Resumos
OBJETIVO: Descrever o consumo de alimentos de risco e proteção para doenças cardiovasculares segundo escolaridade e renda familiar entre funcionários públicos. MÉTODOS: Realizou-se inquérito epidemiológico entre funcionários de sedes de secretarias estaduais do município de São Paulo, ambos os sexos, acima de 18 anos por meio de amostra aleatória (n=1 271) representativa do total de 4 665. Foram obtidas informações socioeconômicas, de estilo de vida e consumo alimentar, bem como morbidades referidas. O consumo alimentar foi avaliado por meio do questionário de freqüência alimentar. RESULTADOS: Verificou-se a presença dos fatores de risco: sedentarismo (88%), sobrepeso/obesidade (36%), tabagismo (27%) e doenças do aparelho circulatório (30%). A média do consumo de alimentos de risco - ricos em gorduras saturadas, sódio e açúcares - foi estatisticamente maior entre os indivíduos de escolaridade fundamental e de renda familiar até três salários mínimos. Quanto aos alimentos protetores - fontes de fibra dietética, vitaminas, minerais, ácidos graxos insaturados e monoinsaturados, e fitoquímicos - a média de consumo foi estatisticamente maior entre os funcionários de escolaridade superior e renda superior a seis salários mínimos. CONCLUSÃO: Entre os indivíduos com nível de escolaridade fundamental e menor renda familiar há predominância de consumo de alimentos de risco para doenças cardiovasculares, além de outros fatores de risco associados. Os programas de intervenção devem priorizar tal segmento da população.
alimentos de risco e proteção; funcionários públicos; fatores de risco cardiovascular
OBJECTIVE: The aim of this study is to describe the consumption of protective and promotive foods in cardiovascular diseases among public employees according to level of education and family income. METHODS: An epidemiologic investigation was carried out with public employees of state offices in São Paulo city, both sexes and aged up 18th on utilizing random sampling weighted (n=1 271) select from a total of 4 665 persons. Information about socioeconomic characteristics, lifestyle and the food consumption, as well as referred to morbidity was obtained. Food frequency questionnaire was used to collect information about food habits. RESULTS: Risk factors such as sedentary lifestyle (88%), overweight/obesity (36%), smoking status (27%) and cardiovascular diseases (30%) were verified. The mean consumption of foods that promote cardiovascular diseases, that is, saturated fatty acids, sodium and sugars, was statistically higher among individuals with a low level of education (elementary school) and a family income of up to 3 minimum wages. The mean consumption of protective foods, such as dietary fiber, vitamins, minerals, polyunsaturated and monounsaturated fatty acids and phytochemicals was statistically higher among those with higher education (college degree) and a family income of more than 6 minimum wages. CONCLUSION: Individuals with a low level of education (elementary school) and a family income of up to 3 minimum wages consume more foods that promote cardiovascular diseases. They also presented other associated risk factors more frequently. Intervention programs must prioritize this segment of the population.
food consumption; public employees; cardiovascular risk factor; protecting foods
ORIGINAL ORIGINAL
Consumo de alimentos de risco e proteção para doenças cardiovasculares entre funcionários públicos1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de A.I.C. NEUMANN, intitulada "Consumo de alimentos de risco e proteção para doenças cardiovasculares entre funcionários públicos estaduais do Município de São Paulo". Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2000.
Consumption of protective and promotive foods in cardiovascular diseases among public employees
Africa Isabel de la Cruz Perez NeumannI, II,2 2 Correspondência para/ Correspondence to: A.I.C.P. NEUMANN. E-mail: < neuman@osite.com.br>. ; Mirian Matsura ShirassuII, III; Regina Mara FisbergIII
IDepartamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo, 351, 6º andar, Sala 609, 01246-901, São Paulo, SP, Brasil
IIDivisão de Doenças Crônicas Não Transmissíveis, Centro de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil
IIIServiço de Medicina Social, Núcleo de Vigilância Epidemiológica, Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual. São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: Descrever o consumo de alimentos de risco e proteção para doenças cardiovasculares segundo escolaridade e renda familiar entre funcionários públicos.
MÉTODOS: Realizou-se inquérito epidemiológico entre funcionários de sedes de secretarias estaduais do município de São Paulo, ambos os sexos, acima de 18 anos por meio de amostra aleatória (n=1 271) representativa do total de 4 665. Foram obtidas informações socioeconômicas, de estilo de vida e consumo alimentar, bem como morbidades referidas. O consumo alimentar foi avaliado por meio do questionário de freqüência alimentar.
RESULTADOS: Verificou-se a presença dos fatores de risco: sedentarismo (88%), sobrepeso/obesidade (36%), tabagismo (27%) e doenças do aparelho circulatório (30%). A média do consumo de alimentos de risco - ricos em gorduras saturadas, sódio e açúcares - foi estatisticamente maior entre os indivíduos de escolaridade fundamental e de renda familiar até três salários mínimos. Quanto aos alimentos protetores - fontes de fibra dietética, vitaminas, minerais, ácidos graxos insaturados e monoinsaturados, e fitoquímicos - a média de consumo foi estatisticamente maior entre os funcionários de escolaridade superior e renda superior a seis salários mínimos.
CONCLUSÃO: Entre os indivíduos com nível de escolaridade fundamental e menor renda familiar há predominância de consumo de alimentos de risco para doenças cardiovasculares, além de outros fatores de risco associados. Os programas de intervenção devem priorizar tal segmento da população.
Termos de indexação: alimentos de risco e proteção; funcionários públicos; fatores de risco cardiovascular.
ABSTRACT
OBJECTIVE: The aim of this study is to describe the consumption of protective and promotive foods in cardiovascular diseases among public employees according to level of education and family income.
METHODS: An epidemiologic investigation was carried out with public employees of state offices in São Paulo city, both sexes and aged up 18th on utilizing random sampling weighted (n=1 271) select from a total of 4 665 persons. Information about socioeconomic characteristics, lifestyle and the food consumption, as well as referred to morbidity was obtained. Food frequency questionnaire was used to collect information about food habits.
RESULTS: Risk factors such as sedentary lifestyle (88%), overweight/obesity (36%), smoking status (27%) and cardiovascular diseases (30%) were verified. The mean consumption of foods that promote cardiovascular diseases, that is, saturated fatty acids, sodium and sugars, was statistically higher among individuals with a low level of education (elementary school) and a family income of up to 3 minimum wages. The mean consumption of protective foods, such as dietary fiber, vitamins, minerals, polyunsaturated and monounsaturated fatty acids and phytochemicals was statistically higher among those with higher education (college degree) and a family income of more than 6 minimum wages.
CONCLUSION: Individuals with a low level of education (elementary school) and a family income of up to 3 minimum wages consume more foods that promote cardiovascular diseases. They also presented other associated risk factors more frequently. Intervention programs must prioritize this segment of the population.
Indexing terms: food consumption; public employees; cardiovascular risk factor, protecting foods.
INTRODUÇÃO
Doenças do aparelho circulatório no município de São Paulo, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde1, referentes ao ano de 1998, foram responsáveis por 21.044 das 62.895 mortes, ou seja, 33,5%. Destas, 10.717 eram do sexo masculino (50,9%) e 10.327 do sexo feminino (49,1%).
Atualmente, admite-se que as condições e a exposição aos fatores de risco (sedentarismo, sobrepeso/obesidade, tabagismo e doenças do aparelho circulatório) cuja associação às doenças cardiovasculares (DCV) está suficientemente demonstrada (elevação dos lipídios séricos e suas frações, da glicose e insulina sangüínea, da pressão arterial, os fatores trombogênicos, a obesidade, o tabagismo e a inatividade física, entre outros) - tenham um efeito não apenas aditivo, mas potencializador entre si2. Os atributos biológicos, como idade e sexo, não podem ser modificados, porém, outros fatores de risco genéticos que tampouco são modificáveis têm uma interação com o ambiente2.
Nos últimos 30 anos, a atenção tem-se voltado cada vez mais sobre a relação da nutrição com as doenças cardiovasculares. Inúmeros estudos epidemiológicos realizados nas últimas décadas têm demonstrado a estreita relação entre a causalidade de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e fatores dietéticos3.
As principais mudanças detectadas no padrão alimentar ao longo de três décadas foram: aumento contínuo e intensificação do consumo relativo de carnes, leites e derivados (exceto manteiga) e declínio no consumo de ovos; ascensão do consumo de açúcar refinado e refrigerante; redução do consumo de leguminosas, raízes e tubérculos; diminuição da participação relativa de carboidratos complexos na dieta; substituição da banha, toucinho e manteiga por óleos vegetais e margarina4.
Considerando a importância da elaboração de ações de prevenção e controle para as DCNT, este estudo teve como objetivo descrever as freqüências de consumo de alimentos de risco e proteção para doenças cardiovasculares entre funcionários públicos estaduais do município de São Paulo, visto que, em levantamento feito pelo Serviço de Medicina Social do Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual (IAMSPE), Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira (HSPE/FMO) verificou-se que, dentre as principais causas de internações, excluindo partos, as doenças cardiovasculares e as neoplasias, corresponderam a um terço das 13.688 internações ocorridas entre agosto de 1996 a julho de 19975. Os resultados desse estudo visam fornecer subsídios que possam contribuir com os programas de intervenção que já estão em andamento nas sedes das referidas secretarias, propondo modificações no estilo de vida - cessação do hábito de fumar, aumento da atividade física - e ênfase na mudança da conduta alimentar.
MÉTODOS
A população de estudo foi constituída por funcionários públicos estaduais que exercem suas atividades profissionais no município de São Paulo, nas sedes das seis primeiras secretarias de Estado - que aceitaram implantar programas de intervenção propostos pelo IAMSPE - totalizando 4.665 funcionários de ambos os sexos. A coleta de dados deu-se no período compreendido entre outubro de 1998 e julho de 1999.
Houve muita resistência por parte dos funcionários para responder ao questionário, principalmente as questões relacionadas ao hábito de fumar, beber e doenças pré-existentes, motivados pela insegurança de perder a estabilidade do emprego. Por isso, o instrumento utilizado para a obtenção das informações, adaptado a partir do questionário utilizado no "Estudo de Fatores de Risco para DCNT" - o PAS/IS/SES, 19876, foi elaborado para ser de auto preenchimento, simplificado e sucinto, evitando-se um detalhamento maior das perguntas para não cansar o entrevistado. Sendo assim, possibilitou apenas a verificação da freqüência e não a quantidade de alimentos consumidos. Realizou-se um pré-teste para correção de eventuais falhas.
Antes de receber o questionário para preenchimento, os funcionários receberam uma carta na qual constavam informações e esclarecimentos sobre a importância de sua participação na pesquisa, porém sem haver obrigatoriedade. Esclareceu-se o caráter anônimo, não havendo necessidade de identificação para o preenchimento das informações constantes no questionário, garantindo assim o sigilo dos dados informados.
Como critério de seleção, optou-se pela aplicação do questionário em todas as secretarias com até mil funcionários. Na secretaria com número superior a este, a seleção se deu por meio de amostra aleatória simples, no qual o dimensionamento amostral foi realizado considerando a prevalência esperada de doenças cardiovasculares (30%), com nível de confiança de 95% (a= 5%) e erro aceitável de 5%.
O número total de questionários distribuídos foi de 2.197 (44,1% dos 4.665 funcionários), sendo que 77,9% (1.711) foram recebidos. Foram excluídos os questionários que não possuíam as informações completas sobre as variáveis sócio-demográficas, obtendo-se, portanto, um total de 1.271 questionários válidos.
A fim de tratar em conjunto os dados de todas as secretarias participantes do estudo, os estimadores foram ponderados, multiplicados por um fator de expansão, inverso da fração de amostragem de sua secretaria, já que diferentes frações amostrais foram utilizadas. Portanto este estudo é representativo do número total de funcionários.
Os procedimentos para o desenvolvimento dessa pesquisa estão de acordo com as diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos7 e aprovados pelos Comitês de Ética em Pesquisa do HSPE/FMO e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
As variáveis demográficas e sociais verificadas foram sexo, idade, escolaridade - categorizadas em fundamental, médio e superior - e renda familiar - categorizada em até três salários mínimos (SM), de três a seis SM e maior que seis SM (SM vigente na época).
Foram coletados dados sobre o estilo de vida: atividade física - segundo os critérios adotados pela Organização Mundial da Saúde (OMS)8,9: não - fisicamente inativo/ irregularmente ativo: não realiza atividade física de qualquer intensidade ou realiza menos que cinco vezes por semana ou menos de 30 minutos por sessão; sim - regularmente ativo/muito ativo: atividade de qualquer intensidade, mais do que 5 vezes por semana, com 30 minutos ou mais por sessão ou atividade vigorosa, mais do que 5 vezes por semana, com mais de 30 minutos por sessão; hábito de fumar: nunca fumante - indivíduos que nunca fumaram cigarros ou que fumaram menos de cinco carteiras de cigarro, ao longo da vida; ex-fumantes - pessoas que não fumam atualmente; fumante atual - indivíduos que fumam atualmente.
Calculou-se o índice de massa corporal (IMC)10 com os dados referentes ao peso e altura. Além dessas, obteve-se informações referidas pelos próprios funcionários, sobre a presença de doenças: "pressão alta", "diabetes", "hipercolesterolemia", entre outras.
Quanto às variáveis dietéticas, optou-se pela aplicação de um questionário de freqüência alimentar (QFA), composto por uma lista de alimentos contendo 28 itens, elaborada a partir dos dados do relatório final do Estudo Multicêntrico11, o qual contém informações recentes sobre o consumo alimentar da população adulta de uma cidade do estado de São Paulo, localizada nas proximidades do município onde foi realizado o presente estudo.
Os participantes foram instruídos a assinalar a freqüência de consumo dos alimentos constantes na lista, nas seguintes unidades de tempo: diário, semanal, mensal, raramente ou nunca. Não foi obtida a informação sobre a quantidade de vezes que o alimento é consumido diária e/ou semanal e/ou mensalmente, por ser um QFA qualitativo. As respostas obtidas foram agrupadas de acordo com a literatura consultada3,12-14 em alimentos e/ou preparações considerados de risco para doenças cardiovasculares (fontes de gorduras saturadas e/ou colesterol e/ou ácidos graxos trans e/ou sódio e/ou glicídios) e considerados protetores para doenças cardiovasculares [fontes de fibra dietética, vitaminas, minerais, ácidos graxos insaturados: poliinsaturados (ômega-3: (-linolênico, eicosapentanóico, docosaexaenóico e ômega-6: linolênico, (linolênico, araquidônico) e os monoinsaturados (ômega 9: olêico), fitoquímicos ou considerados antioxidantes].
Para o estudo da qualidade da alimentação, segundo nível de escolaridade e renda, optou-se pelo desenvolvimento de uma pontuação, calculada pela soma dos itens (alimentos de risco e de proteção) que os indivíduos relataram ter consumido diariamente, independentemente do tamanho da porção consumida14 - seguindo a tendência atual - de que as recomendações alimentares para populações devem basear-se em alimentos ao invés de nutrientes15.
Para a elaboração do banco de dados, utilizou-se o software EPI-INFO versão 6.04. As proporções calculadas para o conjunto de todas as secretarias foram obtidas por intermédio do comando weight do software SPSS 8.0 for Windows, que corrigiu os resultados de cada secretaria pelo fator de expansão16. Para a obtenção das freqüências de consumo de alimentos foram utilizados os softwares Epi Info versão 6.04 e o SPSS 8.0 for Windows.
Por meio da pontuação/escala desenvolvida, procedeu-se, posteriormente, a verificação da normalidade da distribuição das variáveis, utilizando-se o teste de Shapiro & Wilk17,18, no qual se verificou que nenhuma das escalas em questão apresentou distribuição normal. Realizou-se também o teste dos logaritmos neperianos das escalas e tampouco se obteve distribuição normal.
Para a verificação da associação entre o consumo diário de alimentos de risco e proteção e os níveis de escolaridade e renda familiar optou-se, portanto, pela utilização de teste estatístico não paramétrico - Kruskall-Wallis19. Em todas as análises o nível de significância utilizado foi de 5%.
RESULTADOS
A população estudada é representativa dos 4.665 funcionários que exerciam suas atividades profissionais em seis sedes de secretarias localizadas no município de São Paulo. Houve predominância do sexo feminino (61,6%), nível de escolaridade superior (54,4%) e renda familiar superior a seis SM (71,2%).
A média de idade para as mulheres era de 40 anos (desvio-padrão=9,5 anos) e para os homens, 43,7 anos (desvio-padrão =11,2 anos). Os indivíduos que estavam na faixa etária acima de 51 anos eram apenas 4,4% do total.
Em relação ao hábito de fumar, verificou-se que, segundo o sexo, há mais fumantes entre os homens (27,7%) que entre as mulheres (26,1%); segundo o nível de escolaridade, proporcionalmente, o número de fumantes entre os indivíduos de nível de instrução fundamental, é maior (40,9%) e segundo o nível de renda familiar, verificou-se também que havia um número maior de fumantes entre aqueles que têm menor renda familiar (39,3%).
O sedentarismo predominou em cerca de 90,0% dos indivíduos, independentemente do sexo e da renda familiar. Os indivíduos que tinham escolaridade fundamental são mais inativos (92,6%) que os com ensino médio (86,2%) e superior (87,5%).
Quanto ao estado nutricional (AnexoAnexo), verificou-se que 35,8% têm peso acima do padrão considerado normal para altura. A predominância de sobrepeso/obesidade entre os homens é de 46,5% e entre as mulheres é de 29,1%. Dos funcionários que têm nível de escolaridade fundamental, 55,3% apresentam sobrepeso/obesidade. Os indivíduos com renda até três SM, 40,3% encontram-se com IMC acima de 25kg/m2. Um número considerável de pessoas (cerca de 30,0%) sabia ser portadora de enfermidades, direta e/ou indiretamente relacionadas ao aparelho cárdio-circulatório, algumas possuindo mais de uma delas.
Verificou-se que, quantitativamente, o consumo diário de alimentos de risco (Figura 1) é proporcionalmente maior entre os indivíduos com nível de escolaridade fundamental e renda até três SM, com exceção apenas quanto ao consumo diário de leite e derivados, que é mais freqüente entre os indivíduos de escolaridade superior e renda acima de três SM. O consumo de outros alimentos como refrigerantes, bebidas alcoólicas, temperos prontos e a adição de sal aos alimentos também predominam entre os de escolaridade fundamental e renda até três SM.
Quanto ao consumo diário de alimentos protetores, 70,1% consomem verduras, 58,8% frutas/sucos, 55,8% feijão e 36,5% referem o consumo diário de azeite de oliva (Figura 2). Quanto ao consumo de peixes, 52,0% referem consumi-lo semanalmente e 20,0% referem consumir raramente ou nunca. A maioria (mais de 80,0%) utiliza óleos vegetais para cozinhar (dados não expostos na Figura).
As hortaliças em geral, frutas e azeite, são mais consumidas pelas mulheres, enquanto o consumo diário de feijão é maior entre os homens.
O consumo diário de hortaliças cruas, frutas, azeite, cereais integrais e consumo semanal de peixes foi maior entre os indivíduos com nível de escolaridade superior e entre os que possuem renda familiar superior a seis SM, enquanto que o consumo diário de feijão é maior entre os indivíduos de nível fundamental.
Em referência aos valores médios obtidos quanto ao consumo diário de alimentos de risco e proteção para doenças cardiovasculares segundo o nível de escolaridade e de renda familiar, verificou-se que, qualitativamente, a média de consumo de alimentos de risco é estatisticamente maior (p=0,00) entre os indivíduos com nível de escolaridade fundamental e entre aqueles com nível de renda familiar até três SM (p=0,00), apresentando relação inversa entre nível de renda familiar superior a seis SM e o consumo diário de alimentos de risco (Tabela 1).
A média de consumo de alimentos protetores é estatisticamente maior (p=0,00) entre aqueles que possuem escolaridade superior e entre aqueles com renda familiar superior a 6SM, porém, os indivíduos com renda até três SM apresentam uma média de consumo muito próximo aos com renda superior a seis SM (p=0,00) (Tabela 2).
Cabe ressaltar que as mulheres deste estudo apresentam uma média de consumo de alimentos de risco maior em relação aos homens (p=0,01). Entretanto, também são elas que apresentam média de consumo de alimentos protetores maior (p=0,00).
DISCUSSÃO
Um número significante da população de estudo apresenta altas proporções de fatores de risco bem definidos na etiologia das doenças cardiovasculares, tais como o tabagismo, o sedentarismo e a obesidade, significando piora progressiva na qualidade de vida.
Segundo dados do Ministério da Saúde20 cerca de 33% da população adulta brasileira, entre 20 e 49 anos, é fumante. Os homens fumam em maior proporção que as mulheres em todas as faixas etárias. O consumo de cigarros é menor nas classes de maior renda familiar per capita e maior nas de menor rendimento. Assim como em outros países, essa diferença se deve, em grande parte, à maior desinformação das classes sociais economicamente mais pobres, da mesma21. Os dados obtidos em nossa população de estudo quanto ao hábito de fumar, renda e escolaridade são similares aos dados nacionais.
Quanto aos achados relacionados à atividade física, verifica-se que tanto as mulheres quanto os homens são sedentários, com maior prevalência entre os de nível de escolaridade fundamental.
Assim como para a maior parte dos países em desenvolvimento, não há no Brasil informações específicas sobre a tendência secular de padrões de atividade física, embora o crescimento da população urbana e a crescente expansão do setor de serviços nas cidades tenham feito surgir ocupações menos demandantes de esforço físico, particularmente para os homens, somente em 1997 o Brasil foi avaliado quanto ao padrão de atividade física, cujos resultados demonstraram que a prática de exercícios físicos regulares mostrou-se forte e positivamente associada ao nível de renda familiar, particularmente entre as mulheres4,9,22.
Os dados relacionados ao peso corporal demonstram que a predominância de sobrepeso/obesidade entre os homens é maior que entre as mulheres; maior entre os de nível de escolaridade fundamental, bem como os de nível de renda inferior22.
Os primeiros resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística23, revelam que a população adulta brasileira, quando observada no seu todo, não está exposta aos riscos de desnutrição, sendo a taxa de 4% compatível com os padrões internacionais. Os principais resultados do estudo apontam que o excesso de peso atinge 38,8 milhões de brasileiros adultos. A freqüência do excesso de peso na população supera em 8 vezes o déficit de peso entre as mulheres e em 15 vezes o da população masculina. Em um universo de 95,5 milhões de pessoas de 20 anos ou mais, há 3,8 milhões de pessoas (4,0%) com déficit de peso e 38,8 milhões (40,6%) com excesso de peso, das quais 10,5 milhões são consideradas obesas. Esse padrão se reproduz, com poucas variações, na maioria dos grupos populacionais analisados no País. No Estado de São Paulo, 10,3% dos homens e 13,9% das mulheres são considerados obesos.
Os trabalhos sobre avaliação do consumo alimentar de populações, geralmente, baseiam-se no cômputo dos macronutrientes e respectivo consumo energético e dos micronutrientes freqüentemente associados às deficiências ou às doenças crônicas não transmissíveis da referida população3,24. Entretanto, houve uma super valorização dos alimentos sobre os nutrientes, sugerindo-se, recentemente, que as recomendações alimentares à população sejam baseadas em alimentos e não em nutrientes15.
Neste estudo, identificou-se que uma parcela importante dos indivíduos, com renda e escolaridade mais elevada que o conjunto da população brasileira está consumindo quantidades inadequadas de alimentos com alto teor calórico, gorduras saturadas, sódio e açúcar.
Entretanto, constatou-se que há a prevalência de consumo diário de alimentos saudáveis como verduras, leguminosas, legumes, frutas e azeite, porém insuficiente em cereais integrais e peixes por uma grande proporção de indivíduos, práticas não observadas em outros estudos4,25. Acredita-se que essa prática se deva ao fato de que a maioria dos funcionários se alimenta no restaurante do local de trabalho quando está fora de casa.
Fonseca12 realizou um inquérito epidemiológico com funcionários do Banco do Brasil no Estado do Rio de Janeiro e encontrou associação estatística entre hábitos alimentares e sexos, sendo os homens os maiores consumidores de alimentos de alto risco para doenças cardiovasculares, bem como a associação estatística de dieta pouco saudável e sedentarismo. Identificou também que a maior parte dessa população apresenta bons hábitos alimentares, embora um subgrupo necessite de um programa para reorientação alimentar, aumento da prática de atividades físicas regulares e diminuição do hábito de fumar como estratégia de prevenção primária para as doenças cardiovasculares.
No estudo realizado por Fornés26, cuja população era composta por indivíduos adultos residentes no município de Cotia, área metropolitana de São Paulo, predominantemente do sexo feminino de baixa renda e escolaridade, observou-se que uma elevada proporção da população não consome hortaliças (um terço) e frutas (dois terços) diariamente e menos de 40% consomem verduras.
Segundo as últimas pesquisas sobre consumo alimentar em áreas metropolitanas do Brasil, houve uma estagnação ou, até mesmo, redução do consumo de leguminosas, verduras, legumes, frutas e sucos naturais4.
Considera-se que o consumo ideal de frutas e vegetais seja diário e praticado por todos, pois dietas com predomínio de alimentos ricos em fibra dietética, minerais e vitaminas (cereais integrais, frutas e outros vegetais) estão associadas com a diminuição de exposição ao risco para doenças crônicas, sendo a recomendação ideal de consumo diário para vegetais, de cinco ou mais porções diárias3,27. Neste estudo, os valores médios referidos quanto ao consumo diário de alimentos protetores foi igual a três.
Mudança de hábitos e comportamento requer esforço coletivo como políticas de saúde mais abrangentes objetivando a valorização de consumo de alimentos mais saudáveis, principalmente entre aqueles que estão nas camadas mais pobres e com menor nível de instrução. A consolidação de iniciativas governamentais é fundamental para reverter a atual situação de morbimortalidade das doenças não transmissíveis, dentre as quais as doenças cardiovasculares que ocupam as primeiras posições de causalidade de mortes28,29.
CONCLUSÃO
Uma parcela importante da população estudada destaca-se por apresentar vários fatores de exposição ao risco para DCV - hábito de fumar, sedentarismo, sobrepeso e obesidade -, bem como doenças do aparelho circulatório, com predomínio entre os indivíduos de menor renda e escolaridade.
Quanto à qualidade da alimentação, verificou-se também que, entre os indivíduos de menor renda e escolaridade, quantidades significativas de alimentos fonte de gorduras saturadas e/ou colesterol e/ou ácidos graxos trans e/ou sódio e/ou glicídios são consumidos diariamente.
Os programas de intervenção já implantados nas diversas secretarias de estado devem priorizar e promover mudanças de comportamento e hábitos alimentares, a exemplo de vários programas de prevenção e promoção de saúde que já foram desenvolvidos no mundo todo e que obtiveram resultados positivos no controle de doenças crônicas.
Recebido em 25/10/2004
Versão final reapresentada em: 16/3/2005
Aprovado em: 20/4/2005
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Anexo
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Abr 2006 -
Data do Fascículo
Fev 2006
Histórico
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Aceito
20 Abr 2005 -
Revisado
16 Mar 2005 -
Recebido
25 Out 2004