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Interações medicamentosas de antimicrobianos utilizados em transplante de células-tronco hematopoéticas

Resumos

Neste estudo, analisaram-se as interações medicamentosas potenciais (IMP) de antimicrobianos, usados em pacientes submetidos a transplante de células-tronco hematopoiéticas e foram identificdos os fatores associados às IMPs. A casuística foi composta por 70 pacientes internados em hospital do município de São Paulo. As IMPs foram analisadas através da consulta ao Drug Interactions Facts e Drug Interactions Handbook. Na análise dos dados, utilizou-se estatística descritiva e regressão logística. Metade da amostra foi exposta a 13 IMPs, que ocorreram com fluconazol (53,8%), ciprofloxacina (30,8%) e sulfametoxazol+trimetoprima (15,4%). A maioria (92,3%) apresentou gravidade moderada, início de efeito demorado (61,5%) e necessidade de monitorar a terapia (76,9%). Quatro ou mais medicamentos (p<0,001), idade 40-49 anos (p<0,001), sexo masculino (p<0,001) foram associados ao risco de IMP. As implicações das IMPs podem resultar em desfechos adversos, causando impacto na morbimortalidade do paciente. Os regimes combinados podem ser seguros, desde que haja monitoramento criterioso por parte dos profissionais envolvidos no cuidado.

Interações de Medicamentos; Enfermagem Oncológica; Avaliação em Enfermagem


This study analyzed potential drug interactions (PDIs) of antimicrobials used in patients of hematopoietic stem cell transplantation and identified associated factors. The sample consisted of 70 patients admitted to a hospital in São Paulo. The PDIs were analyzed through the consultation of the Drug Interactions Facts and Drug Interactions Handbook. Descriptive statistics and logistic regression were used. Half of the sample was exposed to 13 PDIs, which occurred with fluconazole (53.8%), ciprofloxacin (30.8%) and sulfamethoxazole-trimethoprim (15.4%). Most (92.3%) were of moderate severity, with good evidence (61.6%), early delayed effect (61.5%) and need to have their therapy monitored (76.9%). Patients with four or more medications (p<0.001), aged between 40-49 years of age (p <0.001), and being male (p<0.001) were associated with PDIs. A PDI may result in adverse outcomes, impacting patients' morbidity and mortality. Combination regimens can be safe, provided there is careful monitoring by professionals involved in care delivery.

Drug Interactions; Oncologic Nursing; Nursing Assessment


El estudio analizó interacciones medicamentosas potenciales (IMP) de antimicrobianos usados en pacientes sometidos a trasplante de células madre hematopoyéticas e identificó los factores asociados las IMP. La casuística fue compuesta por 70 pacientes internados en un Hospital de Sao Paulo. Las IMP fueron a través de la consulta al Drug Interactions Facts y Drug Interactions Handbook. En el análisis de los datos se utilizó estadística descriptiva y regresión logística. Mitad de la muestra fue expuesta a 13 IMP, que ocurrieron con fluconazol (53,8%), ciprofloxacina (30,8%) y sulfametoxazol+trimetoprima (15,4%). La mayoría (92,3%) presentó gravedad moderada, inicio de efecto demorado (61,5%) y necesidad de monitorizar la terapia (76,9%). Cuatro o más medicamentos (p<0,001), edad entre 40 y 49 años (p<0,001) y sexo masculino (p<0,001), fueron asociados al riesgo de IMP. Las implicaciones de las IMP pueden resultar en resultados adversos, causando impacto en la morbimortalidad del paciente. Los regímenes combinados pueden ser seguros, desde que exista monitorización cuidadosa por parte de los profesionales envueltos en el cuidado.

Interacciones de Drogas; Enfermería Oncológica; Evaluación de Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Interações medicamentosas de antimicrobianos utilizados em transplante de células-tronco hematopoéticas1

Rosimeire Barbosa Fonseca GuastaldiI; Silvia Regina SecoliII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Professora, Universidade Paulista, SP, Brasil. E-mail: meire.2310@ig.com.br

IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail secolisi@usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Neste estudo, analisaram-se as interações medicamentosas potenciais (IMP) de antimicrobianos, usados em pacientes submetidos a transplante de células-tronco hematopoiéticas e foram identificdos os fatores associados às IMPs. A casuística foi composta por 70 pacientes internados em hospital do município de São Paulo. As IMPs foram analisadas através da consulta ao Drug Interactions Facts e Drug Interactions Handbook. Na análise dos dados, utilizou-se estatística descritiva e regressão logística. Metade da amostra foi exposta a 13 IMPs, que ocorreram com fluconazol (53,8%), ciprofloxacina (30,8%) e sulfametoxazol+trimetoprima (15,4%). A maioria (92,3%) apresentou gravidade moderada, início de efeito demorado (61,5%) e necessidade de monitorar a terapia (76,9%). Quatro ou mais medicamentos (p<0,001), idade 40-49 anos (p<0,001), sexo masculino (p<0,001) foram associados ao risco de IMP. As implicações das IMPs podem resultar em desfechos adversos, causando impacto na morbimortalidade do paciente. Os regimes combinados podem ser seguros, desde que haja monitoramento criterioso por parte dos profissionais envolvidos no cuidado.

Descritores: Interações de Medicamentos; Enfermagem Oncológica; Avaliação em Enfermagem.

Introdução

As interações medicamentosas (IM) encontram-se entre as principais causas evitáveis de eventos adversos relacionados a medicamentos (ADE), representando 20-30% desses, sendo clinicamente relevantes em 80% dos casos, especialmente entre idosos(1-2). Os ADEs decorrentes de IMs são considerados problema de saúde, ainda que subnotificados, pois há interações que acarretam falha terapêutica sem causar modificação imediata clinicamente visível no paciente.

As interações ocorrem quando um medicamento (precipitante) interfere na ação do outro (objeto), o primeiro ocasionando alterações na farmacocinética ou no mecanismo de ação do segundo. A ocorrência desse evento pode resultar em três possíveis desfechos: aumentar ou reduzir o efeito terapêutico e/ou adverso, ou apresentar um tipo de resposta diferente daquelas originalmente provenientes dos medicamentos(3-4).

No âmbito da onco-hematologia, o fenômeno das IMs, ainda, é pouco explorado, apesar da vulnerabilidade dos pacientes dessa especialidade, particularmente aqueles que são submetidos a transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH). Nesse tipo de terapia é, inicialmente, realizada aplasia medular do receptor e, posteriormente, infusão venosa de células do tecido hematopoético, previamente tratadas ou de doador compatível, com a finalidade de restabelecimento da hematopoese(5). No TCTH, a exposição do paciente a regimes terapêuticos complexos, compostos por medicamentos de índice terapêutico estreito, toxicidade em vários sistemas orgânicos e antimicrobianos potencialmente interativos, associada à variabilidade farmacocinética e farmacodinâmica, são alguns dos fatores que aumentam o risco das IMs nesse grupo de indivíduos(6-7).

Investigação conduzida com pacientes ambulatoriais, portadores de tumores sólidos, apontou que 27% deles apresentou pelo menos uma IM, elevando-se para 31% em enfermos tratados num serviço de cuidados paliativos(8-9). Em pacientes submetidos a TCTH, tratados com antifúngicos, 86% foram expostos a pelo menos uma IM e 26% apresentou um ou mais ADE relacionado à IM identificada(7). No Brasil, estudo realizado em unidade de hematologia evidenciou que, na fase pós-quimioterapia, 95,5% da amostra foi exposta à associação de medicamentos potencialmente interativos(10). Em hospital geral, observou-se que 63% dos pacientes com tumores sólidos e hematológicos apresentaram pelo menos uma IM, durante a internação(11). Apesar do difícil estabelecimento de relação causal, o impacto das IMs pode ser de grande magnitude. Pesquisa apontou que 4% dos óbitos identificados em indivíduos hospitalizados com diagnóstico de câncer foram relacionadas a IMs graves(12).

Artigo de revisão sobre IM em pacientes submetidos a transplantes de órgãos, incluindo medula óssea, apontou que antimicrobianos como fluconazol, trimetoprim/sulfamethoxazol, aciclovir e imipenem apresentam IM com ciclosporina, um dos imunossupressores mais utilizados no TCTH(13).

Considerando que, no âmbito do TCTH, os antimicrobianos representam uma classe terapêutica fundamental para o sucesso do procedimento, muitos são introduzidos na fase de condicionamento, com a finalidade de prevenir infecções, principalmente fúngicas, e que o conhecimento das enfermeiras oncológicas, acerca do impacto das IMs, ainda que potencial, pode ajudar no monitoramento das manifestações clínicas indicativas de IM, concebeu-se este estudo. Os objetivos foram analisar as IMs potenciais dos antimicrobianos utilizados em pacientes, submetidos a TCTH, quanto aos seguintes aspectos: gravidade, evidências científicas, implicações clínicas potenciais, tempo de início dos efeitos e nível de risco de terapia combinada e, ainda, identificar os fatores associados às interações.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, prospectivo, realizado no setor de TCTH do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A casuística foi constituída por 70 pacientes que se encontravam na fase de condicionamento, no dia anterior à infusão de medula óssea (dia-1), independente de raça, diagnóstico, idade ou sexo, hospitalizados no período de janeiro a julho de 2005. Tendo em vista que, neste estudo, o foco de investigação é voltado aos antimicrobianos, os quais foram incluídos no regime terapêutico para profilaxia de infecções no dia-1, de acordo com protocolo institucional e segundo a necessidade de cada paciente, optou-se pela análise da terapia medicamentosa, nesse dia específico. Foram excluídos os pacientes transferidos para a unidade de terapia intensiva ou aqueles que evoluíram para óbito no dia do estudo.

A coleta de dados foi realizada após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética do Hospital (Protocolo nº1107/04) e foi realizada em duas fases. Na primeira fase consultou-se o prontuário para obtenção de informações acerca do paciente e terapia medicamentosa, sendo coletadas as seguintes variáveis: idade, sexo, diagnóstico, tipo de TCTH, tipo de cateter central utilizado, nome genérico do medicamento, via e horário de administração. Na fase subsequente, examinou-se literatura específica para classificação das IMs, cujas variáveis de interesse incluíram: gravidade, evidência científica, implicações clínicas potenciais, tempo de início de efeito, risco da terapia combinada.

Neste estudo, utilizou-se o termo IM potencial (IMP), o qual se refere à possibilidade de um dado medicamento alterar a intensidade do efeito farmacológico de outro, presente na terapia.

As IMPs foram analisadas a partir de consulta em literatura de autores consagrados(3-4). Na gravidade classificada como maior, os efeitos decorrentes da IM ameaçam a vida, podendo causar danos permanentes. Na moderada, as respostas podem causar dano ao paciente ou aumentar o tempo de hospitalização e, na menor, os efeitos são leves e as consequências podem incomodar o indivíduo ou passarem despercebidas, porém, não é necessária terapia adicional(3).

Para estabelecer a evidência científica foram consideradas cinco categorias, a saber: estabelecida, provável, suspeita, possível e improvável. A documentação na categoria estabelecida é inserida quando há provas por meio da ocorrência da IM em estudos bem controlados. É provável quando é típica, porém, não comprovada clinicamente, suspeita se a IM pode ocorrer, se há algumas informações relativas ao evento, porém, é necessário maior número de estudos. Na categoria possível, a IM pode ocorrer, mas os dados são muito limitados e improvável, quando não há nenhuma evidência de alteração dos efeitos clínicos no paciente(3). O tempo de início do efeito refere-se ao momento inicial do aparecimento dos efeitos adversos, sendo categorizados em rápidos (dentro de 24h) e demorados (dias ou semanas)(3).

O risco de terapia combinada foi classificado em cinco níveis: A – não há conhecimento de ocorrência de IM; B – nenhuma conduta terapêutica é necessária; C – monitorar a terapia; D – considerar modificação da terapia e X – evitar a terapia combinada com os agentes analisados(4).

Na análise dos dados, utilizou-se o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 13.0, e regressão logística multivariada, ajustada por sexo e idade, para se verificar a associação entre as variáveis independentes (sexo, idade, tipo de TCTH e número de medicamentos administrados) e dependente (IMP). O nível de significância considerado foi p<0,05.

Resultados

A maioria da amostra foi composta por indivíduos que apresentavam doenças hematológicas malignas (97,2%), submetidos a TCTH do tipo autólogo (65,7%) e que recebiam medicamentos por cateter venoso central semi-implantado (94,3%), conforme ilustra a Tabela 1. A mediana de idade dos pacientes foi de 36 anos (variação de 10 a 50).

A mediana de medicamentos administrados nas 24h foi oito (variação de 4 a 16), sendo que 53,9% da amostra recebeu oito ou mais agentes (Figura 1).


Na terapia identificaram-se 33 medicamentos distintos, 27,3% eram antimicrobianos. Essa classe utilizada pela amostra incluiu: aciclovir (70-100%), cefepima (33-47,1%), fluconazol (32-45,7%), teicoplamina (7-10%), ciprofloxacina (1-1,4%), levofloxacina (7-10%), meropenem (3-4,3%), sulfametoxazol+trimetoprima (9-12,9%) e vancomicina (1-1,4%). Dentre esses, 75% (n=6) apresentaram características potencialmente interativas, as quais foram examinadas quanto às IMPs. Sendo assim, a análise incluiu o fluconazol, a ciprofloxacina e o sulfametoxazol+trimetoprima. A levofloxacina, vancomicina e teicoplamina não apresentaram combinações que resultaram em IMP.

Consideram-se o rol dos medicamentos utilizados (n=33), foram detectadas 32 IMP distintas, sendo que 71,4% (n=50) da amostra apresentou pelo menos uma IMP. Na análise das IMPs dos antimicrobianos, verificou-se que metade dos pacientes (n=35) foi exposta a 13 IMPs. Dessas, 53,8% ocorreram com o fluconazol, 30,8% com a ciprofloxacina e 15,4% devido ao uso de sulfametoxazol+trimetoprima.

Dentre os usuários do fluconazol (n=32) 93,7% apresentou pelo menos uma IMP. Para o sulfametoxazol+trimetoprima verificaram-se duas IMPs, que ocorreram em quatro pacientes distintos e para a ciprofloxacina observaram-se quatro IMPs expressas em um único indivíduo.

As IMPs dos antimicrobianos foram de natureza farmacocinética, 84,6% capazes de modificar o padrão de metabolismo, interferindo nos níveis séricos dos medicamentos objeto.

A maioria das IMPs (92,3%) apresentou gravidade moderada, com evidência científica proveniente de estudos não controlados (53,8%), que poderiam resultar em elevação dos níveis séricos do medicamento objeto (77,0%), com tempo de início dos efeitos demorado (61,5%), cujo risco da terapia combinada implica em monitorar os níveis séricos e toxicidade dos agentes envolvidos (76,9%) (Tabela 2).

A regressão logística apontou que pertencer ao sexo masculino (OR=2,4), apresentar idade na faixa de 40-49 anos (OR=6,1) e usar quatro ou mais medicamentos (OR=6,9) aumentou significativamente o risco para IMP (Tabela 3).

Discussão

Os pacientes submetidos a TCTH foram particularmente susceptíveis a IMP, não apenas pelas suas particularidades clínicas, mas, também, pelo perfil da terapia farmacológica, que foi composta por inúmeros medicamentos, muitos, com características potencialmente interativas, que se mostraram implicados em IM importantes, ou seja, que poderiam resultar em consequências para o paciente, como apontado em publicações prévias(7,14). Todavia, nesses pacientes, é possível que os efeitos decorrentes das IMPs passem despercebidos ou sejam interpretados como manifestações da evolução clínica da doença, tendo em vista a complexidade do quadro.

A relação entre o número de medicamentos e IM foi bem documentada na literatura por vários autores(8-9,11,14-15) . Neste estudo, observou-se que a chance de ocorrência de IMP foi cerca de sete vezes mais (OR =6,9) quando o indivíduo usou quatro e mais medicamentos. Estudo recente, realizado em unidade de terapia intensiva, apontou que houve associação positiva entre o número de medicamentos e potenciais interações no sexto dia de internação do paciente(15). Em oncologia, por meio de investigações realizadas em diferentes contextos concluiu-se que o número de medicamentos, também, foi fator preditivo de IM(8-9,11). Independente do contexto da investigação, esses autores analisaram pacientes clinicamente graves agudos(15) e crônicos(8-9,11). Desse modo, a complexidade da terapia encontra-se intimamente relacionada ao risco para IMPs, sejam elas leves ou graves.

A faixa etária de 40–49 anos mostrou-se fator associado às IMPs. Entretanto, o avançar da idade nas diferentes faixas (30–39 anos, OR=1,54 e 50 anos e mais, OR=1,61) foi indicativo do risco para IMP, ainda que na faixa de 30–39 anos, para o nível de significância de 5%, não tenha havido diferença estatisticamente significante (p=0,054). É possível que esse resultado, próximo do limite de rejeição, seja devido ao tamanho da amostra estudada. A despeito de esses indivíduos não integrarem classicamente o grupo mais vulnerável, é sabido que, com o avançar da idade, ocorrem modificações estruturais renais, podendo causar impacto na excreção de medicamentos, aumentando, inclusive, a toxicidade dos medicamentos coadministrados e as possibilidades de IMP. Estima-se que o peso e volume renal diminuem de 20 a 30% entre os 30 e 90 anos, o número de glomérulos reduz de 30 a 50% e o fluxo plasmático renal diminui de 600ml/min, na terceira década, para 300ml/min na oitava(16).

Em relação ao tipo de TCTH, não houve associação estatisticamente significante. Porém, a observação empírica tem mostrado que o TCTH alogênico parece ser mais propenso a IMPs, tendo em vista que a ciclosporina, único medicamento envolvido em todas as IMPs com antimicrobianos, e de uso obrigatório nesse tipo de transplante, foi usada em todos os pacientes.

O fluconazol foi o agente mais envolvido nas IMPs, certamente, devido a dois aspectos: representou o antimicrobiano mais prescrito na amostra investigada (45,7%) e é um inibidor enzimático do sistema citopromo P450 (CYP450) das isoenzimas CYP2C8/9, CYP2C19 e CYP3A4, responsáveis pela metabolização de inúmeros medicamentos usados no TCTH(3-4,7,10).

A maioria das IMPs poderia acarretar aumento dos níveis séricos do medicamento objeto, especialmente da ciclosporina, uma vez que esse imunossupressor foi envolvido nas IMPs dos três antimicrobianos. Ainda que o agente objeto seja o mesmo nas IMPs, a implicação clínica depende dos efeitos provocados pelos precipitadores (fluconazol, ciprofloxacina e sulfametoxazol+trimetoprima).

A ciclosporina é substrato da isoenzima CYP3A4 e a coadministração com fluconazol tende a aumentar os efeitos farmacológicos e a toxicidade do imunossupressor, evidenciada por meio da nefrotoxicidade, colestase ou parestesias(3-4). Desse modo, pode-se inferir que, apesar de a toxicidade não ter sido avaliada, dentre os pacientes submetidos ao TCTH alogênico (n=24) quase a metade foi exposta a essa IMP. Em estudo prévio, essa IM também foi identificada em pacientes tratados com antifúngicos(17).

O sulfametoxazol+trimetoprima foi prescrito aos pacientes de TCTH no início do condicionamento como profilaxia contra Pneumocistis carinii, e a terapia interrompida no dia-1. Porém, a ciclosporina foi introduzida no dia-1, situação que, certamente, pode predispor à IMP, podendo ocasionar aumento de nefrotoxicidade e risco para a rejeição do enxerto(3-4,13). O processo de inibição enzimática, desencadeado pelo sulfametoxazol+trimetoprima, é lento, e mesmo com a sua suspensão no dia-1, os efeitos decorrentes da IMP devem ser monitorados com cautela, principalmente naqueles pacientes com risco para nefrotoxicidade(3-4,7,13,18).

Para a IMP ciprofloxacina+ciclosporina, relato de caso com paciente com aplasia de medula óssea apontou que o regime combinado resultou no aumento do nível sérico do imunossupressor, porém, sem consequências graves, dada a prontidão na realização do ajuste posológico(19) .

No que se refere ao tempo de início das interações, observou-se que foi predominantemente demorado (61,5%), motivo adicional para monitorar o paciente durante todo o período de acompanhamento (hospitalar e ambulatorial). Embora alguns medicamentos utilizados no início do condicionamento medular sejam suspensos para a introdução de outros, os mecanismos farmacológicos que envolvem as IMPs são demorados, podendo levar de dias a semanas, de modo que os sinais e sintomas podem permanecer ocultos na fase pré-TCTH, mas estão sujeitos a aparecer no período pós. Tal fato pode colocar em risco o sucesso da terapia quando se observa que o número de medicamentos, na fase de neutropenia (pós-TCTH), é ainda maior, ampliando o risco para IMP, principalmente quando são utilizados inibidores enzimáticos.

Mais da metade das IMPs apresentou evidência científica proveniente de estudos não controlados, porém, oriundas de bases de informações respeitadas no cenário científico. O Drug Interaction Facts(3), quando comparado a outras fontes de rastreamento de IMP, foi considerado de grande acurácia, com sensibilidade de especificidade de 97%(20). Adicionalmente, o autor desse compêndio é uma das principais fontes de informações sobre IM, por isso o compêndio é amplamente usado em inúmeros estudos(8-9,11,14) .

No tocante ao risco à terapia combinada, verificou-se que, com exceção de duas IMPs, fluconazol+omeprazol e fluconazol+fenitoina, o restante foi classificado como C, ou seja, recomendação da necessidade de monitorar a terapia. Do ponto de vista prático, a atividade de "monitorar a terapia" precisa ser compartilhada entre diferentes profissionais – médicos, farmacêuticos e enfermeiros. Esses últimos devem conhecer as manifestações clínicas decorrentes das IMPs para que possam orientar a equipe de enfermagem na busca de sinais de alerta, principalmente no âmbito da oncologia em que os pacientes são frequentemente expostos a regimes terapêuticos complexos. Adicionalmente, é fundamental que sejam implementadas medidas que ajudem a reduzir o risco e o manejo das IMPs, as quais incluem: uso de tabelas de IM, nas unidades de internação; prescrições eletrônicas com alertas de IM; realização de ajuste posológico, baseado nos níveis séricos, especialmente de medicamentos-objeto; aprazamento de horários, pela equipe de enfermagem, pautado nas características farmacocinéticas dos medicamentos combinados, e modificação da terapia, quando a classificação do nível para o risco de terapia for D ou X(4).

No contexto da enfermagem oncológica, o estudo foi pioneiro na investigação sobre o tema, trazendo, além de informações acerca das IMPs, o nível de risco da terapia combinada, variável que pode subsidiar a prática clínica, apontando ações a serem implementadas pelos profissionais, principalmente no que concerne à inclusão de itens específicos na prescrição de enfermagem. A identificação das IMPs foi realizada utilizando-se o Drug Interaction Facts – referência adotada em vários estudos, o que possibilitará comparações com investigações futuras. Todavia, há limitações que merecem ser apontadas, para que estudos futuros venham saná-las. A amostra limitou-se a uma instituição, porém, os protocolos terapêuticos utilizados refletem a prática atual da terapia. A coleta de dados feita no dia-1 excluiu a possibilidade de identificação de outras IMPs, uma vez que, na fase pós-TCTH, o regime torna-se ainda mais complexo. A análise das IMPs incluiu apenas os antimicrobianos potencialmente interativos, aspecto que, certamente, levou à ocorrência subestimada das IMPs. Finalmente, não foram avaliados os desfechos das IMPs, mas sim o risco de exposição do paciente às IMPs.

Conclusão

As IMPs dos antimicrobianos fluconazol, ciprofloxacina e sulfametoxazol+trimetoprima foram predominantemente de gravidade moderada, cujas implicações clínicas, ainda que potenciais, apontaram alterações de níveis séricos de medicamentos, especialmente da ciclosporina, podendo levar a desfechos adversos como rejeição do enxerto (redução dos níveis séricos) e nefrotoxicidade (aumento dos níveis séricos) – efeitos demorados, mas que, caso ocorram, podem causar impacto na morbimortalidade do paciente submetido a TCTH. As evidências acerca das IMPs, oriundas de estudos não controlados apontam que são fundamentais estudos clínicos, controlados, que possam corroborar ou refutar os dados obtidos de relatos de casos. Entretanto, a terapia combinada entre os antimicrobianos e medicamentos-objeto, como a ciclosporina, fundamental no TCTH alogênico, pode ser segura desde que haja compartilhamento das responsabilidades profissionais, no que concerne ao controle dos níveis séricos desses agentes, com possível ajuste posológico e monitoramento rigoroso dos efeitos decorrentes das IMPs, especialmente nos indivíduos de grupos de risco, ou seja, com idade acima de 30 anos e que utilizam quatro ou mais medicamentos.

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  • Corresponding Author:
    Silvia Regina Secoli
    Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem
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  • 1
    Paper extrated from Master's Dissertation "Interações medicamentosas potenciais: um estudo dos antimicrobianos utilizados em pacientes submetidos a transplante de medula óssea" presented to Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      09 Abr 2010
    • Aceito
      09 Fev 2011
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