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Doenças com período de incubação variável em função da fenologia do hospedeiro

Diseases with a variable incubation period as a function of the host phenology

Resumos

Um período de incubação de cinco dias significa, no contexto da epidemiologia de doenças de plantas, que as infecções que deram origem aos sintomas visualizados no tempo t ocorreram no tempo t-5. Há um grupo de doenças, no entanto, que se comporta de modo diferente, isto é, o momento da infecção não pode ser inferido a partir da visualização dos sintomas. Esse grupo de doenças pode ser dividido, para fins didáticos, em função do órgão da planta que exibe os sintomas: (i) brotações jovens; (ii) perfilhos jovens; (iii) frutos recém-amadurecidos. Nesses três subgrupos, a expressão dos sintomas é função do estádio fenológico do órgão afetado e tem pouca relação com o momento da infecção. Para essas doenças, maior ênfase é recomendada para estudos que visem a identificação da época mais provável de ocorrência da infecção, em detrimento do simples acompanhamento da expressão dos sintomas. Exemplos são apresentados para cada subgrupo e o modelo de crescimento monomolecular é sugerido como o que melhor descreve o progresso da doença em função do tempo para o grupo como um todo.

Xylella fastidiosa; Guignardia citricarpa; Ustilago scitaminea


In botanical epidemiology, an incubation period of five days means that infections originating symptoms that can be visualized at time t have occurred at time t-5. Since not all diseases follow this rule, their time of infection cannot be derived from the time of symptom appearance. These diseases are grouped according to the plant organ in which symptoms appear: (i) young flushes/shoots; (ii) young tillers; (iii) fully developed fruits. In all these subgroups symptom expression is a function of the phenological stage of the plant organ and has little relation to the time of infection. For these diseases, studies to determine the infection period should be emphasized, rather than the trivial monitoring of disease expression. Examples are given for each subgroup and the monomolecular growth is proposed as the best model to describe the disease progress curve for the whole group.


CARTA AO EDITOR / LETTER TO THE EDITOR

DOENÇAS COM PERÍODO DE INCUBAÇÃO VARIÁVEL EM FUNÇÃO DA FENOLOGIA DO HOSPEDEIRO

ARMANDO BERGAMIN FILHO & LILIAN AMORIM

Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola, ESALQ-USP, CEP 13418-900, Piracicaba, SP, e-mail: abergami@carpa.ciagri.usp.br

(Aceito para publicação em 26/09/2002)

Autor para correspondência: Armando Bergamin Filho

RESUMO

Um período de incubação de cinco dias significa, no contexto da epidemiologia de doenças de plantas, que as infecções que deram origem aos sintomas visualizados no tempo t ocorreram no tempo t-5. Há um grupo de doenças, no entanto, que se comporta de modo diferente, isto é, o momento da infecção não pode ser inferido a partir da visualização dos sintomas. Esse grupo de doenças pode ser dividido, para fins didáticos, em função do órgão da planta que exibe os sintomas: (i) brotações jovens; (ii) perfilhos jovens; (iii) frutos recém-amadurecidos. Nesses três subgrupos, a expressão dos sintomas é função do estádio fenológico do órgão afetado e tem pouca relação com o momento da infecção. Para essas doenças, maior ênfase é recomendada para estudos que visem a identificação da época mais provável de ocorrência da infecção, em detrimento do simples acompanhamento da expressão dos sintomas. Exemplos são apresentados para cada subgrupo e o modelo de crescimento monomolecular é sugerido como o que melhor descreve o progresso da doença em função do tempo para o grupo como um todo.

Palavras-chave adicionais:Xylella fastidiosa, Guignardia citricarpa, Ustilago scitaminea.

ABSTRACT

Diseases with a variable incubation period as a function of the host phenology

In botanical epidemiology, an incubation period of five days means that infections originating symptoms that can be visualized at time t have occurred at time t-5. Since not all diseases follow this rule, their time of infection cannot be derived from the time of symptom appearance. These diseases are grouped according to the plant organ in which symptoms appear: (i) young flushes/shoots; (ii) young tillers; (iii) fully developed fruits. In all these subgroups symptom expression is a function of the phenological stage of the plant organ and has little relation to the time of infection. For these diseases, studies to determine the infection period should be emphasized, rather than the trivial monitoring of disease expression. Examples are given for each subgroup and the monomolecular growth is proposed as the best model to describe the disease progress curve for the whole group.

Período de incubação é o tempo compreendido entre a deposição do patógeno sobre o hospedeiro e o aparecimento do sintoma (Vanderplank, 1963; Rapilly, 1991; Bergamin Filho & Amorim, 1996; Kranz, 1996). Sintoma, nesse contexto, refere-se à exteriorização da doença observável a olho nu. Em epidemiologia, a importância do período de incubação deve-se ao fato de a quantificação da doença basear-se, via de regra, em sintomas visíveis. Um período de incubação de cinco dias significa, para condições de ambiente, hospedeiro e patógeno constantes, que as infecções que originaram os sintomas exteriorizados no tempo t ocorreram no tempo t-5. Assim, a curva total de doença – que inclui a doença visível (lesões mais velhas que o período de incubação) e a doença invisível (lesões mais novas que o período de incubação) – e a curva de doença visível são paralelas e defasadas no tempo por um período de incubação, o que implica em mesmas taxas de progresso (Figura 1).


Há doenças, no entanto, que se comportam de modo diferente, isto é, o momento da infecção não pode ser inferido a partir da visualização dos sintomas. Nessas doenças, a expressão dos sintomas é função principal do estádio fenológico do órgão afetado e tem pouca relação com o momento da infecção. Para fins didáticos, essas doenças podem ser agrupadas em função do órgão da planta que exibe os sintomas: (i) brotações jovens; (ii) perfilhos jovens; (iii) frutos recém-amadurecidos.

A clorose variegada dos citros (Citrus spp.) (CVC), causada pela bactéria Xylella fastidiosa Wells et al., é um exemplo típico do primeiro subgrupo (brotações jovens). A Figura 2 mostra o crescimento temporal da doença e o lançamento de novas brotações na região central do Estado de São Paulo. O período de incubação da CVC não é conhecido com exatidão, havendo sugestões na literatura de um mínimo de seis meses até um máximo de 14 meses (Lopes et al., 1996). As maiores taxas de progresso da doença ocorrem na primavera e no verão (Laranjeira, 1997; 2002; Laranjeira et al., 2000), o que coincide com uma maior brotação das plantas cítricas (Tubelis, 1995; Laranjeira, 2002). Taxas de progresso próximas de zero ocorrem no outono e no inverno (Laranjeira, 1997; 2002), épocas de pouco crescimento vegetativo do hospedeiro (Tubelis, 1995; Laranjeira, 2002). Esses fatos, no entanto, nada dizem quanto ao período de maior infecção. Só é conhecido, até agora, que a primavera e o verão são as épocas de maior expressão dos sintomas. A maior expressão dos sintomas está associada, principalmente, à maior brotação das plantas cítricas que ocorre nessa mesma época (Figura 2). Quanto às infecções, estas podem ocorrer em qualquer tempo entre seis e 14 meses antes da expressão dos sintomas. A má-formação da mangueira (Mangifera indica L.), causada pelo fungo Fusarium subglutinans [(Wollenweb. & Reinking) Nelson, Toussoun & Marasas], é outro exemplo deste subgrupo (Noriega-Cantú et al., 1999).



O carvão da cana-de-açúcar (Saccharum spp.), causado pelo fungo Ustilago scitaminea Sydow, é um exemplo típico do segundo subgrupo (perfilhos jovens). A Figura 3 mostra o crescimento temporal da doença e a curva de perfilhamento da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. O período de incubação do carvão em condições naturais também não é conhecido com exatidão uma vez que, como no caso da CVC, a expressão dos sintomas está mais relacionada com a época de maior perfilhamento do hospedeiro (Figura 3) e guarda pouca relação com a época da infecção. Esta, na realidade, pode ocorrer durante um período de vários meses antes do perfilhamento e da expressão dos sintomas (Amorim & Bergamin Filho, 1991; Amorim et al., 1993).



Doenças cujos sintomas se manifestam quando do amadurecimento dos frutos (ou de órgãos reprodutivos em geral) exemplificam o terceiro subgrupo (frutos recém-amadurecidos). A pinta preta dos citros causada por Guignardia citricarpa Kiely, a podridão parda do pessegueiro [Prunus persicae (L.) Batsch] causada por Monilinia fructicola (Wint) Honey e diversas antracnoses de fruteiras tropicais causadas por Colletotrichum gloeosporioides (Penz) Sacc., entre outras, apresentam grande importância econômica. Um aspecto comum a todas essas doenças é a chamada infecção latente, que permanece invisível por vários meses (Verhoeff, 1974; Prusky & Plumbley, 1992). A pinta preta dos citros (Figura 4), por exemplo, expressa seus sintomas principalmente nos frutos maduros, muitas vezes após a colheita, durante o armazenamento e o transporte (Feichtenberger, 1996), mas as infecções que deram origem aos sintomas podem ter ocorrido em qualquer época desde a queda das pétalas até quatro ou cinco meses depois (Kotzé, 1981; Baldassari, 2001). O conhecimento da época de infecção, neste e nos outros casos, tem evidente valor heurístico para a definição da melhor estratégia de manejo.



As curvas temporais típicas para qualquer dos três subgrupos citados, postula-se aqui, devem seguir o crescimento monomolecular, independentemente de as doenças consideradas serem policíclicas (a CVC, por exemplo) ou monocíclicas (o carvão da cana-de-açúcar e a pinta preta dos citros, por exemplo) (Figuras 2A, 3A-C e 4A). A origem do inóculo – se externa e constante durante a estação de crescimento do hospedeiro (doenças monocíclicas) ou se proveniente de ciclos recorrentes de infecção durante a estação de crescimento do hospedeiro (doenças policíclicas) – tem pouca relevância para a dinâmica temporal da doença. Portanto, a dinâmica temporal da doença depende, basicamente, das infecções ocorridas no período de crescimento do hospedeiro anterior à brotação, ou ao perfilhamento, ou ao amadurecimento do fruto, conforme o subgrupo considerado. O total dessas infecções passadas é equivalente ao inóculo de uma doença monocíclica presente no solo e pode ser considerada constante em cada situação. O crescimento monomolecular é descrito pela equação diferencial:

onde y é a proporção de doença. Assim, o aumento da doença é função somente da proporção de plantas sadias (1-y) e de um fator de proporcionalidade rM, que é a taxa de crescimento da doença. Para um nível baixo de doença [(1-y) 1], o lado direito da Equação 1 é quase constante ( rM), ou seja, a doença aumenta linearmente no início da epidemia. Com valores maiores de y a taxa absoluta de crescimento dy/dt diminui, tendendo a zero quando y está próximo do nível máximo de doença 1 (Figura 1-4). Por integração, a Equação 1 pode ser resolvida analiticamente, assumindo-se a condição inicial y(t=0) = y0:

Para alguns patossistemas, o nível assintótico de doença pode não estar restrito ao valor 1. Nesses casos introduz-se o termo K, definido como o máximo nível de doença ou capacidade de suporte, o que leva a uma equação diferencial generalizada para o crescimento monomolecular:

Para a condição inicial y(t=0) = y0, a dinâmica da doença descrita pela Equação 3 é dada por:

Para este grupo de doenças como um todo, estudos que visem a identificação da época mais provável para a ocorrência da infecção devem ser priorizados, em detrimento do simples acompanhamento da expressão dos sintomas, prática esta comum para as doenças que não pertencem ao grupo. Essa tarefa, porém, nem sempre é fácil. Para a CVC, por exemplo, os estudos devem contemplar a caracterização fenológica de diferentes variedades em diferentes regiões (Laranjeira, 2002), aliada ao monitoramento da dinâmica populacional dos vetores (Pereira, 2000) e à caracterização de condições predisponentes para a infecção (Pereira, 2000). Técnicas serológicas e moleculares para identificar plantas doentes imediatamente após a infecção também têm papel relevante na elucidação da estrutura e do comportamento desse tipo de patossistema (Pereira, 2000; Laranjeira, 2002).

Pesquisas com essa abordagem, sem dúvida, oferecem grandes oportunidades de avanço acadêmico e aplicado, especialmente no que concerne à elaboração de sistemas de manejo, ainda não disponíveis para diversas das doenças mencionadas, como a CVC, a pinta preta dos citros e a antracnose de fruteiras tropicais. Para essas doenças, a filosofia que preconiza a aplicação de medidas de controle a partir de um nível crítico de incidência ou severidade (Zadoks & Schein, 1979) certamente não é adequada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à pesquisadora Daniela Biaggioni Lopes, da Embrapa/Semi-Árido, pela leitura crítica do manuscrito e pela sugestão de exemplos

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Mar 2003
  • Data do Fascículo
    Nov 2002
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