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Materialização da ação afirmativa para negros em concursos públicos (Lei N. 12.990/2014)

Materialization of affirmative action for black people in federal public contests in Brazil (Law n. 12990/2014)

Resumo

Neste artigo, tratamos da Lei n. 12.990/2014, que visa a promover acesso de negros a cargos e empregos públicos na esfera federal estipulando cota de 1/5 das vagas em disputa nos concursos públicos para negros. A exemplo do que ocorre na iniciativa privada, há enorme diferença na quantidade de servidores públicos brancos e negros. Embora o Supremo Tribunal Federal já tenha decidido que a lei de cotas para concursos públicos é constitucional, ela permanece ineficaz e, por consequência, insuficiente como ação afirmativa hábil para promover o combate ao racismo no setor público. Ainda que essa lei determine cota em favor dos negros, dados de concursos realizados na vigência da Lei n. 12.990/90 apontam para sua inefetividade. O racismo estrutural mantém as disparidades entre brancos e negros.

Palavras-chaves:
Concurso Público; Racismo; Ação Afirmativa

Abstract

In this article, we refer to the Law n. 12.990/2014, which promotes access for black people to offices and public employment in the Brazilian Federal Administration by stipulating a quota of 1/5 of vacancies for black people. Likely in the private sector, there is a huge difference between the number of white and black public agents. Although the Federal Supreme Court have decided that the quota law for public contests is constitutional, it remains ineffective and, therefore, insufficient as an affirmative action to support the fight against racism in the public sector. Even though this law determines a quota in favor of black people, data of public contests that took place during the validity of Law n. 12.990/90 point to its ineffectiveness. Structural racism maintains the disparities between whites and blacks.

Keywords:
Public Contest; Racism; Affirmative Action

1. Introdução1 1 Este artigo foi escrito entre agosto e setembro de 2018 e revisado em sua forma definitiva em novembro de 2019. Ele foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Código de financiamento 001.

No século XXI, os movimentos negros do Brasil deram continuidade às lutas por direitos para a população negra,2 2 As lutas para inclusão social dos negros são antigas. Abdias do Nascimento elaborou o projeto de Lei n. 1.332, em 1983, que estabelecia cotas para que as empresas privadas contratassem 20% de homens negros e 20% de mulheres negras. Esta foi uma tentativa de implementação de uma ação afirmativa racial no Brasil, mas o projeto não foi aprovado (MOEHLECKE, 2002: 205). diante da imensa desigualdade racial existente em praticamente todos os setores sociais. Nossa sociedade ainda se estrutura de modo a negar --ou dificultar-- o exercício da cidadania plena aos negros. O poder político permanece sendo exercido pelo grupo dominante, ou seja, por homens de perfil eurocêntrico. Não por acaso, o poder econômico também é dominado por homens brancos.3 3 A riqueza dos negros é menor se comparada à dos brancos, pois estes têm riqueza em todos os setores como poupança, ações, títulos, propriedades de negócios, enquanto a riqueza dos negros está concentrada em casas e automóveis, não fazendo parte do grupo com força econômica e política. Ou seja, a riqueza dos brancos permite que eles estejam no controle da maioria dos serviços disponíveis (BOBO, 2011: 3).

Para a teoria da crítica racial, a raça é fruto das relações sociais, podendo mudar conforme a circunstância, de modo que o estereótipo é apenas mais um vetor da racialização (DELGADO, 2001DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. “Critical Race Theory”: An Introduction. New York University Press: New York and Londom, 2001.: 7-9). Mesmo assim, a raça é entendida apenas como um problema da minoria racial e não um problema de todos, o que dificulta o reconhecimento das práticas de combate ao racismo (DELGADO, STEFANCIC, 2001: 22).

Nessa linha de pensamento, Delgado e Stefancic (2001DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. “Critical Race Theory”: An Introduction. New York University Press: New York and Londom, 2001.: 75-80) narram que a brancura é uma propriedade que concede privilégios, a tal ponto que seus fracassos nunca são colocados como decorrentes de sua inferioridade biológica, ao contrário do que acontece com os negros. “Os brancos não se vêem como tendo raça, mas sendo simplesmente pessoas. Eles não acreditam que pensam e raciocinam de um ponto de vista branco, mas de um ponto de vista universalmente válido” (DELGADO; STEFANCIC, 2001DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. “Critical Race Theory”: An Introduction. New York University Press: New York and Londom, 2001.: 80, tradução nossa).4 4 O preconceito racial e a discriminação racial adquiriam novas formas após a abolição da escravatura, que permite aos brancos obterem benefícios por meio da desqualificação do negro (GONZALEZ; HASENBALG, 1982:89-90). Os dados estatísticos e pesquisas realizadas têm apontado que o fator raça determina a desigualdade econômica, a tal ponto que Almeida afirmou que “direitos sociais e políticas universais de combate à pobreza e distribuição de renda que não levem em conta o fator raça/cor mostram-se pouco efetivas” (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. “O que é racismo estrutural?” Belo Horizonte: Letramento, 2018.: 122). O racismo mantém fronteiras que limitam o exercício da cidadania, impedindo a universalização da cidadania aos negros (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, Tatiane. “Mídia e cobertura das cotas raciais”. In: OLIVEIRA, Dennis de (org). A luta de contra o racismo no Brasil. 1ª. ed. São Paulo: Edições Forum, 2017, p. 199-219.: 24), constituindo a cidadania como um privilégio dos brancos. “Racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2018: 25).

A desigualdade racial é vista como normal, como se fosse natural e não culturalmente construída e, consequentemente, cria-se uma habitual ausência da população negra nas emissoras de televisão, nos teatros, nas empresas, em órgãos públicos e universidades (ALMEIDA, 2015ALMEIDA, Silvio Luiz de. “Estado, Direito e Análise Materialista do Racismo”. In: KASHIURA JR, Celso Naoto; AKAMINE JR., Oswaldo; MELO, Tarso de (orgs.). Para a Crítica do Direito- Reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. 1.ed. São Paulo: Outras Expressões, 2015, p. 747-767.: 755).5 5 O racismo contra negros no Brasil é, em alguns casos, “sem cara” e travestido, sendo camuflado sob o ideal do multiculturalismo e da “cordialidade” (ROCHA, 2009: 380). A raça é uma construção social, criada a partir do poder político e econômico, que racionaliza as disparidades de forma a estabelecer uma raça humana aceitável e outra raça humana inaceitável. Esta definição é dinâmica, pois judeus no século XVI não eram considerados brancos, porém atualmente integram este grupo (DELGADO; STEFANCIC, 2013DELGADO, Richard; STEFANIC, Jean. “Critical Race Theory”: The cutting edge. 3 ed. Temple University Press: Philadelphia, 2013.: 243-247).

A população negra é inferiorizada e seus interesses não são levados em conta nas pautas jornalísticas ou nos parlamentos; sua história não é contada, como se ela não fosse socialmente relevante; seus desenvolvimentos cultural, educacional e econômico são dificultados (NASCIMENTO, 1978NASCIMENTO, Abdias do. “O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado”. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.: 93-94).6 6 Relatando as diversas formas de genocídio do negro, tanto físico quanto político, Abdias do Nascimento afirmou “em adição aos órgãos do poder -o governo, as leis, o capital, as forças armadas, a polícia- as classes dominantes brancas têm à sua disposição poderosos implementos de controle social e cultural: o sistema educativo, as várias formas de controle das massas -a impressa, o rádio, a televisão- a produção literária, todos esses instrumentos estão a serviço dos interesses das classes no poder e são usados para destruir o negro como pessoa, e como criador e condutor de uma cultura própria” (NASCIMENTO, 1978: 93-94). O trauma que os negros sofrem vem desde a infância, pois o complexo de inferioridade tem um duplo processo: “inicialmente econômico, em seguida pela inferiorização, ou melhor, pela epidermização dessa inferioridade” (FANON, 2008FANON, Frantz. “Pele negra, máscaras brancas”. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.: 28).

Não faltam tentativas políticas de banalizar o racismo, tampouco formas de violência cultural (GALTUNG, 1900: 195-196) que negam o racismo como fundamento dos comportamentos sociais discriminatórios e preconceituosos, seja ao afirmá-lo como um aspecto das relações interpessoais, seja ao combinar a inclusão com a exclusão.7 7 A inclusão do negro no mundo de brancos é apenas uma estratégia utilizada para desacreditar as lutas de combate ao racismo, mostrando que todos são iguais. Assim, as medidas de integração muitas vezes vêm acompanhadas da exclusão nos espaços de decisão. Ou seja, não é o negro que tem liberdade de escolher onde e como será socialmente incluído, pois esta liberdade de escolha não foi concedida, tampouco conquistada (SCHWARCZ, 2013: 111-112). Assim, é possível conjecturar a força do sistema racista, que tem atuado de modo difuso e invariavelmente camuflado.

Buscando combater essa realidade, o Brasil assumiu o compromisso, na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Desigualdade Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001, em Durban, África do Sul, de implementar ações afirmativas que contribuam com a redução das disparidades sociais entre brancos e negros (DURBAN, 2009).

Em função desse compromisso internacional, algumas leis de integração entre os dois grupos étnicos foram publicadas, de modo que normas antirracistas foram consolidadas no Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei n. 12.288/2010.

Em que pese a formação de um extenso rol de legislação antirracista e antidiscriminatória, os relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) têm evidenciado que os negros continuam sendo as principais vítimas de atos discriminatórios e preconceituosos, e de que os órgãos públicos e as universidades públicas possuem um número ínfimo de negros, o que nos faz refletir sobre a importância de que sejam adotadas medidas mais radicais -ou, no mínimo, efetivas- com relação a cotas étnico-raciais (IZSÁK, 2016IZSÁK, Rita. Relatório da ONU sobre minorias, fev/2016. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=A/HRC/31/56/Add.1> Acesso em: 13 out 2020
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).

Dentre tantos dispositivos, decidimos por destacar a Lei n. 12.990/2014, que tem por objetivo impor que os concursos públicos para cargos efetivos e empregos públicos disponibilizem 20% das vagas para candidatos que se autodeclararem negros ou pardos,8 8 Como consequência da teoria do branqueamento, os cientistas racistas do começo do século XX estabeleceram que o relacionamento interracial faria com que as próximas gerações ficassem brancas. Isto seria o auge da evolução para os racistas (SCHWARCZ, 2013: 48-49). Desta forma, os pardos passaram a ser vistos como uma possibilidade de salvação da negritude, pois estariam se aproximando da cor de pele “civilizada” e, consequentemente, afastando-se da cor de pele preta, tendo-se um processo de “desafricanização” (SCHWARCZ, 2013: 28). no âmbito da Administração Federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista (artigo 1º, caput, da Lei n. 12.990/2014).

Não há que se discutir se essa lei é válida ou não. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, em Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 41),9 9 Ação Declaratória de Constitucionalidade é o mecanismo jurídico que determina a constitucionalidade de lei ou ato normativo, de forma que seu julgamento vincula a todos, indistintamente, e não apenas as partes envolvidas no processo judicial (SILVA, 2005: 56-57). que a referida lei é constitucional, de modo que essa discussão se encontra superada. Entretanto, os mecanismos para a sua materialização dificultam mudanças no perfil étnico-racial dos agentes lotados nos órgãos públicos (BRASIL, 2017).

A Lei n. 12.990/2014 não é suficiente para alterar a realidade, porque o seu prazo de vigência é reduzido, de 10 anos, conforme dispõe seu artigo 6º, mas ainda é fundamental para o caminho de inclusão dos negros nos setores da Administração Pública Ou seja, para que a lei fosse efetiva, deveria ser aplicada imediatamente. Para além disso, ao menos 20% das vagas disponíveis deveriam ser preenchidas com negros (e pardos), o que não tem acontecido. Porém, ainda que houvesse atingimento de 1/5 das vagas em cada concurso, a disparidade entre negros e brancos nos quadros do serviço público ainda seria muito grande.

Por isso, passamos a nos perguntar qual seria a melhor forma de materializar os objetivos desta ação afirmativa em busca de mais diversidade étnico-racial nos cargos efetivos e empregos públicos da Administração Federal direta e indireta e quais são os efeitos estruturantes decorrentes dessa ação. No Brasil, os preconceitos e discriminações estão fundamentados em forma de estamento, que privilegia de forma natural um grupo, e inferioriza outro (GUIMARÃES, 2009GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. “Racismo e Antirracismo no Brasil”. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.: 195). A Constituição Federal de 1988 estabelece que todos são iguais e que gozam dos mesmos direitos. Todavia, esse princípio, na prática, não se aplica aos negros, historicamente estigmatizados, e até os dias atuais marginalizados e inferiorizados, independentemente das condições econômicas.10 10 O racismo possui fundamentos extraeconômicos, pois quanto mais escura a cor da pele da pessoa, mais discriminações e preconceitos ela sofrerá, independente a classe social. Certamente, o acúmulo de estereótipos ou condições discriminatórias faz com que se ampliem as barreiras de inclusão (BATISTA; MASTRODI, 2018). Quer dizer, a Constituição Federal tem uma aparência de justiça social, o que justifica ações afirmativas como a da Lei n. 12.990/2014, justamente para promover alguma inclusão da população negra, cuja materialização de direitos é mais difícil do que para os brancos. Mesmo com a implementação dessa norma ou de qualquer outra, o direito não é, por si, capaz de combater o racismo ou outras condições de desigualdade, sendo possível, tão somente, minimizar seus efeitos.

O Direito (ou a forma jurídica) é um modo de racionalizar/normalizar as desigualdades existentes na sociedade, pois dá uma aparência de que todos possuem as mesmas condições quando, na verdade, desempenha o papel de apartação daqueles que são considerados dignos pelo Estado (homens e mulheres brancos).11 11 Conforme descreveu Josué Mastrodi, o Direito “traduz” os conflitos sociais na forma de relações jurídicas que, embora apresentadas como neutras, elas refletem e mantém as condições sociais originais de desigualdade: “Direitos são a cristalização, em normas jurídicas, de valores ou interesses considerados importantes pela sociedade que os positivou. A partir de um determinado contexto histórico, certas condutas são valoradas como boas ou ruins conforme a possibilidade de tais condutas permitirem a satisfação de interesses ou necessidades. Como não é possível que dois interesses sejam satisfeitos ao mesmo tempo com o mesmo recurso, há disputa no sentido de se atribuir valor positivo às condutas que levam à satisfação dos interesses contrapostos. Isso não é simplesmente negociado num contrato social em que todos são livres e iguais. Há relações sociais concretas em que pessoas e grupos, por causa de sua posição social concretamente predominante, são capazes de fazer essa predominância prevalecer, também, no estabelecimento das normas jurídicas gerais e abstratas que, ao serem positivadas, são aplicáveis a todos os membros da sociedade, de modo que a estrutura de desigualdade social é transformada em um ordenamento que se apresenta como se fosse justo ou bom de modo universal para todos os membros daquela sociedade. E a ciência do direito acaba por tratar desta estrutura normativa como a base neutra de toda relação intersubjetiva, desconsiderando a situação histórica de desigualdade a partir da qual o ordenamento jurídico foi estabelecido e da tábua de valores que ele determina como o padrão social a ser seguido” (MASTRODI, 2014: 580). A construção jurídica, por refletir predominantemente o interesse do grupo burguês, não é uma busca do dever social, mas uma hipocrisia (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni B. “Teoria Geral do Direito e Marxismo”. Tradução de Paulo Vaz de Almeida. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2017.: 108).12 12 Pachukanis apresenta profunda análise da forma jurídica do capitalismo, qual seja, o direito burguês, sem ter promovido qualquer discussão a respeito da apropriação do direito para estruturação racial da sociedade. Não obstante, a forma jurídica é suficientemente maleável para universalizar relações de poder como se fossem relações sociais justas e equilibradas, de modo que o grupo hegemônico pode, perfeitamente, utilizar da forma jurídica para estruturar relações de dominação racial. Nesse sentido, as cotas étnico-raciais permitem promover, ainda que de modo tímido, a inclusão do negro no lugar antes destinado exclusivamente ao branco.

A discriminação positiva da ação afirmativa da Lei n. 12.990/2014 é uma forma de contornar as disparidades nas instituições que manifestam o racismo de forma coletiva como a violência militar, os julgamentos penais e decisões sobre crimes de injuria racial e racismo, o que mantém os negros na subalternidade (MOREIRA, 2017MOREIRA, Adilson José. “O que é discriminação?”. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, Justificando, 2017 (b).b: 132). A sociedade por mais que se diga democrática, ou seja, que o poder é coletivo, o racismo faz com que as instituições funcionem como formas de subalternação e inferiorização das minorias ou de pessoas em estado de vulnerabilidade (MOREIRA, 2017b: 135).

Para pensarmos sobre como tornar as cotas raciais efetivas, fizemos a revisão bibliográfica de periódicos qualificados e de livros que discutem as relações raciais e sociais no Brasil.

2. Racismo e inclusão social dos negros: Materialização da Constituição Federal de 1988

A Lei n. 12.990/2014 estabelece que a sua vigência será de 10 anos, sem a possibilidade de reavaliação ou prorrogação do prazo (artigo 6º). O artigo 5º da lei de cotas estabelece que o órgão responsável pela política de promoção da igualdade racial será o responsável para fazer avaliação da igualdade étnica nacional, ou seja, apresentar os resultados dos concursos de modo discriminado sobre a porcentagem de pessoas declaradas negras e pardas que foram aprovadas, sendo possível saber se a Lei de Cotas está sendo cumprida.13 13 A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi extinta em maio de 2016, pela Lei n. 13.341/2016, e não foi criado qualquer órgão responsável para realizar essa avaliação, apesar de o Ministério da Justiça e Cidadania ter tido a ampliação das suas competências, inclusive, sendo o responsável pela formulação, coordenação e implementação de políticas raciais, nos termos do artigo 12 da referida lei. Este dever deixou de ser cumprido, motivo pelo qual nem no quadro de informações dos servidores federais é possível saber seu perfil étnico.

A Lei n. 12.990/2014, assim como as demais normas antirracistas, tem servido na prática para minimizar as lutas de combate à desigualdade. Sua edição permite afirmar que o Poder Público tem preocupação com a busca pela igualdade racial, mas nem de perto altera as fundações profundamente racistas de nossa sociedade. Os conflitos raciais são parte das instituições que, por serem hegemonizadas por determinados grupos, estabelecem os interesses políticos e econômicos (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. “O que é racismo estrutural?” Belo Horizonte: Letramento, 2018.: 30). Como afirma Moreira (2017MOREIRA, Adilson José. “O que é discriminação?”. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, Justificando, 2017 (b).b: 132), a discriminação racial encontra expressão no plano institucional porquanto o grupo hegemônico, branco, controla o acesso às instituições (sociais e estatais), instituições estas que passam a operar “segundo normas e práticas que, embora formuladas em termos gerais, expressam os interesses desses segmentos sociais”.

Para aquelas pessoas imbuídas da intenção de desaprovarem a ação afirmativa, sua justificativa se fundamenta na ideia de que a sub-representação dos negros decorreria de sua incapacidade. No entanto, o argumento da incapacidade do negro de passar em concurso é profundamente racista, travestido de defesa da meritocracia. As condições econômicas e sociais postas historicamente são um obstáculo muito grande para que negros realizem provas em condição de igualdade contra quem não tem contra si as mesmas barreiras sociais. Ademais, dependendo no número de vagas disponíveis para o concurso público, sequer haverá cotas para negros.14 14 A Lei n. 12.990/2014 prescreve no artigo 1º, § 1º, que “a reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual a três (3)”. Nesse sentido, questiona-se: a cota constitucional para deficientes tem prioridade sobre esta cota ou esta é que será prioritária? Os administradores podem abrir concurso de 3 em 3 vagas, evitando abertura de grande quantidade de vagas justamente para impedir a aplicação da cota? Ou seja, a própria legislação criou uma situação de inaplicabilidade da lei, visto que as vagas disponíveis podem ser menores que três, tão somente, para evitar a abertura de vagas com cotas. Tendo cadastro de reservas, a lei não dispõe a respeito das cotas. -15 15 Outro ponto que importa mencionar diz respeito à reserva de vagas para deficientes, que não tem estabelecido cota para negros. Como consequência das manifestações racistas, o negro deficiente é mais vulnerável e duplamente discriminado comparado ao deficiente branco, de maneira que, dentro do limite de cota para deficientes, no mínimo, 20% deveriam ser reservados para negros deficientes. Todavia, a escolha pela concessão de vagas para deficiente em detrimento dos negros, ou vice-versa, não é uma conclusão lógica, pois ambos os grupos possuem direitos fundamentais a não-discriminação e a inclusão. “Ao se decidir pela fundamentalidade de alguns direitos, outros são deixados de lado. Não há, contudo, nenhuma explicação lógica para a imposição de um padrão em vez do outro. Tal imposição somente pode ser justificada por meio de argumentos pautados em valores e interesses. Resta saber, assim, por que tal padrão foi definido como fundamental e por que tais direitos -e não outros- foram escolhidos pelo legislador e pelo juiz como fundamentais” (MASTRODI, 2012: 162).

Guimarães (2009GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. “Racismo e Antirracismo no Brasil”. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.: 192-193) fez um quadro apontando as discussões brasileiras sobre ações afirmativas a serem adotadas, tanto do ponto de vista do grupo favorável à sua implementação, quanto à do grupo desfavorável. Este autor argumenta que, por mais que não combata a estrutura racista ou que iniba a sua reprodução, a cota racial ao menos desracializa ou retira o monopólio racial existente nas universidades, nos cargos profissionais e em todos os outros setores cujas funções têm sido exercidas, quase que exclusivamente, por pessoas brancas.

No ano de 2015, a SEPPIR noticiou que, entre setembro de 2014 e abril de 2015, dos 26 editais abertos para concursos públicos federal, nos quais se impõe a obrigatoriedade de cotas, foram disponibilizadas 4.177 vagas, das quais 638 foram preenchidas por negros e pardos (15,3%) (SEPPIR, 2015). O relatório da SEPPIR reconheceu que a porcentagem estava abaixo do que a lei prevê. Ou seja, as ações afirmativas, neste caso, garantem a diversidade em um aspecto formal, mas não a materializam, pois os quadros dos servidores do Estado continuarão sendo compostos quase que exclusivamente por brancos, mantendo as coisas como estão: com ínfima representação de negros nos setores públicos (BERSANI, 2017BERSANI, Humberto. “Racismo, trabalho e estrutura de poder no Brasil”. In: Oliveira, Dennis de (orgs). A luta contra o racismo no Brasil.1ª.ed.São Paulo: Edições Forum, 2017, p. 86-101.: 99-100) e como a parte mais frágil das relações socais (MOREIRA, 2017MOREIRA, Adilson José. “O que é discriminação?”. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, Justificando, 2017 (b).: 1053), não havendo a manifestação do multiculturalismo e multirracialismo que formam a sociedade brasileira (GUIMARÃES, 2006GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. “Depois da democracia”. Tempo social, Revista de Sociologia da USP, v. 18, n. 2, Nov./2006, p. 269-287. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12525> Acesso em: 13 out 2020.
https://www.revistas.usp.br/ts/article/v...
: 272-273).16 16 A Juíza Mylene Pereira Ramos afirmou, em evento sobre diversidade do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que a Lei de Cotas em concurso público não é suficiente para garantir a diversidade racial (LEORATTI, 2018).

O racismo é repudiado pela Constituição Federal de 1988, que prescreve a respeito da liberdade para o exercício dos direitos sociais e individuais em uma sociedade sem preconceitos, fundamentada na garantia da cidadania (artigo 1º, inciso III, da CF). A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial prescreve acerca do direito individual de cada pessoa à igualdade e, no mesmo caminho, a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 26 de novembro de 1965, promulgada pelo Decreto Legislativo n. 62.150, de 19 de janeiro de 1968. A partir daí, todas as leis deveriam impor e buscar a inclusão social dos negros, isto é, prover inclusão do mesmo modo que os brancos são incluídos, por ser uma forma de garantia da cidadania (MUNANGA, 2014MUNANGA, Kabengele. “A questão da diversidade e da política e reconhecimento das diferenças”. Crítica e Sociedade: Revista de Cultura Política, v. 4, p. 34-45, 2014, Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/criticasociedade/article/viewFile/26989/14725> Acesso em: 13 out 2020.
http://www.seer.ufu.br/index.php/critica...
: 36).

Desta forma, a Constituição Federal de 1988 prescreve que as normas sociais devem ser fundamentadas nos Direitos Humanos -reconhecendo a especificidade de cada demanda, como das mulheres, dos negros, dos deficientes- que, ao serem positivados, constituem-se direitos fundamentais. Ou seja, a mudança deve ocorrer a partir do contexto social em que estamos inseridos, até que se tenha a igualdade material em todos os âmbitos, combatendo-se as disparidades entre brancos e negros.

Para o cumprimento dessa finalidade, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010) prescreve que a Administração Pública deve garantir a diversidade étnica, seja por meio de política pública ou de ações afirmativas, tanto de iniciativa do Poder Público quanto do setor privado, consoante artigos 4º e 46 da Lei n. 12.288/2010.

Para reproduzir a ideia de que atualmente todas as pessoas possuem as mesmas oportunidades, tornou-se comum haver isenções em matrículas para negros, cursinhos pré-vestibular para negros, e ações afirmativas. Mas estas coisas apenas integram o negro, não o incluindo socialmente, e de modo algum extinguem as fronteiras racialmente estabelecidas (GUIMARÃES, 2012GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. “Classes, raças e democracia”. 2.ed. São Paulo: Editora 34, 2012.: 105-108). A representatividade dos negros nas funções públicas é vital, porém “a mera presença de pessoas negras e outras minorias em espaços de poder e decisões não significa que a instituição deixará de atuar de forma racista” (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. “O que é racismo estrutural?” Belo Horizonte: Letramento, 2018.: 37-38). Não obstante, é muito melhor ter esses direitos arduamente conquistados do que nenhum.17 17 O controle das instituições é tão profundo que elas podem fazer concessões para membros de grupos historicamente discriminados para manter o controle político e econômico. Na verdade, as instituições “atuam na formulação de regras e imposição de padrões sociais que atribuem privilégios aos brancos ou a grupos raciais específicos” (ALMEIDA, 2018: 35).

Essa representatividade é algo muito importante, pois decorre do sucesso das lutas dos movimentos sociais. Contudo, deve-se manter a atenção ao fato de que “visibilidade negra não é poder negro” (ALMEIDA, 2017: 83-85). Uma das características das instituições é se adaptar às mudanças sociais para que aguentem os conflitos, internos e externos, por isso que se passou a aceitar pessoas pertencentes a minorias em seus quadros, visto que a não-aceitação mostra-se antidemocrática, o que é motivo de constrangimentos:

No caso do Brasil, um país de maioria negra, a ausência de representantes da população negra em instituições importantes já é motivo de descrédito para tais instituições, vistas como infensas à renovação, retrógradas, incompetentes e até antidemocráticas-o que não deixa de ser verdade (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. “O que é racismo estrutural?” Belo Horizonte: Letramento, 2018.: 85).

Contudo, os direitos definidos na legislação ainda precisam ser conquistados pelos negros, entre outras medidas, esperamos que seja por meio da ruptura das diferenças étnico-raciais nos serviços públicos.18 18 Para o fim da abolição foi necessário luta e resistência. Agora, para que os negros tenham direito ao exercício da cidadania, lutas também serão necessárias. Para isso, os movimentos negros estão tendo mais organização e divulgação das atuações (OLIVEIRA, T., 2017: 207-210). As ações afirmativas promovem a possibilidade de que a população negra esteja inserida dentro das vozes que compõem a sociedade, isto é, que o grupo outrora vulnerável participe dos diálogos que direcionam as atividades dos setores públicos.

O diálogo apenas será possível se a população negra estiver incluída no quadro dos servidores públicos, e isso acontecerá com o rompimento da interpretação que até aqui tem sido dada à norma. Queremos dizer que é imprescindível que a interpretação seja radical, no sentido de alterar o modo de promoção das cotas raciais. Sob estas perspectivas, para que a Lei n. 12.990/2014 seja efetiva, pelo menos nos cargos a que se propôs, deve ser aplicada imediatamente, a ponto de priorizar o preenchimento das vagas pelos negros aprovados, até que o quadro de servidores contemple a proporção de 20% dos cargos públicos constantes dos quadros e não apenas das vagas disponíveis.

Se a aplicação da Lei n. 12.990/2014 ocorrer a conta-gotas em cada concurso, nada será modificado, e o objetivo de transformação da realidade advindo da positivação dos direitos fundamentais estará destinado ao fracasso, sem promover a mudança propalada como o grande objetivo da promulgação dessa lei. Ou ainda pior que isso: faria parecer que o real objetivo da lei de cotas estivesse em tão-somente fingir intenção de modificar as estruturas sociais de desigualdade racial.

Com isso, a igualdade não deve se fundamentar na quantidade de direitos formalmente disponíveis, mas na valorização do exercício da cidadania (BALLESTRERO, 2006BALLESTRERO, Maria Vittoria. “Igualdade y acciones positivas. Problemas y argumentos de una infinita discussión”. DOXA, Cuadernos de Filosofía del Derecho, v. 29, 2006, p. 73-74. Disponível em: <https://rua.ua.es/dspace/bitstream/10045/9956/1/Doxa_29_03.pdf> Acesso em: 12 out 2020.
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: 73-74). Isto porque o exercício da cidadania se traduz em acesso à educação, saúde, moradia, emprego e condições de sobrevivência.

O artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988 estabelece que todos são iguais em direitos e obrigações, fazendo com que a igualdade reconhecida em âmbito internacional seja assegurada em âmbito constitucional, devendo ser aplicada imediatamente, segundo o §1º do mesmo dispositivo.

Mesmo que exista o apontamento de disparidades que precisem ser sanadas, e apesar de tais direitos estarem assegurados pela ordem constitucional, nenhuma medida efetiva de combate a esses problemas será adotada se não interessar ao grupo dominante do controle político (MASTRODI, 2012MASTRODI, Josué. “Sobre o real fundamento dos direitos fundamentais”. Revista Digital de Direito Público, v. 1, n. 1, 2012, p. 150-187. Disponível em: <www.direitorp.usp.br/periodicos> Acesso em: 13 out 2020.
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: 153). Todavia, por existir a positivação dos direitos fundamentais, eles podem ser exigidos.

Se os direitos são aplicados em decorrência de interesses políticos e valores que são legitimados socialmente, é forçoso entender que existem interesses sociais muito fortes que impedem a inclusão dos negros nos órgãos públicos.

Além disso, a ação afirmativa que promove cotas para que os negros sejam incluídos no quadro dos servidores públicos não garante aos negros o pleno exercício da cidadania, sendo apenas um mecanismo capaz de contribuir com o combate ao racismo institucional. A lei de cotas não faz com que a sociedade seja racialmente democrática, mas a democracia racial e a abolição do racismo são temas necessariamente permeados quando se exige, perante a Administração Pública ou o Poder Judiciário, a aplicação da lei de cotas na sua maior medida possível.19 19 O caso da corporação da polícia militar é um exemplo em que, apesar de existirem policiais negros, estes reproduzem a opressão contra os negros em favelas ou bairros elitizados. Os negros opressores subalternizam aqueles que são iguais, sem qualquer consciência de que poderiam ser eles mesmos naquela situação.

3. Do contexto do racismo estrutural na ação afirmativa de cota racial em concursos públicos

Esse perfil de desigualdades não é um simples legado do passado: ele é perpetuado pela estrutura desigual de oportunidades sociais a que brancos e negros estão expostos no presente (GONZALEZ; HASENBALG, 2013: 98).

Na petição inicial da ADC 41 foi afirmado que a Lei n. 12.990/2014 prescreve “a instauração de ações afirmativas para o alcance da igualdade material em detrimento da igualdade meramente formal” (fl. 13), para que o Estado promova a reparação pelos quase quatro séculos de escravidão negra (do século XVI até 1888). Assim, a implementação de ações afirmativas seria uma forma de a população negra ascender política e socialmente, garantindo que os quadros de todas as instituições públicas apresentem a diversidade existente na realidade brasileira (fl. 15).

A desigualdade racial nos setores públicos foi evidenciada após a exibição do censo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),20 20 O Censo do Poder Judiciário coletou os dados étnicos e socioeconômico dos servidores, foi concluído com a participação de 60% dos servidores e 64% dos magistrados, dos 94 tribunais e conselhos. (SILVEIRA, 2015: 366). que demonstrou que os negros são sub-representados no Congresso Nacional, na magistratura e nos demais cargos públicos federais, explicitando que a população negra permanece excluída ou sub-incluída.21 21 A existência de sistemas de poder produz define o lugar de cada indivíduo ou grupo, a tal ponto que fixa a posição ocupada por cada grupo étnico, não tendo mobilidade para que se tenha diversidade étnica nos setores de poder (COLLINS, 2018).

Quanto ao critério para verificação das pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas, o autor da petição apontou que o racismo brasileiro se expõe por aspectos fenotípicos, e não biológicos. Por isso, o critério da autodeclaração lhe parece mais adequado, visto que, em tese, reflete a aceitação social sobre a sua etnia.22 22 O critério para se verificar se o candidato possui os requisitos para ser beneficiário da ação afirmativa apresenta alguns conflitos sobre quem pode se autodeclarar negro(a). O debate acaba sendo complexo pelo fato de existir no Brasil o colorismo, que é a existência de diversos tons de pele, decorrentes da miscigenação. A própria legislação permite que seja estabelecida uma banca examinadora da declaração apresentada, o que evita fraudes nas declarações, vez que a banca de heteroidentificação é composta por pessoas estudiosas do tema racial e possui legitimidade para confirmar ou rejeitar a autodeclaração dos candidatos.

Em 08 de junho de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADC 41, conforme segue:

O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014, e fixou a seguinte tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”. Ausentes, participando de sessão extraordinária no Tribunal Superior Eleitoral, os Ministros Rosa Weber e Luiz Fux, que proferiram voto em assentada anterior, e o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 8.6.2017.

Os dados do censo de 1980 apontaram que o número de pessoas que se autodeclaram negras/pardas tem aumentado, visto que totalizava 36% em 1940, 38% em 1950 e 45% em 1980. No entanto, a população negra e não-branca não teve acesso a melhorias na estrutura social (MOURA, 1988MOURA, Clóvis. “Sociologia do Negro Brasileiro”. São Paulo: Ed. Ática, 1988.: 73).

Os dados do IBGE quanto a renda, mercado de trabalho, saúde e segurança contribuíram para a decisão do Supremo Tribunal Federal, visto que, em todas essas áreas, os negros se encontram em situação de vulnerabilidade (MOREIRA, 2017MOREIRA, Adilson José. “O que é discriminação?”. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, Justificando, 2017 (b).: 1057), ainda que, segundo dados de 2016, os negros já representassem 54,6% da população brasileira. Não obstante caso algum negro consiga ultrapassar as barreiras socialmente impostas, não conseguirá se afastar do racismo.23 23 Ianni utiliza, a título de exemplo, a situação de dois trabalhadores operários, sendo um branco e outro negro, em que aquele comete racismo com este. Também posso me utilizar como exemplo: eu, negra e advogada, ao comparecer no balcão de atendimento do fórum, sou informada que naquele horário apenas atendem-se advogados. O pedido de perdão, sem qualquer culpa, vem posteriormente à minha manifestação de que sou advogada. Ou seja, a condição financeira não é levada em consideração para a manifestação da violência cultural, mas a cor da pele (IANNI, 2004: 11-12). Por todos os indicadores sociais, o racismo continua a prejudicar a vida das pessoas de cor, incluindo os detentores de empregos de alto escalão, até mesmo os juízes (DELGADO; STEFANCIC, 2001DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. “Critical Race Theory”: An Introduction. New York University Press: New York and Londom, 2001.: 9-10).

Clovis Moura elaborou um gráfico no qual evidencia que a situação dos negros é precária, mesmo que estes estejam inseridos em alguns setores do mercado de trabalho: “Não precisamos argumentar mais analiticamente para constatarmos que os negros e não brancos em geral (excluindo-se os amarelos) são aqueles que possuem empregos e posições menos significativas social e economicamente” (MOURA, 1988MOURA, Clóvis. “Sociologia do Negro Brasileiro”. São Paulo: Ed. Ática, 1988.: 75). Este autor afirma que a ausência de qualificação não era a principal justificativa para não integrarem os negros, o que confirma a análise de Waleska Batista e de Josué Mastrodi, no sentido que o racismo possui fundamentos extraeconômicos.24 24 Dizemos ser o racismo extraeconômico porque, não importa a classe, a renda ou a posição social, o negro é negro em qualquer lugar, e se ele se encontrar em um espaço outrora destinado a pessoas brancas, será ainda mais alvo de preconceitos e discriminações, pois terá ultrapassado o limite construído socialmente. A forma econômica se aproveita do racismo, porquanto o estabelecimento desigual da raça serve para justificar a inferioridade (salarial, remuneratória) de determinado grupo (negros) e a superioridade de outro (brancos) (BATISTA; MASTRODI, 2018).

O mito da democracia racial brasileira, de que aqui todos os grupos étnicos convivem em harmonia e são tratados com os mesmos direitos, continua sendo reproduzido (GUIMARÃES, 2006GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. “Depois da democracia”. Tempo social, Revista de Sociologia da USP, v. 18, n. 2, Nov./2006, p. 269-287. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12525> Acesso em: 13 out 2020.
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: 265).25 25 O mito da democracia racial deixou de ser defendido como característica da nacionalidade brasileira; todavia, permanece internalizado no senso comum. O Brasil é apresentado como uma democracia racial baseada em desigualdades social, ou econômica, ou de gênero, ou política, a tal ponto que a desigualdade racial não é colocada como um problema da sociedade (SCHWARCZ, 2013: 86-88). A esse respeito, Munanga (2014: 34) também afirmou que “o mito da democracia funciona uma verdadeira realidade”, que contribui para que os brancos continuem manifestando a falácia da igualdade entre eles e os negros. Estudo de campo realizado por Twine (1997) identificou que, no Brasil, o racismo está presente em todas as relações sociais: tanto nas famílias quanto no mercado de trabalho, o preconceito é vivenciado pelos negros por falas e comportamentos que reproduzem as estruturas de sua inferiorização. Ao mesmo tempo em que se reproduz esse discurso mítico, os negros continuam sendo mortos primeiro e, só depois, se pergunta se ele estaria envolvido no ato ilícito que justificou sua morte (MOURA, 1988MOURA, Clóvis. “Sociologia do Negro Brasileiro”. São Paulo: Ed. Ática, 1988.: 75). Também a conclusão a que se chega é que, no mercado de trabalho, a seletividade é negativa contra os negros (MOURA, 1988: 76-77).

O racismo ultrapassa o limite individual, manifestando-se pela imposição de normas e padrões raciais estabelecidos pelas instituições, que refletem o comportamento de uma sociedade racista (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. “O que é racismo estrutural?” Belo Horizonte: Letramento, 2018.: 36). Desta forma, o direito tende a refletir o que é concebido no tecido social, ou seja, maior controle social, mesmo que isso signifique conceber benefícios a algumas minorias ou grupos desfavorecidos (ALMEIDA, 2018: 104-105). Consequentemente, os combates a discriminações e preconceitos são reduzidos, tão somente, à proteção formal da lei, sem efetiva aplicabilidade prática.

Almeida afirmou que o racismo é estrutural, vez que está inserido em todas as relações sociais, desde a modernidade até os dias atuais, apenas sofrendo modificações conforme os interesses políticos e econômicos. Assim, este autor afirma que a relação entre racismo e direito permite concluir que as mudanças sociais serão superficiais enquanto restritas ao direito, porque as normas estão estruturadas no sistema que reproduz o racismo.26 26 O direito é a ferramenta pela qual se garante que todos possuem as mesmas liberdades e condições de igualdade. Contudo, como forma de camuflar a crescente desigualdade, criam-se instrumentos que corroboram com a falácia de que as normas e os direitos são, igualmente, garantidos a todos. Nesse sentido, o direito não atinge a estrutura da desigualdade, vez que trata apenas dos efeitos dela decorrentes. Ou seja, o direito não trata de formas de combater os fundamentos do racismo (ALMEIDA, 2018: 108).

A decisão pela constitucionalidade das ações afirmativas contribui, formalmente, com a erradicação da marginalização da população negra, justificando oportunidades mais justas e a possibilidade de inclusão social para os negros (MOREIRA, 2017MOREIRA, Adilson José. “O que é discriminação?”. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, Justificando, 2017 (b).: 1057-1058), para que estes também ocupem o quadro de servidores públicos federais.

Nesse sentido, a cota étnica para o ingresso em concursos públicos, que inicialmente foi barrada sob o argumento de impedir a meritocracia do candidato, serviu, no mínimo, para obstar a perpetuação da meritocracia branca. Quer dizer, a ação afirmativa ainda aprova o candidato com “mérito”, porém os aprovados não serão apenas brancos. A justificativa de que os candidatos aprovados foram mais esforçados, ou mais inteligentes, ou que são mais preparados e, consequentemente, que serão capazes de executar as atividades públicas com mais qualificação não deixará de ser aplicada.

Os candidatos negros aprovados no concurso pelo sistema de cotas estão no cargo por fazerem parte do grupo de “merecedores”. Contudo, os candidatos aprovados, em regra, ainda são massivamente homens e brancos, até porque são esses que possuem mais condições econômicas e sociais de conquistarem as vagas disponíveis.27 27 Obviamente que os candidatos aprovados em concurso público dispuseram de muito tempo de estudo. Todavia, alguém lhes custeou durante esse período de dedicação pois, junto com a preparação do candidato, existe uma estrutura econômica que lhe permite estudar sem se preocupar com outras obrigações ou mesmo com quaisquer necessidades. Portanto, os que possuem melhores condições estruturais tendem a ser os aprovados.

Esta representação social mostra que a implementação da meritocracia para aprovação nos concursos públicos reduz as chances de inclusão social dos negros nos quadros de agentes públicos, visto que o mérito deve ser considerado, tão somente, quando presente a igualdade entre brancos e negros. Não há mérito em se vencer em situação de franca desigualdade de condições. A meritocracia “avaliza a desigualdade, a miséria e a violência, pois dificulta a tomada de posições políticas efetivas contra a discriminação racial, especialmente por parte do poder estatal” (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. “O que é racismo estrutural?” Belo Horizonte: Letramento, 2018.: 63).

O sistema de cotas tem o mérito de promover uma ruptura na falácia da meritocracia branca, pois confere alguma condição de igualdade material aos negros.28 28 As cotas raciais não deixam de ser meritocráticas, visto que apenas aqueles candidatos negros que tiveram, em regra, uma estrutura que lhes sustentou durante todo o tempo de seus estudos, lograrão êxito na aprovação. Ou seja, os negros de baixa renda continuam a ter de superar grandes abismos até a aprovação em concursos públicos. A própria lei ilustra a sua limitação quando prescreve que, em caso de não provimento de negros nas vagas destinadas às cotas, estas podem ser ocupadas pelos candidatos da ampla concorrência (artigo 3º, §3º da Lei n. 12.990/2014). Ora, a única forma de inexistirem negros dentre os candidatos é o fato de terem sido barrados em uma das muitas barreiras sociais erguidas pelo racismo.29 29 Causas cumulativas se referem a várias barreiras diferentes, seja pela dificuldade de acesso a educação, seja por se encontrar em situação de pobreza, seja por pertencer a várias minorias ao mesmo tempo, por exemplo, mulher, negra e homossexual (ALMEIDA, 2018: 123).

A ementa do julgamento da ADC 41 explicita a importância da ação afirmativa para o ingresso em cargos públicos pois, primeiramente, atua como uma forma de combater o racismo estrutural e institucional dos setores sociais, de forma que o princípio da isonomia está sendo materializado. Em segundo lugar, mostra que a meritocracia continua sendo utilizada como método de aprovação dos candidatos, já que os negros se submetem à mesma prova aplicada aos brancos. Além disso, não permite a fragmentação em vários tipos de vagas, para que se fraudem as vagas destinadas às cotas.

A existência desta decisão não é suficiente para que a diversidade étnico-racial seja concretizada no quadro de cargos efetivos e empregos públicos da Administração Federal, inclusive porque o racismo faz com que os “racializados” e os “racializadores” convivam em condição de subordinação e dominação, respectivamente (FREDRICKSON, 2002FREDRICKSON, Geroge M. “Racism: A short history”. Princeton University Press, Princeton, New Jersey, 2002.: 9).

Essa situação de ineficácia da norma jurídica sobre temas raciais foi constatada também com o advento da Lei Afonso Arinos que, mesmo após uma década da sua publicação, o preconceito racial manteve-se como empeço para que os negros tivessem acesso ao mercado de trabalho (NASCIMENTO, 1978NASCIMENTO, Abdias do. “O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado”. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.: 85).

No Brasil, o ordenamento jurídico repudia qualquer manifestação racista e de desigualdade por diferença étnica ou racial, e apesar disso, as opiniões racistas do então parlamentar Jair Bolsonaro, que se referiu aos quilombolas como a animais, dizendo que eles “não servem nem para procriar” e que eles pesam sete arrobas (unidade de medida para peso de gado) não foram consideradas crimes. Quer dizer, a prática do crime de racismo foi afastada sob a alegação “de que as manifestações estão abrangidas pela imunidade parlamentar, pois se relacionam às funções parlamentares e de fiscalização, tendo sido proferidas sem conteúdo discriminatório, mas em contexto de crítica a políticas públicas, como as de demarcação de terras indígenas e quilombolas” (STF, 2018). Exemplos como esse mostram que estamos distantes de um país racialmente democrático (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. “O que é racismo estrutural?” Belo Horizonte: Letramento, 2018.: 111-114).

4. Considerações finais

O racismo é uma forma de controle social utilizado para estabelecer os grupos que integram as instituições, bem como aquelas pessoas que terão a oportunidade de estar em cargos de decisão. Apenas excepcionalmente encontram-se pessoas negras nesses espaços, mesmo sendo maioria da população no Brasil.

Os argumentos sobre incapacidade, falta de formação ou falta de esforço pessoal foram combatidos no desenvolvimento desse artigo, visto que não há como defender a meritocracia entre desiguais. Apesar disso, mostramos que a ação afirmativa da Lei n. 12.990/2014 é uma forma de garantir aos negros algum espaço em instituições governamentais massivamente constituídas por quadro de servidores brancos.

A Lei n. 12.990/2014 foi elaborada e implementada como uma forma de cumprimento das diretrizes criadas a partir da Convenção Internacional de Eliminação de todas as Formas de Discriminação, bem como, no âmbito interno, da Constituição Federal, da Lei 7.116/1989, e do Estatuto da Igualdade Racial.

Sua determinação de cotas para o ingresso de negros em cargos públicos efetivos e empregos públicos foi declarada constitucional pela ADC 41, de maneira que a Administração Pública Federal deve promover esforços para refletir, em seus quadros funcionais, a diversidade étnico-racial existente no Brasil.

Como a ação afirmativa prevista nessa Lei n. 12.990/2014 é um mecanismo que garante timidamente a inserção do negro nos quadros da Administração Pública, ou seja, é tímida porque a porcentagem é pequena perto do número de autodeclarados negros, mas é radical por impor o número de 20% de vagas.

Não obstante, trata-se de medida que deve ser radicalmente implementada, de modo a buscar, dentro de seu prazo de vigência, o atingimento da cota de 20% no total dos quadros do serviço público federal e não apenas nas vagas disponíveis por concurso público.

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  • MUNANGA, Kabengele. “A questão da diversidade e da política e reconhecimento das diferenças”. Crítica e Sociedade: Revista de Cultura Política, v. 4, p. 34-45, 2014, Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/criticasociedade/article/viewFile/26989/14725> Acesso em: 13 out 2020.
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  • NASCIMENTO, Abdias do. “O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado”. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.
  • OLIVEIRA, Dennis de. “O combate ao racismo é uma luta anticapitalista”. In: OLIVEIRA, Dennis de (ords.). A luta contra o racismo no Brasil. 1. ed. São Paulo: Edições Forum, 2017, p. 12-35.
  • OLIVEIRA, Tatiane. “Mídia e cobertura das cotas raciais”. In: OLIVEIRA, Dennis de (org). A luta de contra o racismo no Brasil. 1ª. ed. São Paulo: Edições Forum, 2017, p. 199-219.
  • PACHUKANIS, Evguiéni B. “Teoria Geral do Direito e Marxismo”. Tradução de Paulo Vaz de Almeida. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2017.
  • ROCHA, Emerson Ferreira. “Cor e dor Moral: Sobre o racismo na “ralé””. In: SOUZA, Jessé. (org.) Ralé Brasileira: Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, Disponível em: < http://flacso.redelivre.org.br/files/2014/10/1143.pdf > Acesso em: 13 out 2020.
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  • SCHWARCZ, Lilia Moritz. “Racismo no Brasil”. 2. ed. São Paulo: PubliFolha, 2013.
  • SEPPIR. Lei de Cotas garante o ingresso de 638 negros o serviço público em um ano, 2015. Disponível em: http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/junho/lei-de-cotas-garante-o-ingresso-de-638-negros-no-servico-publico-em-um-ano Acesso em: 13 out 2020.
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  • SILVA, José Afonso da. “Curso de direito constitucional positivo”. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
  • SILVEIRA, Conselheiro Fabiano. “Cotas raciais para concurso na Magistratura”. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 270, 2015. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/58747> Acesso em: 13 out 2020.
    » http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/58747
  • TWINE, France Winddance. “Racism in a Racial Democracy: The maintenance of White supremacy in Brazil”. New Jersey: Rutgers University Press, 1997.
  • 1
    Este artigo foi escrito entre agosto e setembro de 2018 e revisado em sua forma definitiva em novembro de 2019. Ele foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Código de financiamento 001.
  • 2
    As lutas para inclusão social dos negros são antigas. Abdias do Nascimento elaborou o projeto de Lei n. 1.332, em 1983, que estabelecia cotas para que as empresas privadas contratassem 20% de homens negros e 20% de mulheres negras. Esta foi uma tentativa de implementação de uma ação afirmativa racial no Brasil, mas o projeto não foi aprovado (MOEHLECKE, 2002: 205).
  • 3
    A riqueza dos negros é menor se comparada à dos brancos, pois estes têm riqueza em todos os setores como poupança, ações, títulos, propriedades de negócios, enquanto a riqueza dos negros está concentrada em casas e automóveis, não fazendo parte do grupo com força econômica e política. Ou seja, a riqueza dos brancos permite que eles estejam no controle da maioria dos serviços disponíveis (BOBO, 2011: 3).
  • 4
    O preconceito racial e a discriminação racial adquiriam novas formas após a abolição da escravatura, que permite aos brancos obterem benefícios por meio da desqualificação do negro (GONZALEZ; HASENBALG, 1982:89-90).
  • 5
    O racismo contra negros no Brasil é, em alguns casos, “sem cara” e travestido, sendo camuflado sob o ideal do multiculturalismo e da “cordialidade” (ROCHA, 2009: 380).
  • 6
    Relatando as diversas formas de genocídio do negro, tanto físico quanto político, Abdias do Nascimento afirmou “em adição aos órgãos do poder -o governo, as leis, o capital, as forças armadas, a polícia- as classes dominantes brancas têm à sua disposição poderosos implementos de controle social e cultural: o sistema educativo, as várias formas de controle das massas -a impressa, o rádio, a televisão- a produção literária, todos esses instrumentos estão a serviço dos interesses das classes no poder e são usados para destruir o negro como pessoa, e como criador e condutor de uma cultura própria” (NASCIMENTO, 1978: 93-94).
  • 7
    A inclusão do negro no mundo de brancos é apenas uma estratégia utilizada para desacreditar as lutas de combate ao racismo, mostrando que todos são iguais. Assim, as medidas de integração muitas vezes vêm acompanhadas da exclusão nos espaços de decisão. Ou seja, não é o negro que tem liberdade de escolher onde e como será socialmente incluído, pois esta liberdade de escolha não foi concedida, tampouco conquistada (SCHWARCZ, 2013: 111-112).
  • 8
    Como consequência da teoria do branqueamento, os cientistas racistas do começo do século XX estabeleceram que o relacionamento interracial faria com que as próximas gerações ficassem brancas. Isto seria o auge da evolução para os racistas (SCHWARCZ, 2013: 48-49). Desta forma, os pardos passaram a ser vistos como uma possibilidade de salvação da negritude, pois estariam se aproximando da cor de pele “civilizada” e, consequentemente, afastando-se da cor de pele preta, tendo-se um processo de “desafricanização” (SCHWARCZ, 2013: 28).
  • 9
    Ação Declaratória de Constitucionalidade é o mecanismo jurídico que determina a constitucionalidade de lei ou ato normativo, de forma que seu julgamento vincula a todos, indistintamente, e não apenas as partes envolvidas no processo judicial (SILVA, 2005: 56-57).
  • 10
    O racismo possui fundamentos extraeconômicos, pois quanto mais escura a cor da pele da pessoa, mais discriminações e preconceitos ela sofrerá, independente a classe social. Certamente, o acúmulo de estereótipos ou condições discriminatórias faz com que se ampliem as barreiras de inclusão (BATISTA; MASTRODI, 2018).
  • 11
    Conforme descreveu Josué Mastrodi, o Direito “traduz” os conflitos sociais na forma de relações jurídicas que, embora apresentadas como neutras, elas refletem e mantém as condições sociais originais de desigualdade: “Direitos são a cristalização, em normas jurídicas, de valores ou interesses considerados importantes pela sociedade que os positivou. A partir de um determinado contexto histórico, certas condutas são valoradas como boas ou ruins conforme a possibilidade de tais condutas permitirem a satisfação de interesses ou necessidades. Como não é possível que dois interesses sejam satisfeitos ao mesmo tempo com o mesmo recurso, há disputa no sentido de se atribuir valor positivo às condutas que levam à satisfação dos interesses contrapostos. Isso não é simplesmente negociado num contrato social em que todos são livres e iguais. Há relações sociais concretas em que pessoas e grupos, por causa de sua posição social concretamente predominante, são capazes de fazer essa predominância prevalecer, também, no estabelecimento das normas jurídicas gerais e abstratas que, ao serem positivadas, são aplicáveis a todos os membros da sociedade, de modo que a estrutura de desigualdade social é transformada em um ordenamento que se apresenta como se fosse justo ou bom de modo universal para todos os membros daquela sociedade. E a ciência do direito acaba por tratar desta estrutura normativa como a base neutra de toda relação intersubjetiva, desconsiderando a situação histórica de desigualdade a partir da qual o ordenamento jurídico foi estabelecido e da tábua de valores que ele determina como o padrão social a ser seguido” (MASTRODI, 2014: 580).
  • 12
    Pachukanis apresenta profunda análise da forma jurídica do capitalismo, qual seja, o direito burguês, sem ter promovido qualquer discussão a respeito da apropriação do direito para estruturação racial da sociedade. Não obstante, a forma jurídica é suficientemente maleável para universalizar relações de poder como se fossem relações sociais justas e equilibradas, de modo que o grupo hegemônico pode, perfeitamente, utilizar da forma jurídica para estruturar relações de dominação racial.
  • 13
    A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi extinta em maio de 2016, pela Lei n. 13.341/2016, e não foi criado qualquer órgão responsável para realizar essa avaliação, apesar de o Ministério da Justiça e Cidadania ter tido a ampliação das suas competências, inclusive, sendo o responsável pela formulação, coordenação e implementação de políticas raciais, nos termos do artigo 12 da referida lei.
  • 14
    A Lei n. 12.990/2014 prescreve no artigo 1º, § 1º, que “a reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual a três (3)”. Nesse sentido, questiona-se: a cota constitucional para deficientes tem prioridade sobre esta cota ou esta é que será prioritária? Os administradores podem abrir concurso de 3 em 3 vagas, evitando abertura de grande quantidade de vagas justamente para impedir a aplicação da cota? Ou seja, a própria legislação criou uma situação de inaplicabilidade da lei, visto que as vagas disponíveis podem ser menores que três, tão somente, para evitar a abertura de vagas com cotas. Tendo cadastro de reservas, a lei não dispõe a respeito das cotas.
  • 15
    Outro ponto que importa mencionar diz respeito à reserva de vagas para deficientes, que não tem estabelecido cota para negros. Como consequência das manifestações racistas, o negro deficiente é mais vulnerável e duplamente discriminado comparado ao deficiente branco, de maneira que, dentro do limite de cota para deficientes, no mínimo, 20% deveriam ser reservados para negros deficientes. Todavia, a escolha pela concessão de vagas para deficiente em detrimento dos negros, ou vice-versa, não é uma conclusão lógica, pois ambos os grupos possuem direitos fundamentais a não-discriminação e a inclusão. “Ao se decidir pela fundamentalidade de alguns direitos, outros são deixados de lado. Não há, contudo, nenhuma explicação lógica para a imposição de um padrão em vez do outro. Tal imposição somente pode ser justificada por meio de argumentos pautados em valores e interesses. Resta saber, assim, por que tal padrão foi definido como fundamental e por que tais direitos -e não outros- foram escolhidos pelo legislador e pelo juiz como fundamentais” (MASTRODI, 2012: 162).
  • 16
    A Juíza Mylene Pereira Ramos afirmou, em evento sobre diversidade do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que a Lei de Cotas em concurso público não é suficiente para garantir a diversidade racial (LEORATTI, 2018).
  • 17
    O controle das instituições é tão profundo que elas podem fazer concessões para membros de grupos historicamente discriminados para manter o controle político e econômico. Na verdade, as instituições “atuam na formulação de regras e imposição de padrões sociais que atribuem privilégios aos brancos ou a grupos raciais específicos” (ALMEIDA, 2018: 35).
  • 18
    Para o fim da abolição foi necessário luta e resistência. Agora, para que os negros tenham direito ao exercício da cidadania, lutas também serão necessárias. Para isso, os movimentos negros estão tendo mais organização e divulgação das atuações (OLIVEIRA, T., 2017: 207-210).
  • 19
    O caso da corporação da polícia militar é um exemplo em que, apesar de existirem policiais negros, estes reproduzem a opressão contra os negros em favelas ou bairros elitizados. Os negros opressores subalternizam aqueles que são iguais, sem qualquer consciência de que poderiam ser eles mesmos naquela situação.
  • 20
    O Censo do Poder Judiciário coletou os dados étnicos e socioeconômico dos servidores, foi concluído com a participação de 60% dos servidores e 64% dos magistrados, dos 94 tribunais e conselhos. (SILVEIRA, 2015: 366).
  • 21
    A existência de sistemas de poder produz define o lugar de cada indivíduo ou grupo, a tal ponto que fixa a posição ocupada por cada grupo étnico, não tendo mobilidade para que se tenha diversidade étnica nos setores de poder (COLLINS, 2018).
  • 22
    O critério para se verificar se o candidato possui os requisitos para ser beneficiário da ação afirmativa apresenta alguns conflitos sobre quem pode se autodeclarar negro(a). O debate acaba sendo complexo pelo fato de existir no Brasil o colorismo, que é a existência de diversos tons de pele, decorrentes da miscigenação. A própria legislação permite que seja estabelecida uma banca examinadora da declaração apresentada, o que evita fraudes nas declarações, vez que a banca de heteroidentificação é composta por pessoas estudiosas do tema racial e possui legitimidade para confirmar ou rejeitar a autodeclaração dos candidatos.
  • 23
    Ianni utiliza, a título de exemplo, a situação de dois trabalhadores operários, sendo um branco e outro negro, em que aquele comete racismo com este. Também posso me utilizar como exemplo: eu, negra e advogada, ao comparecer no balcão de atendimento do fórum, sou informada que naquele horário apenas atendem-se advogados. O pedido de perdão, sem qualquer culpa, vem posteriormente à minha manifestação de que sou advogada. Ou seja, a condição financeira não é levada em consideração para a manifestação da violência cultural, mas a cor da pele (IANNI, 2004: 11-12).
  • 24
    Dizemos ser o racismo extraeconômico porque, não importa a classe, a renda ou a posição social, o negro é negro em qualquer lugar, e se ele se encontrar em um espaço outrora destinado a pessoas brancas, será ainda mais alvo de preconceitos e discriminações, pois terá ultrapassado o limite construído socialmente. A forma econômica se aproveita do racismo, porquanto o estabelecimento desigual da raça serve para justificar a inferioridade (salarial, remuneratória) de determinado grupo (negros) e a superioridade de outro (brancos) (BATISTA; MASTRODI, 2018).
  • 25
    O mito da democracia racial deixou de ser defendido como característica da nacionalidade brasileira; todavia, permanece internalizado no senso comum. O Brasil é apresentado como uma democracia racial baseada em desigualdades social, ou econômica, ou de gênero, ou política, a tal ponto que a desigualdade racial não é colocada como um problema da sociedade (SCHWARCZ, 2013: 86-88). A esse respeito, Munanga (2014: 34) também afirmou que “o mito da democracia funciona uma verdadeira realidade”, que contribui para que os brancos continuem manifestando a falácia da igualdade entre eles e os negros. Estudo de campo realizado por Twine (1997) identificou que, no Brasil, o racismo está presente em todas as relações sociais: tanto nas famílias quanto no mercado de trabalho, o preconceito é vivenciado pelos negros por falas e comportamentos que reproduzem as estruturas de sua inferiorização.
  • 26
    O direito é a ferramenta pela qual se garante que todos possuem as mesmas liberdades e condições de igualdade. Contudo, como forma de camuflar a crescente desigualdade, criam-se instrumentos que corroboram com a falácia de que as normas e os direitos são, igualmente, garantidos a todos. Nesse sentido, o direito não atinge a estrutura da desigualdade, vez que trata apenas dos efeitos dela decorrentes. Ou seja, o direito não trata de formas de combater os fundamentos do racismo (ALMEIDA, 2018: 108).
  • 27
    Obviamente que os candidatos aprovados em concurso público dispuseram de muito tempo de estudo. Todavia, alguém lhes custeou durante esse período de dedicação pois, junto com a preparação do candidato, existe uma estrutura econômica que lhe permite estudar sem se preocupar com outras obrigações ou mesmo com quaisquer necessidades. Portanto, os que possuem melhores condições estruturais tendem a ser os aprovados.
  • 28
    As cotas raciais não deixam de ser meritocráticas, visto que apenas aqueles candidatos negros que tiveram, em regra, uma estrutura que lhes sustentou durante todo o tempo de seus estudos, lograrão êxito na aprovação. Ou seja, os negros de baixa renda continuam a ter de superar grandes abismos até a aprovação em concursos públicos.
  • 29
    Causas cumulativas se referem a várias barreiras diferentes, seja pela dificuldade de acesso a educação, seja por se encontrar em situação de pobreza, seja por pertencer a várias minorias ao mesmo tempo, por exemplo, mulher, negra e homossexual (ALMEIDA, 2018: 123).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2019
  • Aceito
    24 Nov 2019
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