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“Juventude é curtição, o problema é se Jesus voltar”: cultura funk, pentecostalismo e juventudes nas camadas populares

“Youth is fun, the problem is if Jesus come back before”: about funk culture, pentecostalism and youths

Resumo:

O artigo aborda o trânsito efetuado por jovens moradores das periferias que, negociando entre províncias de significados de aparência antagônica, circulam entre o suposto hedonismo da cultura funk e o aparente ascetismo pentecostal. São apresentados os relatos de Amanda e Yasmim, moradoras de uma favela localizada em Vitória, Espírito Santo. Mesmo pertencentes a berços pentecostais, as jovens se afastaram da religião e atualmente exercem sociabilidades que incluem a participação em bailes funk, demonstrando que, mesmo apresentando concepções marcadamente pentecostais, as jovens conseguem reinterpretar as doutrinas religiosas a partir de valores constantemente reconstruídos. Como ferramentas teórico-metodológicas, apresentam-se relatos biográficos, os quais revelam a complexidade com a qual Amanda e Yasmim concebem as próprias existências e o contexto em que vivem.

Palavras-chaves:
pentecostais; cultura funk; conflito; periferias; cultura juvenil.

Abstract:

The article is on the passage made by youngers of the popular classes who, dealing among provinces of meanings with antagonistic appearance, circle between the supposed hedonism of the funk world and the seeming pentecostal asceticism. In the article, will be presented the reports of the Amanda and Yasmin, youngers resident of a slum located in Vitória, Espírito Santo. Belonging to pentecostal cradles, the youngers have went away of the religion and, nowadays, make sociabilities that include funk parties. They demonstrate that, even showing conceptions notably pentecostals, can reinterpret the religious doctrines. As theoretical-methodological tools, are presented its biographical reports, be evident the complexity with that Amanda and Yasmin conceive the own existences and the context in which they live.

Key words:
pentecostals; funk; conflict; peripheries; youths.

1. Introdução

A proposta do artigo é analisar o trânsito efetuado por jovens das camadas populares (Velho 1999______. (1999) Individualismo e Cultura: Notas para uma Antropologia da Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 6º edição) que, negociando entre províncias de significados (Schutz 1979SCHUTZ, A. (1979), Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro: Zahar . )1 1 Para Schutz, províncias de significados finitos possuem seus próprios estilos cognitivos, revelando-se em realidades múltiplas. No fluxo da vida, o homem atravessa tais províncias provocando “choque” na atenção da apreensão da experiência. “O choque não é nada mais do que uma modificação radical da tensão de nossa consciência, fundada num tipo diferente de atenção à vida” (Schutz 1979: 252). de aparência antagônica, circulam entre o suposto caráter de fruição associado à cultura funk (Vianna 1990______. (1990), “Funk e cultura popular carioca”.Revista Estudos Históricos, nº 6: 244-253.) e o aparente ascetismo relacionado ao ethos pentecostal (Duarte 2005______. (2005) "Ethos privado e justificação religiosa: negociações da reprodução na sociedade brasileira". In: M. L Heilborn; L.F.D Duarte; C. Peixoto; C. Barros, (Orgs.).Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond.; Freston 1994). Compreende-se que o estudo sobre a circulação efetuada entre duas províncias aparentemente díspares coloca em evidência um complexo e intrigante processo de subjetivação (Velho 1994: 101), revelando a complexidade das associações entre religião, arte e cultura entre os jovens das periferias urbanas.

Neste trabalho, são abordados os relatos biográficos (Becker 2008BECKER, Howard S. (2008), Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar.) de Amanda e Yasmim2 2 Nomes fictícios escolhidos pelas interlocutoras. - moradoras de uma favela (Valadares 2008VALADARES, Lícia do Prado. (2008), A invenção da favela: do mito de origem a favela. Rio de Janeiro: editora FGV) de Vitória, Espírito Santo (ES) -, que, pertencentes a berços pentecostais3 3 Pentecostalismo é a vertente religiosa definida pelo culto ao espírito santo, resultando em rituais marcados pela experiência de transe (Aubree 2014), por expressivas performances corporais e pelo ascetismo das condutas dos adeptos (Freston 1994). Surgido no início do século XX, nos Estados Unidos, o pentecostalismo difundiu-se mundialmente. No Brasil, atualmente, é a vertente religiosa de maior crescimento. De acordo com o Censo de 2010, dos 26,2 milhões de evangélicos brasileiros, 17,7 milhões são pentecostais (67%). IBGE. Censo Demográfico 2010. , afastaram-se da religião para vivenciar de forma específica suas juventudes. Empregando peculiares estratégias de negociação, demonstram que, mesmo apresentando concepções pentecostais, conseguem reinterpretar as doutrinas religiosas a partir de valores singulares.

Assim, as jovens praticam formas de sociabilidade (Simmel 1983SIMMEL, G. (1983). “Sociabilidade: um estudo de sociologia pura ou formal” in: E. Moraes Filho. (org.). Sociologia. São Paulo: Ática.:168)4 4 Para Simmel, sociabilidade é a forma lúdica de sociação (Simmel 1983: 168). que contradizem os preceitos religiosos, em especial, pelo fato de participarem de festas funk e se identificarem como funkeiras (Vianna 1990______. (1990), “Funk e cultura popular carioca”.Revista Estudos Históricos, nº 6: 244-253., Dayrell 2005______. (2005), A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: Editora UFMG.; Facina 2010FACINA, Adriana. (2010), “Eu só quero é ser feliz": quem é a juventude funkeira no Rio de Janeiro”.Revista EPOS, nº 2 s/p.). Contudo, é necessário reiterar que, embora traga reflexões acerca da cultura funk (Dayrell 2005) ou sobre as relações entre o ethos pentecostal (Duarte 2005______. (2005) "Ethos privado e justificação religiosa: negociações da reprodução na sociedade brasileira". In: M. L Heilborn; L.F.D Duarte; C. Peixoto; C. Barros, (Orgs.).Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond.) e as juventudes, a intenção do texto é, antes de tudo, analisar as estratégias de negociação praticadas por aqueles que, de alguma forma, transitam entre ambos os domínios, evidenciando as interseccionalidades de suas fronteiras, apresentando as singularidades das experiências pessoais e intersubjetivas, revelando-se em formas específicas de experimentações da religiosidade pentecostal (Duarte 2005______. (2005) "Ethos privado e justificação religiosa: negociações da reprodução na sociedade brasileira". In: M. L Heilborn; L.F.D Duarte; C. Peixoto; C. Barros, (Orgs.).Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond.) e da fluidez das possibilidades de adesão a uma expressão cultural juvenil (Pais 2001PAIS, José Machado. (2001) Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto: AMBAR. ; Dayrell 2011).

O artigo, que apresenta atualizações de dados etnográficos de dissertação finalizada em 2014 (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. ), está estruturado em duas partes. Na primeira delas, a apresentação do local de moradia de Amanda e Yasmim, o morro Conquista. Na segunda etapa, a proposta é, no primeiro momento, analisar como o relato biográfico e a trajetória de vida se colocam como possibilidades metodológicas no âmbito da antropologia. Posteriormente, apresento os relatos de Yasmim e Amanda, nos quais estão presentes as estratégias de negociação efetuadas por elas na circulação entre as fronteiras das expressões da cultura funk e da religiosidade (Duarte 2005______. (2005) "Ethos privado e justificação religiosa: negociações da reprodução na sociedade brasileira". In: M. L Heilborn; L.F.D Duarte; C. Peixoto; C. Barros, (Orgs.).Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond.) pentecostal.

2. As funkeiras evangélicas e o bairro

Pontuo que para analisar a trajetória de jovens que circulam entre essas duas províncias de significados é importante entender a especificidade do contexto no qual se opera esse trânsito. Amanda e Yasmim são moradoras do morro Conquista, uma das subdivisões do complexo de favelas que compõe o bairro São Pedro, localizado no lado norte/noroeste da Ilha de Vitória5 5 http://legado.vitoria.es.gov.br/regionais/bairros/regiao7/saopedro.asp , capital do Espírito Santo. Morei em Conquista durante três meses, de janeiro a abril de 2014. À época, a intenção era estudar as formas de sociabilidade praticadas pelos jovens de um bairro popular (Duarte 1986DUARTE, Luiz Fernando Dias. (1986), Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2º ed.).

Na localidade, os sinais de precariedade se acentuam na medida em que subimos. Com barracos em madeira, o local apresenta aspectos claros de favelização (Valadares 2008VALADARES, Lícia do Prado. (2008), A invenção da favela: do mito de origem a favela . Rio de Janeiro: editora FGV .; Zaluar 2000ZALUAR, Alba. (2002), A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Editora Brasiliense.). As casas geminadas e irregulares e a ausência de asfaltamento se evidenciam logo ao primeiro olhar. Situado no ponto mais alto do morro que forma o complexo do bairro São Pedro, em Conquista raramente encontram-se quintais entre as casas vizinhas, possibilitando o intenso contato entre os moradores, configurando o que Oosterbaan (2009OOSTERBAAN, Martijn. (2009) “Sonic supremacy: Sound, space and charisma in: a favela in Rio de Janeiro”.Critique of Anthropology, nº 1:81-104.) denominou como “densidade das favelas” (Oosterbaan 2009:82).

Conquista é uma região mais pauperizada quando comparada às demais regiões de São Pedro. Em conversa com os moradores das localidades vizinhas, percebi que o morro é qualificado como local perigoso e carente (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :74).

Em minhas observações, percebi a intensa frequência de jovens. Estavam nas “rodinhas” de conversa localizadas por toda a escadaria que dá acesso às vielas, nas calçadas e nas bocas, pontos de vendas de drogas. Observei que a movimentação aumentava nitidamente durante os fins de semana. Os jovens frequentam as ruas, conversam, circulam. Lembrando as considerações de Forsey (2010FORSEY, M. G. (2010), “Ethnography as participant listening”. Ethnography, nº1: 558-572. ) sobre a importância da escuta para a pesquisa antropológica, notei claramente como o bairro é marcado pelos diversos sons que vinham das casas vizinhas, dos bares, das igrejas.

Especialmente aos domingos, ouviam-se músicas de pagode, de funk, de forró e dos hinos evangélicos. Esses sons, somados à profusão das conversas, faziam daquele local uma paisagem sonora (Schafer 1992SCHAFER, R. Murray. (1992), O ouvido pensante. São Paulo: Unesp.) muito específica. Em Conquista, o espaço é permeado pelos sons das conversas, pelo barulho dos carros e pela música. Entre os jovens, identifiquei que o funk era quem ditava o tom. Nas “rodinhas” de conversa, longe da vigilância dos adultos, era ele o ritmo executado nos aparelhos celulares, sempre em volume bem alto.

Outro exemplo da sociabilidade exercida pelos jovens no bairro mediada pelo funk eram os rockezinhos, encontros festivos realizados em casas particulares (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :86). Raquel6 6 Nome fictício escolhido pela interlocutora. , uma moradora de Conquista com 16 anos à época da pesquisa, explica o que são tais encontros: “(rockezinho) é assim: tem festa de quinze anos, a gente arruma tudo, coloca luzes. Só toca funk. Tem pagode às vezes, mas é mais funk, muito mais” (entrevista com Raquel, fev./2014)

Descobri também que muitas festas funk (Vianna 1990______. (1990), “Funk e cultura popular carioca”.Revista Estudos Históricos, nº 6: 244-253.) eram realizadas não em bailes privados, mas em espaços abertos, geralmente quadras ou ruas. Tais eventos eram chamados mandelas. Participei de um desses mandelas, em um bairro vizinho a Conquista. No baile, uma rua foi tomada por jovens. A maioria não aparentava ter mais do que 18 anos. Entendi que os mandelas, por serem abertos, eram opções aos mais jovens, ao contrário dos bailes realizados em casas fechadas, cuja entrada é permitida apenas a quem tem mais de 16 anos. Naquele evento, um carro com o porta-malas lotado de aparelhos de som em alto volume comandava a festa. Na intensa aglomeração, os corpos se esbarravam. As danças, marcadas por sinuosos e enérgicos movimentos dos quadris em evidente conotação sexual (Vianna 1990), entravam em movimento ascendente. Intenso, o ritmo - a batida funk - somado à aglomeração, aos cheiros e aos sons remetia a um estado que evocava, a um só tempo, sensações de euforia e de tensão (Rouget 1980:150; Dos Santos Mattos 2012______. (2012). “Da valentia à neurose: Criminalização das galeras funk, ‘paz’ e (auto) regulação das condutas nas favelas”.Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, nº4: 653-680.)7 7 Sobre o tema, ver Dos Santos Mattos (2012), que discorreu sobre as categorias “neurose” e “frenético”, gírias correntes na cultura funk.

Em muitos momentos da festa, bondes - grupos de jovens, homens ou mulheres que, vestidos de forma estilizada realizavam coreografias sincronizadas - se aproximavam do carro de som. Pareceu-me que se apresentar num bonde era um fator de status (Mattos 2014). Por tudo isso, compreendi que a dança tem fundamental importância como expressão da cultura funk. Durante o período de campo em Conquista, conheci alguns integrantes de bondes. Entendi que as reuniões para ensaiar os passos, geralmente realizadas nas casas ou nas ruas, são importantes encontros de sociabilidade8 8 Novamente, Dos Santos Mattos aborda os bondes em artigo de 2014. .

Dessa forma, notei a significativa importância do funk como expressão cultural juvenil (Pais 2008 ______. (2008) “Máscaras, jovens e "Escolas do Diabo". Rev. Bras. Educ, nº 37: 7-21). Como manifestação estética, ritual e musical, o funk se mostra como meio possibilitador de protagonismo e expressividade. Nesse sentido, as palavras de Dayrell (2005______. (2005), A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: Editora UFMG.) são precisas:

Essas considerações indicam que a identidade que esses jovens constroem como funkeiros é fluida e efêmera, uma imbricação com elementos simbólicos apropriados da cultura popular, da indústria cultural em geral, como manifestação cultural híbrida. Essa identidade apresenta-se como uma fronteira provisória e móvel, operando a partir de múltiplos registros na construção mais ampla de uma identidade desses sujeitos como jovens. Podemos dizer que o funk é parte de determinado estilo de vida juvenil um marco identitário que contribui para que esses jovens possam vivenciar e se afirmar como sujeitos numa determinada fase da vida. (Dayrell 2005______. (2005), A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: Editora UFMG.: 172-173)

Além dos mandelas, dos rockezinhos e das “rodinhas” de conversa ao som do funk, percebi em Conquista a presença de jovens em um espaço a princípio improvável: nos templos pentecostais extremamente numerosos na localidade.

Embora diversos, tais templos apresentavam algumas características comuns, entre as quais posso listar o fato de serem pequenos e formarem comunidades com um número relativamente reduzido de integrantes (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. ). Além disso, os cultos eram marcados por rituais ruidosos e sensoriais, que podiam ser ouvidos a metros de distância dos templos.

Nas calçadas do morro Conquista, aos diversos sons, somava-se a intensa expressividade acústica das celebrações das pequenas, diversas e numerosas igrejas pentecostais presentes, conformando também a paisagem sonora (Schafer 1992SCHAFER, R. Murray. (1992), O ouvido pensante. São Paulo: Unesp.) da localidade. Oosterbaan (2009OOSTERBAAN, Martijn. (2009) “Sonic supremacy: Sound, space and charisma in: a favela in Rio de Janeiro”.Critique of Anthropology, nº 1:81-104.), apropriando-se dos conceitos de carisma da cidade e de carisma na cidade, destaca que, no contexto das favelas, tais paisagens sonoras revelam a expressão da diversidade de diferentes grupos que tentam exercer a “política da presença” por meio dos sons produzidos:

Na densidade da favela, diferentes grupos tentam exercer uma política de presença por meio dos sons que produzem. A tentativa de conquistar seu lugar no cenário urbano por meio da (re)produção do som pede uma melhor compreensão da relação entre “entir” e “conhecer” a cidade - como também argumentam Blom Hansen e Verkaaik na introdução de esta questão - e nos incita a prestar atenção à relação entre som, territorialidade, arquitetura e carisma (Oosterbaan 2009OOSTERBAAN, Martijn. (2009) “Sonic supremacy: Sound, space and charisma in: a favela in Rio de Janeiro”.Critique of Anthropology, nº 1:81-104.: 83. Tradução nossa)

Ao imergir nessa “política da presença por meio dos sons” em Conquista, identifiquei a notável presença de dois grupos distintos de jovens: os pentecostais e os funkeiros. Oosterbaan (2009OOSTERBAAN, Martijn. (2009) “Sonic supremacy: Sound, space and charisma in: a favela in Rio de Janeiro”.Critique of Anthropology, nº 1:81-104.) também destaca a aparente disparidade e a complexa relação entre ambos os domínios no cotidiano das favelas em que pesquisou:

Na perspectiva dos adeptos das igrejas pentecostais, seu som "divino" e música gospel contrastam com os sons "mundanos" de seus vizinhos. Um dos importantes contrapontos da música gospel nos ouvidos de muitos evangélicos é a popular música funk que é tocada nas festas da favela. Para os evangélicos, a associação entre as festas funk e as facções do tráfico aumenta a percepção de que o funk é incitado pelo demônio. Uma análise da oposição entre música funk e gospel - como é percebida pelos evangélicos - demonstra o entrelaçamento entre lutas territoriais e ideológicas, e exemplifica o carisma sonoro da cidade. (Oosterbaan 2009OOSTERBAAN, Martijn. (2009) “Sonic supremacy: Sound, space and charisma in: a favela in Rio de Janeiro”.Critique of Anthropology, nº 1:81-104.: 82. Tradução nossa)

Especificamente em Conquista, percebi que entre os jovens adeptos do funk a distinção se dava pelas vestimentas (Mizrahi 2007MIZRAHI, Mylene. (2007), “Indumentária funk: a confrontação da alteridade colocando em diálogo o local e o cosmopolita”. Horizontes antropológicos, nº 28: 231-262.). As mulheres trajavam shorts e saias curtas; usavam maquiagem e geralmente apresentavam longas unhas. Os homens usavam bermudas, quase nunca usavam camisas e portavam largos colares dourados. Pareciam preocupar-se bastante com as sobrancelhas, sempre desenhadas. Os cabelos apresentavam cortes geométricos e alguns os coloriam. Sempre circulando em grupos, na política sonora de Conquista, os funkeiros se expressavam em seus celulares ou carros de sons, que executavam seus batidões a todo volume.

Se entre os funkeiros as roupas pouco escondiam o corpo, entre os pentecostais o recato era um valor estimado (Alves 2011ALVES, Fátima Maria Paz. (2011), “Religião e sexualidade: Permanências e Transformações da perspectiva de jovens pentecostais de Recife/PE-Brasil”. Ciências Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, nº13: 83-113. :84). Muitas jovens usavam as clássicas saias jeans na altura dos joelhos; mesmo as adeptas de igrejas mais flexíveis quanto às exigências do trajar não usavam decotes ou shorts. Entre os homens, as roupas de alfaiataria eram utilizadas nos dias de culto e mesmo no calor de janeiro, período da pesquisa, os homens pentecostais não usavam bermudas. Na confluência de sons de Conquista, os pentecostais não participavam dos mandelas, mas eram percebidos por seus rumorosos cultos, cujos hinos, orações e louvores exaltados eram ouvidos nas ruas, muitas vezes em alto-falantes. Como exemplo da complexa relação entre os diferentes grupos, notei que os pentecostais, ao cruzarem pelos grupos de funk, cumprimentavam e eram cumprimentados com a expressão “a paz de Cristo”, termo corrente entre os evangélicos.

Mas além daqueles oficialmente religiosos, percebi muitos jovens que se identificavam, em alguma medida, com a religiosidade9 9 Para Duarte (2005), religiosidade se relaciona “à adesão, experiência e crença”. (Duarte 2005:141) pentecostal; existindo “níveis” de adesão com pertenças mais “flexíveis”. Havia os evangélicos desviados, ou seja, aqueles evangélicos que se afastaram da religião. Outros moradores diziam que apenas frequentavam uma ou várias igrejas pentecostais da região sem se batizar oficialmente e muitos deles manifestavam o desejo de, no futuro, aderirem oficialmente a tais denominações por meio do batismo (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. ). Notei, ainda, que aqueles que apresentavam tais pertenças “flexíveis” eram conhecidos como crentes Raimundo, expressão para definir aqueles que, por decisão pessoal, ainda não aderiram oficialmente à religião. Cirurgicamente, Regina Novaes (2012______. (2012), “Juventude, religião e espaço público: exemplos "bons para pensar" tempos e sinais”. Relig. soc., Rio de Janeiro, nº1: 186-208. ) define essas novas possibilidades de vivência evangélica (Mafra 2001______. (2001), Os evangélicos. Rio de Janeiro: Zahar ) como “evangélicos genéricos”:

O importante é levantar a hipótese de que essa possibilidade - ser evangélico genérico - deve ser levada em conta nas avaliações do lugar do pertencimento religioso na configuração do espaço público (...) Nesse cenário, definir-se apenas como “evangélicos” pode ser também uma outra maneira para contornar conflitos e proibições. Reafirmando elos com este universo religioso, mas não se sentindo presos a denominações, jovens evangélicos (genéricos) inserem mais uma possibilidade no repertório dos modos de estar e se movimentar no espaço público (Novaes 2012______. (2012), “Juventude, religião e espaço público: exemplos "bons para pensar" tempos e sinais”. Relig. soc., Rio de Janeiro, nº1: 186-208. :194).

Ciente da eloquência sonora das múltiplas igrejas pentecostais de Conquista, participei dos cultos de uma delas, a Herdeiros do Sião. Localizada aos pés do morro Conquista, a igreja é semelhante a tantas outras da localidade. Conta com um pequeno altar e um púlpito. As cadeiras são de plástico e não há equipamentos de ventilação. Também não há gravuras ou esculturas. Austero, o templo da Herdeiros do Sião em nada lembra as catedrais da igreja católica e mesmo os amplos e vultosos templos neopentecostais10 10 Embora não seja intenção aprofundar a discussão sobre a complexidade do campo pentecostal, destaco sua heterogeneidade, o que já foi demonstrada nos clássicos de Paul Freston(1994) e Ricardo Mariano(1999). Freston (1994) analisa pentecostalismo brasileiro a partir de “ondas” referentes ao seu desenvolvimento. A primeira onda se refere ao surgimento do movimento no Brasil, a segunda seria a expansão pentecostal a partir da década de 1960. A terceira onda se refere ao florescimento das grandes denominações pentecostais, entre elas, a Igreja Universal do Reino de Deus. Ricardo Mariano(1999, 2013) desenvolveu o termo neopentecostalismo para se referir às grandes denominações pentecostais que enfatizam a teologia da prosperidade. , como os da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Nas cerimônias da Herdeiros do Sião, percebi que preces (Mauss 1979) - nas quais o crente manifestava suas angústias ou alegrias -, eram ditas publicamente para, posteriormente, após um momento de oração coletiva, muitos começarem a movimentar o corpo convulsivamente como uma dança e a manifestar a glossolalia11 11 Glossolalia é um fenômeno que, para teologia pentecostal, possibilita ao crente a comunicação verbal com a transcendência (Csordas 1990: 25). . Segundo os integrantes da igreja, tais fenômenos eram ensejados pela manifestação do Espírito Santo (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. )12 12 A existência de denominações como a Herdeiros do Sião e tantas outras com características semelhantes no bairro São Pedro é mais uma prova do dinamismo e heterogeneidade do campo pentecostal. Argumento que denominações como a Herdeiros do Sião não podem ser associadas completamente à tipologia de Mariano (1999) e Freston (1994). .

Conheci Amanda em uma das celebrações da Herdeiros do Sião. Na ocasião, acompanhava a mãe, Glória13 13 Nome fictício escolhido pela interlocutora. e uma tia, Jaciara14 14 Nome fictício escolhido pela interlocutora. . Disse, no entanto, que estava desviada. Quando pude conversar com Amanda sozinha, notei que usava roupas que remetiam ao funk. Como já mencionado, shorts e blusas curtas e joias douradas. Seu modo de se vestir se aproximava muito daqueles outros jovens que apreciavam o estilo nas rodinhas de conversa ou nos mandelas. Amanda disse apreciar o funk e também que lastimava o fato de, com 14 anos, estar impedida de participar de bailes: “mas quando eu fizer 16 anos, você vai ver!” (entrevista com Amanda, 11/02/2014AMANDA. Entrevista concedida a Réia Sílvia Gonçalves Pereira em 11 de fevereiro de 2014. Disponível em: http://repositorio.ufes.br/handle/10/4339
http://repositorio.ufes.br/handle/10/433...
).

Perguntei se havia outros amigos cujas sociabilidades abarcavam, ao mesmo tempo, o templo pentecostal e o baile funk. Afirmou que conhecia “vários amigos” e me apresentou sua prima, Yasmim, de 17 anos, que também se associava ao estilo funk15 15 Para aproximar as discussões sobre a formação de grupos juvenis, tomo a já clássica definição de Pais (2008), para quem os grupos juvenis se formam a partir de interações, nas quais se estabelece um conjunto de códigos mais ou menos coerentes de elementos simbólicos compartilhados e reconhecidos. sem deixar de frequentar a igreja.

Assim, a partir do relato de Yasmim e de Amanda e da observação mais atenta sobre a sociabilidade praticada em seu bairro, percebi que, mesmo aparentemente díspares, o caráter hedonista da cultura funk (Dayrell 2007 ______. (2007), “A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil”.Educação e sociedade, nº 100:1105-1128.) e o supostamente ascético ethos pentecostal “não apenas formavam províncias de significados aparentemente opostas, mas também interagiam e possibilitavam o trânsito entre elas” (Pereira, 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :11).

Dessa forma, com o contato com Amanda e Yasmim se descerrou uma intrigante associação entre cultura funk e ethos pentecostal, colocando em perspectiva a complexidade das vivências juvenis no contexto das camadas populares, onde religiosidade (Duarte 2005______. (2005) "Ethos privado e justificação religiosa: negociações da reprodução na sociedade brasileira". In: M. L Heilborn; L.F.D Duarte; C. Peixoto; C. Barros, (Orgs.).Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond.:139) e expressão cultural e estética se conjugam e se recriam nas especificidades dos percursos biográficos. Entendendo as juventudes tanto em sua unidade como construto social, quanto em sua singularidade, em que cada experiência deve ser analisada a partir do trajeto individual (PAIS, 2008 ______. (2008) “Máscaras, jovens e "Escolas do Diabo". Rev. Bras. Educ, nº 37: 7-21:70), os relatos biográficos de Amanda e Yasmim ganham relevância analítica.

3. “Só me batizo com 40 anos”: cultura funk, ethos pentecostal e trajetórias juvenis

Ao propor os relatos biográficos como possibilidade teórico-metodológica, adentro em uma seara das Ciências Sociais que teve seu florescimento com a Escola de Chicago - quando os estudos biográficos enfatizaram as interações dentro dos grupos sociais (Becker 2008BECKER, Howard S. (2008), Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar.; Goffman 1968; Hughes 1958) - passando pelo atravessamento da crítica bourdiana (1986)16 16 Pierre Bourdieu (1986), ao contrapor-se ao método da história oral, questionou fortemente o material biográfico enquanto possibilidade metodológica. Em um título instigante, para Bourdieu, a noção de “biografia” é, em certo sentido, uma ilusão. O autor francês argumenta que em um relato biográfico ocorre uma tentativa dos sujeitos em imprimir coerência numa sequência lógica de acontecimentos individuais (Bourdieu 1986:189). Tal tentativa seria uma construção artificial, na medida em que alguns fatos são selecionados em detrimentos de outros. Assim, o sentido impresso na narrativa de sua trajetória seria uma construção a posteriori, na qual os sujeitos organizam sua biografia na intenção de imprimir coerência ao relato. Inverte-se, desta forma, a premissa de que são as trajetórias que dão sentido ao indivíduo. Na verdade, seriam os próprios indivíduos, frutos das influências de seu contexto histórico, que dariam sentido as suas biografias. .

Para a análise dos relatos, contudo, a opção teórica reforça a proposta interacionista, principalmente a partir de Becker (1999______. (1999), Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Editora pioneira. ), para quem “as histórias de vida podem ser particularmente úteis para nos fornecer uma visão subjetiva de processos institucionais muito estudados” (Becker, 1999:108).

Em acréscimo à abordagem de Becker, e como forma de resolver o cadafalso teórico instigado por Bourdieu, é possível conjugar a opção analítica a partir da linhagem fenomenológica17 17 Dubar (1998) enumera que ante o problema de análises “psicologizantes”, nas quais há uma concepção de "unidades psíquicas coerentes e permanentes" ou entre as análises estruturantes, as quais deslegitimam a possibilidade biográfica, a fenomenologia juntamente com abordagem genética de Piaget, a fenomenologia de Schutz, a própria escola de Chicago ou a etnometodologia foram algumas das possibilidades relacionais possibilitadas pelas Ciências Sociais (Dubar 1998:18). de Schutz (1979SCHUTZ, A. (1979), Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro: Zahar . ). Formulando o conceito de situação biográfica (Schutz 1979:73), o autor busca uma análise focada na experiência da dureé (Schutz 1979: 73), situando o relato biográfico como uma construção dependente do contexto social e do momento em que o sujeito que relata se insere. Assim, em sua leitura da sociologia weberiana e da fenomenologia de Husserl, Schutz destaca o caráter circunstancial da situação biográfica, fruto da relação entre o contexto social e a atuação individual “dentro do sistema social, mas também sua posição moral e ideológica” (Schutz 1979: 73).

Nesse sentido, amparada por Schutz, a proposta sintética de Gilberto Velho (1994______. (1994), Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de janeiro: Zahar.) recebe especial crédito ao colocar peso na memória. Dessa forma, o sujeito que relata sua biografia não trata de uma ilusão, tal como aduz a argumentação bourdiana (1986), mas empreende um exercício em que a memória, também socialmente determinada, fornece consistência à trajetória ao organizar os fragmentos do passado descontínuo (Velho 1994:103).

No entanto, ao trazer as reflexões sobre biografias para o contexto das juventudes das camadas populares e, principalmente, ao abordar trajetórias em que expressões notadamente performáticas como a religiosidade pentecostal e a cultura funk (Vianna 1990______. (1990), “Funk e cultura popular carioca”.Revista Estudos Históricos, nº 6: 244-253.; Aubreé 2014AUBRÉE, Marion. (2014), “Brasil: as mulheres pentecostais entre ‘combate’ e ‘libertação”.Revista Anthropológicas, nº1: 167-194.) são grandes avalizadores, Marco Antônio Gonçalves (2012GONÇALVES, Marco. (2012). “Etnobiografia, biografia e etnografia ou como se encontram pessoas e personagens”. In: M. Gonçalves (Org.),Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro: 7 Letras. ) apresenta significativa contribuição ao difundir o conceito de etnobiografia (Gonçalves 2012:32). Utilizando a categoria pessoa/personagem, o autor emprega o termo para descrever a relação entre o trabalho do etnógrafo e a alteridade. Etnobiografia seria uma percepção situada em um intrincado complexo de “relações pessoais e públicas em que se tensionam personagens culturais ou sociais e formas criativas derivadas da pessoalização” (Gonçalves 2012:32).

Assim, com o conceito de etnografia e amparada com as reflexões de Schutz, Velho e do interacionismo, revelo a intenção não de apresentar qualquer possibilidade essencialista em busca do “ponto de vista nativo”, mas de compreender a formulação das trajetórias como um processo dialógico relacionado ao fazer etnográfico. Nessa esteira, destacando a complexidade de cada narrativa biográfica, reitero que, sobre as narrativas das trajetórias de Amanda e Yasmim, busco olhar para as estratégias únicas de negociação e de autopercepção em um momento específico, revelando formas de ser e de viver em um contexto particular (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :111).

3.1 Amanda: “Só ouço funk”

Como dito, encontrei a funkeira Amanda em culto da Herdeiros do Sião. Dona de um forte senso de humor, Amanda tem os olhos verdes, é negra de pele clara. As vestimentas curtas não escondiam o corpo magro e juvenil. É também muito jovem, com 14 anos idade. Confessou que seu namorado, envolvido com o narcotráfico, não podia sair do morro e que, por isso, frequentava as festas sem a sua presença (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :76).

Depois do primeiro contato na Herdeiros do Sião, aceitou prontamente fazer as duas entrevistas, que foram realizadas em sua casa. Após subir a escada que atravessava o morro, cheguei à moradia, um barraco com três cômodos feitos de madeira. Uma grande televisão na sala contrastava com o ambiente simples, que estava bem arrumado. No momento da primeira entrevista, Amanda estava acompanhada apenas da mãe. De pronto, me levou ao seu quarto. Disse que era para que a mãe não ouvisse a conversa. Falante, alegre e direta, Amanda, no vigor de seus 14 anos, começou a me contar o que significava, para ela, ser uma funkeira: “Ah, num sei direito. Só sei que eu gosto de funk. Ah, só ouço funk. Meus amigos também” (entrevista com Amanda, 11/02/2014). Note-se que Amanda reconhece e utiliza a categoria funkeira apenas quando evocada18 18 Sobre o assunto, ver Pereira (2005). . Sobre sua rede de relações ligadas ao funk, prefere se referir como “amigos” ou “meninas”.

Buscando entender os termos de sua adesão ao estilo de vida funk, perguntei a Amanda se participava de bailes, mesmo com tão pouca idade. Afirmou que frequenta os mandelas desde os oitos anos: “Hoje, só posso participar de baile de rua. Meu sonho é fazer 16 anos para poder entrar em Clube. Aí, minha filha, quero só ver”. (entrevista com Amanda, 11/02/2014)

Dizendo-se “fã” de todas as vertentes de funk, inclusive do “proibidão”19 19 Vertente do funk em que há claramente apologia ao narcotráfico. No proibidão, “os cantores manifestam suas preferências, seus posicionamentos diante do mundo, mostram à sociedade o que certos grupos constituintes de zonas periféricas pensam e como agem em diversas situações e declaram a forma como os jovens pretendem ser vistos. Assim, os jovens se organizam em bandos ou galeras como forma de se localizar nos espaços da cidade. Por meio de vulgos eles se apresentam e se vangloriam de atos criminosos encarnam personagens e exaltam um estilo de viver” (Barbosa 2011: s/p). , a jovem revelou que seu “grande sonho era ser delegada”. Percebi com a declaração que, embora pareçam universos distintos, a vida dos jovens moradores das favelas e o universo de atuação das polícias são compartilhados e se complementam (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :79).

Sobre a vivência pentecostal, Amanda frequentara com a família a igreja Assembleia de Deus até os sete anos de idade. Afirmou que em sua vivência como religiosa apreciava as atividades ligadas à música e em especial ao canto “Eu lembro que na igreja só podia usar roupa grande. A gente cantava, eu gostava de lá” (entrevista com Amanda, 11/02/2014). O afastamento da religião se deu após a saída do pastor, demonstrando como podem ser “frágeis as possibilidades organizativas das pequenas comunidades pentecostais” (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :115).“Eu gostava do pastor; quando ele saiu, todo mundo foi saindo. A igreja foi se acabando. Aí eu falei: Ah, vou sai também. E saí” (entrevista com Amanda, 11/02/2014).

Cursando a quinta série do ensino fundamental, para Amanda, a entrada no mundo do funk ocorreu de forma gradual, logo após o afastamento da religião. A sociabilidade com o grupo de amigas inseridas na cultura funk foi determinante. “É aquilo, né? Começou com elas (as amigas). Elas começaram a ouvir funk. Eu comecei a andar com elas, sair. Aí eu comecei a gostar do funk, entrei no mundo delas. Aí começou” (entrevista com Amanda, 11/02/2014). Note que Amanda percebe as especificidades relacionadas às expressões culturais do funk. Refere-se às amigas funkeiras como “o mundo delas”.

Destacou também que participa e é conhecida em eventos realizados não apenas no bairro onde mora, mas também em localidades vizinhas. Sobre o motivo de seu apreço pela cultura funk, sublinhou a importância da dança: “Eu vou (ao baile) pra dançar. Adoro dançar. Dançar é o melhor que tem no funk. O funk é que anima o mundo, minha filha. Você tá lá com os amigos, às vezes tá desanimado, toca um funkezinho e anima” (entrevista com Amanda, 11/02/2014).

Amanda participa dos bailes por ter se afastado de igreja. Fosse uma integrante oficial da religião que professara na infância, teria que seguir um código de conduta específico. Aos integrantes oficiais da igreja em questão, e em muitas outras pentecostais de caráter parecido, como a Herdeiros do Sião, está proibida a participação em festividades realizadas fora da religião como os rockezinhos e os mandelas; o uso de roupas curtas, entre outras determinações (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. ). Também estão interditados o consumo de álcool e de outras drogas. Igrejas pentecostais como a Assembleia de Deus e a Herdeiros do Sião praticam uma teologia que se opõe fortemente ao que consideram como mundanismo, classificando toda manifestação social e cultural não mediada pelos preceitos da sua denominação religiosa como pecaminosa e passível de punição divina (Mariano 1999______. (1999), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola.; Alves 2011ALVES, Fátima Maria Paz. (2011), “Religião e sexualidade: Permanências e Transformações da perspectiva de jovens pentecostais de Recife/PE-Brasil”. Ciências Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, nº13: 83-113. ). Para Maria de Fátima Paz Alves:

Por fim, exige-se um disciplinamento da mente e do corpo, de modo que em cada gesto, na forma de vestir e de falar, se demonstre que se trata de alguém “separado do mundo”. A percepção do “ser diferente” apresenta distintos acentos, destacando-se a noção de separação “do mundo”, vista como algo positivo e superior ao que vivenciam os/as demais jovens, com a contínua afirmação que se é “normal” apesar da diferença. De qualquer forma, também se vivenciam situações e conflitos comuns aos jovens de hoje, já que também se comunga, num amplo sentido, de uma realidade similar enquanto juventude (Alves 2011ALVES, Fátima Maria Paz. (2011), “Religião e sexualidade: Permanências e Transformações da perspectiva de jovens pentecostais de Recife/PE-Brasil”. Ciências Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, nº13: 83-113. : 84).

Órfã de pai e morando com a mãe e um irmão, perguntei a Amanda se o envolvimento com o funk era causa de problemas com a família20 20 Os conflitos intergeracionais. Sobre assunto, ver Sarti (1999, 1995, 2003, 2004). . Respondeu afirmativamente, principalmente com a mãe. “A gente ia pra igreja, depois vai pro funk. Nenhuma mãe gosta, né? Ela fala, fala, fala...” (entrevista com Amanda, 11/02/2014). Conheci a mãe de Amanda, Glória21 21 Nome fictício escolhido pela interlocutora. , uma mulher negra e enérgica, cuja ausência dos dentes frontais lhe conferiam uma aparência bem mais envelhecida do que seus 37 anos demonstravam. Trabalhando eventualmente como diarista, Glória retirava a maior parte dos rendimentos que sustentam sua casa do programa Bolsa Família22 22 Programa de transferência de renda do governo brasileiro que proporciona o pagamento de uma renda mínima às famílias que possuem renda per capita de R$ 85,01 a R$ 170,00 (disponível em: http://calendariobolsafamilia2016.org/quem-tem-direito-ao-bolsa-familia/) . Uma das líderes da Herdeiros do Sião, Glória afirmou possuir “os joelhos rachados de tanto orar para que a filha tome juízo e largue o mundo”23 23 Informação verbal obtida em entrevista realizada em fevereiro de 2014 .

Participando ocasionalmente de alguns cultos da Herdeiros do Sião, perguntei a Amanda se sofria alguma espécie de retaliação por parte dos membros oficiais do templo. Afirmou o contrário. Disse que os fiéis gostam de vê-la participar das celebrações. Sobre tal fato, perguntei se considera pecado a sua inserção na cultura funk, em especial, a participação nos bailes (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :116). Na resposta, observa-se como a jovem se relaciona com a pressão proselitista: Pecado é. Mas muita gente da igreja peca também. Eles gostam de falar dos outros. Tem gente que fala demais, eu não tô nem aí, tá ligado? (entrevista com Amanda, 11/02/2014).

Perguntei a Amanda se um dia voltaria à igreja e se batizaria. Direta, não hesitou em sua resposta: “se pudesse, me batizaria agora”. Surpresa, ratifiquei a pergunta, questionando se, de fato, deixaria o funk pela religião (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :114). Na resposta, revelou, em poucas frases, concepções evidentemente religiosas: “então vou me batizar com 40 anos. Juventude é curtição. O problema é se Jesus voltar antes” (entrevista com Amanda, 11/02/2014; grifos meus).

A resposta de Amanda, ao projetar a adesão ao pentecostalismo para décadas posteriores, “vou me batizar com 40 anos”, parece revelar que o modo de vida daqueles que aderem oficialmente ao pentecostalismo se distancia mais fortemente ao sentido de fruição e de fluidez relacionados a uma possibilidade específica de vivência da juventude representada pela cultura funk. Ao mesmo tempo, a fala de Amanda sugere que a experiência juvenil vivenciada no seio da igreja talvez esteja, em seu modo de entender, mais ligada à estabilidade e à monotonia, valores distantes da “diversão” possibilitada pelo funk.

Devo dizer, contudo, que conheci algumas jovens da Herdeiros do Sião com a mesma idade de Amanda. Sobre esses jovens, percebi uma intensa rede de sociabilidade. Formam grupos responsáveis por coordenar algumas celebrações, além de participarem de passeios a lugares bucólicos e, quando podem, promovem retiros espirituais. As celebrações também tomam grande parte da semana dos jovens integrantes daquela igreja, que realiza cultos às quartas-feiras, sextas-feiras e aos domingos. Seguindo os rígidos preceitos da religião, não frequentam bailes, não ouvem funk ou qualquer outra música secular, não bebem, não fumam. Os jovens da Herdeiros do Sião, como na imensa maioria das denominações pentecostais (Fernandes 2011FERNANDES, Silvia Regina Alves. (2011), “Marcos definidores da condição juvenil para católicos e pentecostais na baixada fluminense - algumas proposições a partir de um survey”.Religião & Sociedade, nº1: 96-125. :104), tendem a reproduzir relações sociais mais restritas e mais focadas ao contexto da igreja, uma vivência juvenil que se difere em muitos sentidos da vivida por Amanda.

A projeção de Amanda ao planejar a adesão oficial à religião aos 40 anos se articula à noção de projeto individual (Velho 1994______. (1994), Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de janeiro: Zahar.; 2009). Tal concepção fala sobre a capacidade de formular anseios e antecipar alguma parte do percurso individual ante o contexto sociossimbólico em que o sujeito se insere. Conforme Velho (2009VELHO, Gilberto. (2010) “Metrópole, cosmopolitismo e mediação”. Horizontes Antropológicos, nº 37: 15-23.), projeto é a "afirmação de uma crença no indivíduo-sujeito" (Velho 2009: 104), capaz de conscientemente “negociar” com os termos que lhe são postos como possibilidades. “O projeto e a memória associam-se e articulam-se ao dar significado à vida e às ações dos indivíduos, em outros termos, a própria identidade” (Velho 1994:101).

Assim, por conhecer os termos de ambas as províncias por entre as quais circula, Amanda prefere adiar a adesão religiosa, em uma formulação de projeto individual. Negociando entre as alternativas que lhe são postas, a jovem prefere, por ora, “a curtição” possibilitada pelo funk.

3.2 Yasmim: “saí da igreja por falta de vergonha na cara mesmo”

Prima de Amanda, Yasmim, aos 17 anos, é parecida fisicamente com sua parenta. Olhos verdes, negra de pele clara, magra. Moradora de uma casa vizinha à prima, à época das entrevistas cursava o último ano do ensino médio. Morava com a mãe, o padrasto e quatro irmãos (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :115). Yasmim não me permitiu conhecer sua casa. Disse que tinha vergonha. Por essa razão, todas as duas entrevistas foram realizadas na casa de Amanda.

Mais velha que Amanda, as jovens apresentam trajetórias de vida parecidas. Também nascida em uma família pentecostal, Yasmim frequentava a mesma igreja da prima quando criança. Pelo mesmo motivo apontado pela prima, afastou-se da religião. Por ser mais velha que Amanda, frequenta bailes funk em casas de show da cidade de Vitória. Pedi para que descrevesse como foi que a jovem pentecostal se convertera em funkeira. Respondeu que isso se dera por influência das amizades da vizinhança (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :115). Yasmin localiza no vestuário os marcos da mudança. Foi aos poucos. Comecei a sair com as amigas. A ir para os bailes. Aí a gente compra as roupas e, quando a gente vai ver, já tá dentro (do funk) (entrevista com Yasmim, 24/02/2014YASMIM. Entrevista concedida a Réia Sílvia Gonçalves Pereira em 24 de fevereiro de 2014. Disponível em: http://repositorio.ufes.br/handle/10/4339.
http://repositorio.ufes.br/handle/10/433...
).

Como Amanda, Yasmim é uma adepta destacada da cultura funk. Também já foi integrante de um bonde, “As provocantes. Diz ela sobre tal experiência: “A gente saía com as mesmas roupas e ensaiava os passos. Era massa!”, afirmou Yasmim, lembrando que o grupo se desfez após algum tempo. “As meninas mudaram do morro. Teve umas que casaram. Outras tiveram filhos. Aí acabou (...), mas estamos pensando em fazer um novo bonde (...). A gente tem que animar o morro” (entrevista com Yasmim, 24/02/2014).

Perguntei sobre o motivo do “desânimo” do morro, respondeu revelando a participação dos amigos no narcotráfico e os graves conflitos gerados por tais atividades: “é porque muita gente mudou (...) Alguns fugidos mesmo” (entrevista com Yasmim, 24/02/2014).

Assim como a Amanda, perguntei a Yasmim se considerava pecado o fato de gostar de dançar e de participar dos bailes (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :116): “É pecado sim. Saí da igreja por falta de vergonha na cara mesmo (risos). Apesar de quê, a gente sabe que isso é só ilusão. O funk não é de Deus”.

Questionada também se temia a volta de Jesus, respondeu afirmativamente, revelando a preocupação pelo fato de ter uma tatuagem (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :116): “Claro que sim! A Bíblia fala que no dia do juízo a gente tem que estar como estiver. Eu fiz essa tatuagem. É pecado” (entrevista com Yasmim, 24/02/2014).

Assim como Amanda, Yasmim também planeja o retorno à religião: “um dia vou voltar (...), mas só Deus sabe quando (entrevista com Yasmim, 24/02/2014)”. Inquiri se eram normas da igreja que a impediam de voltar. Em resposta, disse que concordava com as condutas exigidas pela religião (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :116): “Tem igreja que é igual à católica. Não exige nada. Mas acho que igreja não pode ser igual ao mundo (...). Senão, qual é a diferença? Quando eu voltar, vou seguir direitinho; senão, vou tá pecando mais ainda” (entrevista com Yasmim, 24/02/2014).

Em uma revelação demonstrando que a descontinuidade com a experiência religiosa não tem caráter definitivo, Yasmim contou que ainda guarda as roupas da vivência pentecostal.

Dessa forma, percebi que Yasmim se afastara da igreja não por discordar das normas ou da teologia difundida, mas porque não se sente pronta para assumir o compromisso em aderir à religião (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :116). Reitera, por isso, que resiste à pressão proselitista exercida pelos integrantes da igreja. “Quando voltar, vou voltar inteira. Não para entrar e sair24 24 A frase que remete ao movimento de afastamento e adesão ao pentecostalismo fora destacada por muitos interlocutores. Observa-se que é um fenômeno relativamente comum (Pereira 2014). . A igreja pressiona muito a gente pra voltar, mas a gente não pode agir por impulso” (entrevista com Yasmim, 24/02/2014). A frase, voltar inteira, parece revelar um desejo por estabilidade ao projetar a adesão à vida adulta. Reconhecendo a rigidez das condutas exigidas pela religião, Yasmim prefere adiar o retorno à igreja para quando estiver preparada para deixar o caráter de volatilidade relacionado à experiência juvenil.

3.3 Amanda e Yasmim: funk, pentecostalismo e campo de possibilidades

Dos depoimentos de Yasmim e Amanda, observa-se nitidamente como a cultura funk e o ethos pentecostal estão inseridos no campo de possibilidades de ambas. Relacionado aos projetos, campo de possibilidades trata sobre os termos em que a “negociação da realidade” vai se estabelecer: “campo de possibilidades trata do que é dado com as alternativas construídas do processo socio-histórico e com o potencial interpretativo do mundo simbólico da cultura” (Velho 1994______. (1994), Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de janeiro: Zahar. p: 28).

Assim, a circulação empreendida por Amanda e Yasmim se conforma a partir das alternativas fornecidas na cidade (Agier 2001AGIER, Michel. (2001), “Distúrbios identitários em tempos de globalização”, Mana, nº 2: 07-33.) e, mais especificamente, a partir de um bairro das periferias urbanas (Novaes 2006:116).

Periferia aqui é concebida a partir das reflexões de Regina Novaes (2006), Magnani (2003:85) e Dayrell (2007 ______. (2007), “A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil”.Educação e sociedade, nº 100:1105-1128.), segundo os quais, para além do que uma distinção meramente espacial relacionada com as dificuldades de acesso aos bens públicos típicos das regiões centrais25 25 Na questão sobre a conceituação de periferia quanto à sua diferenciação em relação aos centros citadinos, sendo as periferias consideradas espaços marcados pela exclusão, há uma ampla discussão no campo da Geografia. (Santos 2008; Alves 2011; Lago 2008). O geógrafo Álvaro Domingues, diante da dificuldade conceitual acerca do termo, prefere falar em condição periférica: “Hoje, o significado da periferia urbana perde-se ainda mais no mosaico da urbanização extensiva. Quando o território passa efetivamente a ser organizado por sistemas de fluxos, redes e relações (que associam escalas urbanas e elementos muito distintos), e não apenas por critérios de contiguidade-proximidade física, as posições «centrais» e, por oposição, as «periféricas», baralham-se nos seus atributos sociais, morfológicos, funcionais, simbólicos (e agora, cada vez mais, ambientais). A condição periférica (socialmente assim definida) pode estar num «centro» (disso falam os especialistas da regeneração urbana dos bairros pobres dos centros ditos históricos), e a distinção social pode residir num condomínio da «periferia» (os «subúrbios dourados» de que nos falam os sociólogos franceses, por oposição aos «subúrbios vermelhos» da periferia operária da metrópole fordista” (Domingues 2007: 140) , periferia refere-se a um ethos específico. No mesmo sentido, Juarez Dayrell (2007) destaca que a concepção de periferia não deve ser interpretada exclusivamente como espaço de carência ou escassez, mas antes como espaço de interações afetivas e simbólicas:

(...) a periferia não se reduz a um espaço de carência de equipamentos públicos básicos ou mesmo da violência, ambos reais. Muito menos aparece apenas como o espaço funcional de residência, mas surge como um lugar de interações afetivas e simbólicas, carregado de sentidos. Pode-se ver isso no sentido que atribuem à rua, às praças, aos bares da esquina, que se tornam, como vimos anteriormente, o lugar privilegiado da sociabilidade ou, mesmo, o palco para a expressão da cultura que elaboram, numa reinvenção do espaço (Dayrell 2007 ______. (2007), “A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil”.Educação e sociedade, nº 100:1105-1128.: 1107)

Nesta esteira, como referências do contexto em que vivem, Amanda e Yasmim, ao atuarem a partir de manifestações que possuem supostamente valores (Duarte 1986DUARTE, Luiz Fernando Dias. (1986), Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2º ed.) distintos, refletem sobre a própria condição juvenil e concebem sobre as especificidades nas quais transcorrem suas vidas. “Enquanto o funk relaciona-se como uma possibilidade de vivência de uma sociabilidade especificamente juvenil, o pentecostalismo adquire um valor de legitimidade moral” (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :117). Sobre o funk: “Adoro dançar. O funk é que anima o mundo” (entrevista com Amanda, 11/02/2014) ou “A gente saía com as mesmas roupas e ensaiava os passos. Era massa!” (entrevista com Yasmim, 24/02/2014); já ethos pentecostal, revela-se um forte sentido de “âncora” ética: “Acho que igreja não pode ser igual o mundo (...)”. Senão, qual é a diferença? (entrevista com Yasmim, 24/02/2014).

Ainda examinando as estratégias de negociação de Amanda e Yasmim, há outra questão indiretamente evocada em seus depoimentos. Refiro-me às dimensões de gênero. Mesmo que não seja objetivo desse artigo aprofundar o rico debate envolvendo as relações de gênero que perpassam tanto o funk quanto as manifestações pentecostais, percebe-se que essas duas instâncias, pelo menos em sentido ideal, guardam, novamente, representações distintas. Autoras como Maria das Dores Machado (2005MACHADO, Maria das Dores Campos. (2005) “Representações e relações de gênero nos grupos pentecostais”.Estudos feministas, v. 13, n. 2:87.), Patrícia Birman (1996BIRMAN, Patrícia. (1996), “Mediação feminina e identidades pentecostais”.Cadernos pagu, nº 6: 201-226.) e Marion Aubreé (2014) destacam que, entre os pentecostais, em que pese toda a heterogeneidade do campo, há um reforço dos papéis tradicionais de gênero (Machado 2005:289). Além disso, as mulheres assumiriam o papel de mediadoras espirituais da família (Birman, 1996:206), atuando ora como guardiãs do lar, ora como guerreiras da vida espiritual dos parentes (Aubreé 2014:172). Repetindo uma frase ouvida muitas vezes das integrantes da Herdeiros do Sião e de tantas outras igrejas pentecostais, “a família só está em pé porque a mulher está de joelhos orando”.

Amanda e Yasmim, ao se assumirem “pecadoras” por desfrutarem do funk, parecem rechaçar o papel de mediadoras espirituais. Preferem uma atuação mais “mundana” e possivelmente mais adequada a representações femininas supostamente mais condizentes às concepções de suas próprias condições juvenis (Pais 2003______. (2003) Culturas Juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda.).

Por tudo o que foi abordado em seus depoimentos, interpreto que tanto Amanda quanto Yasmim atuam como mediadoras. Conhecedoras dos códigos de ambas as fronteiras, as jovens operam a partir de referências singulares. Em Hannerz (1997), a atuação daqueles que se encontram nas fronteiras revela um caráter que remete à criatividade e à possibilidade de combinações inovadoras:

Os cenários das zonas intersticiais parecem cheios de vida, mas não completamente seguros. Se uma pessoa é capaz de sobreviver e até prosperar nelas, isso se deve à sua própria agilidade cultural, talvez mesmo agilidade física. Uma parte disso, assim nos dizem nossos intérpretes, pode ser uma questão de “deculturação”: despojar-se de uma sobrecarga de cultura para ganhar liberdade de movimento (...) A liberdade da zona fronteiriça é explorada com mais criatividade por deslocamentos situacionais e combinações inovadoras, organizando seus recursos de novas maneiras, fazendo experiências. Nas zonas fronteiriças, há espaço para a ação [agency] no manejo da cultura. (Hannerz 1997:23-24)

Dessa forma, a atuação de Yasmim e Amanda como mediadoras coloca em relevo os conceitos de moratória social e vital (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :118). Como observado por Margulis e Uresti (1996MARGULIS, Mario; URRESTI, Marcelo. (1996). “La juventud es más que una palabra: La juventud és mas que una palabra”. In: M Margulis (org). La juventud es más que una palabra. Buenos Aires: Biblos.:23), a moratória vital se relaciona a um “crédito temporal e energético”, que perdemos na medida em que envelhecemos: “Daí a sensação de invulnerabilidade que caracteriza os jovens, sua sensação de segurança: a morte está longe, é inverossímil, pertence ao mundo dos outros, às gerações que os precederam” (Margulis & Urresti 1996:23).

Associado à moratória vital, a moratória social refere-se ao período de relativa permissividade em relação aos deveres da vida adulta. Ciente das especificidades das vivências juvenis, a argumentação de Margulis & Urresti (1996MARGULIS, Mario; URRESTI, Marcelo. (1996). “La juventud es más que una palabra: La juventud és mas que una palabra”. In: M Margulis (org). La juventud es más que una palabra. Buenos Aires: Biblos.:23) destaca que a moratória social não é vivenciada de forma homogênea. Observam que, para os jovens das camadas populares26 26 Gilberto Velho (1999) formulou a compreensão do conceito de “camadas” abarcando o universo simbólico, os níveis das interações sociais e os modos de vida. Desse modo, Velho (2006) relativiza o determinismo classista ao destacar dois aspectos. O primeiro deles é o fluxo e a circulação individual nas redes de relações entre os diversos estratos socioeconômicos, o outro aspecto a se considerar é o processo de socialização, visto pelo autor como um processo contínuo, ensejando diversas interações ao longo da vida- como o casamento e o trabalho- e não apenas as interações intraclasses. , a moratória social é reduzida devido aos desafios enfrentados pelos jovens mais pobres, como o ingresso relativamente precoce no mercado de trabalho.

Dessa forma, significativos se tornam os depoimentos de Amanda e Yasmim na medida em que há um evidente sentido de experiência juvenil como período transitório voltado à experimentação e ao lazer. Destacadamente, embora apresentem concepções intensamente marcadas pela influência do ethos pentecostal, optam por um tipo específico de vivência juvenil amparada pela adesão à cultura funk. Repetindo a frase de Amanda, “Juventude é curtição” (entrevista com Amanda 2014). Juarez Dayrell (2003DAYRELL, Juarez. (2003), “O jovem como sujeito social”. Rev. Bras. Educ, nº24: 40-52.), em pesquisa sobre funk e rap com jovens em Belo Horizonte, percebeu tal conformação:

Podemos dizer que, através do rap ou do funk, os jovens vivenciam a tentativa de alongar o período da juventude o máximo que podem, experienciando assim uma moratória. O sentido dessa tentativa não é tanto o de uma suspensão da vida social ou de irresponsabilidade, como geralmente é vista, mas de garantir espaços de fruição da vida, de não serem tão exigidos, de se permitirem uma relação mais frouxa com o trabalho, de investirem o tempo na sociabilidade e nas trocas afetivas que esta possibilita. É o envolvimento com o rap ou com o funk que cria, possibilita e legitima a moratória como uma experiência válida (Dayrell 2003DAYRELL, Juarez. (2003), “O jovem como sujeito social”. Rev. Bras. Educ, nº24: 40-52.:51).

Reitero, assim, a força dos relatos de Amanda e Yasmim. As jovens, ao revelarem o receio pela chegada de Jesus e, ainda assim, optarem por uma vivência peculiar de suas juventudes “a um só tempo contestam e afirmam seus valores religiosos, assumindo o risco de suas escolhas em nome da autonomia de suas trajetórias” (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :119).

Sobre Amanda, destaca-se sua profunda inserção na cultura funk. Contudo, em contraste com as concepções pentecostais, Amanda concebe que os hábitos que ora pratica - dançar e participar dos bailes - contradizem radicalmente seus preceitos religiosos. Em seu depoimento, porém, percebi que a circulação entre o funk e a religião, mesmo que pareça, a princípio, uma contradição na minha visão como pesquisadora, não representa uma incoerência significativa para ela. Mesmo temendo a volta de Jesus a qualquer momento, Amanda prefere cultivar seus hábitos juvenis afastada da igreja.

Yasmim foi mais categórica ao explicitar as contradições entre o estilo de vida funk e as concepções pentecostais. Para Yasmim, o “funk não é de Deus” (entrevista com Yasmim, 11/02/2014). Ela só saiu da igreja “por falta de vergonha na cara”. Assim, a jovem não discorda das rígidas regras da religião. Indica, ao contrário, que é justamente pelo fato de exigir condutas rígidas que a experiência pentecostal adquire legitimidade, revelando certo sentimento de culpa pela inserção na cultura funk.

Dessa forma, em sua concepção de juventude como período transitório, Yasmim opta pela desobediência aos preceitos da religião porque não se sente capaz de segui-los no momento. Como possibilidade de negociação, maneja a narrativa do perdão cristão expresso no discurso pentecostal, no qual pode inserir-se novamente no contexto da igreja por meio do arrependimento e da aceitação de um novo modo de vida (Pereira 2014PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2014), Fé em Deus, dj: Funk e Pentecostalismo entre Jovens das Camadas Populares. Vitória: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo. :139).

4. Conclusão: cultura funk, religião e negociação da realidade

Revelando a complexidade das associações entre religião, arte e cultura nas periferias, os relatos biográficos de Yasmim e Amanda, indicam um profundo sentido de “juventude” como época de experimentação, voltada ao lazer.

Nesse sentido, o ethos pentecostal, como manifestação da religiosidade, configura-se como estilo de vida mais apropriado para a infância e idade adulta. O funk, como expressão cultural, remete à fruição juvenil com ênfase à expressão performática, ao hedonismo e à contestação, revelando-se como meio de ampliação da moratória social aos jovens das camadas populares.

Tais análises são apontadas ainda no primeiro item do artigo, quando os dados etnográficos do morro do Conquista indicam como as manifestações da cultura funk - mediando as rodas de conversa, os rockezinhos e os mandelas - e as manifestações pentecostais, a partir de seus ruidosos e expressivos cultos, compõem a paisagem sonora da localidade, conformando a “política da presença por meio dos sons” (Oosterbaan 2009OOSTERBAAN, Martijn. (2009) “Sonic supremacy: Sound, space and charisma in: a favela in Rio de Janeiro”.Critique of Anthropology, nº 1:81-104.). Em segundo lugar, foi observado que, mesmo com aparências antagônicas, as fronteiras entre a cultura funk e o ethos pentecostal são transpostas e manejadas, sendo, dessa forma, constantemente recriadas.

Sobre os depoimentos de Amanda e Yasmim, destacam-se suas atuações como mediadoras, sendo a circulação entre ambas as províncias de significados operadas a partir da especificidade de cada trajetória.

Com Amanda, a profunda imersão na cultura funk se relaciona ao desejo de experimentação da experiência juvenil. Ao mesmo tempo, a projeção à adesão religiosa na vida adulta revela a formulação de um projeto individual a partir de seu campo de possibilidades, no qual o modo de vida pentecostal se relaciona à estabilidade.

Mais velha que Amanda, Yasmim demonstrou que o afastamento da religião e a inserção no mundo do funk não significam discordância sobre as rígidas regras da religião. Ao contrário, localiza justamente na exigência das condutas a legitimidade da religião.

Observa-se, por outro lado, que a circulação empreendida pelas jovens não se estabelece sem conflitos. Para Amanda, os conflitos com a mãe. Para Yasmim, o sentimento de culpa em relação ao cumprimento dos preceitos religiosos. As sinuosidades das trajetórias apresentadas demonstram os vieses de cada experiência, revelando que entre o ethos pentecostal e as manifestações da cultura funk há um rico e criativo espaço para negociação.

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  • ZALUAR, Alba. (2002), A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza São Paulo: Editora Brasiliense.
  • 1
    Para Schutz, províncias de significados finitos possuem seus próprios estilos cognitivos, revelando-se em realidades múltiplas. No fluxo da vida, o homem atravessa tais províncias provocando “choque” na atenção da apreensão da experiência. “O choque não é nada mais do que uma modificação radical da tensão de nossa consciência, fundada num tipo diferente de atenção à vida” (Schutz 1979: 252).
  • 2
    Nomes fictícios escolhidos pelas interlocutoras.
  • 3
    Pentecostalismo é a vertente religiosa definida pelo culto ao espírito santo, resultando em rituais marcados pela experiência de transe (Aubree 2014), por expressivas performances corporais e pelo ascetismo das condutas dos adeptos (Freston 1994). Surgido no início do século XX, nos Estados Unidos, o pentecostalismo difundiu-se mundialmente. No Brasil, atualmente, é a vertente religiosa de maior crescimento. De acordo com o Censo de 2010, dos 26,2 milhões de evangélicos brasileiros, 17,7 milhões são pentecostais (67%). IBGE. Censo Demográfico 2010.
  • 4
    Para Simmel, sociabilidade é a forma lúdica de sociação (Simmel 1983: 168).
  • 5
    http://legado.vitoria.es.gov.br/regionais/bairros/regiao7/saopedro.asp
  • 6
    Nome fictício escolhido pela interlocutora.
  • 7
    Sobre o tema, ver Dos Santos Mattos (2012), que discorreu sobre as categorias “neurose” e “frenético”, gírias correntes na cultura funk.
  • 8
    Novamente, Dos Santos Mattos aborda os bondes em artigo de 2014DOS SANTOS MATTOS, Carla. (2014), “Parado na esquina: Performances masculinas e identificações entre ‘bondes’ juvenis na Nova Holanda, Maré, RJ”.Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, nº 4: 643-663..
  • 9
    Para Duarte (2005), religiosidade se relaciona “à adesão, experiência e crença”. (Duarte 2005:141)
  • 10
    Embora não seja intenção aprofundar a discussão sobre a complexidade do campo pentecostal, destaco sua heterogeneidade, o que já foi demonstrada nos clássicos de Paul Freston(1994) e Ricardo Mariano(1999). Freston (1994) analisa pentecostalismo brasileiro a partir de “ondas” referentes ao seu desenvolvimento. A primeira onda se refere ao surgimento do movimento no Brasil, a segunda seria a expansão pentecostal a partir da década de 1960. A terceira onda se refere ao florescimento das grandes denominações pentecostais, entre elas, a Igreja Universal do Reino de Deus. Ricardo Mariano(1999, 2013MARIANO, Ricardo. (2004), “Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal”. Estudos avançados, vol.18, n.52:121-138. ) desenvolveu o termo neopentecostalismo para se referir às grandes denominações pentecostais que enfatizam a teologia da prosperidade.
  • 11
    Glossolalia é um fenômeno que, para teologia pentecostal, possibilita ao crente a comunicação verbal com a transcendência (Csordas 1990CSORDAS, Thomas. (1990), “Embodiment as a Paradigm for Anthropology”. Ethos, nº1: 05-47: 25).
  • 12
    A existência de denominações como a Herdeiros do Sião e tantas outras com características semelhantes no bairro São Pedro é mais uma prova do dinamismo e heterogeneidade do campo pentecostal. Argumento que denominações como a Herdeiros do Sião não podem ser associadas completamente à tipologia de Mariano (1999) e Freston (1994).
  • 13
    Nome fictício escolhido pela interlocutora.
  • 14
    Nome fictício escolhido pela interlocutora.
  • 15
    Para aproximar as discussões sobre a formação de grupos juvenis, tomo a já clássica definição de Pais (2008), para quem os grupos juvenis se formam a partir de interações, nas quais se estabelece um conjunto de códigos mais ou menos coerentes de elementos simbólicos compartilhados e reconhecidos.
  • 16
    Pierre Bourdieu (1986), ao contrapor-se ao método da história oral, questionou fortemente o material biográfico enquanto possibilidade metodológica. Em um título instigante, para Bourdieu, a noção de “biografia” é, em certo sentido, uma ilusão. O autor francês argumenta que em um relato biográfico ocorre uma tentativa dos sujeitos em imprimir coerência numa sequência lógica de acontecimentos individuais (Bourdieu 1986:189). Tal tentativa seria uma construção artificial, na medida em que alguns fatos são selecionados em detrimentos de outros. Assim, o sentido impresso na narrativa de sua trajetória seria uma construção a posteriori, na qual os sujeitos organizam sua biografia na intenção de imprimir coerência ao relato. Inverte-se, desta forma, a premissa de que são as trajetórias que dão sentido ao indivíduo. Na verdade, seriam os próprios indivíduos, frutos das influências de seu contexto histórico, que dariam sentido as suas biografias.
  • 17
    Dubar (1998DUBAR, Claude. (1998), “Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos conceituais e metodológicos”.Educação & Sociedade, nº 62:13-30.) enumera que ante o problema de análises “psicologizantes”, nas quais há uma concepção de "unidades psíquicas coerentes e permanentes" ou entre as análises estruturantes, as quais deslegitimam a possibilidade biográfica, a fenomenologia juntamente com abordagem genética de Piaget, a fenomenologia de Schutz, a própria escola de Chicago ou a etnometodologia foram algumas das possibilidades relacionais possibilitadas pelas Ciências Sociais (Dubar 1998:18).
  • 18
    Sobre o assunto, ver Pereira (2005).
  • 19
    Vertente do funk em que há claramente apologia ao narcotráfico. No proibidão, “os cantores manifestam suas preferências, seus posicionamentos diante do mundo, mostram à sociedade o que certos grupos constituintes de zonas periféricas pensam e como agem em diversas situações e declaram a forma como os jovens pretendem ser vistos. Assim, os jovens se organizam em bandos ou galeras como forma de se localizar nos espaços da cidade. Por meio de vulgos eles se apresentam e se vangloriam de atos criminosos encarnam personagens e exaltam um estilo de viver” (Barbosa 2011BARBOSA, Nathália Silva. (2011), “Os moleques são sinistros! As representações sociais nas letras de funk “proibidão” na cidade do Rio de Janeiro”.Anais do Seminário Nacional da Pós-Graduação em Ciências Sociais-UFES, Vitória, ES, nº1: s/p.: s/p).
  • 20
    Os conflitos intergeracionais. Sobre assunto, ver Sarti (1999, 1995, 2003, 2004).
  • 21
    Nome fictício escolhido pela interlocutora.
  • 22
    Programa de transferência de renda do governo brasileiro que proporciona o pagamento de uma renda mínima às famílias que possuem renda per capita de R$ 85,01 a R$ 170,00 (disponível em: http://calendariobolsafamilia2016.org/quem-tem-direito-ao-bolsa-familia/)
  • 23
    Informação verbal obtida em entrevista realizada em fevereiro de 2014
  • 24
    A frase que remete ao movimento de afastamento e adesão ao pentecostalismo fora destacada por muitos interlocutores. Observa-se que é um fenômeno relativamente comum (Pereira 2014).
  • 25
    Na questão sobre a conceituação de periferia quanto à sua diferenciação em relação aos centros citadinos, sendo as periferias consideradas espaços marcados pela exclusão, há uma ampla discussão no campo da Geografia. (Santos 2008; Alves 2011; Lago 2008). O geógrafo Álvaro Domingues, diante da dificuldade conceitual acerca do termo, prefere falar em condição periférica: “Hoje, o significado da periferia urbana perde-se ainda mais no mosaico da urbanização extensiva. Quando o território passa efetivamente a ser organizado por sistemas de fluxos, redes e relações (que associam escalas urbanas e elementos muito distintos), e não apenas por critérios de contiguidade-proximidade física, as posições «centrais» e, por oposição, as «periféricas», baralham-se nos seus atributos sociais, morfológicos, funcionais, simbólicos (e agora, cada vez mais, ambientais). A condição periférica (socialmente assim definida) pode estar num «centro» (disso falam os especialistas da regeneração urbana dos bairros pobres dos centros ditos históricos), e a distinção social pode residir num condomínio da «periferia» (os «subúrbios dourados» de que nos falam os sociólogos franceses, por oposição aos «subúrbios vermelhos» da periferia operária da metrópole fordista” (Domingues 2007: 140)
  • 26
    Gilberto Velho (1999) formulou a compreensão do conceito de “camadas” abarcando o universo simbólico, os níveis das interações sociais e os modos de vida. Desse modo, Velho (2006) relativiza o determinismo classista ao destacar dois aspectos. O primeiro deles é o fluxo e a circulação individual nas redes de relações entre os diversos estratos socioeconômicos, o outro aspecto a se considerar é o processo de socialização, visto pelo autor como um processo contínuo, ensejando diversas interações ao longo da vida- como o casamento e o trabalho- e não apenas as interações intraclasses.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2018
  • Aceito
    31 Dez 2018
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