sua vez, apóiam-se em habilidades cognitivas diferentes. O cálculo, base para as operações, demanda atenção e velocidade de processamento da informação, ao passo que a solução de problemas depende amplamente de habilidades de linguagem (Fuchs et al., 2008). Ora, o subteste de aritmética do TDE contempla apenas operações, ao passo que a avaliação coletiva de matemática inclui também problemas. A estabilidade nas diferenças de desempenho, observada na avaliação coletiva de matemática, reproduz os resultados de Crosnoe et al. (2010) em seu estudo longitudinal do 1º ao 5º ano, com foco na habilidade de solução de problemas.

Em busca de explicações para a ampliação da vantagem dos alunos com EI no subteste de aritmética do TDE, algumas possibilidades podem ser levantadas. Uma delas é que as crianças que iniciam o ensino fundamental com maior competência numérica progridem mais depressa no aprendizado da aritmética (Jordan et al., 2009). A educação infantil, pelas diretrizes que adota (Ministério da Educação e do Desporto, 1998), provavelmente contribui para o desenvolvimento dessa competência, decorrente da exposição a experiências com números no dia a dia.

Outra possibilidade, que não exclui a anterior, mas antes a complementa, é que a EI também favorece a aquisição de comportamentos que a literatura aponta serem particularmente relevantes para o progresso em aritmética. Entre esses podem ser citadas a atenção (Fuchs et al., 2008), assim como a persistência e a organização (Di Perna, Lei, & Reid, 2007). Tem sido enfatizado o papel da pré-escola no desenvolvimento de habilidades não acadêmicas relevantes para o desempenho na escola e na vida (Sassi, 2011).

Por fim, a expectativa do professor pode ser uma variável influente na ampliação das diferenças de desempenho em aritmética entre as crianças com e sem acesso prévio à EI. Essa hipótese faz sentido mediante a combinação de três evidências empíricas: (a) Hinnant et al. (2009) demonstraram que o desempenho em matemática (mas não em leitura) no 5º ano estava associado às expectativas do professor no 1º ano, (b) o professor forma expectativas mais favoráveis para os alunos socialmente mais habilidosos (Hinnant et al., 2009), (c) a EI promove habilidades sociais (Reynolds & Temple, 2008; Trivellato-Ferreira & Marturano, 2008).

A pesquisa gerou informações adicionais que merecem ser discutidas, ainda que não tenham relação direta com os objetivos da pesquisa. Em todos os grupos, a progressão escolar foi associada ao melhor desempenho nos subtestes do TDE, ao passo que as avaliações de competência acadêmica e matemática não mostraram variação e o desempenho na avaliação coletiva de português piorou entre o 4º e o 5º ano. De todas essas avaliações, apenas o TDE tem uma base comum, permitindo a verificação do progresso entre o 3º e o 5º ano, tal como relatado em estudos prévios (Dias, Enumo, & Turini, 2006). Já a piora detectada na avaliação coletiva de português, concordante com os resultados de Escolano (2004), não pode ser facilmente analisada, pois os conteúdos das provas diferem de ano a ano.

O indicador socioeconômico, controlado na MANOVA, esteve presente em diversos resultados. Reproduziu-se, para a amostra como um todo, a conhecida associação entre nível socioeconômico e desempenho (Aikens & Barbarian, 2008). Recorrente na literatura nacional, essa associação atesta que nosso sistema educacional não tem sido bem sucedido ante o desafio de reduzir as desigualdades sociais no país. Não se trata, pois, de informação nova. No entanto, ela assume feição particular quando se avalia a extensão em que as metas do PNE para a educação infantil na última década foram atingidas (Vieira, 2010). Como se reconhece no texto do PNE (Lei No. 10.172, 2001), não basta universalizar o acesso à educação infantil, é preciso assegurar às crianças das camadas menos privilegiadas uma educação infantil de qualidade diferenciada, de modo a prevenir a perpetuação das diferenças de origem social na trajetória futura dos alunos.

Considerações Finais

A pesquisa tem limitações que devem ser consideradas na apreciação do alcance dos resultados. A coleta foi conduzida em um único município, de modo que os resultados não podem ser generalizados para a realidade nacional. Não foram levadas em consideração variáveis relacionadas ao contexto escolar atual, que poderiam influir nos resultados, como, por exemplo, a qualidade das escolas de ensino fundamental onde estudam as crianças. A concentração de crianças sem EI em escolas com menos recursos seria uma conjunção perversa tendente a perpetuar sua desvantagem inicial. Outra condição influente, citada neste artigo, mas não averiguada em relação às escolas participantes, é a sistemática de agrupamento dos alunos em turmas homogêneas, que contribui para a manutenção das diferenças.

O fato de não terem sido aplicados sistematicamente todos os instrumentos nos três momentos de avaliação pode ser apontado como uma limitação menor. Porém, ressalta-se que a limitação quanto ao percurso em relação ao TDE foi de certo modo neutralizada por haver outros indicadores de desempenho que se comportaram, nas análises, de modo análogo ao TDE, suprindo assim essa lacuna no 4º ano.

Os resultados desta investigação são sugestivos de um forte e duradouro impacto da educação infantil na trajetória escolar das crianças, acima e além do efeito da sua origem socieconômica. É indiscutível que frequentar a EI influencia positivamente o desempenho, independentemente da classe social. Reitera-se assim a importância de garantir para todas as crianças o acesso à educação infantil de qualidade. Ao demonstrar tal fato prospectivamente, a pesquisa consolida achados obtidos anteriormente no Brasil por meio de estudos retrospectivos.

Por outro lado, abre-se à discussão uma questão com importantes desdobramentos para práticas e políticas públicas no campo da educação infantil, ante os resultados que não mostram diferenças de desempenho entre crianças com um ou dois anos de EI, ainda que estas últimas, na amostra do estudo, fossem duplamente privilegiadas - pelo ano adicional de EI e pela melhor situação socioeconômica das famílias. Seria esse um resultado isolado, circunscrito ao município onde o estudo foi feito, ou representaria uma realidade maior? Estudos de replicação são necessários, de modo a esclarecer esse ponto.

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Recebido: 30/05/2011

1ª revisão: 05/06/2011

Aceite final: 15/02/2012

Elaine Cristina Gardinal-Pizato é Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Edna Maria Marturano é Professora Titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Anne Marie Germaine Victorine Fontaine é Professora Catedrática da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

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    Artigo derivado da Tese de Doutorado da primeira autora, defendida no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 2010. Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      30 Maio 2011
    • Aceito
      15 Fev 2012
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