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Nietzsche e o teatro* 1 A. Schopenhauer, 2014, III, § 51, p. 264.

Nietzsche and the Theater

Resumo:

São numerosos os trabalhos que abordam a relação entre Nietzsche e a tragédia, assim como entre Nietzsche e a arte. Por outro lado, o vínculo de Nietzsche com o teatro foi muito menos explorado. No entanto, é surpreendente comparar a valorização do teatro em O nascimento da tragédia com a crítica contundente ao teatro no Caso Wagner. Questionamo-nos sobre essa mudança de posição de Nietzsche e o sentido que devemos atribuir a essa crítica, que se tornou veemente contra o teatro.

Palavras-chave:
teatro; dionisíaco; apolíneo; máscara

Abstract:

Works on the relationship between Nietzsche and tragedy or between Nietzsche and art are numerous. In contrast, Nietzsche’s relation to the theater has been considered about far less. It is surprising, however, to compare the value of theater in The Birth of Tragedy and the harsh criticism of theater in The Case of Wagner. We question Nietzsche’s radical change of stance on the meaning that must be given to this severe criticism.

Keywords:
Nietzsche; Theater; Dionysian; Apollonian; Mask

O objeto do presente estudo diz respeito às relações problemáticas que Nietzsche mantém com o teatro. Os elementos do problema são em parte evocados em O caso Wagner, livro em que Nietzsche é particularmente depreciativo em relação ao teatro. No entanto, o julgamento avassalador contra as obras de Richard Wagner é justamente baseado nessa “teatralidade” que lhe é criticada, ou seja, excesso de teatralidade, excesso de busca por efeitos cênicos.

No entanto, em O nascimento da tragédia, o teatro era a forma de arte consagrada e incorporava as qualidades de uma arte completa, uma interpretação que produz sentido, o falso que faz o verdadeiro, uma celebração das forças vivas, um estímulo para ainda mais potência, ou seja, um modelo de arte que ocupa seu lugar no cerne dos temas nietzschianos. Então, resumindo, o jovem Nietzsche valoriza a tragédia, enquanto o Nietzsche maduro deprecia fortemente o teatro.

Apesar disso, pode-se dizer que, no processo de transvaloração dos valores, para Nietzsche é bastante lógico fazer essa inversão, mesmo em relação ao que ele considerou como valor. Em outras palavras, já que nenhum valor pode ser colocado como valor em si, então, até mesmo o valor da aparência efêmera inscrita no devir deve ser transvalorado, pelo menos é o que parece em um primeiro momento.

No entanto, o julgamento tornou-se tão brutal e tão decisivo no momento de O caso Wagner, que o próprio Nietzsche não pôde ignorar o que tinha sido previamente colocado, agindo subitamente como se o “teatral” se tornasse o antivalor. O que queremos dizer é que a crítica à teatralidade é exposta como se fosse evidente, como se não pudesse deixar de ser compreendida, e como se a teatralidade consistisse em uma forma degenerada de vontade ou até em uma expressão de vontade de baixa potência, incorporando o símbolo da decadência na civilização.

Será que Nietzsche evoluiu em sua maneira de apreender o teatro e se tornou mais melômano? De fato, por ser pianista e compositor, o que ele criou como música ao piano envolve-o completamente em sua pessoa, o que ele vai ouvir e voltar a ouvir como obra musical o constrói em seu ser. Assim, Nietzsche pôde mudar, nos seus gostos, e finalmente preferir a música ao teatro. Por outro lado, no momento de O nascimento da tragédia, Nietzsche já era influenciado por Schopenhauer, e, no entanto, não reprovava o teatro com tanta severidade. Vale lembrar que Schopenhauer pensava a música enquanto arte superior às outras artes. Nietzsche acabou radicalizando o parecer de Schopenhauer? Será que, como Schopenhauer, Nietzsche começava a criticar a palavra, o excesso de palavra, uma linguagem prolixa, assim como o que é reprovado por Schopenhauer na poesia romântica?

Porém, é o verbo que produz as interpretações, e são as interpretações que salvam os homens e o mundo. A capacidade humana de interpretar é colocada como salvadora. O teatro, no entanto, é essa criação de uma interface, que é o resultado de uma digestão do mundo e que deve ajudar a viver. Por que, então, essa forma interpretativa seria desclassificada?

De toda forma, visto que esse gosto pela música já estava presente desde O nascimento da tragédia, visto que a tragédia é “engendrada pelo espírito da música”, então, pode ser que não seja Nietzsche que tenha mudado, mas teria sido o teatro que mudou. Para poder decidir a esse respeito, seria necessário determinar qual é esse teatro contemporâneo de Nietzsche que tanto o desagrada. Talvez a tragédia teatral antiga, de fato, não seja o alvo do ataque. Além disso, esse teatro antigo também era musical, mais próximo da ópera. Talvez o teatro do final do século XIX seja muito popular, muito vaudevillesco, drama burguês em excesso, ou muito romântico, ou até mesmo melodramático. O que Nietzsche poderia ter visto como forma de teatro que tanto o desapontou?

Vamos supor que o teatro seja desprezado porque lhe faltaria música, mas como explicar então que a ópera wagneriana seja tão atacada? Será que o que é criticado em Wagner é que ele abrigue teatro em excesso, ou será que o que nele é criticado é que não haja música suficiente em suas obras? No entanto, a obra de Wagner é uma obra importante, reconhecida na história da música.

Deve-se acrescentar a isto que o teatro, mais do que qualquer outra arte, é uma arte das aparências, que coloca a superfície como uma realidade profunda. O teatro deveria possuir todas as qualidades que Nietzsche exige da arte. Ele possui a força de persuasão, possui o jogo e o prazer de atuar alegremente, ele se utiliza do falso para criar o verdadeiro, ele apela às emoções mais dolorosas que o homem tenha encontrado. Além disso, é a arte da interpretação por excelência, e que se reinterpreta a si mesma. Como compreender, assim, os ataques contra o teatro? Essa difamação nietzschiana não seria, no fundo, apenas uma postura? Nietzsche age como se pudesse criticar o seu modelo crítico? Como se ainda fizesse sentido questionar aquilo que dá sentido?

Além disso, é possível voltar esta crítica contra ele: ele também não tem o gosto pelo espetacular, não está elaborando sua intervenção de forma a fazer ressaltar as suas conclusões como em um efeito de cena? Não se põe ele mesmo em cena? “Ecce homo! Por que escrevo tão bons livros! Por que eu sou uma fatalidade!”. Esses títulos são provocativos e não são apresentados sem provocar efeitos, o que é muito parecido com o teatro.

E essa encenação é encontrada em seus escritos por meio de personagens recorrentes que atravessam toda a sua obra. Há evidentemente a figura de Sócrates, evidentemente a de Wagner, mas há também o último homem, o homem superior, bem como o homem do ressentimento, e há ainda o bestiário: a águia, a serpente, o camelo, o leão, e, finalmente, há a figura da criança. São personagens, figuras-tipo, como os Judeus, ou como os Alemães, Franceses, Ingleses ou Chineses, até ao “chinês de Königsberg”. Eles são construídos com seus caracteres, suas réplicas, seus efeitos, são “personas”, figuras teatrais.

Vemos, pois, de fato, que o teatro é um desafio emblemático para tratar da coerência do discurso nietzschiano, e, ao mesmo tempo, isso parece um pretexto para a discussão acerca do fantástico. Parece óbvio que há um terreno problemático para se explorar aqui.

Método

Dito isto, o procedimento que vamos seguir no presente estudo requer algumas precauções prévias. Nós devemos observar primeiramente que Nietzsche, como um filólogo, não pode ignorar a anterioridade do problema da relação entre teatro e filosofia, seja buscando-a em Platão ou em Aristóteles. Porém, além disso, a fonte schopenhaueriana também produziu um julgamento sobre o teatro. Todas essas fontes estão mais ou menos presentes em O nascimento da tragédia. Observemos que, nesse momento, ainda se trata de exaltar o teatro por meio da tragédia.

Em contrapartida, teremos então de nos interrogar sobre o fundamento da crítica, retomando O nascimento da tragédia. Será que a crítica ao teatro (posterior às grandes tragédias) se refere à falta do elemento dionisíaco? Qual é a relação entre o dionisíaco e o apolíneo nesse contexto que devemos pressupor? Poderia haver excesso de apolíneo na origem do problema, ou, talvez, insuficiência de dionisíaco? Além disso, Dionísio é originário ou, ao contrário, é algo que surge no final?

No entanto, o problema é retomado posteriormente a O nascimento da tragédia. Quais são, então, as principais críticas do ataque antiwagneriano? Se é "excesso de teatralidade", isso não poderia se voltar contra Nietzsche? Nietzsche também não é “teatral”?

Assim é a censura da máscara, por exemplo, e este é um exemplo paradigmático. Faz sentido culpar a utilização da máscara quando esta é confrontada à filosofia nietzschiana? A máscara não tem um valor próprio em Nietzsche? Portanto, essa noção de máscara deve ser analisada.

Por fim, veremos como o próprio Nietzsche se coloca em cena, tanto em sua biografia quanto em sua autobiografia, tanto em sua vida vivida quanto na maneira como ele conta sua vida.

Só depois de desenvolver esses pontos é que poderemos esboçar uma resposta possível à questão de saber se essa crítica ao teatro deve ser levada a sério; se não é o teatro que deve ser acusado, ao invés da época de decadência da qual ele talvez seja apenas um sintoma; ou se deve ser definitivamente proibido a qualquer profissional posterior do teatro reconhecer-se herdeiro do pensamento nietzschiano, ao contrário, porém, do que muitas vezes tem sido reivindicado nos discursos de teatrólogos e dramaturgos.

Origem do problema

Primeiramente, Nietzsche, enquanto filólogo, não pode ignorar a antiga anterioridade do problema da relação entre a filosofia e o teatro. É por essa razão que devemos recordá-lo brevemente.

Há uma estranheza nessa relação original. Quanto a Platão, em especial, Diógenes Laércio relata que o jovem Platão escrevia tragédias até conhecer Sócrates e, então, teria queimado suas peças para se dedicar exclusivamente à filosofia. No entanto, a forma dialogada manteve uma espécie de dobra dessa primeira tendência. Além disso, em A república III 398 b, o poeta dramaturgo é elogiado e ao mesmo tempo rejeitado da cidade ideal. “Diríamos a ele que não há nem pode haver homem como ele em nossa cidade; depois, o enviaríamos para outra cidade, depois de derramar mirra em sua cabeça e coroá-lo com faixas”. Há, portanto, uma relação ambígua entre Platão e o teatro, quando o dramaturgo é celebrado como um ser divino e, ao mesmo tempo, excluído da cidade ideal. No entanto, em A República X PLATON, -, La République X, 598 d e, trad. R. Bacou, édit. Garnier, Paris, 1966.607 d, uma possível abertura em relação à rejeição do teatro é considerada: “Declaramos, no entanto, que se a poesia imitativa puder nos provar, com boas razões, que ela tem seu lugar em uma cidade bem organizada, a receberemos com prazer”, e acrescentamos o que se diz em 607: “Permitiremos até mesmo que seus defensores que não são poetas, mas que amam a poesia, falem por ela em prosa”.

Tudo se passa como se esse lugar reservado fosse ocupado na posteridade cronológica histórica e filológica por Aristóteles, em sua PoéticaARISTOTE, -, La Poétique, trad. J. Hardy, édit. Gallimard, Paris, 1996., onde se encontra a justificação do fato teatral na cidade pela noção famosa da catarse. É para nós forçoso reconhecer que essa noção é suscetível de numerosas interpretações. No mínimo, pode-se dizer que a purgação das paixões operada pela obra dramatúrgica alivia e edifica o povo, o que fornece uma plena razão para a tragédia e a comédia na cidade. Então, certamente, na estética aristotélica, a imitação é reconhecida como o meio que torna o aprendizado possível e também como o que dá prazer, pois aprender e reconhecer a imitação propiciam prazer. No entanto, no que se refere à dramaturgia, talvez seja preferível, se for possível, dispensar a imitação, uma vez que a leitura das obras teatrais permite reconhecer o seu valor. Assim, em Poética 1462a, lê-se: “pela simples leitura, pode-se ver claramente qual é a sua qualidade”. De Platão e de Aristóteles será lembrado que, por um lado, a imitação é causa de desordem, e, por outro, a imitação corre o risco de se desviar do modelo textual e da ideia. Em consequência da qual, a crítica do teatro depende muito da crítica à imitação.

Se Nietzsche, por sua vez, critica o teatro, isso se deve à influência de algum dos pontos de vista desses autores? Ou talvez a influência determinante venha de outro lugar. Pode ser a de Schopenhauer. Segundo este último, a tragédia teatral é a representação do peso terrível das paixões humanas, da nossa existência, que é fundamentalmente trágica. A vontade ou o querer viver empurra os homens para metas que acabam por se revelarem apenas como ilusões. A tragédia teatral propicia a representação do trágico da existência, e, ao mesmo tempo, durante a apresentação teatral, o querer faz uma pausa, a dor e o tédio são temporariamente interrompidos. Ora, diz ele: “A tragédia é considerada como o mais elevado dos géneros poéticos”1 1 A. Schopenhauer, 2014, III, § 51, p. 264. . Acrescente-se a isto: “O que dá ao trágico, qualquer que seja a sua forma, o impulso particular rumo ao sublime, é a revelação dessa ideia de que o mundo e a vida são impotentes para nos proporcionar qualquer satisfação verdadeira e são, por isso, indignos do nosso apego; essa é a essência do espírito trágico; portanto, é o caminho da resignação”2 2 A. Schopenhauer, 2014, Suplemento ao livro III, cap. XXXVII. .

Em contrapartida, na estética schopenhaueriana, a música, de todas as artes, é a que melhor manifesta a vontade: “Devemos reconhecer na música um significado mais geral, mais profundo (...) É por isso que a influência da música é mais poderosa e penetrante do que a das outras artes: estas expressam apenas a sombra, enquanto a música fala do ser"3 3 A. Schopenhauer, 2014 52, p. 267-9. e também “Ela pinta a própria alegria, a própria aflição e todos esses outros sentimentos, por assim dizer, abstratamente. Ela nos dá a sua essência sem qualquer acessório e, por conseguinte, sem os seus motivos”4 4 A. Schopenhauer, 2014 § 52, p. 273-6. . Eis mais um ponto comum notável entre Nietzsche e Schopenhauer, essa predominância da música que, por conseguinte, coloca qualquer outra arte, incluindo o teatro, evidentemente, apenas em um nível subalterno. Também quando se questiona sobre o ato nietzschiano de desprezar o teatro, pode-se supor alguns resquícios da influência de Schopenhauer sobre Nietzsche.

Exposição do problema

Em O nascimento da tragédia

Eis o que concerne às referências, à anterioridade ou, em outras palavras, a essa espécie de genealogia do julgamento depreciativo que a filosofia gerou contra o teatro.

Essas referências são importantes e de certa forma encontradas em O nascimento da tragédia. Ora, o mundo humano é moldado por dois princípios: o dionisíaco e o apolíneo. Vamos entender primeiro: partimos do caos original, onde a realidade é sem regra fundamental, sem ordem prévia, sem moral, nem bem nem mal. O homem não sendo capaz de lidar com esse caos, que é a causa de sofrimento e desespero para ele, sente a necessidade de criar representações esteticamente satisfatórias sob a influência do princípio apolíneo. O princípio apolíneo propicia uma forma bela, equilibrada, simétrica, proporcional, harmoniosa e tranquilizadora. A arte apolínea é uma maneira de nos afastar do caos amoral originário e nos apresentar uma forma artisticamente aceitável.

Em contrapartida, as tragédias gregas de Ésquilo ou de Sófocles põe em cena atrocidades humanas: incesto, parricídio, infanticídio, etc. Em tais tragédias, os heróis se debatem nas correntes da fatalidade, mas prolongam a ação nos seus derradeiros entrincheiramentos (como diz Ésquilo: “Quando um homem corre para a sua perdição, os deuses estão lá para o ajudar”). Essa é uma maneira de reintegrar nas representações sociais uma dose de realismo áspero da existência, sendo alguns elementos desse caos original difíceis de aceitar. O dionisíaco é essa capacidade superior de dar conta da existência trágica, nas tragédias. Esse teatro, elogiado por Nietzsche, foi muito bem distinguido por Schopenhauer, como dissemos.

Por outro lado, há uma crítica que é propriamente nietzschiana, denunciando uma influência exagerada do apolíneo, que atenua ao extremo as asperezas, que não assume mais o realismo e que representa uma entrada na decadência. Esse momento é representado por Eurípides e Sócrates. Em uma época quando havia uma profunda crise da linguagem com os Sofistas, quando Sócrates aparentemente triunfou pela dialética, Eurípides e Sócrates são mostrados como os sintomas da decadência. Expliquemos: enquanto os velhos autores Ésquilo e Sófocles ousavam abordar o terrível destino dos homens, com Eurípides, em contrapartida, temos atenuações dessa terrível realidade, uma maneira edulcorada de encarar os grandes dramas da existência. Existem mesmo “finais felizes”, ou ainda a utilização do “deus ex machina”, isto é, quando o nó do enredo é humanamente inextricável, uma intervenção divina traria o desenlace, a solução ideal, como se do mal ou dos males tivesse que resultar necessariamente o bem.

Certamente, poderiam nos acusar aqui de um certo viés nas interpretações do que é apolíneo em proporção ao que é dionisíaco. Esse é um problema muito debatido entre os críticos de Nietzsche, tentar determinar o lugar do dionisíaco no jogo com o apolíneo5 5 Bernard Lambert, em Les grandes théories. Nietzsche et le théâtre, p. 8, fala de “uma luta de morte” entre esses dois conceitos. J. Goetschel defende, ao contrário, a prevalência do dionisíaco em Théâtralité hors théâtre : pour lire Nietzsche. Porém, Peter Sloterdijk diz: “o mundo apolíneo da aparência tem a última palavra”, emLe penseur sur scène. . Será que o problema advém do fato de que o teatro decadente é excessivamente apolíneo? Será que o teatro posterior carece do dionisíaco? Dionísio é a origem ou o devir? Existe uma anterioridade histórica ou uma anterioridade ontológica do dionisíaco?

Em primeiro lugar, respondemos que a afirmação de que Dionísio vem em primeiro se justifica, em especial, por meio do Fragmento póstumo de 1885, 38 [12]:

E sabeis bem o que é “o mundo” para mim? Devo mostrá-lo a vós no meu espelho? Este mundo: uma monstruosidade de força sem início nem fim; uma firme, brônzea grandeza de força, que não se torna maior, nem menor, que não se consome, mas se transmuda, inalteravelmente grande em seu todo [...] - este é o meu universo dionisíaco que se cria e se destrói eternamente a si mesmo.

Esse modo de descrever o mundo é dado a partir do prisma dionisíaco, porque só a partir desse ângulo de visão se pode contemplar a realidade com lucidez e probidade. Ontologicamente, a realidade é, pois, dionisíaca. Em contrapartida, o nosso olhar frágil e tímido só reencontra essa ontologia depois de ter podido passar pelo apolíneo tranquilizador.

Em contrapartida, como se pode entender com Dorian Astor6 6 Cf. o verbete La naissance de la tragédie, por Maria Joao Mayer Branco do Dictionnaire Nietzsche, sob a direção de D. Astor, ed. Robert Laffont, coll. Bouquin, pp. 615-620. , devemos precisar que o que é dado como primeiro é o caos e o absurdo da realidade, com base na qual os gregos souberam aplicar o apolíneo para poderem eles próprios continuarem a viver. Mas o apolíneo corre o risco de congelar as distinções e as individuações, de maneira artificial. Então, o dionisíaco, e vemos isso em O nascimento da tragédia, vem se somar ao apolíneo para reencontrar a união dos opostos, a fusão das individualidades entre elas e com a natureza. No entanto, a reconciliação, em um quarto momento, entre o apolíneo e o dionisíaco manifesta-se pela criação da tragédia. Retomemos esse caminho de pensamento: a partir do caos original (em um primeiro momento), o que é necessário para a sobrevivência humana é a capacidade artística de criar a bela aparência apolínea (em um segundo momento); só então advém a consciência da dura realidade do mundo (em um terceiro momento); depois, e enfim, a capacidade que se soma à bela aparência apolínea de ter presente a consciência dionisíaca do trágico da existência (em um quarto momento). Ao contrário, por exemplo, é a perda desta última consciência que leva ao homem teórico, ou seja, ao teatro de Eurípedes sob a influência da dialética de Sócrates.

Em suma, se o próprio mundo é ontologicamente caótico, só conseguimos tomar plena consciência dele em um processo de pensamento, ou seja, de forma mediada, nomeando-o a posteriori como “dionisíaco”, e passando pelo apolíneo, visto que é o apolíneo que permite nomear, dar um nome e uma forma às coisas. Assim, se o dionisíaco poderia eventualmente ser originário, no entanto, ele só pode ser designado como tal posteriormente após passar pelo apolíneo. É somente retroativamente que a consciência dionisíaca surgiria.

Nas críticas de Wagner

Por outro lado, é importante lembrar, como já mencionamos, o que nos leva a buscar o problema que seria o do teatro é a crítica severa de Nietzsche contra Wagner, em O caso Wagner, e em Nietzsche contra Wagner, sobretudo.

Quais são as principais críticas? Wagner propunha, desde o tempo de Bayreuth até o momento do seu encontro com Nietzsche, uma nova forma de religião, pela arte, por um estilo renovado da tragédia grega antiga, em uma mistura de arte total que combinaria dança, música e teatro. Um projeto ambicioso e entusiasmante. Depois, houve a necessidade de agradar aos poderosos, aos príncipes, aos financeiros, e o sonho de Bayreuth se transformou em uma jaula dourada. Depois, os temas wagnerianos começaram, estranhamente, a soar de maneira cristã aos ouvidos de Nietzsche, veiculando valores de castidade, de fidelidade, de fé (para a obra de Parsifal, por exemplo). Depois, o próprio público degenerou, ele que se mostrou ávido de distração, pouco inclinado a se sentir em uma experiência artística perigosa, mais interessado em se mostrar do que em ver, tão simplório, tão mau ator de desfile. É talvez todo esse conjunto de traços correlacionados que produziu essa enorme decepção, essa repugnância, essa náusea. É, então, que Wagner é acusado de se fazer ator (Schauspieler) e mais ainda acusado de cabotinagem, isto é, de atuar exageradamente e mal, submetendo-se servilmente ao gosto do público (de um público degenerado).

O teatro de Nietzsche

O que claramente amplifica a rejeição ao teatro por parte de Nietzsche é esta fórmula recorrente: “Que me importa o teatro?” em Nietzsche contra Wagner, (NW/NW, “Onde eu faço objeções”, KSA 6.418); que se encontra também em A gaia Ciência, § 368 (FW/GC, 368 (KSA 3.616): “Que me importa o teatro? Que me importam as cãibras dos seus êxtases morais de que o ‘povo’ se satisfaz! Que me importam todas as simulações dos comediantes!... Adivinha-se que tenho uma naturalidade essencialmente antiteatral”.

Além disso, fazemos a seguinte observação: a relação problemática entre Nietzsche e o teatro é um tema que não foi muito estudado na literatura crítica. Pelo contrário, a noção de tragédia com referência à obra nietzschiana é rebatida, e o mesmo se aplica à relação de Nietzsche com a arte. No que diz respeito ao teatro propriamente dito, podemos encontrar um ensaio de Bernard Lambert: Les grandes théories. Nietzsche et le théâtre7 7 Bernard Lambert, 1973. . No entanto, na introdução de seu ensaio, o autor diz que na obra de Nietzsche há “ausência permanente de referências a espetáculos concretos, ausência de exemplos, etc., em suma, nada ou quase nada que informe sobre uma prática teatral, ou que faça avançar o nosso conhecimento sobre essa prática”. De toda forma, esse ponto nos traz dificuldade. Pois, pelo contrário, parece-nos que, ao se realizar uma análise detalhada da obra completa e das referências que o próprio Nietzsche faz, consultando também a correspondência, os fragmentos póstumos, a lista das obras que compõem a biblioteca de Nietzsche baseada no catálogo Nietzsches persönliche Bibliothek, de 2003, estabelecendo, assim, essas fontes, estaremos em condições de revelar uma cultura teatral que pertence legitimamente a Nietzsche.

Nesse caso, o que agora defendemos doravante é que Nietzsche nunca deixa de se colocar em cena e que está longe de ter essa suposta postura antiteatral. Será, portanto, necessário propor uma interpretação desta fórmula (uma postura antiteatral?), que se repete pelo menos duas vezes na obra, e sabe-se que Nietzsche não põe nada no papel que não tenha sido longamente pensado.

A máscara

Não, Nietzsche não está tão distanciado do teatral como ele diz. Tomemos, por exemplo, a referência da máscara ao teatro. Essa referência é, no entanto, um artifício teatral, o argumento contra a máscara não parece se sustentar a longo prazo. Compreende-se que em Nietzsche reivindicar uma verdade última atrás da máscara é uma mentira. Pelo contrário, a verdade é uma máscara, o que significa que ela adere à superfície, à aparência, e não que se refere a um mundo oculto. Encontra-se em Além de bem e mal (JGB/B, 40 KSA 5.57) uma espécie de tratado da máscara que dá a entender o que pode significar a fórmula: “tudo o que é profundo ama a máscara”. É uma questão de pudor por trás dessa máscara, como uma espécie de dever de reserva. Lemos em Além de bem e mal (JGB/BM 270, KSA 5.225): “É uma marca de humanidade um tanto delicada respeitar a ‘máscara’ e não praticar, sem critério, a psicologia e a curiosidade”.

Em qualquer caso, não é apenas uma questão de bons costumes, como se “não fosse adequado”, é também uma questão ontológica: mesmo que se deseje “isso não se pode fazer”, não se chega ao âmago das pessoas nem das coisas.

A importância da máscara adquire ainda outra dimensão quando diz respeito à relação ontológica ao mundo. É, então, um ponto de vista que interessa ao metafísico. Em O nascimento da tragédia, no §8 (GT/NT 8, KSA 1.64), “[o espectador] projetava [a figura do deus] sobre a figura mascarada e de alguma forma convertia essa realidade em uma realidade fantasmagórica. Esse é o estado apolíneo de sonho, onde o mundo diurno se cobre com um véu”. Nessa primeira maneira de considerar a máscara, ele se dá como apolíneo. E, além disso, são as qualidades apolíneas que são conferidas à máscara, como se vê na sequência do parágrafo §9: “Se, depois de nos esforçarmos para olhar diretamente para o sol, nos desviarmos ofuscados, manchas escuras de cores apareceram diante de nossos olhos, como um remédio benéfico que alivia nossas dores” (GT/NT 8, KSA 1.65). O deus Apolo, o deus médico, é aquele que alivia as dores.

É no §24 (GT/NT 24, KSA 1.150-51) que finalmente se encontra a explicação completa do movimento de dissimular/revelar: “Quem não experimentou essa sensação de dever ao mesmo tempo contemplar alguma coisa e aspirar para além dessa contemplação, dificilmente poderá imaginar quanto, na presença do mito trágico, esses dois processos coexistem clara e distintamente e são sentidos simultaneamente”. Parece que a máscara apolínea é esse objeto de contemplação, e que a máscara dionisíaca é esse objeto de aspiração. Não que se a espere de si mesmo, mas, sim, que se a espere como confirmação de um pressentimento, que nos permita aderir um pouco mais à realidade caótica tão difícil.

Ora, a “traição” não vem de uma dessas duas máscaras (a máscara apolínea e a máscara dionisíaca), porque elas apelam uma à outra, reclamam uma à outra e precisam uma da outra. Mas a crítica nietzschiana se dirige a uma terceira máscara. No final do §10 de O nascimento da tragédia, a máscara de Eurípedes é denunciada como travestimento ou falsificação, no sentido de que é um esquecimento de Dionísio. Dirigindo-se a Eurípedes, Nietzsche diz: “As paixões dos teus heróis serão sempre apenas uma máscara, uma falsificação de paixões, a sua linguagem será sempre máscara e simulação” (GT/NT 10, KSA 1.75). O que confirma essa ideia de uma terceira máscara que difere em relação às outras duas: “E porque renegaste a Dionísio, Apolo também te abandonou”. Então, nem apolíneo nem dionísico, a máscara de Eurípedes é outra coisa. Este é acusado de perder o mito e a música.

Entendamos bem, o que é essencial a esse terceiro tipo de máscara não é que ela dissimule, mas, sim, que ela seja retirada. Como no movimento da aleteia, a revelação sugere que a verdade é alcançada quando a máscara é removida. É o movimento de Sócrates, marcado por sua famosa frase “um galo para Asclépio”. Vamos relembrar o contexto: Asclépio (na mitologia grega) ou Esculápio (na mitologia romana) é o deus da saúde ou medicina, e seu passado mitológico sombrio o torna um aliado compreensivo para tratar e aliviar o sofrimento dos seres humanos. Era costume sacrificar um galo para celebrar uma cura. Mas Sócrates morre, e então, como ele poderia curar qualquer coisa? Nietzsche interpreta essa frase como significando: “Para quem tem ouvidos: ‘Oh, Críton, a vida é uma doença!’” (GD/CI, O problema de Sócrates, KSA 6.67). Ou seja, a vida é um mal do qual se deseja se livrar, um mal do qual um certo instinto nos empurra para nos livrarmos, um sofrimento, pois “Sócrates sofreu de vida!”. Portanto, Sócrates condena a vida como uma doença, como um sofrimento, uma longa agonia. Quem já leu as inúmeras repetições dessa análise na obra de Nietzsche conhece as linhas fortes dessa crítica. Um ser vivo não pode julgar a vida, pois ele é ao mesmo tempo juiz e parte interessada, e é apenas uma pequena parte incluída, ou até mesmo imersa, no todo da vida, portanto, inextricável. Assim, o julgamento, ao mesmo tempo, não é possível, não é um julgamento imparcial, é movido pela vingança ou ressentimento e é desonesto intelectualmente, pois um espírito perspicaz como o de Sócrates deveria perceber a deriva que ele estava operando e a inversão de valores que estava implementando.

Ao contrário disso, a verdade está na máscara. Essa outra solução, nós a consideramos em relação a uma leitura de Além de bem e mal, §278: “Mas, por favor, me dê... - O quê? O quê? Diz! - Mais uma máscara! Uma segunda máscara! ...” (JGB/BM 278, KSA 5.229). Uma segunda máscara? Em vez de “desmascarar”, temos de adicionar outra máscara. É surpreendente que esta seja a solução proposta. E, no entanto, o que nos deve levar a compreender a solução dessa forma é a passagem da Genealogia da moral, 3ª dissertação, §12: “Só existe uma perspectiva, só um ‘conhecimento’ perspectivo, e quanto mais o nosso estado afetivo entra em jogo em relação a uma coisa, mais olhos e olhos diferentes temos para essa coisa, e mais completa será a nossa “noção” dessa coisa, a nossa ‘objetividade’” (GM/GM, III 12, KSA 5.364). Portanto, acrescentar uma máscara à máscara é dar perspectiva, e ao contrário, pretender desvendar o fundo escondido é cair na planície, na platitude. A máscara dá relevo e nutre a relação com a vida através de uma intensificação da interpretação.

Como resultado do exposto, podemos dizer que a máscara, que é o símbolo do teatro, não está em questão. O personagem se mostra destacando sua máscara. Podemos acrescentar em relação a isso que o modo como Nietzsche faz filosofia está longe de ser fundamentalmente antiteatral. E o próprio Nietzsche se coloca em cena.

Nietzsche se coloca em cena

Nietzsche se coloca efetivamente em cena na autoapresentação de si mesmo, assim como nas fórmulas em primeira pessoa, quando diz “eu” e afirma a sua posição com veemência, e quando diz “nós” e que nos solicita, enquanto seus leitores, e convida-nos a determinar a nossa posição. Talvez o escrito onde isso seja mais evidente é Ecce homo, visto aqui como uma forma de autobiografia, no qual os títulos já são em si mesmos programas: “Por que sou tão sábio”; “Por que sou tão inteligente”; “Por que escrevo livros tão bons”; “Por que sou um destino”. Não podemos deixar de reconhecer que há aqui uma busca de efeitos, quando é esse mesmo procedimento que é criticado em Wagner, o ator, o bufão, o histrião, em O caso Wagner.

E então Nietzsche tem uma experiência teatral que alimenta essa autoencenação. Essa bagagem como vivência teatral, vamos desenvolvê-la agora. Em 1864, no seu último ano de escola superior em Pforta, Nietzsche é um estudante de dezenove anos e desempenha o papel de Henry Percy apelidado de “Hotspur”, durante uma leitura da peça Henrique IV, ato 1, em sala de aula. O personagem de Hotspur é propenso à raiva, à rebelião, dispondo de uma retórica hiperbólica. E parece que Nietzsche abraçou seu papel dramático. Ele escreve aos seus amigos G. Krug e G. Pinder, na carta BVN -1864, 426 de 12 de junho de 1864: “Na parte da tarde, lemos Henrique IV diante de uma ampla audiência (...) Li Henry Percy com grande dose de excitação e raiva colérica”. O mesmo episódio também foi relatado de forma crítica, no entanto, pelo colega de classe de Nietzsche, Paul Deussen, nos seus Erinnerungen an Friedrich NietzscheDEUSSEN Paul, Erinnerungen an Friedrich Nietzsche, Leipzig, Brockaus, 1901, p. 10.: “Nietzsche devia ler o papel de Percy, um ser arrebatado, que ele interpretou com uma voz agradável e simpática, mas não sem falso pathos.” Se Nietzsche tentou atuar no teatro, talvez ele não tivesse todo o talento necessário, pois não é fácil atuar corretamente nas artes cênicas.

Por outro lado, e já que se trata de arte viva, é bastante notável que Nietzsche tenha feito em outro lugar referência à grande Sarah Bernhardt. Nas cartas de 30 de janeiro8 8 BVN-1882, 194. , de 5 de fevereiro9 9 BVN-1882, 195. a 18 e 10 de fevereiro de 188210 10 BVN-1882, 197. , dirigidas à sua mãe, depois a H. Köselitz e depois à sua mãe e irmã, Nietzsche regozija-se por poder assistir a três dias de teatro francês, e está particularmente satisfeito por poder assistir a uma representação de Sarah Bernhardt11 11 Carta de 30/01/1882, BVN-1882, 194, trata-se “de entrar no Carnaval, que desta vez oferece a visita da famosa francesa Sarah Bernhardt. Teremos três dias (5, 6 e 7 de fevereiro) de teatro francês no nosso grande teatro Carlo Felice [em Gênova]; que conta com três mil pessoas - e haverá muita gente”. . No entanto, no final, a representação teve lugar, mas foi curta, pois, a atriz foi vítima de um mal-estar12 12 Carta de 10/02/1882, BVN-1992, 197. Com Sarah Bernhardt, não tivemos sorte. Assistimos ao primeiro espetáculo; depois do primeiro ato, ela caiu como morta. Depois de uma hora de espera dolorosa, ela voltou a atuar, mas no meio do terceiro ato, ela teve uma hemorragia no palco - o show acabou ali. Foi uma impressão insuportável, tanto mais que ela fazia o papel de uma doente (a Senhora das Camélias, de Dumas filho) - Apesar de tudo, ela atuou com imenso sucesso no dia seguinte e na noite seguinte e convenceu Gênova de que ela era “a maior artista viva” - recordou-me, na sua beleza e nos seus modos, Madame Wagner”. . No entanto, foi acrescentado que ela continuou se apresentando nos dias seguintes, com um enorme sucesso.

Retomemos os pontos essenciais: Nietzsche atuou no teatro em Pforta, leu com ênfase Shakespeare, assistiu a peças de teatro, viu, em especial, apresentações de Sarah Bernhardt, leu um número importante de dramaturgos antigos e modernos, mas ele também tentou a composição teatral, a escrita. Ele tinha nove anos em 1854 e inventou o teatro das artes, no qual escreveu e atuou com amigos, disse ele, pelo menos três peças: Os deuses do Olimpo (“embora não tenha sido bem-sucedido, nos deu grande prazer”), Orkaval e A tomada de Troia13 13 F. Nietzsche; Écrits autobiographiques, 1856-1869, trad. Marc Crépon, édit. PUF, coll. Épiméthée, 1994. . Talvez devêssemos considerar isso apenas como brincadeira de criança. Em contraste, Nietzsche perseverou na composição dramatúrgica cerca de quinze anos depois. Tratava-se de uma peça sobre Empédocles, o filósofo antigo rico em cores, figura trágica por excelência, que, segundo a lenda, se lançou no Etna, deixando a sua sandália à beira do vulcão. Resta-nos apenas o plano (Nachlass/NF, 1870, 8 [37] KSA 7.236). como esboço dessa peça de teatro no Fragmento Póstumo do Outono 1870-1871, mas é um plano muito detalhado, que expõe os personagens da história: Empédocles, Dionísio, Ariadne e Teseu. Ainda não há diálogo, mas os elementos do enredo são tratados com precisão, possui uma base inegável de dramaturgia.

Além disso, Nietzsche encena e trabalha seu personagem em sua aparência física, com seu grande bigode. Em Aurora (M/A 381, KSA 3.247-48 ), livro IV, no §381, a questão do bigode é considerada. O título é bastante explícito: Conhecer a sua “particularidade”. Os desconhecidos que nos veem pela primeira vez, veem “geralmente apenas uma particularidade que salta aos olhos e determina a impressão”. Ora, sabendo disso, qual é a impressão que Nietzsche pensa dar de si mesmo? É a si mesmo que ele parece aludir quando se descreve como o homem o mais pacífico e o mais razoável. No entanto, não é essa primeira impressão que ele diz querer dar de si mesmo. O seu bigode grande esconde-o, faz-lhe sombra, mas ele se esconde nessa sombra, como se esse bigode fosse um aviso a todo o momento, como um espantalho que faz medo, que quem ostenta esse bigode tenha “um caráter militar que se enfurece facilmente e pode, por vezes, ir até à violência”. Assim, o refinado psicólogo, que ama apenas sua solidão e tranquilidade, antecipa nesse trabalho estético qualquer contato com os outros. É uma bela demonstração de domínio do jogo de aparência. Por outro lado, o bigode é um sinal de reconhecimento, por assim dizer, de identidade. Enquanto numa carta, ele anuncia o projeto de um primeiro encontro com Resa von Schirnhofer, Nietzsche escreve a propósito de si mesmo que será facilmente reconhecível “an einem großen Schnurrbarte”14 14 Carta a Resa von Schirnhofer de 30/03/1884, BVN- 1884, 500. . O bigode é posto como um sinal estético de reconhecimento.

Os personagens

Além disso, Nietzsche coloca em cena personagens recorrentes, como fantoches de feira que deambulam pelo palco literário. Assim é com a figura de Sócrates. Como se pode ver no Crepúsculo dos ídolos (GD/CI, O problema de Socrates, 5, KSA 6.70), onde se lê: “Sócrates foi o bobo que se fez levar a sério”. Note-se, no entanto, por que isso nos parece bastante importante, que a palavra alemã que é traduzida por “bobo da corte” em português é a palavra alemã “Hanswurst”, algumas vezes traduzida, talvez desajeitadamente, em francês por “Jean-saucisse” (“João salsicha”). No entanto, como demonstramos longamente, Nietzsche possui uma cultura teatral comprovada e não pode ignorar que esse “Hans Wurst” é uma figura cômica do teatro alemão dos séculos XVII e XVIII, abordada por autores, que ele conhece, aliás, tais como Lessing ou como Goethe (Lessing fez de Hans Wurst o herdeiro de Arlequim; Goethe escreveu uma comédia: Hanswursts Hochzeit). A menos que seja em referência a Schopenhauer que esta palavra tenha sido emprestada, pois é com o apelido de “Hanswurst” que este último zomba de Fichte15 15 A. SCHOPENHAUER, O Fundamento da Moral, §XI. “A Moral de Fichte, tomada como espelho perfeito para engordar os defeitos da moral de Kant”, trad. por A. Burdeau, edita. G. Baillière, 1879, p. 87: “No antigo teatro de fantoches alemão, ao lado do imperador, ou de qualquer herói, não se deixava de se colocar o Hanswurst: cada palavra, cada gesto do herói, o Hanswurst repetia-os imediatamente, à sua maneira, e exagerando; é assim que por trás de nosso grande Kant está o autor da Wissenschaftslehre (a doutrina da ciência), ou melhor, Wissenschaftsleere (a ausência de ciência). Este personagem já tinha, superiormente, realizado um plano que, com um público como aquele que na Alemanha se ocupa de filosofia, era muito natural e digno de aprovação: maravilhar as pessoas com a ajuda de uma mistificação filosófica”. , que seria um mistificador filosófico. Essa alusão é tanto mais notável quanto Nietzsche atribui a si mesmo, pessoalmente, em Ecce homo (EH/EH, “Por que sou um destino”, 1, 6.365)16 16 H/Ecce homo, “Por que sou um destino” §1, eKGWB/EH-Schicksal-1 (KSA 6). , onde se pode ler: Não quero ser tomado por um santo, gostaria mais de ser tomado por um fantoche... Talvez eu seja um fantoche”. Onde “fantoche” é uma tradução de “Hanswurst”. Nietzsche reconhece a si mesmo como Hanswurst, vale a pena destacar. Vamos entender: ele reconhece a si mesmo como uma forma satírica, surpreendentemente dionisíaca, uma mistura de bobo da corte, fantoche, que se apresenta como um bobo no momento em que ele afirma que a verdade fala por sua boca. Isso estranhamente se parece com o paradoxo do mentiroso. Também tem como efeito (notemos que novamente se trata da produção de efeitos, tão criticada pelo próprio Nietzsche em Wagner) de enviar o leitor ou ouvinte de volta a si mesmo, como se dissesse: “Agora é com você!”. E se houver uma alusão à palavra de Schopenhauer, é preciso insistir nessa ideia de “mistificador filosófico”. Porém, o mistificador que o admite, ao mesmo tempo, apresenta ao leitor um enigma a ser resolvido.

Nesse caso, em Assim falava Zaratustra, IV, “A saudação”17 17 “Primeiro veio alguém - alguém que fez você rir de novo, um bom bufão (Hanswurst) alegre, um dançarino, um furacão, um catavento tonto, algum velho louco” (Za/ZA, IV, “A saudação”, KSA 4.347). , Zaratustra se compara a um alegre Hanswurst, e é como ele representa o alegre saber, a alegria de enfrentar o trágico ser das coisas, que é o mais capaz de conciliar as mais altas aspirações e, ao mesmo tempo, as divergências dos homens superiores. Com efeito, esses tipos plurais, os mais elevados da humanidade (o rei da direita e o rei da esquerda, o velho feiticeiro, o papa, o mendigo voluntário, a sombra, o escrupuloso do espírito, o adivinho triste, o burro e o mais feio dos homens), são perspectivas que requerem um ponto de fuga alegre e desejável para se ordenar, se unificar e se realizar, ponto de fuga que é o alegre Hanswurst.

Afirmamos, além disso, que essa insistência em tomadas de posição provocatórias é um processo perspectivista, e devemos compreender que o sentido deve ser procurado nos interstícios entre as perspectivas. Caso contrário, a aproximação entre Nietzsche e Sócrates, sob a figura de Hanswurst, teria dificuldade em ser assumida. No entanto, Nietzsche não é tão obstinadamente o adversário de Sócrates, é, sobretudo diante da figura de Sócrates, da representação, que ele aparentemente se opõe. Recordamos que em A gaia ciência (FW/GC 340, KSA 3.569) encontramos: “Admiro a coragem e a sabedoria de Sócrates em tudo o que ele disse - em tudo o que ele não disse”. E ainda, e sobretudo, no Fragmento Póstumo NF-1875, 6 [3] do verão de 1875: “Sócrates, para confessar isso de maneira definitiva, me é tão próximo que quase sempre tenho um combate a travar com ele” (Nachlass/NF-1875, 6 [3] do verão de 1875, KSA 8.97). Diz-se bem “com” porque o espetáculo se faz a dois, não é um duelo, é um dueto.

Conclusão

Finalmente, Nietzsche defende a ideia de que se alguém possui dentro de si bastante teatro, então não tem nada a fazer com o teatro da representação. Podemos ler: “Aquele que encontra em si mesmo drama e comédia suficientes, preferirá manter-se afastado do teatro” (FW/GC 86, KSA 3.444). Assim, a frase “que me importa o teatro” significaria a recusa à representação, e não necessariamente a recusa à peça em si. Neste momento de nossa análise, não está excluído que Nietzsche se alinhe, afinal, com Aristóteles na valorização da leitura da peça escrita. O que se faria em detrimento da representação.

Teatro escrito ou representação

O livro da Poética é bastante explícito sobre as regras da composição da tragédia. Aristóteles prescreve uma ordem do que é importante nas partes que constituem a tragédia. Na primeira fila, é colocada a fábula (mythos), na segunda, são colocados os caracteres (ethos), na terceira, o pensamento ou linguagem apropriada (dianoia), na quarta, a elocução (léxis), na quinta e sexta filas são os “acessórios” ou temperos, ouvidos como, respectivamente, o canto (melos) e, finalmente, apenas o espetáculo (ópsis). Nesta perspectiva, a tragédia seria, em seu princípio e na sua alma, uma fábula ou um mythos. De fato, por um lado, existe o risco de reduzir a compreensão do que é dito se alguém está distraído ou cativado por efeitos de encenação. Por outro lado, a compreensão intelectual será mais completa se for afastada dos excessos da paixão que é produzida pelo espetáculo. Ou seja, a insistência no sentido do que é dito tem como objetivo colocar em segundo plano, quase supérfluo, a maneira de mostrar, isto é, a representação, e também a música.

O que é específico da posição de Aristóteles é que se deveria admitir o privilégio do mythos nesta visão do teatro, porque todos os elementos citados participam de todo o espetáculo apenas de forma acessória, ainda que esse espetáculo só se realizasse na mente do leitor, com guichê e porta fechados, no interior da mônada sem porta nem janela, se ousássemos dizer.

Essa exclusividade seletiva do mythos, do sentido escrito da peça, não pode satisfazer Nietzsche, e este exprime-o claramente num Fragmento Póstumo de 1869-1870 (Nachlass/FP 1869, 3 [66] KSA 7.78), no qual escreve contra Aristóteles: “Gegen Aristóteles, der die opsis und das melos nur unter die édusmata der Tragödie rechnet: und ganz bereits das Lese drama sanktionirt18 18 Contra Aristóteles, para quem só conta os opsis e os melos entre os édusmata da tragédia: e já sanciona o drama para a leitura. . Nietzsche, melômano, não podia aceitar que a música fosse relegada a uma importância subalterna.

Teatro ou música

E esse é o grande argumento da crítica ao teatro. Nietzsche reprova Wagner por ter dito expressamente na sua “Introdução” à sua Ópera e drama: “A música nunca é senão um meio”. Com efeito, isto implica que, se Wagner recorre a outras artes, é porque “não confia na música” (WA/CW 10, KSA 6.35); e precisa do teatro e da literatura para “persuadir o mundo a levar a sério a sua música” (WA/CW 10, KSA 6.35).

“A música nunca é senão um meio”? E é isto sobretudo que permanece no estômago dispéptico do fisiologista Nietzsche. E se, em seguida, imaginamos, um artista como Wagner ainda quiser dar um pouco de importância ao teatro e à encenação, mesmo em pé de igualdade com a música em termos de importância. Vamos imaginar isso. Mesmo assim, nesse caso, por causa deste termo infeliz: “apenas um meio”, daria apesar de tudo a impressão de que a música parece um meio ao serviço do teatro. Mesmo que música e teatro fossem, ambos, meios, afinal. O teatro não poderia evitar de recuperar a fúria do músico Nietzsche. É um efeito de perspectiva, um efeito nefasto19 19 BVN-1887, 824 - Brief an Heinrich Köselitz, 01/04/1887. Traduzimos para o português: “Agora sou tão antiteatral, tão antidramático [...] A corrupção da música pelas considerações e convenções do drama torna-se cada vez mais visível para mim, o ‘público’ impõe a si mesmo uma arte democratizada, ele já manifestou, através de R<ichard> W<agner>, sua vontade de tirania de maneira perigosa. (Até onde vai minha desconfiança? Dois teatros apresentaram aqui este inverno a ópera 'Carmen', um em francês e o outro em italiano - e vosso amigo obstinadamente recusou Carmen!) Retorno da música, do sobrenatural do ator, à natureza da música - que é, afinal, a forma mais ideal de honestidade moderna!” , mas uma consequência necessária resultante das posições nietzschianas.

Por que defender assim o lugar da música? Porque a música é o seu próprio fim, ela é a expressão de si mesma, dizendo, ela diz o que ela diz. Ela não é representação de nenhuma outra coisa. Ela não é representação, é apresentação. É muito mais “Vorstellung” do que “Darstellung”, visto que se coloca (stellt) à frente (vor) imediata do sujeito. Este imediatismo opõe-se ao mediatismo do diferido. Essa distinção implica duas atitudes opostas, que são contemplação e participação. A contemplação implica uma cena em que o mundo real é colocado entre parênteses, já que este mundo é representado. Ao contrário, a participação implica uma cena tão real como a outra realidade, ou seja, a cena do mundo, que poderíamos designar como uma cena da presença plena. Esta presença plena é o lugar da metamorfose do homem como sátiro (GT/NT 1, KSA 120 20 GT/NT 7, KSA 1.55: “O sátiro, como corifeu dionisíaco, vive em uma realidade religiosa reconhecida sob a sanção do mito e do culto”. . Só sob essa forma, o homem poderia reconhecer melhor o dionísico e assumir o trágico da existência. Finalmente, é, então, para não desmerecer a música que terá sido necessário proceder à desvalorização do teatro.

Referências

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  • NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Briefe: Kritische Studienausgabe (KSB), 8 Vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari ). Berlim: Walter de Gruyter & Co. , 1986.
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  • SCHOPENHAUER, Arthur, Le Monde comme volonté et comme représentation, trad. A. Burdeau, édit. PUF, 2014.
  • SLOTERDIJK, Peter, Le penseur sur scène, Christian Bourgeois éditeur, trad. Hildenbrand, 1990.
  • 1
    A. Schopenhauer, 2014SCHOPENHAUER, Arthur, Le Monde comme volonté et comme représentation, trad. A. Burdeau, édit. PUF, 2014., III, § 51, p. 264.
  • 2
    A. Schopenhauer, 2014SCHOPENHAUER, Arthur, Le Monde comme volonté et comme représentation, trad. A. Burdeau, édit. PUF, 2014., Suplemento ao livro III, cap. XXXVII.
  • 3
    A. Schopenhauer, 2014 SCHOPENHAUER, Arthur, Le Monde comme volonté et comme représentation, trad. A. Burdeau, édit. PUF, 2014.52, p. 267-9.
  • 4
    A. Schopenhauer, 2014 SCHOPENHAUER, Arthur, Le Monde comme volonté et comme représentation, trad. A. Burdeau, édit. PUF, 2014.§ 52, p. 273-6.
  • 5
    Bernard Lambert, em Les grandes théories. Nietzsche et le théâtre, p. 8, fala de “uma luta de morte” entre esses dois conceitos. J. Goetschel GOETSCHEL Jacques, Théâtralité hors théâtre : pour lire Nietzsche, édit. PUF, in Les Études philosophiques, 2005/2 n° 73, pages 145 - 182.defende, ao contrário, a prevalência do dionisíaco em Théâtralité hors théâtre : pour lire Nietzsche. Porém, Peter Sloterdijk SLOTERDIJK, Peter, Le penseur sur scène, Christian Bourgeois éditeur, trad. Hildenbrand, 1990.diz: “o mundo apolíneo da aparência tem a última palavra”, emLe penseur sur scène.
  • 6
    Cf. o verbete La naissance de la tragédie, por Maria Joao Mayer Branco do Dictionnaire Nietzsche, sob a direção de D. AstorASTOR Dorian, Dictionnaire Nietzsche, article La naissance de la tragédie, par Maria Joao Mayer Branco, édit. Robert Laffont, coll. Bouquin., ed. Robert Laffont, coll. Bouquin, pp. 615-620.
  • 7
    Bernard Lambert, 1973LAMBERT Bernard, Les grandes théories. Nietzsche et le théâtre, in magazine Littérature, n°9, 1973, pp. 3-30..
  • 8
    BVN-1882, 194.
  • 9
    BVN-1882, 195.
  • 10
    BVN-1882, 197.
  • 11
    Carta de 30/01/1882, BVN-1882, 194, trata-se “de entrar no Carnaval, que desta vez oferece a visita da famosa francesa Sarah Bernhardt. Teremos três dias (5, 6 e 7 de fevereiro) de teatro francês no nosso grande teatro Carlo Felice [em Gênova]; que conta com três mil pessoas - e haverá muita gente”.
  • 12
    Carta de 10/02/1882, BVN-1992, 197. Com Sarah Bernhardt, não tivemos sorte. Assistimos ao primeiro espetáculo; depois do primeiro ato, ela caiu como morta. Depois de uma hora de espera dolorosa, ela voltou a atuar, mas no meio do terceiro ato, ela teve uma hemorragia no palco - o show acabou ali. Foi uma impressão insuportável, tanto mais que ela fazia o papel de uma doente (a Senhora das Camélias, de Dumas filho) - Apesar de tudo, ela atuou com imenso sucesso no dia seguinte e na noite seguinte e convenceu Gênova de que ela era “a maior artista viva” - recordou-me, na sua beleza e nos seus modos, Madame Wagner”.
  • 13
    F. NietzscheNIETZSCHE, Friedrich. Écrits autobiographiques, 1856-1869, édit. PUF, coll. Épiméthée, trad. Marc Crépon 1994.; Écrits autobiographiques, 1856-1869, trad. Marc Crépon, édit. PUF, coll. Épiméthée, 1994.
  • 14
    Carta a Resa von Schirnhofer de 30/03/1884, BVN- 1884, 500.
  • 15
    A. SCHOPENHAUERSCHOPENHAUER, Arthur, Le Fondement de la morale, § XI. «La Morale de Fichte, prise comme miroir propre à grossir les défauts de la morale de Kant», trad. A. Burdeau, édit. G. Baillière, 1879., O Fundamento da Moral, §XI. “A Moral de Fichte, tomada como espelho perfeito para engordar os defeitos da moral de Kant”, trad. por A. Burdeau, edita. G. Baillière, 1879, p. 87: “No antigo teatro de fantoches alemão, ao lado do imperador, ou de qualquer herói, não se deixava de se colocar o Hanswurst: cada palavra, cada gesto do herói, o Hanswurst repetia-os imediatamente, à sua maneira, e exagerando; é assim que por trás de nosso grande Kant está o autor da Wissenschaftslehre (a doutrina da ciência), ou melhor, Wissenschaftsleere (a ausência de ciência). Este personagem já tinha, superiormente, realizado um plano que, com um público como aquele que na Alemanha se ocupa de filosofia, era muito natural e digno de aprovação: maravilhar as pessoas com a ajuda de uma mistificação filosófica”.
  • 16
    H/Ecce homo, “Por que sou um destino” §1, eKGWB/EH-Schicksal-1 (KSA 6).
  • 17
    “Primeiro veio alguém - alguém que fez você rir de novo, um bom bufão (Hanswurst) alegre, um dançarino, um furacão, um catavento tonto, algum velho louco” (Za/ZA, IV, “A saudação”, KSA 4.347).
  • 18
    Contra Aristóteles, para quem só conta os opsis e os melos entre os édusmata da tragédia: e já sanciona o drama para a leitura.
  • 19
    BVN-1887, 824 - Brief an Heinrich Köselitz, 01/04/1887. Traduzimos para o português: “Agora sou tão antiteatral, tão antidramático [...] A corrupção da música pelas considerações e convenções do drama torna-se cada vez mais visível para mim, o ‘público’ impõe a si mesmo uma arte democratizada, ele já manifestou, através de R<ichard> W<agner>, sua vontade de tirania de maneira perigosa. (Até onde vai minha desconfiança? Dois teatros apresentaram aqui este inverno a ópera 'Carmen', um em francês e o outro em italiano - e vosso amigo obstinadamente recusou Carmen!) Retorno da música, do sobrenatural do ator, à natureza da música - que é, afinal, a forma mais ideal de honestidade moderna!”
  • 20
    GT/NT 7, KSA 1.55: “O sátiro, como corifeu dionisíaco, vive em uma realidade religiosa reconhecida sob a sanção do mito e do culto”.
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    Tradução de Jorge Waquim e Jefferson Silva de Santana

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2022
  • Aceito
    21 Out 2022
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