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POLÍTICAS PÚBLICAS E ENFRENTAMENTO DA COVID-19 NO BRASIL: CONTROVÉRSIAS SOBRE O AUXÍLIO EMERGENCIAL (LEI 13.982/20)

Public Policies and Confronting Covid-19 in Brazil: Controversies About Emergency Aid (Law 13.982/20)

RESUMO

A principal medida do Estado brasileiro para conter os efeitos do cenário pandêmico sobre os mais desprotegidos é o Auxílio Emergencial. A expectativa inicial foi a de conceder cerca de 50 milhões de beneficiários, porém, trabalhou-se com a possibilidade de atender até 80 milhões, causando espanto entre os técnicos do governo. Como explicar a imensa disparidade entre a expectativa inicial do governo para a concessão do auxílio e a realidade existente? Neste artigo analisamos a percepção e construção desses “invisíveis” no Brasil do Covid-19, buscando compreender, a partir do auxílio emergencial e seu repasse, um Brasil imenso de trabalhadores ignorados pelos dados oficiais. Inicialmente, apresentamos um breve histórico das políticas de abertura neoliberal que contribuíram para a precarização das relações de trabalho. E, mesmo com um discurso "modernizador", essas relações fragilizaram o arcabouço de proteção social, resultando na ampliação dos desamparados que “surpreende” ao governo federal. Em seguida, como a pobreza coaduna com a desigualdade urbana e os desafios para o acesso ao benefício emergencial expõe um retrato de disparidades ou negligências tradicionais da ação estatal. Por fim, propomos uma reflexão pós pandemia: lições para planejar cenários futuros como contribuição na busca de superar deficiências sociais históricas recompondo um novo “viver urbano no Brasil”.

Palavras-chave:
Covid-19; políticas públicas; invisibilidade social; proteção social; auxílio emergencial

ABSTRACT

The Brazilian State's main measure to contain the effects of the pandemic scenario on the most unprotected is the Emergency Aid. The initial expectation was to grant around 50 million beneficiaries, however, the possibility of serving up to 80 million was worked on, causing astonishment among government technicians. How to explain the huge disparity between the government's initial expectation for granting the aid and the existing reality? In this article, we analyze the perception and construction of these "invisibles" in the Brazil of Covid-19, seeking to understand, based on emergency aid and its distribution, a huge Brazil of workers ignored by official data. Initially, we present a brief history of the neoliberal opening policies that contributed to the precarization of labor relations. And, even with a "modernizing" discourse, these relations have weakened the social protection framework, resulting in an increase in the number of the destitute that "surprises" the federal government. Next, how poverty coexists with urban inequality and the challenges to access the emergency benefit exposes a picture of disparities or traditional negligence of state action. Finally, we propose a post-pandemic reflection: lessons for planning future scenarios as a contribution in the search to overcome historical social deficiencies by recomposing a new "urban living in Brazil".

Keywords:
Covid-19; public policies; social invisibility; social protection; emergency aid

“Esses ‘invisíveis’ hoje são 42,2 milhões de brasileiros e nós estávamos conversando pensamos que chegaremos a 50 milhões de brasileiros. ‘Invisíveis’ até duas semanas atrás, 25% da população brasileira. Então, sim, é um número maior do que nós imaginávamos" (Pedro Guimarães, Presidente da Caixa Econômica Federal em entrevista coletiva realizada dia 20 de Abril de 2020).

“O Brazil não conhece o Brasil” (Frase de “Querelas do Brasil”, música escrita em 1978 por Aldir Blanc, vítima da COVID-19).

INTRODUÇÃO

A cidade, em seu modelo contemporâneo, segrega. Inúmeros estudos apresentam mecanismo como especulação imobiliária e gentrificação como responsáveis pela promoção da segregação sócio espacial nos espaços urbanos e, como o ideal do “direito da cidade” é cotidianamente ignorado pelos processos de viver e produzir nesses espaços, em especial de países periféricos como o Brasil. (ROLNIK, 2015ROLNIK, R. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo . 2015, 424 p.; SANTOS, 2000SANTOS, M. A Urbanização Brasileira. São Paulo, Hucitec, 2000. ; SPOSITO, 2013SPOSITO, M E B. Segregação Socioespacial e Centralidade Urbana. In VASCONCELOS, P.A. et al. (orgs) A Cidade Contemporânea: segregação espacial. São Paulo, Contexto, 2013, 208 p. )

Viver na cidade é um desafio diário para 55% da população mundial em um planeta que, desde 2008 fez-se efetivamente urbano (ONU, 2019ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU prevê que cidades abriguem 70% da população mundial até 2050 BR. Disponível em: Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/02/1660701#:~:text=Segundo%20a%20ONU%2C%20atualmente%2055,implementando%20processos%20de%20pol%C3%ADticas%20descentralizadas . Acesso em 05 de fevereiro de 2021.
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). No Brasil, esse percentual chega a 84,7% (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. “Conheça o Brasil: população rural e urbana”. Educa IBGE, 2020. Disponível em: Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.html#:~:text=De%20acordo%20com%20dados%20da,%25%2C%20vive%20em%20%C3%A1reas%20urbanas . Acesso em 05 de fevereiro de 2021.
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) e entender as dimensões desse espaço nos provoca e nos desafia a um pensamento transdisciplinar nos tempos tidos como “normais”. Tal fato, nos instiga ainda mais diante do cenário que presenciamos em 2020, no qual o cotidiano do morador das áreas urbanas incorpora uma nova dimensão da realidade. Além de trabalhar, se alimentar e cumprir suas outras atividades cotidianas, sobreviver à pandemia de Covid-19 passa a ser uma tarefa necessária.

Estar na cidade é presenciar um espaço com inúmeras contradições, marcadas historicamente, pela sua construção como instrumento de acumulação do capital (SMITH, 1988SMITH, N. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.), realidade em que a perspectiva do cidadão pleno de direitos vem sendo substituída pela perspectiva do consumidor, o que nos oferece um prisma sombrio de espaços urbanos que “naturalizam” a ausência de direitos pela ótica da falta de dinheiro. Na cidade

“consagra-se como uma grande mercadoria, produto de marketing e de instrumentalização de um capital que se pretende global. Para ser cidadão nessa cidade, é preciso estar apto a consumir ou preparado para se tornar cliente. Nesse modelo de cidadania, não há espaço para reconhecimento, ou mesmo incorporação do outro (OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, M. P. de O retorno à cidade e novos territórios de restrição da cidadania In: SANTOS, M. & BECKER, B (orgs) Territórios, territórios: ensaio sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: Editora Lamparina, 2007.:195).

Assim, problemas urbanos cotidianos são tratados por muitos na cidade como ausência de capital para acesso a serviços, ignorando a dimensão do cidadão como sujeito de direitos sociais, minimizando diariamente invectivas contra cidadania, em especial da população mais vulnerável (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, T. P. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34/Edusp, 2000.), aumentando disparidades sociais nas cidades brasileiras.

Desigualdades efêmeras que, ao serem naturalizadas pelo morador do urbano, tornam-se parte da realidade das cidades brasileiras, mas diante de um cenário de pandemia vem desestruturar perspectivas e provocar inquietações. Segundo Digwall et al. (2013)DINGWALL, R. et al. Pandemics and Emerging Infectious Diseases: the sociological agenda. New Jersey: Wiley-Blackwell, 2013. , “emerging diseases are sources of instability, uncertainty and even crises that can make visible features of the social order ordinarily opaque to investigation” (p. 167). Em outras palavras, as incertezas provocadas diante do cenário da pandemia de Covid-19 promovem reflexões, muitas vezes desnudando realidades submersas na ligeireza do dia a dia. Dito de outra forma, a percepção de um cenário de risco e incerteza adquire uma dimensão “glocal” (ROBERTSON, 1999ROBERTSON, R. Globalização: teoria social e cultura global. Petrópolis, RJ, Vozes, 1999, 258 p.), pois a Covid-19 existe como risco global, mas é na esfera local e cotidiana que as pessoas ressignificam essas incertezas e tomam atitudes para amplificar, mitigar e/ou se adaptar ao risco (RENN, 2011RENN, O. The Social Amplification/Attenuation of Risk Framework: application to climate change. Wiley Interdisciplinary Reviews: Climate Change, 2011.). Desse modo, desigualdades sociais se aprofundam e aquela dinâmica urbana anterior à pandemia também precisa se ressignificar e problemas urbanos que nos eram cotidianos e por muitos também “naturalizados” como parte da paisagem, transformam-se em realidade ostensiva aos nossos olhos. Assim, acreditamos que o cenário pandêmico expõe radicalmente deficiências sociais históricas e demanda celeridade do poder público.

Vivemos tempos em que as principais recomendações para conter o avanço da Covid-19 referem-se a incentivar o isolamento social, diminuindo o deslocamento nas ruas e avenidas, nos fechando em nossas residências, e também realizar uma boa higiene pessoal, lavando as mãos e evitando o contato delas com as mucosas (boca e nariz), reduzindo a capacidade de dispersão do vírus, pressionando menos o sistema de saúde, possibilitando salvar mais vidas e buscando minimizar perdas para o retorno a vida cotidiana. Porém, descobrimos que sugestões aparentemente simples, vindas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de cientistas especialistas no tema, podem ser realidades difíceis de tratar. Ficar em casa é uma recomendação intrincada em um país que o deficit habitacional é de 6,355 milhões de domicílios, e em São Paulo, principal foco da Covid-19 no Brasil, esse número é de 1,337 milhão (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2018FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Estatística e Informações: demografia e indicadores sociais - déficit habitacional do país (2015). Disponível em <Disponível em http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=76871 > Acessado em 16 de Maio de 2020
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). E, também quando a necessidade e realidade da obtenção do sustento impele uma massa de trabalhadores precarizados, como os informais, que no Brasil atinge 41,1% da força de trabalho e em 11 estados supera a marca dos 50% (IBGE, 2020bIBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. “Desemprego aumenta em 12 estados no primeiro trimestre”. Agência IBGE, 15 de maio de 2020b. Disponível em: Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/27708-desemprego-aumenta-em-12-estados-no-primeiro-trimestre . Acesso em 05 de fevereiro de 2021.
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), ampliando a exposição dessas pessoas ao vírus quando, em tempos de pandemia, se deslocam pelas ruas. Falar em cuidados básicos de higiene, como lavar as mãos, torna-se incompreensível para 16,4% dos brasileiros sem acesso a água tratada, e aos 46,8% dos que não possuem coleta de esgoto (TRATA BRASIL, 2020TRATA BRASIL. Ranking do Saneamento 2020. Disponível em <Disponível em http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/ranking_2020/Relatorio__Ranking_2020_18.pdf > Acessado em 16 de Maio de 2020
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). Todos esses problemas e seus dados são anteriores à pandemia, mas amplificam-se com a percepção do risco à sobrevivência daqueles tradicionalmente excluídos de básicos direitos urbanos, como, por exemplo, moradia. Tais questões tomam relevância com a divulgação mais pontual de veículos de imprensa e mesmo de laços de solidariedade (re)criados em tempos tão desafiadores para os moradores do urbano.

Não apenas a falta de um arcabouço de proteção social nos salta aos olhos quando mais precisamos, mas também um histórico recente de debilitação das relações de trabalho e das relações da sociedade civil com o Estado. Como avanço de modelos neoliberais preconizando maior participação do mercado nos processos econômicos e um Estado coadjuvante que é colocado “em xeque” no momento que alguns setores e forças do mercado encontram-se estagnadas enquanto outros, particularmente o agronegócio, avança nos interesses de desconstruir políticas públicas ambientais construídas nos últimos 30 anos (PEREIRA et al, 2020PEREIRA, E. J. A. L, RIBEIRO, L. C. S., FREITAS, L.F.S., PEREIRA, H. B. B., Brazilian policy and agribusiness damage the Amazon rainforest. Land Use Policy, Volume 92, March 2020, https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2020.104491
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). O atual governo federal, eleito em 2018, ao assumir discursou com uma pauta econômica liberalizante nas quais as privatizações e reformas pró-mercado, como a trabalhista, eram pedra fundamental para o fim da crise e modernização do país1 1 “Seria excelente para o país se nós conseguíssemos aprovar uma reforma da Previdência e a independência do Banco Central. Seria ótimo. Já entraríamos com a perspectiva de a economia crescer de 3% a 3,5%, e teríamos tempo para trabalhar as reformas estruturantes”, Paulo Guedes, em reunião com o então ministro da Fazenda do governo Temer, Eduardo Guardia, durante a transição para o governo Bolsonaro. Temóteo, A., Reforma e BC independente levariam país a crescer até 3,5% em 2019. Portal UOL, Brasilília, 2018. Disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/11/06/reforma-da-previdencia-paulo-guedes-crescimento-pib.htm?cmpid=copiaecola , acesso em 07 de fevereiro de 2021. . A pandemia de 2020 marca uma barreira para essas pretensões e inúmeros setores do país, incluindo a agenda liberal do mercado, demandam do Estado, respostas rápidas para salvar vidas e minimizar impactos econômicos.

A principal ação do Estado diante desse cenário caótico da pandemia foi a aprovação da Lei 13.982 promulgada em dois de abril de 2020 e na medida provisória (MP) 936/20 (BRASIL, 2020BRASIL. Lei n. 13.982, de 02 de Abril de 2020 Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, Dispõe sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19). Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm acessado em 15 de Maio de 2020.
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) criando critérios e bases para o pagamento do Auxílio Emergencial variando de R$600,00 até R$1.200,00 por mês para o trabalhador mais vulnerável durante três meses2 2 Ainda em 2020, o prazo foi prorrogado por mais 3 meses com o mesmo valor de R$600,00 e, posteriormente, por mais 4 meses reduzindo a metade do valor do benefício (BRASIL, 2020c). Para receber o benefício, o cidadão precisava ser maior de 18 anos de idade, não ser beneficiário de nenhum programa social ou previdenciário do governo, exceto Bolsa Família, além de não possuir emprego formal ou estar desempregado. Acrescentava-se ainda o critério de não possuir renda familiar per capita e mensal de R$522,50 (meio salário mínimo) ou renda familiar total até três salários mínimos (R$3.135,00) e não ter recebido rendimentos tributáveis acima do valor de R$28.559,70 no ano de 2018. . Sem dúvida uma medida necessária diante da perda da atividade produtiva de muitos trabalhadores, e que, transformou-se em uma política distributiva de escala inédita no Brasil, justamente diante dessa dimensão incomensurável, apresenta desafios técnicos, legais e de adequação da realidade nacional tão múltipla.

A expectativa inicial do governo federal era conceder cerca de 50 milhões de beneficiários, porém trabalhou-se com a possibilidade de atender entre 75 até 80 milhões, com a quantidade de pedidos de auxílio chegando a quase 110 milhões de brasileiros3 3 Todos os dados oficiais sobre o Auxílio emergencial podem ser acessados no https://auxilio.caixa.gov.br/ . A adesão discrepante por parte da população, causou espanto mesmo entre os técnicos do governo, como Pedro Guimarães, Presidente da Caixa Econômica Federal, órgão responsável pelo pagamento dos beneficiários, que em uma entrevista coletiva cedida a diversos órgãos de imprensa no dia 20 de abril de 2020, afirmou espantado, que “eram ’invisíveis’ até duas semanas atrás, 25% da população brasileira. Então sim, é um número maior do que nós imaginávamos”. Porém, como explicar essa imensa disparidade entre a expectativa inicial do governo para a concessão do auxílio e a realidade existente?

Os primeiros beneficiários do auxílio emergencial seriam àqueles que, diante de todos os requisitos previstos em lei, também fossem cadastrados no Programa Bolsa Família (PBF) ou no Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal com contas correntes no Banco do Brasil ou Caixa Econômica, no entando, isso representaria apenas 4,4% do total de beneficiários (IPEA, 2020). Outros grupos iriam compor essa massa de marginalizados aos cadastros governamentais: trabalhadores desempregados, informais, pessoas sem acesso a documentos como o Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou os que não tinham celulares para baixar o aplicativo para requisitar o benefício. Contudo, considerando os dados já citados, tal número é muito expressivo e reflete a miséria e desigualdade de um país precário em suas políticas públicas e pouco preparado para o cenário do Covid-19, que encontra-se hoje com grandes dificuldades em se estruturar e enfrentar a pandemia e o aumento dos excluídos nas suas mais diversas formas.

Historicamente, esses segmentos sempre existiram nas paisagens urbanas e eram parte integrante dela. A reprodução da desigualdade social urbana, a precarização das relações de trabalho e a incapacidade técnica de registros sempre foram tidos como processos ignorados pela grande massa da população. E, por vezes, fomentada pelo Estado ao incentivar a precarização ou ao ignorar a necessidade de dados estatísticos seguros sobre o próprio país. O cenário pandêmico escancara essa realidade, traduzida na massa de pessoas mais carentes que necessitam do auxílio emergencial, mas não constam na lista do Estado, obrigando-as a passar horas de aglomeração diante de bancos para serem vistos e considerados sujeitos de direitos sociais.

Neste artigo analisamos a percepção e construção destes “invisíveis” no Brasil do Covid-19, em especial na cidade de São Paulo, epicentro da epidemia, buscando compreender como o desafio de oferecer o auxílio emergencial apresentou um Brasil imenso de pessoas, trabalhadores ou não, ignoradas pelo governo. Quais as limitações sócio técnicas para a inserção desses brasileiros no benefício do Estado? Como a pandemia expõe a realidade do desamparo latente da sociedade brasileira e apresenta a necessidade da revisão do papel do Estado e de suas políticas públicas em situações tão adversas como as que vivemos no país diante da Covid-19? Quais as perspectivas ou aprendizados que podemos levar e propor para um cenário pós pandemia? Pensar numa urbanidade mais justa, com inclusão e maior civilidade seria possível?

Na primeira parte apresentaremos como o histórico de políticas de abertura neoliberal contribuiu para a precarização das relações de trabalho, e, mesmo com um discurso “modernizador”, essas relações fragilizaram o arcabouço de proteção social, tão necessário no cenário atual resultando na ampliação dos mais precarizados surpreendem o governo federal. Em seguida, trataremos como a opacidade se coaduna com a desigualdade urbana e também, os desafios sociotécnicos, para o acesso ao benefício emergencial, que expõe um retrato de disparidades ou negligências, tradicionais da ação estatal. Por fim, proporemos reflexões pós pandemia, como lições para cenários futuros podem surgir e como buscar superar deficiências sociais históricas para recompor um novo “viver urbano” refletindo-se em um novo “viver no Brasil”.

1. TRABALHADOR EM MOVIMENTO PARA A PRECARIEDADE

Os grandes números do mercado de trabalho dão o tamanho do desafio pela frente. No Brasil, no final do ano de 2019, a População Economicamente Ativa reunia 106,2 milhões de pessoas. É a soma dos ocupados, em diferentes condições - incluindo informais, autônomos, conta própria - com aqueles que ainda buscavam ocupação. O desemprego aberto, que alcançava 11,6 milhões de pessoas, e o desemprego por desalento, outros 4,6 milhões (CESIT, 2020CESIT - CENTRO DE ESTUDOS SINDICAIS E DE ECONOMIA DO TRABALHO. Carta Social e do Trabalho, n. 41, janeiro-junho de 2020. Disponível em Disponível em https://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2020/11/CST-41-Versao-final2.pdf . Acesso em 17 de fevereiro de 2021.
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).

A condição de ocupação também é diversa, 24,5 milhões eram trabalhadores por conta própria, outros 19 milhões, aproximadamente, não possuíam registro em carteira de trabalho. Assim somam 43 milhões sem proteção social (CESIT, 2020CESIT - CENTRO DE ESTUDOS SINDICAIS E DE ECONOMIA DO TRABALHO. Carta Social e do Trabalho, n. 41, janeiro-junho de 2020. Disponível em Disponível em https://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2020/11/CST-41-Versao-final2.pdf . Acesso em 17 de fevereiro de 2021.
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). Entre aqueles com vínculo formalizado, parte relevante é terceirizada4 4 Em 2013, mais de ¼ dos trabalhadores formais eram terceirizados. . Em 2013, a remuneração média do terceirizado era 24,7% menor que a do trabalhador tipicamente contratado. A jornada de trabalho semanal do terceirizado era superior em 3 horas. O terceirizado permanece menos tempo no emprego e está mais exposto ao risco de acidentes. A taxa de rotatividade é mais que o dobro da taxa entre os não terceirizados. (DRUCK; DUTRA; SILVA, 2019DRUCK, G.; DUTRA, R.; SILVA, S. C. A contrarreforma neoliberal e a terceirização: a precarização como regra. Cad. CRH [online]. 2019, vol.32, n.86, pp.289-306. Epub Oct 10, 2019. ISSN 1983-8239. https://doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.30518.
https://doi.org/https://doi.org/10.9771/...
; PELATIERI et al, 2018PELATIERI, P.; CAMARGO, R. C.; IBARRA, A.; MARCOLINO, A., TERCEIRIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO: CONDIÇÕES DE TRABALHO E REMUNERAÇÃO EM ATIVIDADES TIPICAMENTE TERCEIRIZADAS E CONTRATANTES. Em CAMPOS, A. G. (Org). Terceirização do Trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília: IPEA, 2018.).

Esses dados mostram uma verdade inelutável: A) O Brasil nunca chegou a tornar-se uma economia organizada a partir do trabalho assalariado e da proteção social; B) Os elevados índices de rotatividade e de informalidade, a desigualdade entre os rendimentos do trabalho, o baixo percentual de assalariamento, são apenas os sinais mais aparentes dessa desorganização (GIMENEZ; KREIN, 2016GIMENEZ, D. M.; KREIN, J.D., “Terceirização e o desorganizado mercado de trabalho brasileiro”. InTEIXEIRA, M. O. ; RODRIGUES, H., COELHO, E.(orgs.). Precarização e terceirização : faces da mesma realidade. São Paulo : Sindicato dos Químicos-SP , 2016.); C) A rede de proteção social insinuada pela Constituição Federal de 1988 não foi plenamente estabelecida.

A partir dos anos 1990, com a adesão à política neoliberal, o Estado brasileiro passa a adotar uma estratégia de desenvolvimento mais orientada para o mercado. A expectativa, até hoje frustrada, era de que o aumento da competição e a redução da interferência estatal viessem a dinamizar o setor produtivo e desenvolver a economia nacional. Desde então, foi colocada uma agenda de reformas que redefinem a atuação e o tamanho do Estado, em sentido diverso daquele proposto na Constituição. A opção dos capitalistas locais foi por um Estado menor, mais alinhado a interesses internacionais (BRESSER-PEREIRA, 2016BRESSER-PEREIRA, L. C., A construção política do Brasil: sociedade, economia e Estado desde a Independência. São Paulo: Editora 34, 3ª edição, 2016.).

Insere-se aí o processo de Precarização Social do Trabalho que, segundo Druck (2016DRUCK, G., “A indissociabilidade entre precarização social do trabalho e terceirização”. Em TEIXEIRA, M. O., RODRIGUES, H.; COELHO, E.(orgs.). Precarização e terceirização: faces da mesma realidade. São Paulo : Sindicato dos Químicos-SP, 2016.), pode ser considerado

como um processo econômico, social e político que se tornou hegemônico e central na atual dinâmica do novo padrão de desenvolvimento capitalista - a acumulação flexível -, no contexto de mundialização do capital e das políticas de cunho neoliberal. Trata-se de uma estratégia patronal, em geral apoiada pelo Estado e seus governos, que tem sido implementada em todo o mundo, cujos resultados práticos se diferenciam muito mais por conta da história passada de cada país, refletindo os níveis de democracia e de conquistas dos trabalhadores, do que da história presente, se impondo como regra e como estratégia de dominação, assumindo um caráter cada vez mais internacionalizado. (p. 40)

Entre 2003 e 2014, beneficiada pelo ciclo das commodities, a economia brasileira teve bom desempenho, crescimento superior a 3% ao ano (CARVALHO, 2018CARVALHO, L., Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.). Concorreram para o resultado, o aumento do investimento público e as políticas de transferência de renda, com destaque para os sucessivos aumentos do salário mínimo e Programa Bolsa Família. Assim, milhões de pessoas puderam acessar mercados de bens e serviços. Houve inclusão social pela via do consumo, fundamental para ampliar a qualidade de vida da população mais carente, e alguma ampliação dos direitos, no que tange ao trabalho doméstico, com sua equiparação aos trabalhos, urbano e rural, pela Emenda Constitucional (EC) 72/2013. A criação da microempresa individual, lei 128/2008, possibilitou oferecer proteção previdenciária a trabalhadores autônomos e empresários individuais com baixa capacidade contributiva. O processo de flexibilização e individualização dos riscos laborais foi suspenso.

O fim do ciclo das commodities, a condução equivocada da economia, e a crise política e institucional levaram à queda da atividade econômica em dois anos consecutivos, 2015/2016, o que atingiu duramente o mercado de trabalho. Houve a destruição de mais de 3 milhões de vagas no trabalho formalizado; crescimento do desemprego e da desigualdade (CARVALHO, 2018CARVALHO, L., Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.). A informalidade, que representa uma alternativa em momentos de crise, aumentou significativamente e, dessa vez, foi acompanhada pelas vagas criadas pelos aplicativos. Somente uma empresa, a Uber, tem mais de 1milhão de motoristas cadastrados no Brasil (UBER, 2020UBER. Fatos e dados sobre a Uber. Uber newroom, 27 de agosto de 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-sobre-uber/ . Acesso em 05 de fevereiro de 2021.
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). É parte da chamada economia do compartilhamento, que, em muitos casos, faz do indivíduo um empresário de si mesmo, assumindo os custos e riscos da atividade, submetendo-se a intensa competição, e delegando para a empresa distribuir e dar valor ao trabalho. A retomada lenta da atividade econômica impediu qualquer melhora significativa desse quadro.

A resposta à crise foi a austeridade fiscal e a retomada da agenda de reformas, notadamente, a previdenciária e a trabalhista. Nesse último caso, as mudanças na legislação foram apresentadas como capazes de reduzir o custo do trabalho e a incerteza jurídica, e estimular novos investimentos e contratações. São medidas aprovadas na Lei 13.467/20175 5 Lei aprovada em 13 de julho de 2017 com diversas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). , por exemplo, a prevalência do acordado sobre o legislado, em pontos como: férias, horas extras, planos de cargos e salários, bancos de horas e intervalos para refeição. O pagamento das custas de processos na Justiça do Trabalho, em caso de derrota. A regulamentação do trabalho intermitente e outras.

Nos dois primeiros anos de vigência da lei, diminuíram as ações na Justiça. A criação de empregos foi pífia, relacionada ao ritmo lento da economia desde então. Até mesmo quando a legislação inovou não houve criação importante de ocupação, o trabalho intermitente é menos de 1% dos vínculos formais. Em sentido geral, as mudanças procuraram legalizar práticas já existentes, enfraquecer a organização coletiva e aumentar o grau de insegurança do trabalhador. Acordos demissionários puderam ser homologados sem a assistência dos sindicatos, e o empregador passou a exercer maior controle sobre o tempo de seu empregado (KREIN, 2018). É notável que, apesar do rebaixamento das exigências para o atendimento da legislação, a informalidade não tenha diminuído. A experiência brasileira indica que o comportamento do mercado de trabalho está muito mais associado ao ciclo econômico do que aos demais fatores. A expectativa de que a flexibilização das regras levaria, por si só, à criação de empregos mostrou-se equivocada. O mote da modernização do Estado, das regras sociais, das instituições, não entregou crescimento e desenvolvimento.

Com a introdução da idade mínima, a reforma da previdência, EC 6/2019, necessária para o equilíbrio fiscal no longo-prazo, avançou no sentido da maior equidade. Porém, trouxe também elementos que dificultam o acesso pelos mais pobres. A alteração na forma de cálculo do benefício implica sua redução para aqueles que vagam entre o emprego formal e o informal; dada a dificuldade em manter 15 anos de contribuição, ou 20 anos, para os que entraram no mercado de trabalho depois da emenda. A proposta de mudança do regime de solidariedade para a capitalização teve o apoio do Congresso. O sentido mais geral das reformas é o desmonte da proteção social prevista na Constituição. Destarte, procuram retirar da esfera estatal responsabilidades pelos riscos laborais e sustentação financeira após a aposentadoria, transferindo-as aos indivíduos. É a expressão de uma visão baseada apenas na lógica do mercado, vazia de história, e que se faz ignorante das desigualdades brasileiras.

Enfim, a austeridade fiscal, que é um modo de ajustar a economia através da diminuição de salários, preços e gastos do governo. Em tese, o equilíbrio fiscal aumentaria a competitividade e inspiraria a confiança dos investidores privados, pela redução do déficit e da dívida pública (BLYTH, 2017). A mais lenta recuperação já observada na economia brasileira sugere a insuficiência dessa estratégia para recuperar a atividade econômica. A redução dos gastos públicos fez-se inicialmente pela redução dos investimentos públicos (CARVALHO, 2018CARVALHO, L., Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.).

O teto de gastos, instituído na EC 95/2017, introduziu na Constituição Federal um limite para as despesas por pelo menos 10 anos. Assim, produziu um acirramento na disputa distributiva pelo orçamento, em que os grupos com menor capital político saem perdedores. Essa é forma como a política de austeridade vem sendo implementada; de modo a desvincular os mínimos constitucionais destinados à saúde e educação (CARVALHO, 2018CARVALHO, L., Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.). Concordando com Funcia, ao tratar sobre o orçamento da saúde, “Em termos de Receita Corrente Líquida, tanto o piso federal do SUS foi reduzido, de 15% em 2016 e 2017 para 13,95% em 2018 e 12,95% em 2019, como também houve queda do valor empenhado, de 15,77% em 2017 para 14,51% em 2018 e 13,54% em 2019” (2020FUNCIA, F. R., Coronavírus e o desfinanciamento do SUS: revogar a EC95/2016 já!. Em CONCEIÇÃO, J. J., Carta de Conjuntura da USCS, Especial Coronavírus, nº12, abril, 2020, disponível em , Carta de Conjuntura da USCS, Especial Coronavírus, nº12, abril, 2020, disponível em www.uscs.edu.br/sites/conjuscs , acesso em 05/05/2020.
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, p.64).

Vale notar que a precarização atinge as demais dimensões da vida social, para além do trabalho e previdência e se expressa nas políticas de gestão da saúde, da educação e do papel do Estado (DRUCK, 2016DRUCK, G., “A indissociabilidade entre precarização social do trabalho e terceirização”. Em TEIXEIRA, M. O., RODRIGUES, H.; COELHO, E.(orgs.). Precarização e terceirização: faces da mesma realidade. São Paulo : Sindicato dos Químicos-SP, 2016.). No contexto da pandemia, o importante é perceber que precarização reduz o nível de proteção do trabalhador, e continuamente amplia a desigualdade e o contingente de pessoas que necessitarão de auxílio financeiro durante e após o período de isolamento social. Não é acaso o número elevado de pessoas que buscou a ajuda oferecida pelo poder público.

A medida também alcança os microempresários individuais que não se enquadram beneficiários previdenciários ou assistenciais, quem recebe seguro desemprego ou transferência de renda, exceto Bolsa Família. O Programa Bolsa Família foi criado através da Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Assim como outros programas de transferência de renda dos anos 1990, foi inspirado na Bolsa-escola, proposto pelo governo Cristovam Buarque, no Distrito Federal, em 1986. Entre 2003 e 2006 alcançou 11 milhões de famílias, a primeira meta nacional do programa; em 2011 passou a 13,8 milhões (SOUZA et al, 2019SOUZA, P. H. G. F.; OSORIO, R. G.; PAIVA, L. H.; SOARES, S., Os efeitos do programa Bolsa Família sobre a pobreza e a desigualdade: um balanço dos primeiros quinze anos. Texto para discussão, n° 2499. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília: IPEA , 2019.), próximo dos atuais 13,9 milhões de beneficiários (CEF, 2020CEF - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Bolsa Família. Disponível em Disponível em https://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/paginas/default.aspx . Acesso em 07 de fevereiro de 2021.
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).

Passado o período crítico de transmissão da doença, e a lotação do sistema de saúde, restará uma profunda crise econômica, provavelmente, a maior já registrada em um único ano (IMF, 2020IMF - International Monetary Fund. World Economic Outlook (October 2020). Disponível em Disponível em https://www.imf.org/external/datamapper/datasets/WEO . Acesso em 17 de fevereiro de 2021.
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). O auxílio emergencial e as demais medidas anunciadas, com duração prevista de três meses, fundamentais durante o período de isolamento social, são insuficientes para devolver a economia ao patamar anterior à COVID-19. O setor informal, que historicamente absorve trabalhadores em momentos de desaceleração, em boa medida depende da aglomeração de pessoas. Durante a fase mais aguda da pandemia, o setor é quase inviabilizado. E mais, ao que parece, considerando os protocolos de distanciamento social e a possíveis reincidências da doença, as mudanças de comportamento deverão ser duradouras, o que amplia incertezas e inseguranças já demasiadas nesse segmento.

A pandemia expôs a necessidade de reestruturação do mercado de trabalho. Hoje, o movimento é de desmanche das relações salariais e de solidariedade. No início de março, o ministro da Economia ainda afirmava que as reformas eram a melhor resposta diante da pandemia (OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, T. C.; ABRANCHES, M. V.; LANA, R. M. (In)Segurança alimentar no contexto da pandemia por SARS-CoV-2. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 36, n. 4, e00055220, 2020 . Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020000400501&lng=en&nrm=iso >. Acessado e 16 de Maio de 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Reforça-se a tendência às relações mais precárias - a informalidade, o empreendedorismo individual, o trabalho autônomo, a terceirização. Contudo, no cenário pandêmico e de crise econômica, o trabalhador é lançado à própria sorte ou para a proteção emergencial do Estado, chamado às pressas a intervir.

Não é sem motivo a grande procura pelo auxílio emergencial. A surpresa das autoridades, que não conheciam, ou preferiram não ver, tantos milhões de brasileiros, reafirma a política pública que nega reconhecimento a uma parcela de seus cidadãos. Adiante será preciso restabelecer conexões entre trabalho e renda ou promover a relação mais direta entre cidadania e renda, por exemplo, estendendo o auxílio emergencial por período mais longo, aumentando a abrangência do programa Bolsa Família, ou criando um programa de renda mínima universal.

2. AUXÍLIO EMERGENCIAL: A COTIDIANA FALTA DE ACESSO A DIREITOS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Vimos até aqui como desigualdades urbanas históricas são aprofundadas diante de políticas públicas recentes que promoveram a precarização do mundo do trabalho e a expansão da informalidade e terceirização em um processo sem a existência de um arcabouço compatível de seguridade social. No cenário da pandemia contemporânea, essas disparidades crescentes em laços trabalhistas frouxos manifestam-se em uma multidão que necessita, com extrema urgência, do apoio econômico necessário para o sustento diário e manter-se em casa, minimizando a circulação da COVID-19 e mitigando os impactos da pandemia.

Porém, inseridos marginalmente no cotidiano das cidades, esbarram em uma série de déficits sócio estruturais para terem acesso ao auxílio emergencial, que é tão urgente diante de um mercado de trabalho praticamente estagnado e com as restrições que impactam nas atividades econômicas. Tais déficits, anteriormente à COVID-19 e ao auxílio emergencial, já existiam e traduziam-se como carências ao efetivo “direito da cidade” a esses excluídos e no cenário pandêmico aprofundaram bruscamente as desigualdades. Mesmo com todos os impactos, trabalhadores formais conseguiram manter o total ou parte de seus rendimentos6 6 Em 1º de Abril de 2020 foi anunciada e Medida Provisória 936/20 com uma série de ações voltada para o empregado e empregador do setor formal que vão desde suspensão de contrato de trabalho até redução de salário e jornada proporcionais (BRASIL, 2020b) , ou àqueles que diante da recessão promovida pela pandemia perderam os empregos podem contar com a assistência do Seguro-Desemprego pelos próximos meses7 7 Considerando o mês de Março e primeira quinzena de Abril, o país teve 804 mil pessoas solicitando Seguro-Desemprego segundo dados disponíveis em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/ 2020/04/28/internas_economia,849195/covid-19-mais-de-804-mil-pessoas-precisaram-recorrer-ao-seguro-desemp.shtml acessado em 18 de maio de 2020. ou mesmo o empregador, contando com recursos próprios ou em busca de canais de financiamento, encontra-se em condição mais favorável para ultrapassar, mesmo com dificuldades, o período de promoção do distanciamento social. Já o chamado “invisível”, que até ontem trajava o confortável termo de “empreendedor” no mercado precarizado, hoje sente diretamente o peso da ausência de direitos trabalhistas e seguridade social.

Visando minimizar dos impactos danosos da pandemia, a Lei 13.998/20, que promove mudanças no auxílio emergencial, parece-nos fundamental como alternativa para os mais necessitados e incapazes de exercerem suas atividades funcionais cotidianas, mas convém refletirmos também sobre os desafios e obstáculos da iniciativa e sua lentidão em abarcar todos os brasileiros necessitados de auxílio, em especial a grossa camada dos precarizados que surpreendeu o Estado ao solicitarem seus direitos.

Notamos a gênese dessa morosidade associada com três aspectos convergentes: (1) os trâmites afanosos da esfera política em tornar o auxílio emergencial uma realidade, e que era um prenúncio da disposição do governo de sistematicamente negar a gravidade da pandemia, (2) os obstáculos técnicos da sua implementação efetiva e, (3) o peso das desigualdades sociais e urbanas para promover o auxílio para a camada mais fragilizada, disparidades que, convém lembrarmos, existente há décadas no país, mas tornaram-se exacerbadas na pandemia.

Conforme já mencionamos anteriormente, eleito com uma agenda fortemente ideológica e conservadora em setores sociais, como cultura e educação, mas com um forte apelo neoliberal para a manutenção do incremento das reformas pró mercados intensificados pelo governo Temer (2016-2018), o atual governo federal mostrou imensas dificuldades de articulação política e bom relacionamento com os demais poderes em seu primeiro ano (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, R. de. Bolsonaro Presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira. Revista Novos estud. CEBRAP, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 185-213, Apr. 2019 . Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010133002019000100010&lng=en&nrm=iso >. Acessado dia 16 de Maio 2020. http://dx.doi.org/10.25091/s01013300201900010010.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; SOLANO, 2018SOLANO, E. Crise da Democracia e Extremismos da Direita. Fundação Friedrich Ebert Stiftung Brasil. Análise n. 42/2018 Disponível em <Disponível em https://library.fes.de/pdf files/bueros/brasilien/14508.pdf > Acessado em 19 de Maio de 2020
https://library.fes.de/pdf files/bueros/...
; SOUZA & HOFF, 2019SOUZA, M B; HOFF, T S R. O governo Temer e a volta do neoliberalismo no Brasil: possíveis consequências na habitação popular. Urbe, Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitiba , v. 11, e20180023, 2019 . Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-33692019000100256&lng=en&nrm=iso >. Acessado em 16 de Maio de 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). A aparente pouca disposição de promover um governo de coesão e consenso ficou evidente na dificuldade de articulação diante da criação das medidas econômicas logo no início da pandemia.

O primeiro caso de Corona vírus foi registrado em um paciente de 61 anos na cidade de São Paulo, que se tornaria epicentro da epidemia, no dia 26 de fevereiro de 20208 8 Disponível em https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus acessado em 16 de maio de 2020. . A partir daí, estados e municípios começariam a tomar medidas de restrição da circulação de pessoas e tínhamos a percepção de que propostas de isolamento social seriam tomadas brevemente. Diante deste cenário, a resposta econômica do governo federal aconteceu apenas no dia 18 de março de 2020 e consistiu na distribuição de vouchers com R$200,00 para população inscrita no Cadastro Único e informais9 9 Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2020/03/governo-cria-voucher-de-r-200-para-autonomos-e-pode-fechar-fronteiras-do-brasil-com-outros-paises acessado em 16 de maio de 2020 . No entanto, com a repercussão negativa e pela incisiva pressão da oposição e até mesmo de setores do próprio governo, foi aprovado no Legislativo a cota de R$600 até R$1.200,00, que foi sancionada dia 02 de abril (BRASIL, 2020BRASIL. Lei n. 13.982, de 02 de Abril de 2020 Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, Dispõe sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19). Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm acessado em 15 de Maio de 2020.
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) e efetivamente liberados os primeiros pagamentos apenas em 09 de abril.

Praticamente seis semanas se passaram do primeiro caso para que os primeiros pagamentos emergenciais fossem liberados, mesmo que para uma parte pequena dos beneficiários. Tal realidade, significou um aumento no cenário de incertezas e inseguranças ampliando e acelerando as carências cotidianas em múltiplas esferas, como no caso da insegurança alimentar desses trabalhadores, uma vez que com menores rendimentos e a incerteza do trabalho tende-se a agravar “ainda mais a saúde de grupos populacionais em desamparo socioeconômico, principalmente aqueles que residem em áreas de risco e que compõem a massa de desempregados ou de subempregados no Brasil” (OLIVEIRA; ABRANCHES; LANA, 2020OLIVEIRA, T. C.; ABRANCHES, M. V.; LANA, R. M. (In)Segurança alimentar no contexto da pandemia por SARS-CoV-2. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 36, n. 4, e00055220, 2020 . Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020000400501&lng=en&nrm=iso >. Acessado e 16 de Maio de 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 3-4). Nesse debate estamos considerando apenas o tempo a partir do primeiro caso no contexto brasileiro, mas poderíamos refletir sobre a lentidão maior das ações do Executivo se considerarmos o início da pandemia em Wuhan (China) em dezembro de 2019 e sua propagação acelerada pelo planeta, visto que, antes mesmo de sua chegada ao Brasil, países como Espanha e Itália já sentiam duramente seus efeitos sanitários, nas condições sociais e econômicas. Com esse conhecimento prévio, planos nacionais poderiam ser pensados, estruturados e preparados desde então, o que, como já sabemos, não aconteceu.

Mas, além das indisposições políticas para o acesso rápido ao auxílio emergencial, devemos pesar também as dificuldades das bases técnicas e de dados para se aceder ao invisível. É fato que a Lei 13.982/20 trata-se de uma medida de distribuição de renda em escala inédita para mais de 50 milhões de brasileiros, conforme própria estimativa do Estado. Evidentemente uma operação dessa grandeza apresentaria inúmeros obstáculos técnicos para ser efetivada e ainda mais no curto espaço de tempo solicitado entre a aprovação da lei e sua aplicação na qual, ao longo de sua implementação, espera-se que acertos sejam realizados e processos revisados. Não discutimos aqui a base puramente processual da implementação do auxílio emergencial, mas nos chamou a atenção a ausência dos dados, seja pela incapacidade de lidar com as bases de dados existentes ou pela desídia do governo federal. A falta de ciência real da população que seria atendida com enorme discrepância entre expectativa e realidade representa uma ampliação considerável no gasto previsto, significativamente o deficit das contas públicas, mas demonstra principalmente a negligência de conhecermos a própria realidade nacional. Aparentemente, a política pública mais importante para garantir a sobrevivência da maior população brasileira afetada pelos impactos econômicos da pandemia foi realizada sem o conhecimento dos dados reais do país.

Por que nos surpreendemos com a diferença entre a expectativa de pagamento dos auxílios emergenciais e a realidade que se apresenta? Onde estavam esses “invisíveis” no cenário anterior à pandemia? Não os conhecíamos?

Essas pessoas sempre existiram. Eles estavam na ativa quando produziam precariamente sua subsistência ou quando atendiam no setor de comércio e serviços, geralmente de maneira informal. Dito de outra forma, o mercado sempre os abarcou, oferecendo-lhes pequenos espaços e parcelas de rendimentos para não os atender no trabalho ou registro formal. Contudo, o Estado e o Governo não os consideram como sujeitos de direitos; a imposição do reconhecimento veio na dramática forma pandêmica. Ao lançar as bases e as regras para o recebimento do auxílio emergencial, o Estado percebeu que tinha uma mínima parcela de inscritos formalmente possíveis em seus registros, como as cerca de 25 milhões de famílias do Cadastro Único, incluindo as 13,9 milhões do Programa Bolsa Família (CEF, 2020CEF - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Bolsa Família. Disponível em Disponível em https://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/paginas/default.aspx . Acesso em 07 de fevereiro de 2021.
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), a diferença desse número para a expectativa (50 milhões) e para a realidade, 67,9 milhões (CEF, 2020b), nos apresentam aqueles que não se inserem nos programas de assistência social e não são vistos pelo Estado, mas existiam como autônomos e profissionais precarizados antes da COVID-19.

A precarização do trabalho soma-se o desmonte das políticas sociais, iniciado ainda no governo Michel Temer, no âmbito do ajuste fiscal feito através do teto de gastos, que impõe a competição das diferentes áreas pelos recursos públicos. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) não era prioridade daquele governo e tampouco o é do governo atual. Por exemplo, a Portaria 2.362/2019, do Ministério da Cidadania, impôs cortes, que variaram entre 30% e 40%, nos repasses federais para a assistência social dos municípios (CONGEMAS, 2020COMGEMAS - Colegiado nacional de gestores municipais de assistência social. FONSEAS - Fórum Nacional de secretários de estado da assistência social. Manifestação conjunta sobre o corte de recursos para assistência social pelo Ministério da Cidadania. Brasília, 03 de março de 2020. Disponível em Disponível em http://congemas.org.br/Publicacao.aspx?id=115474 . Acesso em 08 de fevereiro de 2021.
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). Cortes dessa magnitude implicam a descontinuidade de programas e, é claro, têm impactos sobre a gestão de dados. A própria escolha do Governo Federal por um aplicativo para o cadastramento das famílias para o recebimento do auxílio emergencial sugere a inexistência de um conjunto de informações consolidadas para o planejamento e execução das políticas sociais.

Em que pesem o ajuste fiscal e a incúria na gestão de dados, e ainda, o contingente de trabalhadores em condições de precarização, deve-se acrescentar que há no governo Bolsonaro a negação da própria pandemia. A sequência de ações e omissões do governo federal, e do presidente, em particular, levaria pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo a concluir que, “mais do que a ausência de um enfoque de direitos, já constatada, o que nossa pesquisa revelou é a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República” (CONECTAS; CEPEDISA, 2021CONETAS - CONECTAS DIREITOS HUMANOS, CEPEDISA - Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário. Boletim Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil, São Paulo, janeiro de 2021. , p. 6).

Aí também reside a produção da fragilidade dos brasileiros que recorreriam ao auxílio emergencial para a surpresa do governo federal. Já foi assinalado que a intenção do governo era oferecer um auxílio menor em valor e por um menor prazo. A esquiva do governo federal de seus deveres constitucionais, como a proteção social, denota sua disposição a relegar à própria sorte o brasileiro precarizado e desassistido.

Nessa discrepância de números vemos a falta de articulação do governo, com a realidade da implementação rápida da política de ajuda emergencial ao cidadão. É fato que “serviços socioassistenciais apresentam importantes particularidades, devido, em grande medida, sua própria natureza política. Os serviços são poucos padronizáveis, altamente dependentes de recursos humanos e condições locais de implementação e adaptação” (BICHIR; SIMONI JR; PEREIRA, 2019, p.229) em situações normais no país, isso apenas torna-se um problema superlativo diante da necessidade de ações rápidas em contexto da pandemia. Porém, se tivéssemos utilizado dados para reconhecer o trabalhador informal, ou o micro empreendedor individual, ou ainda o autônomo ou o desempregado com recebimentos familiares inferiores a três salários mínimos, condições necessárias para recebimento do auxílio, poderíamos planejar melhor as ações de entrega dos pagamentos, minimizar as incertezas da população mais necessitada, não pressionar abruptamente os sistemas bancários públicos e, fundamental para o discurso economicista do governo, prever o tamanho dos custos nas contas públicas.

Promover e implantar políticas públicas passa por formulá-las a partir de dados consistentes e ter a real dimensão dessa perspectiva a partir deste momento em que saber quem são e como vivem os brasileiros se faz tão necessário. Esses “desconhecidos” ao Estado viviam nas franjas do mercado, mas em uma sociedade pandêmica, o mercado se esconde, a fragilidade se amplia e, aparentemente, o Estado se perde. E sabemos que “a vulnerabilidade social, tornada mais difícil pela vulnerabilidade material, é transformada negativamente pela vulnerabilidade institucional” (SPINK; BURGOS, 2019, p.118), ou seja, ao privarmos essas pessoas de serem conhecidas ou reconhecidas pelo Estado, também as privamos de cidadania.

A situação emergencial vivenciada hoje revelou drasticamente não apenas a ausência histórica de dados e informações sobre a condição de vida do próprio brasileiro como também a falta de articulação na promoção de políticas públicas de assistência social (LOTTA; OLIVEIRA, 2018LOTTA, G.; OLIVEIRA, V. (Ed.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília: Ipea/Enap, 2018.; LOTTA, 2019LOTTA, G (org.) Teorias e Análises sobre Implementação de Políticas Públicas no Brasil. Brasília: Editora ENAP, 2019, 324 p.; MOREIRA; CARVALHO, 2001MOREIRA, M. C. R.; CARVALHO, M..C. B. (Org.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUCSP, 2001.), pois sempre existiu uma

“grande fragmentação de programas, benefícios e serviços (...) além da ausência de um ordenamento institucional que conferisse organização nacional e capilaridade territorial. Em suma, a previsão de política articulada entre as esferas federativas não é um princípio suficiente para garantir sua efetivação” (BICHIR; SIMONI JR; PEREIRA, 2019, p.229).

Diante da negligência com os dados e da necessidade de oferecer o benefício, a alternativa inicial do Estado foi promover e divulgar amplamente nas mídias um aplicativo, via internet, disponível para o cadastramento do cidadão que tivesse direito ao auxílio emergencial e de posse de seu número de CPF e comprovante de residência. Com isso, teria sua solicitação analisada e o pagamento liberado em contas da Caixa Econômica, seja o cidadão já correntista ou através da movimentação do valor por uma conta-poupança criada exclusivamente para o depósito das parcelas. Essa exigência de se fazer presente para o recebimento do auxílio veio amplificar as desigualdades sociais e urbanas nas mais diversas condições.

Inicialmente a necessidade do CPF regularizado expõe uma parte da população brasileira sem acesso a nenhum registro formal, como o CPF, não existindo como cidadão legal e nem podendo cadastrar-se para programas de assistência social ou exercer a cidadania no período eleitoral. Nasceram nesta paisagem chamada Brasil, mas não vivem o território brasileiro em seus direitos mais básicos. Sem CPF, encontramos brasileiros impossibilitados do acesso ao auxílio emergencial, porém vale ressaltar que, em uma louvável tentativa para ampliar o acesso, a Receita Federal investiu na comunicação sobre a possibilidade do requerimento do documento via online, graças ao aumento das buscas recentes pelos registros formais. Ou seja, como impacto direto deste processo teremos mais brasileiros com cadastros formais após a pandemia.

Outro obstáculo para a redução da população desamparada na obtenção do auxílio emergencial encontra-se na necessidade de regularização do CPF por parte do trabalhador. Após uma breve disputa jurídica sobre a obrigatoriedade da regularização ou não no contexto da pandemia, o governo federal venceu e ter o registro regular é necessário para o cadastro prévio na Caixa Econômica Federal. Apesar da publicidade oficial do governo afirmar que a regularização é possível por meios online, a dificuldade de acessá-los mostrou uma massa desses trabalhadores aglomerando-se em filas nas cidades diante da Receita Federal e cartórios eleitorais atrás da solução de possíveis pendências no CPF, ampliando a exposição ao Corona vírus.

A necessidade de residência fixa (CEP formal) expõe um outro retrato cruel.. Inicialmente, ao deliberadamente excluir a população de rua do acesso ao direito do auxílio emergencial, também ignora as décadas de segregação socioespacial presente nas cidades brasileiras nas quais, através de processos agudos de exclusão e especulação imobiliária, da população urbana ocupou grandes áreas informais em movimentos de periferização ou favelização da vida urbana, processo típico de muitos países periféricos como o Brasil (DAVIS, 2006DAVIS, M. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006).

Nosso país possui cerca de 11,4 milhões de pessoas vivendo em aglomerados subnormais (IBGE, 2017IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. “Dia Nacional da Habitação: Brasil tem 11,4 milhões de pessoas vivendo em favelas”. 21 de Agosto de 2017. Disponível em < Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/15700-dados-do-censo-2010-mostram-11-4-milhoes-de-pessoas-vivendo-em-favelas > Acessado em 17 de Maio de 2020
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) sendo que São Paulo, com 1.715 ocupações registradas concentra o maior número dessas áreas no país, com mais de dois milhões de habitantes em áreas informais, ou seja, 11% da população da capital do estado. As regras da Caixa, ao delimitar um CPF por CEP para a obtenção do auxílio, ignorando a existência de moradias compartilhadas e com grande adensamento demográfico, impossibilita o acesso de todos ao direito emergencial.

Como nos alerta Ojima, “consideradas a expressão das mazelas do crescimento urbano não planejado e do aumento da pobreza urbana, as favelas aglutinam a população mais exposta a condições e situações de extrema vulnerabilidade social e ambiental” (OJIMA, 2007OJIMA, R. As cidades invisíveis: a favela como desafio para urbanização mundial. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, São Paulo , v. 24, n. 2, p. 345-347, Dec. 2007. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102 30982007000200013&lng=en&nrm=iso >. Accessado em 17 de Maio de 2020
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, p. 345) onde, estar nessas áreas, como nos mostra Alvarez, “o drama de não conseguir realizar o urbano (enquanto encontro, sociabilidade, diferença, centralidade)” pois “a exploração do trabalho e as políticas de Estado não garantem acesso à mobilidade, aos espaços públicos e coletivos de produção de sociabilidade e cultura e, especialmente, à moradia”. (2013ALVAREZ, I. P. “A Segregação como Conteúdo do Espaço Urbano”. Em VASCONCELOS, P. A.; CORRÊA, R. L.; PINTAUDI, S. M. (orgs) A Cidade Contemporânea: segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2013. , p. 111).

Tal segregação urbana produzida cotidianamente em uma clara afronta às perspectivas do “direito da cidade” e mostra sua faceta mais cruel no cenário de pandemia, quando a vulnerabilidade diária se transforma em tragédia com a exposição mais frequente das regiões mais periféricas de São Paulo, ao COVID-19. Como nos mostra Carlos (2020CARLOS, A. F. A. “As faces da desigualdade socioespacial iluminadas pela crise da COVID-19”. Revista Carta Maior, 18 de maio de 2020. Disponível em Disponível em https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/As-faces-da-desigualdade-socioespacial-iluminadas-pela-crise-da-COVID-19-/4/47528 . Acesso em 23 de junho de 2020.
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), acessando os dados do Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo10 10 Dados disponíveis em https://www.nossasaopaulo.org.br/2019/11/05/mapa-da-desigualdade-2019-e-lancado-em-sao-paulo/ , é na região mais periférica de São Paulo, em que “localizam-se os distritos de Sapopemba, Brasilândia, Cidade Tiradentes, São Mateus e Grajaú, onde ocorre o maior número de mortes [por COVID-19]. Nesses distritos localizam-se: a) o maior número de favelas existentes no município; b) as menores médias de idade ao morrer (Cidade Tiradentes, por exemplo, é onde se vive menos); c) as menores taxas de emprego formal (Cidade Tiradentes também está em último lugar); d) as maiores médias de tempo de espera de uma consulta na rede pública” (2020, p. 03). Dito de outra forma, é na região periférica onde encontramos os maiores indicadores da fragilidade social, portanto as principais áreas necessitando do auxílio emergencial, mas em muitos desses espaços, a ausência de registro legal e endereço fixo torna a inscrição na Caixa Econômica impossível, pois não são espaços considerados nos registros de imóveis.

A ausência de endereço formal, retrato marcado da cotidiana segregação urbana, ao impedir o acesso ao dinheiro necessário e de direito durante a pandemia, só escancara a assimetria a partir da COVID-19, revelando uma massa de trabalhadores que se inseriam na informalidade aceita pelo mercado no passado, que agora deviam ser vistos como cidadãos pelo Estado. A solução, mesmo que provisória e insuficiente para atender a todos, vem do incremento de redes de solidariedades, lideradas pelo Terceiro Setor que, através de diferentes estratégias, colaboram no cadastro dessas pessoas que são os que mais necessitam do auxílio.

Outro obstáculo para o acesso está no acesso ao celular e internet, pois para a solicitação do auxílio emergencial, o solicitante necessita de um celular conectado à internet para realizar o download do aplicativo da Caixa Econômica, fazer seu cadastro, receber uma mensagem de texto com senha e confirmação dos registros e por ali acompanhar o pedido em análise. Atividades aparentemente corriqueiras para maior parte da população brasileira, pois segundo o IBGE (2017)IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. “PNAD Contínua: acesso á internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal - 2017. Disponível em < Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101631_informativo.pdf > Acesso em 17 de Maio de 2020
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encontramos celulares em 93,2% dos domicílios brasileiros e internet disponibilizada em 74,9% das residências, sendo justamente o celular o equipamento mais utilizado para acessar as redes virtuais (98,7% dos usuários de internet acessariam as redes predominantemente via telefones móveis). Porém, seria justamente na camada excluída do acesso às redes que encontramos sua maior parte dos e a falta de acesso à internet torna-se um grande obstáculo para a obtenção do benefício. Quando analisamos que um dos critérios para o acesso ao auxílio emergencial é a renda familiar de até 3 salários mínimos, falamos dos estratos mais pobres da população e nessa camada D e E o acesso à internet está em apenas em 42% dos indivíduos (SILVA; ZIVIANI; GHEZZI, 2019SILVA, F A B; ZIVIANI, P.; GHEZZI, D R As Tecnologias Digitais e seus Usos. Texto para Discussão IPEA. Rio de Janeiro, IPEA, 2019, 56 p.).

O acesso à internet nos lembra constantemente o acesso à informação e dados como um direito produzido nas sociedades globalizadas, mas este mesmo acesso mantêm-se impregnado de contradições, pois “apresenta, de um lado, um potencial dinamizador e emancipador, mas, em outra medida, justamente pelo fato de que opera como um campo estruturado, fruto de uma produção técnica de oligopólio comandada por atores hegemônicos, reforça e reproduz exclusões e desigualdades” (SILVA; ZIVIANI; GHEZZI, 2019SILVA, F A B; ZIVIANI, P.; GHEZZI, D R As Tecnologias Digitais e seus Usos. Texto para Discussão IPEA. Rio de Janeiro, IPEA, 2019, 56 p., p. 11) e desse cenário nasce um paradoxo, pois grande parcela concentram-se nos estratos mais pobres, menos escolarizados e de menor acesso às redes virtuais, elementos necessários para o cadastramento ao auxílio emergencial, complexificando o acesso ao direito urgente em tempos de pandemia. Apenas a partir de 11 de maio que pedidos de auxílio emergencial foram recebidos presencialmente em agências dos Correios, mas sob o risco de incentivar aglomerações. Novamente ressaltamos nossa perspectiva de que disparidades cotidianas, como a falta de acesso à internet de grande parcela da população mais pobre do país torna-se um problema exacerbado pela pandemia, diante da necessidade do uso das redes para ter direito ao auxílio emergencial.

Em suma, essa realidade já existia pré pandemia, mas muitos deles a margem dos direitos; quando uma situação nova e desconcertante como o surgimento da COVID-19 evoca a necessidade de interagirem com a ação do Estado e não mais do mercado, causa espanto. Espanto que, se tivéssemos a intenção de conhecer efetivamente o país, políticas públicas poderiam ser pensadas para atender com celeridade os mais marginalizados , fortalecendo as políticas de isolamento social e garantindo a posse da renda necessária para atravessarmos essa crise de saúde pública sem precedentes na história recente. A ausência de dados e informações sobre sua população mais frágil , sobre os que realmente necessitam do auxílio nesses tempos difíceis, como já ressaltamos acima, seria a primeira estratégia para evitar o “susto” do Estado.

Porém, ao não conhecermos o país e seus cidadãos, o planejamento de políticas públicas além de lento, ignora obstáculos que ressaltam as desigualdades urbanas e sociais cotidianas, como a carência de documentos, de endereço formal, acesso às redes virtuais ou telefone móvel para realizar o pedido de auxílio para essa população mais necessitada

Essa pandemia apresentou, para o Estado e demais brasileiros, uma parcela significativa de seus habitantes, trabalhadores com os mais diferentes rostos dos mais diferentes lugares que, embora com diferentes faces, são igualmente carentes em direitos; diante da crise que vivemos se desnudam para exigir o auxílio emergencial e aparecem para nos lembrar também como ser visto é o primeiro passo para exercer aquilo que plenamente chamamos de cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS OU “COMO PENSAR O CENÁRIO PÓS COVID-19”

Certamente esses tempos nos marcarão profundamente. Somos uma geração sublinhada por uma pandemia e isso nos provoca incertezas e múltiplas inquietações, mas nessa situação lancinante talvez tenhamos uma oportunidade histórica de repensar os limites da civilidade urbana no campo específico e da convivência humana num aspecto mais geral.

A COVID-19 se caracterizou como um fenômeno de disseminação urbana em um cenário de um mundo globalizado no qual os acelerados fluxos de deslocamento humano incentivaram o rápido avanço da doença pelo planeta. De centro propulsor da doença, precisamos estruturar as cidades como áreas de proteção contra novas situações similares daqui em diante. Isso passa por um enfrentamento franco e pungente contra as desigualdades que assolam as áreas urbanas e que, anteriormente à pandemia, eram vistos por muitos como processos “naturalizados” do viver nas cidades. Se são as áreas mais pobres, nas regiões mais periféricas, as mais suscetíveis ao vírus no Brasil, uma medida de saúde pública e proteção deve ser a promoção de políticas que minimizem a segregação sócio espacial e ofereçam o direito de viver na cidade com infraestrutura básica, muitas já garantidas pelo artigo 6º da Constituição Federal11 11 “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL: 1988) . Dito de outra forma, o cenário pós pandemia precisa ser pensado em como garantir cidadania para a população e também seus direitos como uma medida de prevenção às novas situações extremas. Trata-se de utilizar o contexto da pandemia para debater a promoção de direitos básicos ao cidadão e construir cidades mais democráticas, portanto muito mais resilientes e seguras, dentro de um cenário de reflexão sobre o “Direito à Cidade”.

Neste artigo, trabalhamos diretamente a situações dos excluídos divulgados, de forma aparentemente surpreendente, pelo Governo Federal por ocasião da disponibilização do auxílio emergencial garantido pela Lei 13.982/20, como medida de mitigação dos impactos econômicos da COVID-19 no Brasil e da garantia de sustento básico e sobrevivência às famílias de baixa renda nesse cenário de grave crise econômica. Buscamos mostrar que essa “surpresa” vem da construção de uma massa de informais e terceirizados por conta de reformas políticas recentes que desfavoreceram a formalização no trabalho e a promoção de seguridade social; vimos também que, nesse cenário de pandemia, houve a ampliação da vulnerabilidade desses grupos e a necessidade da ação do Estado diante do comedimento dos setores associados ao mercado na crise. Buscamos também compreender como mobilizavam o mercado ao seu modo antes da pandemia e que, impossibilitados do trabalho, na busca pelo auxílio emergencial, encontraram vários impedimentos. Tratamos aqui de alguns entraves como (a) as dificuldades de reconhecimento documental, (b) a ausência de endereço registrado, (c) a desigualdade do acesso à internet ou celular para o cadastramento e (d) a carência de dados públicos sobre o cidadão. Ou seja, praticamente todos os impedimentos para o acesso do benefício urgente são reflexos de desigualdades ou carências anteriores à pandemia. Dito de outra forma, lidar com essa população tornou-se uma necessidade urgente que, com dados mais corretos e melhor justiça social, independentemente da COVID-19, poderíamos ter lidado de forma mais segura e adequada numa situação de emergência como a que estamos vivendo.

Acreditamos que se trata agora de formarmos um compromisso necessário na luta pelo reconhecimento desses “sujeitos visíveis de direitos”, sendo esta, uma medida de humanidade e saúde pública para melhorar a convivência nas cidades e torná-las ambientes seguros para possíveis novas crises. Cidades resilientes às novas crises são também cidades mais cidadãs.

Pensar na justiça social nos leva a repensar o papel do Governo como promotor de políticas para minimizar impactos sociais e como agente incentivador de novos modelos de desenvolvimento, necessariamente mais sustentáveis. A COVID-19 nos mostrou que nenhum Estado contemporâneo está preparado para a complexidade de pandemias, mas todos, a partir de agora, precisam rever protocolos, riscos e análises e perceber que tal organização faz-se necessária após o simbólico ano de 2020. Tal organização, em nosso entender, deveria ser estruturado mesmo antes da pandemia em questão, pois ter uma base de dados completa e coerente facilitaria a criação de políticas públicas emergenciais na possibilidade de novas pandemias, por parte do Estado. Em vez de nos surpreendermos com a quantidade, saberíamos desde o início o valor necessário para o auxílio emergencial, seu impacto futuro e como chegar a esse segmento, evitando constrangimentos e grandes aglomerações nas portas dos bancos, Receita Federal e Correios. Julgamos, portanto, necessário e fundamental, para promoção rápida e eficaz de políticas públicas, um investimento extremamente eficaz para fortalecer a base de dados e a integração e conexão daqueles que já existentes, incentivar e promover pesquisas públicas, seja nas Universidades ou nos Centros de Pesquisa do Estado, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, dados confiáveis, intercambiáveis e compartilhados para fins de planejamento de ações do Estado são instrumentos que colaboram para respostas ágeis e efetivas diante de cenários surpreendentes como criados por uma pandemia.

Outro aspecto que julgamos importante analisar é os benefícios que podemos ter e que, anteriormente à pandemia, existiam de forma marginal no mercado de trabalho e eram desconhecidos de setores do Estado. A surpresa do governo com o número elevado dos “invisíveis” foi o mote para a produção deste trabalho, de onde derivaram as análises que fizemos até aqui; julgamos pertinente, à guisa de conclusão, promover uma reflexão com um cenário pós pandemia para essa camada importante da população. A criação do auxílio emergencial fez com que muitos brasileiros, antes precarizados no mercado, se vissem obrigados a buscar o Estado atrás do direito aos R$600,00 para manter as condições de sobrevivência diante do cenário de isolamento social e perda de rendimentos mensais. Dito de outra forma, precisaram “surgir” como cidadãos requerentes de direitos, e julgamos que, em um cenário pós COVID-19, deveríamos fortalecer as relações desses com sua condição de acesso aos direitos nas cidades. Viver nas áreas mais segregadas e geralmente sem serviços urbanos básicos era a realidade de muitos dos que não tinham acesso ao Estado que agora, diante da necessidade do auxílio emergencial, passam a ter o mínimo contato.

Fortalecer as noções de “Direito da Cidade” e seus direitos sociais urbanos pós pandemia parece-nos uma alternativa positiva, revigorando organizações do terceiro setor e demais organizações comunitárias, que sempre existiram nas áreas mais carentes mas tornaram-se fundamentais na prevenção da doença e no acesso aos direitos nos tempos de COVID-19. Que um mundo pós pandemia favoreça dos direitos àqueles que, antes desses dias, eram “desconhecidos” ao Estado, embora contribuíssem, com seus impostos e trabalhos, para que o Estado exista.

Também nesse cenário, vislumbrando uma possível recuperação lenta da economia brasileira, entendemos o auxílio emergencial como uma política pública fundamental também após a pandemia e também como propulsor para pensarmos modelos inovadores de políticas sociais mais amplas ou melhorarmos propostas já existentes, como o Bolsa Família. O auxílio não apenas apresenta-se como garantia de renda para a população mais pobre das áreas com menos acessos aos direitos sociais, mas também pode significar um incremento de capital nos mais diferentes setores econômicos. Cada família com acesso aos R$600,00 mostra-se um grupo consumidor potencial, introduzindo esse capital nos mercados locais, promovendo o consumo de alimentos básicos e o pagamento das contas públicas.

Essa situação extrema que enfrentamos vem inclusive produzindo debates profícuos sobre ampliação de programas sociais e sobre a renda básica universal nos Brasil e no mundo por diversos autores (DE BOLLE, 2020DE BOLLE, M A Basic Income Scheme for the Developing World” Financial Times, Londres, 18 de Maio de 2020. Disponível em < Disponível em https://www.ft.com/content/08eb9a10-98fa-11ea-871b-edeb99a20c6e > Acessado em 26 de Maio de 2020
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; PÊSSOA, 2020PÊSSOA, S. Renda Básica. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 de Maio de 2020. Disponível em < Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2020/05/renda-basica.shtml > Acessado em 26 de Maio de 2020.
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), ampliando o debate sobre como programas de renda social, universal ou não, podem ser propulsores de desenvolvimento econômico e tornam-se investimentos e não exclusivamente gastos para o Estado. Costa e Freire (2020COSTA, E. de F. & FREIRE, M. A. dos S. Estudo de Avaliação do Programa de Auxílio Emergencial: uma análise sobre focalização e eficácia a nível municipal. Anais do 48º Encontro Nacional de Economia, formato online, 2020) apresentam os benefícios do auxílio emergencial para a economia brasileira no último semestre de 2020 em quem, ainda em plena pandemia, o PIB industrial apresentou crescimento de 14,8% em relação ao trimestre anterior e o setor de serviços cresceu 6,3% neste mesmo período. Além disso, foi fundamental para regiões como o Nordeste onde seus estados receberam um volume de recursos superior ao dobro do peso nacional. Outras pesquisas como encontradas em Sanches, Cardomingo e Carvalho nos mostram a importância do auxílio emergencial e seu poder multiplicador fiscal para minimizar os efeitos negativos da pandemia sobre o PIB nacional e estimam que, sem a existência do auxílio “o nível do PIB brasileiro teria caído entre 8,4% e 14,8% em relação a 2019 (queda condizente com previsões feitas no início da pandemia), em vez de algo próximo a 4,32%, que é a mediana atual das projeções incluídas previsão no Boletim Focus do Banco Central” (2021SANCHES, M; CARDOMINGO, M & CARVALHO, L Quão Mais Fundo Poderia Ter Sido Esse Poço? Analisando o efeito estabilizador do auxílio emergencial em 2020. Nota de Política Econômica n.007. Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades MADE/USP, 2021. , p. 2). Longe de fecharmos esta discussão, algo que nem é objetivo deste trabalho, apenas fazemos a alusão da necessidade de pensarmos na inclusão após a pandemia, pois esses serão os mais prejudicados economicamente.

Até o presente momento de escrita deste artigo, o governo federal, em prol de uma suposta estabilidade fiscal, apresenta-se relutante com a recriação do auxílio emergencial aos moldes do modelo de 2020, efetivando uma proposta de pagamento entre R$150,00 até R$ 375,00 por mês durante três meses que, diante da lentidão da retomada econômica e do processo de vacinação, foram prorrogados para mais três meses até outubro de 2021. Porém, a pressão vem crescendo a partir de outros poderes da República, como o Legislativo, também de setores do empresariado, preocupados com a estagnação econômica, e de movimentos da sociedade civil, cientes das carências das áreas mais pobres e suscetíveis à doença, podendo significar a busca pela criação de alguma alternativa emergencial e necessária para prover renda mínima para a população ainda tão carentes de programas efetivos de inclusão de emprego, renda e direitos.

Em suma, a tragédia da pandemia precisa ser compreendida com serenidade. Por conta dessa situação trágica, o Brasil se viu de frente com seus excluídos que já estavam cotidianamente nas cidades e, talvez pela primeira vez, teve que encará-los. Falta-nos pensar no que faremos com esses milhões de brasileiros privados historicamente de cidadania efetiva e isso nos oferece duas opções: podemos inseri-los num contexto mais cidadão, com direitos e maior proteção em um novo cenário extremo ou simplesmente ignorá-los como aparentemente já acontecia há séculos para daí, em uma nova situação extrema, nos surpreendermos novamente quando esses cidadãos marginalizados vierem à tona.

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    » https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-sobre-uber/
  • 1
    “Seria excelente para o país se nós conseguíssemos aprovar uma reforma da Previdência e a independência do Banco Central. Seria ótimo. Já entraríamos com a perspectiva de a economia crescer de 3% a 3,5%, e teríamos tempo para trabalhar as reformas estruturantes”, Paulo Guedes, em reunião com o então ministro da Fazenda do governo Temer, Eduardo Guardia, durante a transição para o governo Bolsonaro. Temóteo, A., Reforma e BC independente levariam país a crescer até 3,5% em 2019. Portal UOL, Brasilília, 2018. Disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/11/06/reforma-da-previdencia-paulo-guedes-crescimento-pib.htm?cmpid=copiaecola , acesso em 07 de fevereiro de 2021.
  • 2
    Ainda em 2020, o prazo foi prorrogado por mais 3 meses com o mesmo valor de R$600,00 e, posteriormente, por mais 4 meses reduzindo a metade do valor do benefício (BRASIL, 2020cBRASIL. Medida Provisória n. 1 000 de 02 de Setembro de 2020c. Institui o auxílio emergencial residual a ser pago em até quatro parcelas mensais no valor de R$ 300,00. Disponível em <Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.000-de-2-de-setembro-de-2020-275657334 >. Acesso em 05 de fevereiro de 2021.
    https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medid...
    ). Para receber o benefício, o cidadão precisava ser maior de 18 anos de idade, não ser beneficiário de nenhum programa social ou previdenciário do governo, exceto Bolsa Família, além de não possuir emprego formal ou estar desempregado. Acrescentava-se ainda o critério de não possuir renda familiar per capita e mensal de R$522,50 (meio salário mínimo) ou renda familiar total até três salários mínimos (R$3.135,00) e não ter recebido rendimentos tributáveis acima do valor de R$28.559,70 no ano de 2018.
  • 3
    Todos os dados oficiais sobre o Auxílio emergencial podem ser acessados no https://auxilio.caixa.gov.br/
  • 4
    Em 2013, mais de ¼ dos trabalhadores formais eram terceirizados.
  • 5
    Lei aprovada em 13 de julho de 2017 com diversas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
  • 6
    Em 1º de Abril de 2020 foi anunciada e Medida Provisória 936/20 com uma série de ações voltada para o empregado e empregador do setor formal que vão desde suspensão de contrato de trabalho até redução de salário e jornada proporcionais (BRASIL, 2020bBRASIL. Medida Provisória n. 936 de 01 de Abril de 2020b Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Disponível em Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm acessado em 16 de Maio de 2020
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    )
  • 7
    Considerando o mês de Março e primeira quinzena de Abril, o país teve 804 mil pessoas solicitando Seguro-Desemprego segundo dados disponíveis em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/ 2020/04/28/internas_economia,849195/covid-19-mais-de-804-mil-pessoas-precisaram-recorrer-ao-seguro-desemp.shtml acessado em 18 de maio de 2020.
  • 8
    Disponível em https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus acessado em 16 de maio de 2020.
  • 9
    Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2020/03/governo-cria-voucher-de-r-200-para-autonomos-e-pode-fechar-fronteiras-do-brasil-com-outros-paises acessado em 16 de maio de 2020
  • 10
    Dados disponíveis em https://www.nossasaopaulo.org.br/2019/11/05/mapa-da-desigualdade-2019-e-lancado-em-sao-paulo/
  • 11
    “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL: 1988BRASIL [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília: Edições Câmara.)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2020
  • Aceito
    20 Jul 2021
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