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O futuro da aloimunização eritrocitária

The future of red cell alloimmunization

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O futuro da aloimunização eritrocitária

The future of red cell alloimmunization

Lilian Castilho

Correspondência Correspondência: Lilian Castilho Hemocentro Unicamp Rua Carlos Chagas, 480 - Barão Geraldo Caixa Postal 6198 13081-970 - Campinas-SP - Brasil Tel.: (19) 3521-8749; Fax: (19) 3521-8600 E-mail: castilho@unicamp.br

O efeito indesejável mais grave diretamente associado às transfusões é aquele que resulta em hemólise do sangue transfundido devido a anticorpos pré-formados presentes no plasma do receptor. O significado clínico dos anticorpos antieritrocitários depende da incidência do antígeno (que pode variar em diferentes origens étnicas), da sua imunogenicidade e de situações clínicas específicas. A ocorrência de anticorpos irregulares em pacientes politransfundidos estimulou vários pesquisadores a determinar a freqüência da aloimunização em populações distintas, levando em consideração as diferenças étnicas existentes entre elas, diagnóstico, idade e, os fatores de risco que levam à aloimunização.1-4 Considerando as freqüências gênicas e a incidência destes anticorpos em várias populações, Giblett1 estimou que a probabilidade de um indivíduo produzir um ou mais anticorpos antieritrocitários é de aproximadamente 1% por unidade de sangue transfundida. A literatura apresenta vários estudos mostrando a freqüência da produção de anticorpos irregulares em populações selecionadas de pacientes politransfundidos. Os anticorpos mais implicados na reação transfusional hemolítica tardia são os dirigidos contra os antígenos D, K, E, Fyª e Jkª.5

Neste fascículo da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Martins PR e colaboradores6 avaliaram a freqüência de anticorpos antieritrocitários irregulares em pacientes politransfundidos do Hemocentro Regional de Uberaba (HRU), bem como a distribuição dos mesmos quanto à sua especificidade, cor, idade, patologia de base e número de transfusões recebidas. Eles avaliaram 23.220 pacientes transfundidos, com média de 5,7 transfusões, e observaram a ocorrência de aloimunização em 173 (0,75%), sendo que os anticorpos dos sistemas Rh e Kell foram os mais freqüentes. O anti-D foi o anticorpo mais encontrado, principalmente no sexo feminino; não houve diferença em relação à etnia e a maioria dos pacientes desenvolveu aloanticorpos até a décima transfusão de concentrado de hemácias. Os pacientes que se aloimunizaram eram portadores de anemias ou doenças oncológicas ou onco-hematológicas.

Os resultados obtidos por Martins PR e colaboradores6 estão de acordo com os resultados descritos na literatura, com exceção do baixo índice de aloimunização por eles encontrado. Este fato, segundo os autores, é decorrente da implantação de um protocolo de utilização de sangue fenotipado para todos os pacientes que recebem transfusões crônicas no HRU. Este trabalho é muito interessante em vários aspectos, pois além de avaliar a freqüência da aloimunização em pacientes politransfundidos, levando em consideração vários fatores, demonstra claramente a importância da fenotipagem eritrocitária na prevenção da aloimunização. Além disto, considerando que os anticorpos dos sistemas Rh e Kell foram os mais freqüentemente encontrados, e diante da controversa ainda existente em relação aos antígenos que devemos fenotipar, fica claro que, pelo menos, a implantação da fenotipagem Rh e Kell devem ser consideradas para pacientes que recebem múltiplas transfusões.

Na prática transfusional atual, devido ao risco associado às transfusões e gestações futuras, tem-se procurado minimizar as chances de um indivíduo formar aloanticorpos antieritrocitários. A transfusão de sangue fenotipicamente compatível com os antígenos eritrocitários mais imunogênicos (D, K1, E, c, Fyª, Jkª,S e s) tem sido recomendada. A fenotipagem eritrocitária é essencial também na confirmação de aloanticorpos e facilita a identificação de anticorpos que podem ser formados no futuro. No entanto, os procedimentos de fenotipagem são complexos e dispendiosos e dependem da disponibilidade de anti-soros raros que, associados a outros fatores de ordem técnica, ainda dificultam a sua utilização rotineira.

Uma das grandes limitações dos procedimentos de fenotipagem e que merece a nossa atenção é a presença de hemácias do doador na circulação do paciente com transfusão recente, o que dificulta a correta identificação do perfil antigênico, impossibilitando a seleção adequada do sangue a ser transfundido e, algumas vezes, até expondo os pacientes a um maior risco da aloimunização. Nestas situações, a genotipagem de grupos sangüíneos tem mostrado ser uma excelente alternativa7,8 e pode ser uma ferramenta útil e eficiente.

O futuro da aloimunização eritrocitária, ou seja, da redução do índice de aloimunização e das reações hemolíticas, sem dúvida alguma envolve a implantação de um programa de hemácias fenotipadas na rotina transfusional. O programa de hemácias fenotipadas e, em especial, a manutenção de um estoque de sangue fenotipado, continua sendo ainda questionado devido ao custo e trabalho que demanda. A decisão da implantação do programa deve levar em consideração o índice de aloimunização nos pacientes transfundidos e a dificuldade na obtenção de sangue fenótipo compatível no momento da transfusão. Vale a pena salientar que a fenotipagem de doadores, quando realizada na rotina utilizando-se microtécnicas, muitas vezes automatizadas, leva a uma redução de custos e maior qualidade no procedimento.

Apesar de existirem ainda algumas questões não respondidas em relação à resposta imune a antígenos eritrocitários, acredito que a implantação de protocolos seguros e eficientes de fenotipagem e/ou genotipagem de grupos sangüíneos pode reduzir drasticamente os riscos de desenvolvimento de aloanticorpos em pacientes que recebem transfusão sangüínea. No futuro, a utilização de plataformas automatizadas e seguras de fenotipagem e/ou genotipagem em larga escala pode representar um grande avanço na segurança transfusional.

Recebido: 21/07/2008

Aceito: 22/07/2008

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Giblett ER. A critique of theoretical hazard of inter vs. intra-racial transfusion. Transfusion. 1961;1:233-8.
  • 2. Hoeltge GA, Domen RE, Rybicki LA, Schaffer PA. Multiple red cell transfusions and alloimmunization: Experience with 6996 antibodies detected in a total of 159,262 patients from 1985 to 1993. Arch Pathol Lab Med. 1995;119(1):42-5.
  • 3. Schonewille H, Haak HL, van Zijl AM. Alloimmunization after blood transfusion in patients with hematologic and oncologic diseases. Transfusion. 1999;39(7):763-71.
  • 4. Spielmann W, Seidl S. Prevalence of irregular red cell antibodies and their significance in blood transfusion and neonatal care. Vox Sang. 1974;26(6):551-9.
  • 5. Issitt PD, Anstee DJ. Applied blood group serology (4th ed.). Durham (NC), Montgomery Scientific Publications, 1998
  • 6. Martins PR, Alves VM, Pereira GA, Moraes-Souza H. Freqüência de anticorpos irregulares em politransfundidos no Hemocentro Regional de Uberaba-MG, de 1997 a 2005. Rev bras hematol hemoter. 2008;30(4):272-6.
  • 7. Castilho L, Rios M, Bianco C, Pellegrino JJr, Alberto FL, Saad STO, et al DNA based typing of blood groups for the management of polytransfused sickle cell disease patients. Transfusion. 2002;42:232-8.
  • 8. Castilho L, Pellegrino Jr J. Blood Group Genotyping. Rev bras hematol hemoter. 2004;26(2):135-40.
  • Correspondência:
    Lilian Castilho Hemocentro
    Unicamp Rua Carlos Chagas, 480 - Barão Geraldo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
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