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A enunciação em Michel Pêcheux: uma questão inquietante

RESUMO

O presente estudo propõe-se a responder às seguintes questões: 1ª) Que noções de enunciação podem ser derivadas da reflexão discursiva de Michel Pêcheux nos anos iniciais de sua produção? 2ª) Qual é o estatuto que assume a enunciação no escopo da AD nesse período? Para tanto, procede a um exame de textos do filósofo francês publicados entre 1969 e 1975, a fim de investigar a problematização da enunciação nesses escritos. A análise do corpus teórico permite dele derivar diversas noções de enunciação, as quais revelam em seu conjunto um estatuto epistemológico e um estatuto teórico-metodológico da enunciação no estabelecimento das bases fundantes da AD.

PALAVRAS-CHAVE:
Enunciação; Discurso; Língua; Sujeito; Sentido

ABSTRACT

The current study aims to answer the following questions: 1) What notions of enunciation can be derived from Michel Pêcheux’s discursive reflection in the early years of his production? 2) What is the status assumed by enunciation in the scope of DA in this period? For this purpose, an examination into the French philosopher’s texts published from 1969 to 1975 is made in order to investigate the problem of enunciation in these writings. The analysis of the theoretical corpus allows the examination of several notions of enunciation, which as a whole reveal an epistemological status and a theoretical-methodological status of enunciation in the establishment of the Pecheutian DA founding bases.

KEYWORDS:
Enunciation; Discourse; Language; Subject; Meaning

Palavras (nunca) iniciais

Embora algumas teorias da linguagem que buscam ultrapassar os limites da língua como sistema de signos tenham sido semeadas na primeira metade do século XX, foi na segunda metade desse século, especialmente na França, que tais teorias floresceram. Dentre os interrogantes que as moveram em suas origens, destacam-se os problemas do discurso e da enunciação, os quais, se não eram evitados por todos os linguistas alinhados ao estruturalismo linguístico, não estavam no centro das preocupações desse paradigma epistemológico, dominante na conjuntura intelectual francesa dos anos 1960.

Mais especificamente, sobre a relação entre a enunciação e a Análise do Discurso de Michel Pêcheux (doravante, AD), tratam Maingueneau (2016)MAINGUENEAU, D. Énonciation et analyse du discours. Corela - Cognition, Représentation, Langage, HS-19, p.1-11, 2016. e Guilhaumou e Maldidier (1986). Esses autores, embora dialoguem com esta pesquisa por tematizarem tal relação, não exploram mais detidamente nosso foco de interesse aqui: o lugar da enunciação nos anos iniciais da AD. Assim, o presente trabalho propõe-se a responder às seguintes questões: 1ª) Que noções de enunciação podem ser derivadas da reflexão discursiva de Michel Pêcheux nos anos iniciais de sua produção? 2ª) Qual é o estatuto que assume a enunciação no escopo da AD nesse período?

Para tanto, procedemos a um exame de textos publicados pelo filósofo entre 1969 e 1975, a fim de investigarmos a problematização da enunciação nesses escritos. Os estudos selecionados correspondem a duas das três épocas da AD, conforme delineadas por Pêcheux (1983). Apesar de o autor referir-se a trabalhos seus e de terceiros, restringir-nos-emos àqueles por ele assinados, sozinho e em coautoria. Os textos escolhidos estão agrupados em três categorias analíticas: uma relacionada à AD-1; outra, à AD-2; e outra ainda, a textos que se inserem na passagem da primeira à segunda “época”:

Quadro 1
Corpus teórico.

Para responder às perguntas formuladas, organizamos este texto em quatro seções, além desta introdução: primeiramente, examinamos como a enunciação comparece na AD-1; em seguida, avaliamos a problematização da enunciação na passagem da AD-1 à AD-2; na sequência, analisamos a abordagem da enunciação na AD-2; por fim, apresentamos as considerações finais a partir das respostas às questões norteadoras.

1 A enunciação na AD-1

Em texto sobre as referências teóricas da Análise Automática do Discurso (doravante, AAD-69 ou AD-1), Gadet et al. (1990)GADET, F.; LEON, J.; MALDIDIER, D.; PLON, M. (1990). Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo dos textos na França, em 1969. In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 5. ed. Tradução Lourenço Chacon Jurado Filho e Manoel Luiz Gonçalves Corrêa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014. afirmam que Jakobson fornece a Pêcheux, aqui, elementos tanto teóricos quanto analíticos. Com efeito, o filósofo contesta o que considera uma das implicações, na reflexão do linguista, da oposição saussuriana língua/fala: a crença na passagem da coerção do sistema linguístico à liberdade do uso da língua. Para Pêcheux (1969/2014, p.70; itálicos do autor), “esta oposição autoriza a reaparição triunfal do sujeito falante como subjetividade em ato”, como se a fala fosse o caminho da liberdade humana e o sujeito, um indivíduo livre e intencional.

Contra essa suposta liberdade irrestrita imputada à fala e ao falante, Pêcheux elabora a noção de processo de produção do discurso, definindo-o como “o conjunto de mecanismos formais que produzem um discurso de tipo dado em ‘circunstâncias’ dadas” (PÊCHEUX, 1969/2014PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux . Tradução Eni Puccinelli Orlandi. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2014 [1969]. p.61-162., p.73; aspas do autor). Isso o conduz a uma concepção de discurso distinta da concepção jakobsoniana de mensagem enquanto transmissão de informação: “[...] o termo discurso [...] implica que não se trata necessariamente de uma transmissão de informação entre A e B mas, de modo mais geral, de um ‘efeito de sentidos’ entre os pontos A e B” (PÊCHEUX, 1969/2014PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux . Tradução Eni Puccinelli Orlandi. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2014 [1969]. p.61-162., p.81; itálicos e aspas do autor).

Quanto aos protagonistas do discurso, Pêcheux esclarece que os pontos A e B designam não organismos humanos individuais, mas “lugares determinados na estrutura de uma formação social” (PÊCHEUX, 1969/2014, p.81). Em outras palavras, trata-se não de sujeitos empíricos, mas de posições sociais - como os lugares de “patrão” e “operário” -, posições representadas nos processos discursivos, mas nestes não refletidas como tais, pois o que funciona neles “é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem do seu próprio lugar e do lugar do outro” (PÊCHEUX, 1969/2014, p.82; itálicos do autor). Também o referente se trata de “um objeto imaginário (a saber, o ponto de vista do sujeito) e não da realidade física” (PÊCHEUX, 1969/2014, p.83; itálicos do autor).

Nessa reflexão, vemos a influência de duas noções caras às teorias da enunciação, as noções de intersubjetividade e referência. Assim como nas perspectivas enunciativas, tais noções comparecem, na AD-1, como vinculadas não a uma realidade ontológica existente a priori, mas a uma realidade projetada no discurso, a partir das imagens dos interlocutores sobre si, o outro e o que falam. Logo, a AD-1, embora critique as teorias enunciativas por atribuir a estas uma concepção idealista de sujeito, ao recusar uma visão de linguagem como instrumento de comunicação e de sujeitos empíricos dotados de intenção, que falariam sobre uma realidade física externa à linguagem, aproxima-se mais do que se afasta dos enunciativistas, também estes distantes das abordagens pragmáticas.

Se Jakobson é uma presença constante na AAD-69, não se pode dizer o mesmo de outro teórico da enunciação: Benveniste. Das três referências a este no livro, interessam-nos duas, pelos posicionamentos distintos que apresentam.

Na primeira, Pêcheux confronta as posições de Jakobson e Benveniste sobre o estatuto da frase/discurso em relação aos níveis inferiores da língua. Para Jakobson, “do fonema ao discurso estamos em presença de signos linguísticos cuja dimensão aumenta mas que permanecem ligados à mesma regra de combinação” (PÊCHEUX, 1969/2014, p.100; itálicos do autor). Já Benveniste reconhece “um estatuto bem particular para a frase: o da fronteira que separa a linguística da teoria do discurso” (PÊCHEUX, 1969/2014, p.100; itálicos do autor). Aqui, Pêcheux afasta-se de Jakobson e inclina-se a Benveniste, o qual situa a frase como unidade do discurso, distinta do fonema, do morfema e do lexema, unidades da língua. Essa distinção dever-se-ia ao fato de que os signos no interior de um enunciado responderiam a regras de combinação distintas dos enunciados no interior de um discurso. Contudo, o filósofo não recupera a reflexão benvenistiana sobre a frase em toda a sua complexidade: “MP [Michel Pêcheux] se apoia em Benveniste para fazer da frase [...] a unidade do discurso, a fronteira de um domínio irredutível à ordem da gramática, mas ele não tira desse fato nenhuma conclusão teórica” (GADET et al., 1990GADET, F.; LEON, J.; MALDIDIER, D.; PLON, M. (1990). Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo dos textos na França, em 1969. In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 5. ed. Tradução Lourenço Chacon Jurado Filho e Manoel Luiz Gonçalves Corrêa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014. /2014, p.46).

Na segunda referência a Benveniste, Pêcheux o cita para criticar sua concepção de frase como criação infinita, variedade sem limites. A crítica do filósofo ao linguista fundamenta-se no argumento de que essa concepção relaciona o discurso à pretensa liberdade da fala. Para Gadet et al. (1990)GADET, F.; LEON, J.; MALDIDIER, D.; PLON, M. (1990). Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo dos textos na França, em 1969. In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 5. ed. Tradução Lourenço Chacon Jurado Filho e Manoel Luiz Gonçalves Corrêa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014. , tal reticência ideológica de Pêcheux com relação a Benveniste explica-se porque aquele parece ter percebido neste “uma espécie de retrocesso, o retorno do sujeito psicológico, vitoriosamente banido da cena teórica por Saussure e pelo estruturalismo” (GADET et al., p.46, 1990GADET, F.; LEON, J.; MALDIDIER, D.; PLON, M. (1990). Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo dos textos na França, em 1969. In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 5. ed. Tradução Lourenço Chacon Jurado Filho e Manoel Luiz Gonçalves Corrêa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014. /2014, p.46). Na mesma linha, Maldidier (1990/2003, p.24; aspas da autora) acrescenta que é o distribucionalismo de Harris a inspiração maior da AAD-69, o que parece “ter por contrapartida o recalque da enunciação e o lugar de ‘pobre’ dado a Benveniste”.

Em síntese, na AD-1, “Nenhuma das três referências a Benveniste mostra uma compreensão real da fenda aberta no estruturalismo pelo reconhecimento do papel da enunciação” (GADET et al., 1990GADET, F.; LEON, J.; MALDIDIER, D.; PLON, M. (1990). Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo dos textos na França, em 1969. In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 5. ed. Tradução Lourenço Chacon Jurado Filho e Manoel Luiz Gonçalves Corrêa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014. /2014, p.45).

Em linhas gerais, nessa primeira “época” da teoria do discurso, o problema da enunciação não se coloca senão timidamente. Ela emerge na AAD-69 como uma noção ainda nebulosa, que serpenteia por entre noções com contornos mais precisos, como as de processo de produção do discurso, condições de produção, protagonistas do discurso, referente, formações imaginárias¸ língua, fala, discurso, frase, enunciado, sujeito.

2 A enunciação da AD-1 à AD-2

Os dois textos abordados nesta seção não são indicados por Pêcheux (1983). Se aqui os inserimos, fazemo-lo por duas razões: a) ambos apresentam uma reflexão sobre a enunciação que não pode ser ignorada num estudo que investiga tal problemática nos anos iniciais da AD; b) ambos se encontram no intervalo entre a AAD-69, marco da primeira “época”, e os títulos A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas e Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio, marcos da segunda “época”.

2.1 A enunciação em Língua, “linguagens”, discurso

Segundo Maldidier (1990), o artigo Língua, ‘linguagens’, discurso foi publicado em outubro de 1971, no jornal comunista L’Humanité. Embora a autora não se atenha a esse escrito, gostaríamos de abordá-lo mais detidamente, pois ele parece tratar da enunciação com mais ênfase do que o estudo de Pêcheux discutido na subseção seguinte.

Em Língua, “linguagens”, discurso, o filósofo critica o que chama de uma aplicação metafórica da linguística a outros domínios, através de estudos sobre “sintaxes” do drama e da narrativa, no domínio literário; estudos de “léxicos” que reduzem a luta de classes à ideia de um conflito entre dialetos e jargões, no domínio sócio-histórico; estudos que ultrapassam o nível textual, estendendo-se ao conjunto de objetos e comportamentos que podem ser compreendidos como estruturas (música, pintura, cinema, moda). Tais iniciativas são pelo autor denunciadas por visarem a uma pretensa ciência das ciências, enquanto “um empreendimento ‘de análise geral do inteligível humano’” (PÊCHEUX, 1971/2015, p.127; aspas e itálicos do autor).

Dessa crítica, poderiam resultar dois equívocos, os quais Pêcheux se apressa em dissipar. O primeiro relaciona-se ao fato de que tal crítica não significa que essas outras “linguagens” não possam constituir objetos de estudo, mas sim que a investigação de tais distintos domínios requer uma mudança de terreno e um deslocamento da problemática subjetivista centrada no indivíduo para o que o materialismo histórico nomeia de relações sociais. O segundo equívoco consiste na dedução de que a língua enquanto realidade autônoma desaparece e que gramática não passa de objeto da luta de classes, sendo, para Pêcheux (1971/2015, p.128), “mais conveniente conceber a língua (objeto da linguística) como a base sobre a qual processos se constroem; a base linguística caracteriza, nesta perspectiva, o funcionamento da língua em relação a si própria”, enquanto “a expressão processo discursivo (processo de produção do discurso) [é reservada] ao funcionamento da base linguística em relação a representações [...] postas em jogo nas relações sociais” (PÊCHEUX, 1971/2014PÊCHEUX, M. Língua, linguagens, discurso. In: Análise de discurso: Michel Pêcheux - Textos selecionados por Eni Puccinelli Orlandi. Tradução Freda Indursky. 4. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015 [1971]., p.128, itálico do autor). Essa

articulação dos processos sobre a base linguística torna-se possível pela existência, no próprio interior desta base, de “mecanismos resumidos pelo termo enunciação, pela qual se efetua a tomada de posição do “sujeito falante” em relação às representações das quais ele é o suporte”. Alguns linguistas e pesquisadores especializados no estudo de textos começam a trabalhar sobre este ponto [a enunciação]*, decisivo para o futuro das relações entre a linguística (ou teoria da língua) e o que foi designado aqui pelo nome provisório de “teoria do discurso”, e que constitui de direito um setor do materialismo histórico destinado, provavelmente, a um grande desenvolvimento. (PÊCHEUX, 1971/2014, p.128-129; itálicos e aspas do autor, itálico com aspas nosso).

Sobre essas páginas finais do texto, algumas observações se fazem necessárias.

Primeira: a crítica à problemática subjetivista é aqui reforçada. Para Pêcheux (1971/2015, p.128), “o processo do discurso não deve, evidentemente, ser confundido com o ato de fala do sujeito falante individual", pois não se centra sobre um “sujeito falante”. Assim, a enunciação não deve ser pensada na esfera individual da fala, mas na esfera social do discurso enquanto processo que é determinado tanto pela base linguística sobre a qual ele se realiza quanto pelas relações de classe de uma formação social dada.

Segunda observação: a enunciação é, aqui, inserida num lugar epistemológico e teórico-metodológico privilegiado. Epistemológico, quando apontada como ponto decisivo para o futuro das relações entre a teoria da língua e a teoria do discurso. Teórico-metodológico, quando indicada como “condição geral de possibilidade dos processos [discursivos]”, cujo estudo “permitirá provavelmente colocar de forma adequada e talvez resolver o problema das ‘relações entre sintaxe e semântica’” (PÊCHEUX, 1971/2015, p.126; aspas do autor). Nessa direção, o estudo dos mecanismos enunciativos, que possibilitam a passagem do linguístico ao discursivo, penetra numa zona fronteiriça, comum à língua e à sintaxe, de um lado, e ao discurso e à semântica, de outro.

Terceira observação: essa reflexão sobre a relação base linguística/processo discursivo e o lugar da enunciação nessa relação parece estar vinculada a duas ordens de pesquisa postuladas por Pêcheux na AAD-69: a) a relação entre os processos variáveis de produção do discurso e o fundo invariante da língua; b) a relação entre o processo de produção do discurso e as suas condições de produção. Como podemos observar, esses dois textos, distantes entre si dois anos, apresentam definições similares de processo de produção do discurso e enunciação. O primeiro é relacionado, em 1969, a mecanismos formais produtores de um dado discurso em dadas condições de produção. A segunda é associada, em 1971, a mecanismos internos à base linguística que tornam possível a realização sobre esta dos processos discursivos. Dessa maneira, a ideia de mecanismos, que define o processo de produção do discurso em 1969, parece se deslocar para definir a enunciação em 1971, enquanto o processo discursivo passa a ser definido como a língua posta em funcionamento através da enunciação e em relação a representações sociais, quanto às quais o sujeito, também através da enunciação, toma posição.

Logo, a enunciação, em 1971, parece responder às duas ordens de pesquisa previstas em 1969. À primeira ordem, responde quando situada como condição de possibilidade da articulação dos processos discursivos sobre a base linguística. À segunda ordem, responde quando situada também como condição de possibilidade da tomada de posição do “sujeito falante” quanto às representações sociais das quais ele é suporte, o que remete à relação entre o processo discursivo e as suas condições de produção.

2.2 A enunciação em A semântica e o corte saussuriano: língua, linguagem, discurso

Publicado dois meses após o texto de L’Humanité, o artigo A semântica e o corte saussuriano: língua, linguagem, discurso assinala a “entrada estrondosa” de Pêcheux “no campo da lingüística” (MALDIDIER, 1990/2003, p.28). Nesse “texto de ‘intervenção epistemológica’”, publicado na revista Langages e escrito a seis mãos com os linguistas Claudine Haroche e Paul Henry, Pêcheux “intervinha pela primeira vez de forma central no campo da lingüística em torno de Saussure e contra a semântica [como então praticada]” (MALDIDIER, 1990/2003, p.28; aspas da autora, acréscimo nosso). Nele, está contido o essencial do artigo publicado semanas antes no periódico comunista, como a reiteração da necessária mudança de terreno ou de perspectiva exigida pela semântica.

Essa mudança resulta da adoção de uma posição fortemente influenciada pelos conceitos do materialismo histórico. Lembram os autores que uma dada formação social, num dado momento histórico, caracteriza-se pelo modo de produção que a domina e pelas relações entre classes que a compõem. Tais relações correspondem a “posições políticas e ideológicas, que não constituem indivíduos, mas que se organizam em formações que mantêm entre si uma relação de antagonismo, de aliança ou de dominação” (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 1971/2007, p.26; itálicos dos autores).

Aqui, Haroche, Pêcheux e Henry (1971) introduzem duas noções que se tornariam fundamentais à AD: as noções de formação ideológica (FI) e formação discursiva (FD). A FI é caracterizada como “um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem ‘individuais’ e nem ‘universais’, mas que se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas em relação às outras” (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 1971/2007, p.26; aspas e itálicos dos autores). Já a FD é assumida como um componente da FI - a qual pode comportar uma ou mais FDs interligadas -, componente este que determina “o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir de uma posição dada numa conjuntura dada” (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 1971/2007, p.25; itálicos dos autores).

Para os autores, as palavras mudam de sentido ao mudarem de FD, sendo essas mudanças determinadas não só pela natureza das palavras empregadas, mas principalmente pelas construções nas quais elas se combinam, constituindo sequências discursivas cujos termos se organizam em função das condições em que são produzidas tais sequências. Desse modo, o estudo dessas mudanças requer não uma semântica lexical ou gramatical, mas uma semântica discursiva, compreendida como “a análise científica dos processos característicos de uma formação discursiva, [...] que leva em consideração o elo que liga esses processos às condições nas quais o discurso é produzido” (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 1971/2007, p.27; itálico nosso). Sobre esse elo, os autores o vinculam à enunciação e afirmam ser necessário

destacar a importância dos estudos linguísticos da "relação enunciado/enunciação”, pela qual “o sujeito falante” toma posição em relação às representações de que ele é o suporte, “desde que essas representações se encontrem realizadas por um ‘pré-construído’ linguisticamente analisável.” É sem dúvida por essa questão, ligada à da sintagmatização das substituições características de uma formação discursiva, que a contribuição da teoria do discurso ao estudo das formações ideológicas (e à teoria das ideologias) pode atualmente se desenvolver mais proveitosamente (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 1971/2007, p.30-31; itálico e aspas dos autores, itálico com aspas nossos).

Leiamos com atenção essa citação, sem dúvida muito semelhante àquela que encerra o texto de L’Humanité (cf. 2.1), mas também dela distinta em alguns aspectos.

Primeiro: se lá a enunciação é assimilada aos mecanismos que efetuam a articulação dos processos discursivos sobre a base linguística, aqui, o foco parece se deslocar da enunciação para a relação enunciado/enunciação. Esse deslocamento de foco apresenta uma modificação e um acréscimo em comparação à citação anterior, o que nos conduz a dois outros aspectos que distinguem as citações em questão.

Segundo aspecto: a modificação refere-se às representações sociais de que o “sujeito falante” é suporte. Na primeira citação, ele toma posição em relação a tais representações através da enunciação. Na segunda, ele se posiciona quanto a essas representações não através da enunciação, mas através da relação enunciado/enunciação. Nossa hipótese é de que o termo enunciado está, aqui, em relação sinonímica com o termo sequência discursiva enquanto construção de palavras organizadas em função das condições de produção dessa construção. O enunciado seria, nessa perspectiva, a materialidade necessária à manifestação da tomada de posição do “sujeito falante” em relação a representações sociais, uma materialidade articulada pela enunciação enquanto série de mecanismos que administram tal articulação.

Terceiro aspecto: o acréscimo concerne a uma oração condicional ausente na citação anterior e inserida nessa. Os estudos linguísticos sobre a relação enunciado/enunciação, através da qual o “sujeito falante” situa-se frente a representações sociais, são importantes desde que essas representações se encontrem realizadas por um “pré-construído” linguisticamente analisável. Essa oração coloca como condição do estudo da relação enunciado/enunciação e das representações a ela atreladas a presença de um pré-construído passível de análise linguística. Tal pré-construído, não citado no jornal comunista, é mencionado, porém não explicado na revista científica. A despeito dessa não explicação, a inserção desse termo, junto àquela do termo enunciado, nesse artigo destinado a linguistas, parece querer deixar clara aos interlocutores a importância da língua na teoria do discurso, de forma que, “Do lado da linguística, o discurso tem agora um assento mais firme” (MALDIDIER, 1990/2003, p.31; itálico da autora).

A partir desses escritos de 1971, podemos concluir que a enunciação já não é mais uma questão de secundária importância no pensamento pecheutiano, como na AAD-69. Pelo contrário: a enunciação advém, aqui, como uma ponte possível entre a sintaxe e a semântica, a língua e o discurso, o individual e o social, a linguística e a AD, a teorização e a prática analítica. Movendo-se nesse terreno limítrofe entre instâncias epistemológico-teórico-metodológicas distintas, a enunciação vai ganhando espaço e reivindicando cada vez mais o direito à existência no interior do aparato conceitual da AD, ao qual se vão somando novas noções, como as de FI, FD, pré-construído e sequência discursiva.

3 A enunciação na AD-2

O hiato entre os dois textos de 1971, analisados na seção anterior, e os dois textos de 1975, analisados nesta, recobre a construção de alicerces teóricos mais sólidos para a AD. Isso porque, embora o artigo da Langages de 1971 tenha se tornado o manifesto de pesquisadores engajados no discurso, ele propunha um determinismo geral e um esquema simples da relação ideologia/discurso: “Faltavam ainda elos para a teoria do discurso, tanto do lado da língua quanto da ideologia” (MALDIDIER, 1990/2003, p.33).

Do lado da ideologia, é a Louis Althusser que Pêcheux se filia. Na virada dos anos 1970, a reflexão althusseriana que mais o impacta é aquela presente no notório artigo Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado (Notas para uma investigação). Neste, Althusser defende que “a ideologia interpela os indivíduos concretos em sujeitos concretos” (ALTHUSSER, 1970/1980ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado (Notas para uma investigação). Lisboa: Editora Presença / Martins Fontes, 1980 [1970]. , p.98-99; itálicos do autor), sendo a percepção dos sujeitos como tais um efeito ideológico, bem como a evidência da transparência da linguagem, que produz a impressão de que uma palavra designa uma mesma e única coisa. É provocado por esse paralelo entre a evidência subjetiva e a evidência referencial que Pêcheux tentará, em Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio, sedimentar uma teoria materialista do discurso, teoria esta cujas bases já se encontram em A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas.

Do lado da língua, além de Saussure - desde o princípio a referência linguística maior de Pêcheux -, também Oswald Ducrot é um nome com o qual o filósofo dialoga na AD-2. Junto de Paul Henry, Pêcheux reformula no domínio do discurso a noção ducrotiana de pressuposição, afastando-a dos pressupostos lógico-pragmáticos a ela subjacentes e rebatizando-a de pré-construído. Para Maldidier (1990/2003, p.34; itálicos e aspas da autora), “O pré-construído fornece a ancoragem lingüística da tomada do interdiscurso”, o conceito-chave da teoria, ainda não elaborado, mas embrionariamente presente desde a AAD-69, enquanto “relação do discurso ao ‘já ouvido’, ao ‘já lá’”.

A discussão acerca da relação língua/discurso é complexificada com o amadurecimento da reflexão pecheutiana sobre a enunciação nas duas publicações de 1975, às quais passamos a seguir.

3.1 A enunciação em A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas

O artigo A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas foi publicado no número 37 da revista Langages, em março de 1975, dois meses antes da publicação do livro Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. No entanto, Maldidier (1990) adverte que o artigo foi produzido bem antes do que o livro, de maneira que, entre os dois textos, seu pensamento amadureceu. Conforme a autora, no artigo, o filósofo se dirige a linguistas e acentua o dispositivo técnico, enquanto no livro ele escreve para uma coleção dirigida por Althusser e enfoca o teórico. A despeito dessa observação, a autora reconhece no artigo um avanço na teorização sobre o discurso. De fato, nele, Pêcheux procede a uma “reformulação de conjunto” da AAD-69, justificando a necessidade de tal retorno a partir dos desenvolvimentos da relação entre a linguística e a AD, o que tornou indispensável a presença de um linguista nessa empreitada. O linguista escolhido foi, na verdade, uma linguista: Catherine Fuchs.

Pêcheux1 1 Embora esse artigo do número 37 de Langages tenha sido escrito em coautoria com Catherine Fuchs, referir-nos-emos a Pêcheux, pois privilegiaremos a primeira parte do texto - teórica -, que Maldidier (1990) atribui ao filósofo, do que se pode inferir que a segunda parte - mais técnica - ficou a cargo da linguista. dá início à mise au point da AAD-69 delineando o quadro epistemológico geral que orienta essa atualização do texto inaugural:

Ele [o quadro epistemológico] reside, a nosso ver, na articulação de três regiões do conhecimento científico:

1. o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas transformações, compreendida aí a teoria das ideologias;

2. a linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo;

3. a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos.

Convém explicitar ainda que essas três regiões são, de certo modo, atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica). (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux . Tradução Péricles Cunha. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP , 2014 [1975]. p.163-252., p.160; itálicos nossos).

Como se pode notar, se antes o estatuto epistemológico da enunciação na gênese disciplinar da AD era apenas dedutível a partir dos desfechos prospectivos dos textos de 1971, agora, esse estatuto é textualmente reivindicado.

Nesse artigo, Pêcheux recusa uma concepção idealista da ideologia como esfera das ideias e dos discursos, em favor de uma visão que a concebe como instância constitutiva do discurso, do sujeito e do sentido. Na esteira de Althusser, ele postula que essa constituição ocorre através da interpelação do indivíduo em sujeito pela ideologia, interpelação definida em termos de assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico. Tal processo conduz os sujeitos - sem que eles se deem conta disso - à ocupação de lugares na luta de classes e à contínua reprodução das relações de produção, atreladas a práticas inscritas em aparelhos ideológicos do Estado. Ao conceber “o discursivo como um dos aspectos materiais do que chamamos de materialidade ideológica” (PÊCHEUX; FUCHS, 1970/1980, p.163), Pêcheux retoma as noções de FI e FD, sustentando que a interpelação dos indivíduos em sujeitos realiza-se sempre através de FDs, que derivam de condições de produção específicas e refletem a exterioridade que as constitui.

Em seguida, Pêcheux começa a caracterizar o que denomina esquecimento nº 1, isto é, a ilusão do sujeito de estar na fonte do sentido. Essa ilusão subjetiva ligar-se-ia à produção do sentido numa FD, pois o processo de produção de uma sequência discursiva seria ignorado pelo sujeito, que recalcaria o fato de que toda sequência, para ser reconhecida como significante, deve necessariamente pertencer a esta ou àquela FD, e não a ele próprio. Segundo o filósofo, esse processo é “indissociável da relação de paráfrase entre sequências tais que a família parafrástica destas sequências constitui o que se poderia chamar a ‘matriz do sentido’” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução Eni Puccinelli Orlandi et al. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP , 2014 [1975]., p.167). É a partir dessas relações parafrásticas que se produz uma sequência. Assim, o processo discursivo - definido, em 1969, como um conjunto de mecanismos formais produtores de um dado discurso em dadas condições de produção e, em 1971, como a língua posta em funcionamento através da enunciação e em relação a representações sociais - passa a ser definido, em 1975, como “as relações de paráfrase interiores ao que chamamos a matriz do sentido inerente à formação discursiva” (PÊCHEUX/FUCHS, 1975PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux . Tradução Péricles Cunha. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP , 2014 [1975]. p.163-252., p.168).

Nessa direção, Pêcheux dá a ver uma aparente contradição que remete à própria constituição do sujeito: os processos discursivos não se originam nele, mas nele necessariamente se realizam. Acerca disso, o autor esclarece uma ambiguidade subjacente à noção de condições de produção na AAD-69, que “designava ao mesmo tempo o efeito das relações de lugar nas quais se acha inscrito o sujeito e a ‘situação’ no sentido concreto e empírico do termo, isto é, o ambiente material e institucional, os papéis mais ou menos conscientemente colocados em jogo etc.” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução Eni Puccinelli Orlandi et al. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP , 2014 [1975]., p.169; aspas dos autores). Pêcheux dissolve essa ambiguidade, opondo a primeira definição (atinente ao discursivo) à segunda (relativa ao empírico) e assimilando-as à oposição lacaniana entre imaginário e real. A partir disso, ele conclui sobre a necessidade de “uma teoria não subjetiva da constituição do sujeito em sua situação concreta de enunciador [...] sob a forma de um esboço descritivo dos processos de enunciação” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux . Tradução Péricles Cunha. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP , 2014 [1975]. p.163-252., p.170) e de uma possível articulação entre essa descrição e a ilusão subjetiva definidora do esquecimento nº 1. A esse respeito, Gadet et al. (1990/2014, p.55; aspas dos autores)GADET, F.; LEON, J.; MALDIDIER, D.; PLON, M. (1990). Apresentação da conjuntura em linguística, em psicanálise e em informática aplicada ao estudo dos textos na França, em 1969. In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 5. ed. Tradução Lourenço Chacon Jurado Filho e Manoel Luiz Gonçalves Corrêa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014. asseveram que “a opacidade da AAD sobre esse ponto capital [a noção de sujeito] deve ser relacionada ao ‘lugar secundário’ que, concomitantemente, é dado à teoria da enunciação tal como é desenvolvida por Benveniste”.

De fato, as questões do sujeito e do sentido obrigam Pêcheux a um retorno à linguística, no qual reencontra “a questão da enunciação. Elidida na AAD 69, evocada como uma promessa rápida no fim do artigo aparecido no número 24 de Langages, ela enfim é enfrentada na ‘atualização’ do número 37” (MALDIDIER, 1990/2003, p.41; aspas da autora). Esse enfrentamento tem como ponto de partida a necessidade por Pêcheux sentida de definir a natureza e o papel da língua na fase de análise linguística prevista pelo “dispositivo AAD”. Assim como recusa uma concepção idealista da ideologia, o autor recusa igualmente uma concepção idealista da língua, que a identifica à ideologia, tomando-a como “visão-percepção do mundo e, em seu limite, como a origem deste último” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.172). Em contrapartida a essa concepção idealista, Pêcheux propõe uma concepção materialista: “[...] estando os processos discursivos na fonte da produção dos efeitos de sentido, a língua constitui o lugar material onde se realizam estes efeitos de sentido” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.171; itálicos dos autores). Essa materialidade linguística, segundo o autor, remete à ideia saussuriana de funcionamento, oposta à de função; todavia, defende ele a necessidade de uma teoria sobre a sistematicidade linguística que não se oponha, à moda língua/fala, ao não sistemático, mas que se articule em processos.

Tal reflexão desemboca na visão de enunciação como relação necessária do sujeito enunciador com o seu enunciado, visão refutada por Pêcheux, que nela enxerga dois obstáculos resultantes de seu viés idealista. Trata-se, simultaneamente, do que ele designa como ilusão empirista e ilusão formalista: a primeira estaria vinculada à visão do sujeito como centro e fonte do sentido; a segunda, à tomada da enunciação como um simples sistema de operações formais. Para o autor, é preciso remover a problemática enunciativa do círculo do idealismo em que estariam presos os enunciativistas: “A dificuldade atual das teorias da enunciação reside no fato de que estas teorias refletem na maioria das vezes a ilusão necessária construtora do sujeito” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.175). Para o filósofo, isso ocorre na medida em que tais teorias reproduzem no nível teórico essa ilusão subjetiva, “através da ideia de um sujeito enunciador portador de escolha, intenções, decisões etc. na tradição de Bally, Jakobson, Benveniste” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.175). A partir da reafirmação da crítica à concepção dita “idealista” de enunciação, Pêcheux apresenta a sua própria:

Diremos que os processos de enunciação consistem em uma série de determinações sucessivas pelas quais o enunciado se constitui pouco a pouco e que tem por característica colocar o “dito” e em consequência rejeitar o “não dito”. A enunciação equivale pois a colocar fronteiras entre o que é “selecionado” e tornado preciso aos poucos (através do que se constitui o “universo do discurso”), e o que é rejeitado. Desse modo se acha, pois, desenhado num espaço vazio o campo de “tudo o que teria sido possível ao sujeito dizer (mas que não diz)” ou o campo de “tudo a que se opõe o que o sujeito disse”. Esta zona do “rejeitado” pode estar mais ou menos próxima da consciência e há questões do interlocutor - visando fazer, por exemplo, com que o sujeito indique com precisão “o que ele queria dizer” - que o fazem reformular as fronteiras e reinvestigar esta zona. Propomos chamar este efeito de ocultação parcial de esquecimento nº 2 e de identificar aí a fonte da impressão de realidade do pensamento para o sujeito (“eu sei o que eu digo”, “eu sei do que eu falo”) (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.175; aspas dos autores, itálicos nossos).

Nessa tão extensa quanto rica citação, surge pela primeira vez, no escopo da teoria do discurso, uma definição mais robusta de enunciação, na qual sublinhamos dois pontos.

O primeiro refere-se ao primeiro trecho em itálico, que trata da relação enunciado/enunciação, aqui retomada para ser complexificada. Se no artigo de Langages de 1971 o enunciado é apresentado como materialidade articulada pela enunciação, essa articulação é mais bem explicada nesse texto de 1975. Pêcheux procede a essa explicação integrando, à discussão sobre os processos enunciativos, aquela sobre os mecanismos sintáticos. Isso o leva a modificações na concepção de língua, a começar pelo léxico, que deixa de ser concebido como “um ‘estoque de unidades lexicais’, simples lista de morfemas sem conexão com a sintaxe mas, pelo contrário, como um conjunto estruturado de elementos articulados sobre a sintaxe” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.176; aspas dos autores). Já a sintaxe “não constitui mais o domínio neutro de regras puramente formais, mas o modo de organização (próprio a uma determinada língua) dos traços das referências enunciativas” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.176). Tal imbricação entre enunciação e sintaxe está presente na definição mesma de processos enunciativos como série de determinações sucessivas que delimitam as fronteiras entre o dito e o não dito, de forma que “a análise linguística que a AAD almeja deve ser essencialmente de natureza morfossintática” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.171).

A esse respeito, Leandro-Ferreira (2000) concebe a sintaxe como um “dispositivo teórico que faz ver o processo de produção de sentido e que se coloca como um lugar de observação do discurso” (LEANDRO-FERREIRA, 2000LEANDRO-FERREIRA, M. C. Da ambiguidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. , p.121-122; itálicos da autora). Para a autora, a sintaxe dá acesso à passagem da organização da língua à ordem do discurso, sendo um espaço de tensão entre coerção2 2 Leandro-Ferreira (2000) emprega o termo coação, porém, aqui, preferimos empregar o termo coerção, em sintonia com a tradução da AAD-69 (cf. seção 1). e liberdade, isto é, entre o sistematizável e o que a ele escapa. Nessa perspectiva, a língua não é o objeto do analista de discurso, mas uma instância pressuposta em sua prática analítica: “Assim como o lingüista tem acesso à língua pela fala, o analista de discurso tem acesso à ordem do discurso através da organização da língua” (LEANDRO-FERREIRA, 2000, p.37).

Se a língua é uma instância pressuposta na análise discursiva, pensamos não ser ilícito compreender a enunciação como uma instância mediadora da relação entre a sintaxe e o discurso. Afinal, se a enunciação é uma série de determinações sucessivas, de caráter morfossintático, que constituem pouco a pouco o enunciado, então a enunciação opera a mediação entre a organização linguística e a ordem discursiva ao fazer daquela o lugar material de realização dos efeitos de sentido desta. Todavia, isso não deve levar a crer que a enunciação se reduz à sintaxe ou que se trata de um espaço de liberdade irrestrita do sujeito. A enunciação não é redutível à sintaxe, visto não ser apenas o que possibilita a sintagmatização das unidades lexicais, mas também o que torna possível a tomada de posição do sujeito quanto às representações sociais, de modo que o enunciativo articula o linguístico e o discursivo tanto no plano da organização da língua (o das sintagmatizações) quanto no plano da ordem do discurso (o das representações). Além disso, a enunciação não supõe um sujeito livre e intencional, pois, como esclarece Leandro-Ferreira (2000), há uma tensão constante entre liberdade e coerção, bem como a possibilidade de jogo da/na língua: “O sistema guarda em si tanto a possibilidade do jogo da/na língua quanto a necessidade de um ordenamento” (LEANDRO-FERREIRA, 2000LEANDRO-FERREIRA, M. C. Da ambiguidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. , p.108-109). Tal ideia de que o sistema prevê tanto o jogo possível quanto o ordenamento necessário ilustra a natureza intervalar da enunciação entre a língua e o discurso, além de indicar um sujeito que não é nem senhor pleno da língua nem inteiramente assujeitado a ela e à exterioridade: “Ele estabelece uma relação ativa no interior de uma dada formação discursiva; assim como é determinado, ele também a afeta e a modifica em sua prática discursiva” (LEANDRO-FERREIRO, 2000, p.23).

O segundo ponto relevante da citação acima refere-se ao segundo trecho em negrito. Este envolve ainda a questão do sujeito, em especial a sua relação com a língua e com o outro no processo enunciativo. Como já mencionado, Pêcheux vê, no que chama de esquecimento nº 2, a constituição do enunciado a partir da seleção e da rejeição de dizeres pelo sujeito, que o faz mais ou menos conscientemente. De fato, o grau de consciência é, nesse primeiro texto de 1975, um traço distintivo entre os dois tipos de esquecimento, os quais difeririam profundamente um do outro. A esse propósito, Pêcheux defende que o sujeito pode penetrar conscientemente na zona do esquecimento nº 2, a partir de um retorno sobre o seu discurso, uma antecipação do efeito deste, uma tentativa de explicitação ou reformulação do seu dizer, de forma que “esta zona nº 2, que é a dos processos de enunciação, se caracteriza por um funcionamento do tipo pré-consciente/consciente” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975, p.177; itálicos dos autores). Já o esquecimento nº 1, para o filósofo, situa-se numa zona inacessível ao sujeito, porque dele constitutiva, recalcando o processo discursivo e seu exterior específico (o interdiscurso, termo ainda não nomeado), articulados um ao outro por relações de contradição, submissão ou usurpação: trata-se de um esquecimento ideológico e, por conseguinte, inconsciente, visto a ideologia ser constitutivamente inconsciente dela mesma.

Apesar de os dois esquecimentos estarem relacionados, Pêcheux atenta para o fato de que a exterioridade constitutiva ligada ao primeiro não deve ser confundida com “o espaço subjetivo da enunciação, espaço imaginário que assegura ao sujeito falante seus deslocamentos no interior do reformulável de forma que ele faça incessantes retornos sobre o que formula” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.178; itálicos dos autores). Em outras palavras, o interdiscurso (atrelado ao esquecimento nº 1) não deve ser confundido com a enunciação (vinculada ao esquecimento nº 2), os quais estão ligados por “uma relação de dominância que se pode caracterizar dizendo que ‘o não afirmado precede e domina o afirmado’” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.178). Há, portanto, uma anterioridade constitutiva do interdiscurso em relação à enunciação.

De todos os textos até aqui analisados, A propósito da análise automática do discurso: atualização e perspectivas é o que mais aprofunda a questão da enunciação. Se o estudo publicado na mesma revista em 1971 concede ao discurso um assento mais firme na linguística, esse trabalho de 1975 concede à enunciação um assento mais firme na teoria do discurso. Além de inaugurar a problemática da ilusão subjetiva, “Michel Pêcheux aí apresenta a primeira relação estabelecida entre enunciação e imaginário. Ele abre uma perspectiva para a análise dos mecanismos enunciativos” (MALDIDIER, 1990/2003, p.44). Essa perspectiva analítica é aberta pela via da sintaxe, assumida como o modo de organização dos traços das referências enunciativas, de maneira que “o estudo das marcas ligadas à enunciação deve constituir um ponto central da fase de análise linguística da AAD” (PÊCHEUX; FUCHS, 1975/2014, p.176).

3.2 A enunciação em Semântica e discurso : uma crítica à afirmação do óbvio

Segundo Maldidier (1990), o artigo discutido na subseção anterior, embora interessante, é um texto de transição, enquanto “Semântica e Discurso é o grande livro de Michel Pêcheux. Ele apresenta o estado mais acabado da teoria” (MALDIDIER, 1990/2003, p.37). Nessa obra, a enunciação é problematizada mais detalhadamente na introdução e nos capítulos I da 1ª parte, I da 2ª parte e III da 3ª parte.

Na introdução, Pêcheux identifica três principais tendências no interior da linguística de então (anos 1970): 1) a tendência formalista-logicista, representada pelo gerativismo chomskyano; 2) a tendência histórica, representada pelas teorias da variação e da mudança linguísticas; 3) a tendência da linguística da fala, também chamada pelo autor de linguística da enunciação/da performance/da mensagem/do texto/do discurso. Nessa última, Pêcheux destaca a crítica ao primado linguístico da comunicação, bem como a relevância dada ao estilo e ao diálogo como transgressão e confrontação, respectivamente. Embora nessa terceira corrente possam ser inseridas outras perspectivas teóricas além das enunciativas, ressaltamos a leitura atenta que o filósofo faz de alguns dos principais fundamentos da Linguística da Enunciação: a) o questionamento da concepção de linguagem como instrumento de comunicação; b) o reconhecimento da singularidade do uso da língua, que sofre restrições da regularidade do sistema linguístico, mas nela não se encerra; c) a consideração da intersubjetividade como princípio fundamental, em que o autorreconhecimento do eu se dá pelo reconhecimento do tu. Desses três fundamentos, o primeiro sinaliza um deslocamento sensível da posição pecheutiana quanto às teorias enunciativas: se antes estas eram pelo autor denunciadas como promotoras de uma concepção instrumental de linguagem, agora, ele parece reconhecer que tal concepção é, pelo contrário, alvo de críticas por parte dessas teorias.

No primeiro capítulo da 1ª parte do livro, a enunciação é tematizada como um problema moderno que remete à antiga questão da origem das línguas enquanto resultado da necessidade do homem de agir sobre o outro e sobre o mundo. Pêcheux vislumbra na concepção de Condillac sobre “a combinação dos gestos da ‘linguagem da ação’ e dos sons da linguagem articulada [...] um embrião de uma teoria da enunciação” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.46; aspas do autor). Se na introdução o autor sublinha caracteres da enunciação como a natureza não instrumental da linguagem, bem como a singularidade e a intersubjetividade intrínsecas ao uso da língua, nessa menção a Condillac, ele destaca o próprio uso da língua como uma característica definidora da enunciação.

Segundo Pêcheux, a transição ocorrida na filosofia do século XVIII - em que o sujeito deixa de ser subordinado à verdade de seu discurso e passa a ser fonte desse discurso - é radicalizada pelas filosofias da subjetividade dos séculos XIX e XX. Nestas, a subjetividade surge como categoria central e reelaboração da oposição aristotélica clássica necessário/contingente, atualizada pela oposição idealista moderna objetivo/subjetivo. Acerca disso, Pêcheux cita as noções husserlianas de expressão objetiva como significação independente do sujeito e da situação enunciativa (o discurso da ciência, por exemplo) e de expressão subjetiva como significação dependente do sujeito e da situação de enunciação (como discursos contendo pronomes pessoais, demonstrativos e dêiticos espaço-temporais). Para o autor, “a reflexão filosófica de Husserl sobre as expressões subjetivas o leva a formular observações estranhamente próximas das dos linguistas quando elas abordam o problema das relações entre situação, enunciação e determinação” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.50). Essa “estranha proximidade” fica mais clara ao fim do capítulo, em que Pêcheux recorre - sem recobri-las - à oposição saussuriana língua/fala e à oposição chomskyana competência/performance para associá-las ao par ideológico criatividade/sistema. Tal associação consiste na tensão entre a subjetividade criadora da fala e da performance, de um lado, e a objetividade sistemática da língua e da competência, de outro, em que a primeira repercute sobre a segunda ao sobrecarregar os elementos intralinguísticos (fonológicos, morfológicos, sintáticos) com elementos extralinguísticos (sujeito, sentido, situação).

Isso faz com que Pêcheux considere, como ponto comum às semânticas estruturais e gerativas, a indiferença com relação à teoria da enunciação, vista “como teoria desse resto inerente à existência do ‘sujeito-falante’ em situação” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.28; itálicos e aspas do autor). O autor menciona alguns mecanismos enunciativos, como a designação anafórica (remissão de um segmento a outro no discurso), a designação indicial/dêitica (remissão ao contexto extralinguístico) e a modalização avaliativa/emotiva (posição do sujeito quanto à situação de enunciação e ao conteúdo do enunciado), para finalmente definir a enunciação como ele entende ser ela abordada na linguística de então: “Em outras palavras, designa-se por enunciação, ao mesmo tempo, o fato do sujeito ser o suporte de seu enunciado e o conjunto dos efeitos subjetivos (conteúdos psicológicos variados) subjacentes a esse enunciado” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.59; itálicos do autor). Nessa definição, vemos Pêcheux relacionar o problema da enunciação aos problemas do sujeito (enquanto suporte do enunciado) e do sentido (enquanto conjunto dos efeitos subjetivos desse enunciado), apesar de o subjetivismo implicado nessa concepção de enunciação não agradar ao filósofo, o que fica mais claro nos capítulos seguintes da obra.

Para Maldidier (1990), a enunciação como resto impossível de absorver no sistema desvela a crítica pecheutiana ao funcionamento dicotômico dos pensamentos filosófico e linguístico. Trata-se de uma crítica violenta à filosofia idealista, “incapaz de trabalhar a contradição, balançada entre as falsas soluções do logicismo e do subjetivismo” (MALDIDIER, 1990/2003, p.46). Desse idealismo filosófico, cujas dicotomias são reproduzidas pela semântica, dá testemunho uma série de pares filosóficos, como lógico/retórico, necessário/contingente e objetivo/subjetivo: “Nesta filiação, a oposição língua/fala, e mais amplamente sistema/sujeito falante, constitui o avatar próprio da lingüística” (MALDIDIER, 1990/2003, p.47; itálicos da autora).

Na 2ª parte do livro, é também no capítulo I que encontramos uma reflexão mais detida sobre a enunciação. Nesta, o filósofo retoma os fenômenos sobre os quais tratou anteriormente no livro - explicativas, determinativas, determinantes, dêiticos -, argumentando que, se eles pertencem ao sistema da língua e se referem ao funcionamento desta em relação a si mesma, eles também constituem “o pano de fundo de uma reflexão ‘filosófica’, cujos desenvolvimentos ele [o linguista] pôde acompanhar através das questões da referência, da determinação e da enunciação” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.81; aspas do autor). Apesar de ser esta a única ocorrência do termo “enunciação” no texto, é possível notar que a noção de enunciação permeia toda a discussão nele empreendida:

Dizemos que esses dois elementos (a um só tempo, fenômenos linguísticos e lugares de questões filosóficas) pertencem à região de articulação da Linguística com a teoria histórica dos processos ideológicos e científicos, que, por sua vez, é parte da ciência das formações sociais: o sistema da língua é, de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o revolucionário e para o reacionário, para aquele que dispõe de um conhecimento dado e para aquele que não dispõe desse conhecimento. “Entretanto, não se pode concluir, a partir disso, que esses diversos personagens tenham o mesmo discurso: a língua se apresenta, assim, como a base comum de processos discursivos diferenciados [...].” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.81; itálicos do autor, itálico com aspas nosso).

Essa citação recupera o que Pêcheux já havia dito sobre a necessidade de uma base linguística para a constituição do processo discursivo. A esse propósito, o autor faz duas ressalvas: a) oposição concreto/abstrato não recobre a oposição discurso/língua, pois o discurso (noção materialista) não se confunde com a fala (noção idealista) enquanto uso concreto do sistema abstrato; b) a língua é indiferente à luta de classes, mas as classes não são indiferentes à língua, que é relativamente autônoma - de modo que a gramática não é o pivô da luta de classes e a língua não pertence à superestrutura ideológica de uma formação social -, porém essa relativa autonomia não impede que todo processo discursivo se inscreva numa relação ideológica de classes, a qual o determina.

Em síntese, se a língua é condição do discurso, é porque é a enunciação, enquanto conjunto de mecanismos que são simultaneamente fenômenos linguísticos e lugares de reflexão filosófica, que possibilita a realização, sobre uma mesma base linguística, de processos discursivos distintos e ideologicamente determinados.

Na 3ª parte do livro, o capítulo que dá mais relevo à enunciação é o intitulado A forma-sujeito do discurso. Neste, o ponto de partida de Pêcheux é o processo de interpelação-identificação pelo qual a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos, ocultando o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados. Essa ocultação ocorre, de um lado, pela evidência do sujeito como origem de si e, de outro, pela evidência do sentido como transparente. Para Pêcheux, o sentido apresenta tal caráter material porque, além de parecer transparente ao sujeito, está numa relação de “dependência constitutiva daquilo que chamamos ‘o todo complexo das formações ideológicas’” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.146; aspas do autor): o interdiscurso.

Essa dependência é esclarecida pelo autor mediante a formulação de duas teses. A primeira postula que as palavras/expressões/proposições mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, de sorte que o sentido varia conforme a FD em que é produzido. De acordo com Pêcheux, isso tem a ver com a relação base linguística/processo discursivo-ideológico, pois, se uma mesma palavra/expressão/proposição pode receber sentidos diferentes conforme a FD na qual se inscreve, isso significa que ela não tem um sentido fixo, mas constitui seu sentido no interior de cada FD. Acrescenta o autor que, assim como uma mesma palavra/expressão/proposição muda de sentido na passagem de uma FD a outra, palavras/expressões/proposições formalmente diferentes podem ter o mesmo sentido no interior de uma mesma FD, o que o leva a apresentar uma quarta definição de processo discursivo, enquanto “sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias etc., que funcionam entre elementos linguísticos - ‘significantes’ - em uma formação discursiva dada” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.146; aspas do autor). Por sua vez, a segunda tese preconiza que toda FD dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, a materialidade contraditória do interdiscurso que a determina. Por interdiscurso, então, o filósofo compreende “esse ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas”, caracterizado pelo “fato de que ‘algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes, em outro lugar e independentemente’, isto é, sob a dominação das formações ideológicas” (PÊCHEUX, 1975/149, p.151; aspas e itálicos do autor). Isso faz o sentido parecer transparente e fornece, a cada sujeito, a sua “realidade” enquanto sistema de evidências.

A enunciação comparece, aqui, novamente no centro de uma discussão sobre sujeito e sentido. Para Pêcheux, a forma-sujeito consiste na forma pela qual o indivíduo é interpelado em sujeito ao identificar-se com uma FD. Tal interpelação-identificação “apóia-se no fato de que os elementos do interdiscurso (sob sua dupla forma [...] enquanto ‘pré-construído’ e ‘processo de sustentação’) que constituem, no discurso do sujeito, os traços daquilo que o determina, são re-inscritos no discurso do próprio sujeito” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.150; aspas e itálicos do autor). Ou seja, embora o sujeito se constitua pelo esquecimento daquilo que o determina, essa determinação irrompe no seu discurso mesmo através dos dois elementos do interdiscurso: o pré-construído e o processo de sustentação/articulação de enunciados (ou discurso transverso).

Concebido como um já-dito proveniente de discursos anteriores, mas ignorado em sua procedência e considerado portador de uma significação naturalizada, o pré-construído comparece no discurso do sujeito através do processo de articulação. Esse processo conecta/encadeia pré-construídos no eixo do que Pêcheux designa como intradiscurso, isto é, “o funcionamento do discurso com relação a si mesmo (o que eu digo agora, com relação ao que eu disse antes e ao que eu direi depois; portanto, o conjunto de fenômenos de ‘co-referência’ que garantem aquilo que se pode chamar o ‘fio do discurso’, enquanto discurso de um sujeito” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.151; aspas do autor). Inspirado por Saussure, Pêcheux denomina essa conexão/encadeamento que estrutura o fio discursivo também como linearização ou sintagmatização, processo por meio do qual demonstra brilhantemente as relações entre língua, enunciação e discurso:

Observaremos [...] que o interdiscurso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria-prima na qual o sujeito se constitui como “sujeito falante”, com a formação discursiva que o assujeita. Nesse sentido, pode-se bem dizer que “o intradiscurso, enquanto ‘fio do discurso’ do sujeito, é, a rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma ‘interioridade’ inteiramente determinada como tal do ‘exterior’”. [...] diremos que a forma-sujeito [...] “simula o interdiscurso no intradiscurso, de modo que o interdiscurso aparece como o puro ‘já-dito’ do intra-discurso” [sic], no qual ele se articula por “co-referência”. Parece-nos, nessas condições, que se pode caracterizar a forma-sujeito como realizando a incorporação-dissimulação dos elementos do interdiscurso: “a unidade (imaginária) do sujeito, sua identidade presente-passada-futura encontra aqui um de seus fundamentos”. (PÊCHEUX, 1975/2014, p.154, itálicos e aspas do autor, itálico com aspas nossos).

Acerca dessa citação, faremos dois apontamentos.

O primeiro diz respeito ao papel da sintaxe na produção do discurso, aqui retomado para ser aprofundado. O pré-construído e a articulação de enunciados, descritos nesse livro de 1975 como os traços do interdiscurso no discurso do sujeito, corresponderiam aos traços das referências enunciativas mencionados na definição de sintaxe formulada no artigo do mesmo ano? Se sim, então o pré-construído e a articulação de enunciados, enquanto traços das referências enunciativas, representam não apenas os traços do interdiscurso no discurso do sujeito, mas também - ou talvez por isso mesmo - os traços da constituição do sujeito e do sentido. Mais uma vez, a enunciação comparece como instância mediadora entre a organização da língua e a ordem do discurso, instância esta que, contudo, sofre ela própria uma mediação, a da FD, visto não haver relação direta do sujeito com o interdiscurso.

O segundo apontamento refere-se à própria subjetividade, cujo funcionamento imaginário é tratado por Pêcheux, nesse capítulo, por meio da noção de forma-sujeito. Para o autor, a forma-sujeito simula o interdiscurso no intradiscurso, fazendo o interdiscurso aparecer como o já-dito do intradiscurso, de modo que este é uma interioridade totalmente determinada pela exterioridade. Assim, a forma-sujeito funda a unidade imaginária do sujeito e o faz esquecer-se do que o determina, num efeito idealista de autonomia que o propõe como um interior sem exterior. Essa impossibilidade de o sujeito reconhecer seu assujeitamento deve-se ao fato de que tal assujeitamento nele se manifesta justamente pela ilusão da autonomia. Conforme Pêcheux, o efeito-sujeito (a identificação do sujeito consigo mesmo) implica o efeito de intersubjetividade (a identificação do sujeito com outro sujeito, com “o” minúsculo), num reconhecimento mútuo não só entre o sujeito e si mesmo e entre os próprios sujeitos, mas também entre eles e o Sujeito Universal (aquilo que todo mundo sabe). Nesse(s) reconhecimento(s), o sujeito se esquece das determinações que o constituem.

A primeira ocorrência do termo enunciação, nesse capítulo basilar da teoria, surge a título de exemplo do efeito-sujeito que faz o sujeito sentir-se livre, consciente, responsável e autor de seus atos: “[...] as noções de asserção e enunciação estão aí para designar, no domínio da ‘linguagem’, os atos de tomada de posição do sujeito” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.159; itálicos e aspas do autor). Pêcheux critica tal noção de ato de linguagem por crer que ela traduz o esquecimento pelo sujeito do que o determina e faz parecer a sua tomada de posição no discurso como um ato originário seu. Em contrapartida, defende o autor que essa tomada de posição não é a causa do sujeito, mas “deve, ao contrário, ser compreendida como o efeito, na forma-sujeito, da determinação do interdiscurso como discurso-transverso” (PÊCHEUX, 1975/2014, p.160). Em outros termos, a enunciação não se trata de uma origem espontânea do sujeito: trata-se, antes, da forma-sujeito como um efeito, um resultado da sua determinação pela exterioridade, pelo interdiscurso que, ao atravessar-se a si mesmo, constitui o intradiscurso como fio do discurso do sujeito. Entretanto, como já comentado, essa determinação do interdiscurso é mascarada no intradiscurso pela forma-sujeito, que, ao incorporar e dissimular os elementos interdiscursivos (o pré-construído e a articulação) no discurso do sujeito, produz neste a ilusão de estar no controle de sua enunciação e funda, desse modo, sua unidade imaginária (sua identidade presente-passada-futura).

A partir dessa crítica à noção de enunciação, Pêcheux retoma - para reavaliá-los - os dois esquecimentos inerentes ao discurso. Enquanto o esquecimento nº 1 foi situado numa zona inconsciente, porque constitutiva do sujeito e a ele inacessível, o esquecimento nº 2 foi situado numa zona pré-consciente/consciente, porque relacionado aos deslocamentos do sujeito no interior do reformulável. Tais reflexões passam a ser “insuficientes, na medida em que levam a fazer do pré-consciente-consciente uma zona autônoma com relação ao inconsciente” (PÊCHEUX, 2014PÊCHEUX, M. A análise de discurso: três épocas. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux . Tradução Jonas de A. Romualdo. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP , 2014. p.311-318. [1983]./1975, p.163). Enfatizando, então, o primado do inconsciente, o autor redefine o esquecimento nº 2 como o espaço de reformulação-paráfrase de uma dada FD através do qual o sentido se constitui, espaço que acoberta o interdiscurso que determina essa FD. Conforme Pêcheux, tal acobertamento consiste no esquecimento nº 1, que se trata de uma ocultação radical desse interdiscurso para o sujeito que está sob a dominância dessa FD: “Assim, o espaço de reformulação-paráfrase que caracteriza uma formação discursiva dada aparece como o lugar de constituição do que chamamos o imaginário linguístico (corpo verbal)” (PÊCHEUX, 2014/1975, p.165; itálicos do autor). Esse imaginário linguístico é associado à problemática da enunciação, que Pêcheux remete à ausência teórica de um correspondente linguístico do imaginário e do ego freudianos.

Relegada a segundo plano na AD-1 e anunciada como caminho promissor a ser seguido na passagem da AD-1 à AD-2, a enunciação é finalmente teorizada na AD-2. Tanto no artigo quanto no livro de 1975, ela é alçada ao centro da teoria do discurso, ora como componente integrante do seu quadro epistemológico geral, ora como problema teórico-metodológico a ser enfrentado. Essa reflexão discursiva sobre a enunciação é acompanhada, na AD-2, por uma crítica ferrenha às tendências da linguística de então, sobretudo pelo idealismo por meio do qual elas desembocariam, de um lado, no logicismo e, de outro, no sociologismo e no subjetivismo, enclausurando-se em dicotomias que fariam da enunciação ou um resto não teorizado ou um espelho teórico de uma subjetividade egocêntrica e solipsista. Tal reflexão é também acompanhada pela introdução de novas noções, como forma-sujeito, discurso transverso, interdiscurso, intradiscurso, esquecimentos nº 1 e nº 2, imaginário linguístico.

Até aqui, ensaiamos uma reconstituição da trajetória da enunciação na AD-1 e na AD-2. A seguir, buscaremos apresentar uma sistematização desse trajeto teórico.

Palavras (por ora) finais

O objetivo deste artigo foi acompanhar o percurso da problemática da enunciação no desenvolvimento inicial da Análise do Discurso fundada por Michel Pêcheux. Esse objetivo foi formulado a partir de duas perguntas de pesquisa, as quais retomamos para responder: 1ª) Que noções de enunciação podem ser derivadas da reflexão discursiva de Michel Pêcheux nos anos iniciais de sua produção? 2ª) Qual é o estatuto que assume a enunciação no escopo da AD nesse período?

Quanto à primeira questão, apresentamos a seguir, sob a forma de uma síntese esquemática, as noções de enunciação que podem ser derivadas dos textos analisados:

Quadro 2
Síntese das noções de enunciação derivadas do corpus teórico.

Cabe esclarecer que esse quadro-síntese é tão somente uma tentativa de sistematização - e, como tal, sempre incompleta - dos gestos de leitura efetuados ao longo deste estudo em relação ao corpus teórico. O que queremos dizer é que nosso propósito, ao proceder ao exame dos cinco textos de Pêcheux selecionados para análise, não foi desenvolver uma concepção de enunciação a partir da AD. Nosso objetivo foi reconstituir o caminho percorrido pela problemática enunciativa nas duas primeiras fases da teoria e seu papel no estabelecimento das bases fundantes desta. Assim, as noções acima elencadas não consistem em conceitos de enunciação que desejamos incorporar ao aparato conceitual da AD. Trata-se, antes, de formulações acerca de um problema específico, derivadas de uma reflexão mais ampla e complexa sobre língua, discurso, sujeito e sentido.

Quanto ao segundo interrogante que aqui nos moveu, a partir do conjunto das noções de enunciação derivadas da reflexão pecheutiana da AD-1 à AD-2, cremos poder atribuir à enunciação, no escopo da teoria nesse período, um estatuto epistemológico e um estatuto teórico-metodológico.

O primeiro estatuto envolve o lugar de honra reservado à enunciação no quadro epistemológico geral que orienta a AD. Esse lugar é partilhado pela enunciação com a sintaxe, ambas reunidas no interior da segunda das três regiões do conhecimento científico articuladas no referido quadro, a saber, a linguística (como teoria dos processos enunciativos e dos mecanismos sintáticos), sendo as duas outras regiões o materialismo histórico (como teoria das formações e das transformações sociais) e a teoria do discurso (como teoria da determinação histórica dos processos semânticos) - todas as três transpassadas e entrelaçadas por uma teoria do sujeito de viés psicanalítico.

Tomamos o termo epistemologia a partir da acepção apresentada por André Lalande em seu Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, no qual ele define a epistemologia como um estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das ciências, que visa a determinar sua origem lógica, seu valor e sua importância objetiva. Em obra sobre a interface linguística/psicanálise, Flores (1999)FLORES, V. N. Linguística e psicanálise: princípios de uma semântica da enunciação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. reinterpreta essa acepção, compreendendo a epistemologia como uma reflexão que busca um certo grau de generalidade e cujo “objetivo maior é extrair da ordem dos conhecimentos um encadeamento necessário à constituição de um paradigma” (FLORES, 1999FLORES, V. N. Linguística e psicanálise: princípios de uma semântica da enunciação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. , p.16). Portanto, o estatuto epistemológico da enunciação, nas duas primeiras “épocas” da AD, deve-se ao relevo conferido por Pêcheux à enunciação como encadeamento necessário à constituição do novo paradigma representado pela teoria do discurso em sua relação - conflituosa, porém constitutiva - com a teoria da língua.

Já o segundo estatuto contempla o papel da enunciação como condição de possibilidade da relação base linguística/processo discursivo. O que está em jogo, aqui, é a natureza intervalar da enunciação entre a língua e o discurso, entre a sistematicidade e a historicidade. Essa natureza é desvelada pela sintaxe, enquanto modo de organização dos traços das referências enunciativas, que consiste num espaço de tensão entre coerção e liberdade, isto é, entre o sistematizável e o que a ele escapa. Trata-se da sintaxe como dispositivo teórico-metodológico que dá a ver o processo de produção do sentido e a passagem da organização da língua à ordem do discurso (LEANDRO-FERREIRA, 2000LEANDRO-FERREIRA, M. C. Da ambiguidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. ).

Em sua teorização sobre o interdiscurso (enquanto discurso transverso e enquanto pré-construído) na constituição do intradiscurso (enquanto fio do discurso do sujeito), Pêcheux mostra como o enunciativo articula o linguístico e o discursivo tanto no plano da organização da língua (o das sintagmatizações) quanto no plano da ordem do discurso (o das representações). Disso resulta que a enunciação não se reveste apenas de um estatuto epistemológico na fundação da AD como campo disciplinar, mas adquire também um estatuto teórico-metodológico, o qual direciona o olhar lançado pelo analista sobre a língua em funcionamento no discurso através da enunciação.

Em ambas as dimensões, a epistemológica e a teórico-metodológica, a enunciação emerge na reflexão de Michel Pêcheux como uma questão inquietante, confrontada por esse “filósofo inquieto com a linguística” (MALDIDIER, 1990/2003, p.44) e que nos inquieta com suas inquietações.

  • 1
    Embora esse artigo do número 37 de Langages tenha sido escrito em coautoria com Catherine Fuchs, referir-nos-emos a Pêcheux, pois privilegiaremos a primeira parte do texto - teórica -, que Maldidier (1990)MALDIDIER, D. A inquietação do discurso - (re)ler Michel Pêcheux hoje. Tradução Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes, 2003 [1990]. atribui ao filósofo, do que se pode inferir que a segunda parte - mais técnica - ficou a cargo da linguista.
  • 2
    Leandro-Ferreira (2000)LEANDRO-FERREIRA, M. C. Da ambiguidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. emprega o termo coação, porém, aqui, preferimos empregar o termo coerção, em sintonia com a tradução da AAD-69 (cf. seção 1).

REFERÊNCIAS

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  • GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D. De l’énonciation à l’événement discursif en analyse de discours. In: Histoire épistemologie langage, tome 8, fascicule 2, 1988. p.233-242.
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  • MAINGUENEAU, D. Énonciation et analyse du discours. Corela - Cognition, Représentation, Langage, HS-19, p.1-11, 2016.
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  • PÊCHEUX, M. A análise de discurso: três épocas. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux . Tradução Jonas de A. Romualdo. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP , 2014. p.311-318. [1983].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2019
  • Aceito
    22 Jun 2020
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