Análise dos fatores relacionados à reprovação acadêmica na formação do enfermeiro: estudo de método misto^*

Resumos

Objective:

to evaluate the frequency and factors associated to disapproval among nursing students.

Method:

a descriptive and cross-sectional study, outlined by the convergent mixed method. A total of 88 nursing students of a Brazilian public university took part. The Reduced Academic Experiences Questionnaire was used for evaluating academic adaptation. The association of the variables in the study with disapproval was verified by bivariate analysis.

Results:

the frequency of disapprovals in the sample was 68.2%, recurrences in the same discipline in 39.8%, with the associated factors: age over or equal to 22 years old (p=0.015), family income below 2 minimum wages (p=0.019) and lag in the curricular flow (p<0.001). Disciplines with higher frequencies of disapprovals are of the basic area, taught in the first two years of the course and common to the health courses. Students without disapprovals had better perception of physical and psychological well-being (p=0.002), good interpersonal relationships (p=0.017) and more assertive study behaviors (p=0.005). Personal, study-related and institutional issues were motivating.

Conclusion:

the results reveal a high rate of disapproval, especially in the basic area. An association was found between disapprovals and mental health for nursing students during their education process, and difficulties were pointed out that can culminate with the disapproval rate in the curricular flow.

Descriptors:
Nursing Students; Nursing Education; Academic Success; Academic Failure; Academic Performance; Nursing

Objetivo:

evaluar la frecuencia y los factores asociados a la reprobación entre estudiantes de Enfermería.

Método:

estudio descriptivo y transversal, delineado por el método mixto convergente. Participaron 88 estudiantes de Enfermería de una universidad pública brasileña. Para evaluar la adaptación académica se utilizó el Cuestionario de Experiencias Académicas Reducidas. La asociación de las variables de estudio con la reprobación se verificó mediante análisis bivariado.

Resultados:

la frecuencia de reprobaciones en la muestra fue del 68,2%, siendo el 39,8% recurrente en la misma asignatura, con los siguientes factores asociados: edad mayor o igual a 22 años (p=0,015), ingreso familiar por debajo de 2 salarios mínimos (p=0,019) y desfase en el flujo curricular (p<0,001). Las asignaturas con mayor frecuencia de reprobación se encuentran en el campo básico, se imparten en los dos primeros años del curso y son comunes a los cursos de salud. Los estudiantes sin reprobaciones tuvieron una mejor percepción del bienestar físico y psicológico (p=0,002), buenas relaciones interpersonales (p=0,017) y conductas de estudio más asertivas (p=0,005). Cuestiones personales, relacionadas con el estudio e institucionales fueron motivadores señalados.

Conclusión:

los resultados muestran un elevado índice de reprobaciones, especialmente en el campo básico. Se encontró una asociación entre reprobaciones y la salud mental de los estudiantes de Enfermería durante su proceso de formación, y se señalaron dificultades que pueden culminar en el índice de reprobaciones en el flujo curricular.

Descriptores:
Estudiantes de Enfermería; Educación en Enfermería; Éxito Académico; Fracaso Escolar; Rendimiento Académico; Enfermería

Introdução

Os fenômenos de reprovação e evasão no ensino superior ainda ocorrem em dimensões expressivas no Brasil⁽¹⁾. Condições sociodemográficas e influências pessoais afetam valores, expectativas e aspirações dos estudantes, intervindo na decisão de permanecer ou evadir^(2-3), além dos aspectos inerentes ao processo de formação que podem ser diferentes dos desejáveis pelos estudantes.

Na formação em enfermagem, estudos apontam que fatores socioeconômicos dos matriculados, como baixa condição financeira, ensino básico insuficiente e dificuldades relacionadas às habilidade de processar informações, resolver problemas e raciocinar logicamente, podem ter relação com baixo rendimento acadêmico^(3-4), ao passo que, em diferentes realidades, constatam-se diferenças no desempenho a depender do ensino pregresso dos estudantes⁽⁵⁾, chamando a atenção para os desafios vivenciados pelas universidades atualmente.

Os enfermeiros são essenciais para o fortalecimento da saúde no Brasil e no mundo, e é clara a necessidade de mais profissionais disponíveis para atuar diante das demandas crescentes da população mundial⁽⁶⁾. Assim, é preciso que estratégias sejam criadas no âmbito das instituições de ensino para garantir a formação de profissionais qualificados, críticos e comprometidos para atuarem no sistema de saúde, evitando evasões e retenções no processo de formação.

Para isso, os estudiosos da educação têm se empenhado em discutir propostas pedagógicas, métodos e estratégias centradas no estudante, com vistas à autonomia e participação ativa deste no seu próprio processo de aprender⁽⁷⁾. Ainda, a literatura denota o esforço da área da saúde e da educação na formação de profissionais que se articulam entre as diferentes categorias, que navegam entre as disciplinas e focam na assistência integral e integrada aos usuários do Sistema Único de Saúde^(7-8).

No planejamento da formação do enfermeiro, perpassando as Diretrizes Curriculares Nacionais, é preciso considerar que as variações no desempenho acadêmico são de ordem multifatoriais e possuem implicações importantes para o percurso e a conclusão dos estudos de graduação. Não obstante, intercorrências como a reprovação acadêmica possuem relação com o surgimento de agravos psicossomáticos em estudantes de enfermagem^(9-10), questões estas que merecem destaque tendo em vista a importante prevalência de sintomas depressivos encontrados nesta população atualmente⁽¹¹⁾.

Este tema é largamente discutido no cenário internacional^(5,12-13), entretanto, no Brasil, poucos estudos abordam a reprovação acadêmica entre estudantes de enfermagem e seus fatores relacionados^(14-15). Em geral, os estudos avaliam essas métricas de forma macro como indicadores institucionais de gestão no ensino superior^(16-17), não abordando as particularidades que permitem o aprofundamento da compreensão do fenômeno. Assim, este estudo foi realizado tendo em vista a lacuna na literatura sobre as reprovações, especialmente na formação em enfermagem.

Entender os fatores que interferem nas reprovações de estudantes de enfermagem pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de suporte, com vistas a melhorar a qualidade da formação de enfermeiros. Assim, os objetivos do estudo foram avaliar a frequência e fatores associados à reprovação entre estudantes de enfermagem, além de identificar fatores que influenciam esta ocorrência na perspectiva destes.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, delineado pelo método misto convergente, no qual os dados quantitativos e qualitativos foram coletados concomitantemente⁽¹⁸⁾, com análise associada na etapa de interpretação dos dados, partindo da apresentação dos resultados combinada a partir das informações obtidas em ambas etapas da coleta de dados. Foi utilizada a abordagem de métodos mistos para melhor compreensão do fenômeno da reprovação, valorizando tanto a generalização dos achados como a profundidade da interpretação.

Os dados foram coletados entre abril de 2018 e março de 2020 com estudantes de enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública do Centro-Oeste brasileiro. A instituição estudada prevê duração mínima do curso de 5 anos (10 semestres), em período integral com carga horária total de 4396 horas e atualmente possui 284 alunos ativos no curso. Tem como proposta pedagógica a interdisciplinaridade e a articulação entre a teoria e prática, sendo que seus componentes curriculares são estruturados em disciplinas de núcleo comum, referentes à área básica de Ciências da Saúde; disciplinas de núcleo específico, referentes aos componentes da Enfermagem; além de disciplinas optativas; de núcleo livre (que podem ser realizadas pelo estudante livremente em qualquer unidade acadêmica da universidade) e atividades complementares.

Estabeleceram-se como critérios de inclusão para participar do estudo: ser acadêmico do curso de graduação em enfermagem, ter ingressado entre 2010 e 2016 e ter cursado pelo menos dois anos de graduação. Como critério de exclusão: estudantes que ingressaram no curso por transferência, pois estes poderiam não representar a vivência integral da graduação em enfermagem na instituição estudada, considerando os aproveitamentos de créditos e disciplinas na transição entre IES.

Com base na prevalência de reprovações acadêmicas apontadas em estudo recente com a mesma temática⁽¹³⁾, realizou-se o cálculo amostral para estimar a quantidade de participantes necessários ao estudo. Considerando nível de confiança de 95%, erro de 5% e acrescido de 10% de possíveis perdas, estimou-se amostra mínima de 80 estudantes.

No momento da coleta de dados, a instituição dispunha de um universo de 154 estudantes aptos a participarem do estudo e que receberam o formulário online enviado por e-mail. Destes, responderam ao formulário online 88 estudantes do curso de enfermagem, representando 57,1% do total. Apesar do desafio de coletar dados por meio de questionários online em termos de adesão do público-alvo, a taxa de resposta obtida neste estudo foi superior à de outros estudos que utilizaram questionários eletrônicos para a coleta de dados junto a estudantes universitários^(19-20).

O questionário foi estruturado de forma a abordar dados sociodemográficos e acadêmicos, tendo sido submetido a ajustes após um piloto da coleta de dados com 12 estudantes. Além das questões fechadas, o questionário dispunha de uma pergunta aberta destinada aos estudantes com reprovações sobre os fatores aos quais eles atribuíam esta ocorrência.

Devido à importância de se compreender as variáveis que interferem no desempenho acadêmico no contexto universitário, o estudo utilizou o Questionário de Vivências Acadêmicas Reduzido (QVA-r)^(21-22), instrumento adaptado e validado para a realidade brasileira em estudo com 626 estudantes universitários, obtendo bons níveis de confiabilidade em todas as dimensões (α>٠,٧)⁽²²⁾.

O instrumento dispõe de 55 questões em escala tipo Likert de 1 a 5 e é dividido em cinco dimensões que objetivam analisar: dimensão pessoal (percepções de bem-estar física e psicológica); dimensão interpessoal (relacionamento e estabelecimento de vínculo com pares); dimensão curso/carreira (adaptação ao curso e perspectiva de carreira); dimensão estudo (competências de estudo, hábitos e gestão do tempo); e dimensão institucional (adaptação à instituição, utilização dos recursos providos pela mesma e percepção da qualidade dos serviços)⁽²¹⁾.

A análise estatística foi realizada pelo Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 25.0. As variáveis foram descritas na forma de frequências, porcentagens, médias e desvio padrão. Para avaliação da consistência interna do QVA-r utilizou-se o coeficiente alfa de Cronbach. Após teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov, para as variáveis paramétricas adotamos o teste t de Student e para as não paramétricas o teste de Mann-Whitney. Para associação de variáveis qualitativas utilizaram-se os testes Qui-quadrado de Pearson e Exato de Fisher. Em todas as análises, foi estabelecido um nível de confiança de 95% (p<0,05).

A análise dos dados qualitativos foi realizada por análise de conteúdo modalidade temática⁽²³⁾, sendo que para a elaboração das categorias e eixos temáticos utilizaram-se como referencial teórico as bases conceituais do QVA-r⁽²¹⁾. Foram identificados os núcleos de sentido expressos durante o processo de comunicação, sendo seguidas as etapas: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Os procedimentos de análise foram realizados por dois pesquisadores a fim de balizar o seguimento das etapas e o resultado final. Para designar cada fragmento de fala, preservando o anonimato dos participantes, selecionamos o termo “Estudante”, descrito pela letra “E” seguidos de algarismo arábico segundo a ordem de resposta analisada dos questionários completos.

O projeto de pesquisa obteve parecer favorável pelo comitê de ética em pesquisa (número 2.446.291) e todas as etapas do estudo respeitaram a Resolução CNS Nº 466/2012.

Resultados

Participaram da etapa quantitativa do estudo 88 estudantes de enfermagem. Quanto ao perfil dos mesmos, a média de idade da amostra foi 23,02 anos (± 2,69), com predomínio de participantes do sexo feminino (94,3%; n=83), solteiras (89,7%; n=79), não brancas (52,2%; n=46) e que residiam com os pais ou cônjuges no momento de realização da pesquisa (69,3%; n=61). Referiram trabalhar 13,6% (12) da amostra, e a frequência relativa de dedicação de carga horária foi de até 20 horas semanais de dedicação (8%; n=7), seguido de 21 a 39 horas semanais (2,3%; n=2) e acima de 40 horas semanais (3,4%; n=3).

Quanto ao ano de ingresso, 1,1% (n=1) ingressou em 2011, 6,8% (n=6) em 2012, 22,7% (n=20) em 2013, 26,1% (n=23) em 2014, 19,3% (n=17) em 2015 e 23,9% (n=21) em 2016; distribuição que permitiu a análise da possibilidade de ocorrência da reprovação em disciplinas de núcleo comum ou específico ao longo de todo o curso, sendo que mais de um terço da amostra estava cumprindo estágio supervisionado (fase final do curso).

A maioria (68,2%; n=60) apresentou reprovações ao longo do percurso acadêmico, sendo que 39,8% (n=35) apresentaram mais de uma reprovação por disciplina. Quanto à trajetória acadêmica, observou-se que apenas 32,5% (n=27) da amostra seguia o fluxo de disciplinas sugerido pela instituição, enquanto uma parcela considerável se encontrava em defasagem no fluxo curricular (67,5%; n=56), ressaltando as travas de pré-requisitos.

Quanto à percepção do desempenho acadêmico, 29,5% (n=26) se avaliaram com ótimo desempenho, 48,9% (n=43) se avaliaram com bom desempenho, 15,9% (n=14) se classificaram como tendo desempenho regular, enquanto 5,6% (n=5) atribuíram a si próprios desempenho ruim.

À análise dos fatores associados às reprovações, evidenciou-se que as variáveis idade (RP=0,69; IC 95%: 0,50-0,95; X²=5,87; p=0,01) e defasagem no fluxo curricular (RP=9,0; IC 95%: 3,09-26,15; X²=70,0; p<0,001) foram preditores, sendo que idade menor ou igual a 22 anos foi fator de proteção (Tabela 1).

Tabela 1
Associação das variáveis do estudo com a quantidade de reprovações entre estudantes de enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior Pública do Centro-Oeste, Brasil, 2020 (N = 88)

Variáveis	N (%)	Reprovações		RP* (IC† 95%)	p-valor‡
		Sim (%)	Não (%)
Sexo
Feminino	83 (94,3)	58 (69,9)	25 (30,1)	1,74 (0,59-5,15)	0,321§
Masculino	5 (5,7)	2 (40,0)	3 (60,0)
Idade
≤ 22 anos	40 (45,5)	22 (55,0)	18 (45,0)	0,69 (0,50-0,95)	0,015
≥ 23 anos	48 (54,5)	38 (79,2)	10 (20,8)
Estado civil
Solteiro	79 (89,8)	53 (67,1)	26 (32,9)	0,86 (0,58-1,26)	0,713§
Casado/União estável	9 (10,2)	7 (77,8)	2 (22,2)
Cor
Brancos	42 (47,7)	35 (76,1)	11 (23,9)	1,27 (0,94-1,72)	0,096
Não brancos	46 (52,3)	25 (59,5)	17 (40,5)
Mora com
Pais/Cônjuge	61 (69,3)	45 (73,8)	16 (26,2)	1,32 (0,91-1,92)	0,091
Outros	27 (30,7)	15 (55,6)	12 (44,4)
Trabalho
Sim	12 (13,6)	10 (83,3)	2 (16,7)	0,78 (0,58-1,06)	0,324§
Não	76 (86,4)	50 (65,8)	26 (34,2)
Renda familiar
Até 2 SM||	26 (30,6)	21 (77,8)	6 (22,2)	1,24 (0,93-1,64)	0,166
Acima de 2 SM||	59 (69,4)	37 (62,7)	22 (37,3)
Ensino Médio
Escola pública	47 (55,3)	34 (72,3)	13 (27,7)	1,14 (0,84-1,54)	0,366
Escola privada	38 (44,7)	24 (63,2)	14 (36,8)
Porta de Entrada
ENEM¶	39 (45,3)	26 (66,7)	13 (33,3)	0,94 (0,71-1,26)	0,724
Vestibular	47 (54,7)	33 (70,2)	14 (29,8)
Ingresso por Ação Afirmativa**
Sim	37 (42,0)	25 (67,6)	12 (32,4)	0,98 (0,73-1,31)	0,916
Não	51 (58,0)	35 (68,6)	16 (31,4)
Defasagem no fluxo curricular
Sim	56 (67,5)	56 (100)	0 (0,0)	9,0 (3,09-26,15)	<0,001
Não	27 (32,5)	3 (11,1)	24 (88,9)

• ^*
  RP = Razão de prevalência;
• ^†
  IC =Intervalo de confiança;
• ^‡
  p-valor = Teste Qui-quadrado de Pearson;
• ^§
  Teste Exato de Fisher;
• ^||
  SM = Salários mínimos;
• ^¶
  ENEM = Exame Nacional do Ensino Médio;
• ^**
  Política pública regulamentada pela Lei 12.711/2012 destinada à alocação de vagas para ingresso no Ensino Superior a estudantes de grupos minoritários, advindos de escolas públicas com renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo ou estudantes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas

Quando comparados pela distribuição de reprovações por estudante, as variáveis faixa etária e renda familiar foram significativas, sugerindo que estudantes com 22 anos ou menos (U=566,00; p=0,003) e com renda superior a 2 salários mínimos (U=508,00; p=0,019) possuem menos reprovações.

A frequência de reprovações por disciplina está apresentada na Tabela 2. Cabe salientar que as disciplinas específicas da enfermagem representam apenas 14,9% das reprovações reportadas, cujo total foi de 187 nesta amostra. Assim, o principal desafio está contido nas reprovações nas disciplinas de núcleo comum da área da saúde.

Tabela 2
Quantitativo de reprovações por disciplina entre graduandos de Enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior Pública do Centro-Oeste, Brasil, 2020 (N = 60)

DISCIPLINAS	N	%
Disciplinas de núcleo comum
Patologia	32	53,3
Bioquímica	25	41,6
Fisiologia	20	33,3
Farmacologia Básica	14	23,3
Histologia	12	20,0
Parasitologia	11	18,3
Biofísica	10	16,6
Histologia dos Órgãos	9	15,0
Genética	8	13,3
Anatomia Humana 1	6	10,0
Imunologia	4	6,6
Anatomia Humana 2	3	5,0
Farmacologia Aplicada	2	3,3
Microbiologia	2	3,3
Sociologia	1	1,6
Disciplinas de núcleo específico
Enfermagem Clínica	10	16,6
Bases para o Cuidar do Indivíduo e da Família 1	7	11,6
Bases para o Cuidar do Indivíduo e da Família 2	5	8,3
Enfermagem em Doenças Infecciosas	3	5,0
Atendimento Pré-Hospitalar	1	1,6
Epidemiologia	1	1,6
Risco Biológico e Biossegurança	1	1,6

Do total da amostra, até o ano de 2019, 67 estudantes estariam aptos a concluir o curso no tempo mínimo previsto de cinco anos, sendo que 28,4% (n=25) efetivamente concluíram neste prazo. Dos retidos, 23,8% (n=21) concluíram em seis anos, 6,8% (n=6) em sete anos e 1,1% (n=1) em oito anos. Dentre os que concluíram em seis anos, apenas 1,1% (n=1) obteve atraso na formação devido ao trancamento de matrícula. Ainda, 15,9% (n=14) permaneceram em retenção no curso. Considerando que as reprovações são os principais motivadores do atraso na formação e excluindo aqueles que trancaram o curso, os estudantes levaram em média 5,6 anos para a conclusão do curso (mínimo 5; máximo 8).

Os resultados do QVA-r revelaram que a amostra possui boa adaptação acadêmica. O instrumento obteve consistência interna adequada na verificação da adaptação acadêmica, tanto nas dimensões quanto escore total, com exceção da dimensão Institucional, que apresentou baixa consistência interna. O teste t de independência mostrou que não houve diferença na adaptação acadêmica de estudantes com ou sem reprovações. Entretanto, na análise por dimensões, estudantes sem reprovações obtiveram melhores escores nas dimensões pessoal, interpessoal e estudo (Tabela 3).

Tabela 3
Associação da ocorrência de reprovação com a média no QVA-r^* de estudantes de enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior Pública do Centro-Oeste, Brasil, 2020 (N=88)

Dimensões	Média	α†	Reprovações		Teste t§	p-valor
			Sim (DP‡)	Não (DP‡)
Escore total	3,53	0,90	3,46 (±0,45)	3,66 (±0,50)	t(86)=-1,92	0,058
Pessoal	2,87	0,89	2,68 (±0,76)	3,27(±0,89)	t(86)=-2,43	0,002
Interpessoal	3,20	0,87	3,08 (±0,63)	3,45 (±0,69)	t(86)=0,93	0,017
Carreira/Curso	3,90	0,84	3,94 (±0,66)	3,80 (±0,62)	t(86)=-2,89	0,353
Estudo	3,24	0,83	3,07 (±0,74)	3,57 (±0,76)	t(86)=0,85	0,005
Institucional	4,29	0,65	4,32 (±0,50)	4,22 (±0,44)	t(86)=-1,83	0,397

• ^*
  QVA-r = Questionário de vivências acadêmicas reduzido;
• ^†
  α = Alfa de Cronbach;
• ^‡
  DP =Desvio padrão;
• ^§
  Teste t de Student

Para maior compreensão da associação da reprovação com os comportamentos de estudo adotados pelos estudantes, foram verificadas as razões de prevalência e realizado o teste Qui-quadrado de Pearson com as respostas das questões da dimensão estudo do QVA-r. Assim, as respostas foram transformadas em escala tipo Likert de 3 pontos (Tabela 4).

Tabela 4
Comportamentos de estudantes de enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior Pública do Centro-Oeste identificados na dimensão Estudo do QVA-r^*, Brasil, 2020 (N=88)

Variáveis	Sim (%)	Às vezes (%)	Não (%)
Nos estudos estou conseguindo acompanhar o ritmo dos meus colegas de turma.	44 (50,0)	21 (23,9)	23 (26,1)
Administro bem meu tempo.	19 (21,6)	29 (33,0)	40 (45,5)
Faço um planejamento diário das coisas que tenho para fazer.	20 (22,7)	26 (29,5)	42 (47,7)
Consigo ter o trabalho acadêmico sempre em dia.	33 (37,5)	21 (23,9)	34 (38,6)
Sei estabelecer prioridades no que diz respeito à organização do meu tempo.	38 (43,2)	22 (25,0)	28 (31,8)
Faço boas anotações das aulas.	47 (53,4)	19 (21,6)	22 (25,0)
Consigo ser eficaz na minha preparação para as provas.	32 (36,4)	34 (38,6)	22 (25,0)
Procuro sistematizar/organizar a informação dada nas aulas.	41 (46,6)	20 (22,7)	27 (30,7)
Tenho capacidade para estudar.	59 (67,0)	22 (25,0)	7 (8,0)
Sou pontual na chegada às aulas.	66 (75,0)	12 (13,6)	10 (11,4)

• ^*
  QVA-r = Questionário de vivências acadêmicas reduzido

Portanto, evidenciou-se que acompanhar o ritmo dos colegas de turma (RP=0,60; IC 95%: 0,43-0,83; X²=7,90; p=0,005), fazer boa administração do tempo (RP=0,51; IC 95%: 0,29-0,88; X²=9,91; p=0,002), ter o trabalho acadêmico sempre em dia (RP=0,66; IC 95%: 0,46-0,93; X²=6,01; p=0,01), estabelecer prioridades no que diz respeito à organização do tempo (RP=0,66; IC 95%: 0,45-0,97; X²=4,22; p=0,04) e ser eficaz na preparação para as provas (RP=0,60; IC 95%: 0,39-0,93; X²=4,99; p=0,02) foram comportamentos protetores para a ocorrência de reprovações.

Dos 60 estudantes com reprovações, 53 responderam à questão aberta “a quais fatores você atribui à reprovação?” e foram incluídas na análise qualitativa. As respostas foram tipificadas e separadas de acordo com categorias e eixos temáticos. Por meio da análise das respostas emergiram três categorias, sendo elas referentes a questões pessoais, comportamentos de estudo e fatores institucionais (Figura 1).

Figura 1
Categorias de análise e eixos temáticos das respostas de estudantes de Enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior Pública do Centro-Oeste, Brasil, 2020

CATEGORIAS	EIXOS TEMÁTICOS
Pessoal	Maturidade
	Trabalho
	Fatores psicológicos e emocionais
Estudo	Aprendizagem
	Dedicação
	Administração do tempo
Institucional	Metodologia do professor/disciplina
	Relação professor-aluno
	Estrutura curricular

Na categoria “pessoal” emergiram questões atribuídas às reprovações que possuem relação com a vivência acadêmica, mas associadas a esta perspectiva, capazes de influenciar a decisão de permanecer ou evadir do curso. Aparecem em 92,4% (n=49) das respostas. Geralmente estão relacionadas à saúde e podem ser decorrentes da relação familiar. A imaturidade foi relatada como fator importante na dificuldade de comprometimento do aluno com a disciplina ou com o curso.

Na época eu passei por alguns problemas em casa, e com isso fiquei meio dispersa na faculdade, que foi durante o quarto e quinto período, cheguei a pensar em desistir, pois por conta das reprovações perdi minha bolsa, mas continuei porque gosto do curso (E9, 19 anos, 2 reprovações).

[...] algumas foi por imaturidade minha como acadêmica por ingressar muito nova na faculdade e com alguns problemas pessoais/familiares (E33, 24 anos, 6 reprovações).

O trabalho também foi uma variável considerada na análise, representando para alguns estudantes uma questão de subsistência. Nesse sentido, o curso em período integral e a necessidade de trabalhar representam empecilhos para que o estudante execute as duas atividades de forma exitosa.

Na maioria das vezes precisei faltar aulas para trabalhar, fazer alguns bicos, se não os fizesse não teria condições nem para comer na faculdade (E8, 21 anos, 5 reprovações).

Ter que trabalhar no período da disciplina no caso de parasitologia, fazia plantões noturnos [...] (E19, 24 anos, 2 reprovações).

Segundo os relatos, fatores emocionais e psicológicos são determinantes no desempenho do estudante na disciplina, pois a dificuldade em lidar com questões pessoais impactam na dificuldade em adotar comportamentos de estudo que satisfaçam as necessidades de aprendizagem. Na perspectiva dos estudantes, estes fatores possuem relação com agravos psicossomáticos vivenciados no percurso acadêmico que dificultam seu desempenho acadêmico e influenciam na ocorrência de reprovações.

Fatores emocionais, dificuldade de concentração nos estudos, falta de rotina [...] (E53, 25 anos, 5 reprovações).

Ansiedade, desgaste emocional, estar longe da família (E21, 22 anos, 4 reprovações).

Pressão psicológica [...] ansiedade, nervosismo (E36, 27 anos, 1 reprovação).

A categoria “estudo” esteve relacionada aos comportamentos que os estudantes adotam, presentes em 67,9% (n=36) das respostas. Apesar de os estudantes reconhecerem a importância de se estabelecer rotinas de estudo, é percebida a dificuldade de administrar o tempo (p=0,01) e elencar prioridades (p=0,04), bem como conciliar frequência e dedicação em múltiplas disciplinas, considerando as atividades curriculares e extracurriculares.

Muitas matérias densas ao mesmo tempo, não soube administrar os estudos (E46, 23 anos, 2 reprovações).

Patologia foi mais porque a disciplina é muito complicada e eu não tive tempo de me dedicar o suficiente (E4, 19 anos, 4 reprovações).

[...] na nossa grade de aulas possuem matérias que são muito pesadas para serem ministradas ao mesmo tempo (até a metade do curso, depois fica de boa), o que às vezes faz com os alunos se dediquem mais à uma do que as outras (E44, 22 anos, 4 reprovações).

Destaca-se também o déficit do estudante em conseguir estudar de forma autônoma, sugerindo a dificuldade de aprendizagem como forte motivador da reprovação. Alguns estudantes sugerem que essa dificuldade de aprendizagem advém de um ensino pregresso defasado, que implica diretamente na falta de subsídio teórico para acompanhar os outros estudantes.

Já em fisiologia eu tinha dificuldade em acompanhar as [aulas] da professora ... pelo fato de ela não ter didática e nessa época eu ainda não era autodidata então sofria muito, estudava bastante, mas não era o suficiente (E42, 22 anos, 3 reprovações).

[...] dificuldade de aprendizagem, falta de conhecimento advindo do ensino médio [...] (E22, 25 anos, 8 reprovações).

Já a categoria “institucional” aparece em 64,1% (n=34) das respostas, nas quais foram observados relatos sobre a metodologia adotada pelo professor na disciplina e a relação professor-aluno.

A dificuldade da matéria, falta de maleabilidade dos professores [...] (E14, 24 anos, 5 reprovações).

Em bioquímica a professora queria que os alunos dessem aula para ela, o que gerou certo estresse e estranhamento entre professor - alunos o que refletia em provas muito difíceis (E42, 22 anos, 3 reprovações).

Neste aspecto, o reforço por meio dos dados quantitativos aponta para a necessidade de melhor pactuação dos processos de ensino-aprendizagem entre professores e estudantes, garantindo que estes compreendam os métodos e estratégias adotados no contexto da formação do enfermeiro com autonomia e pensamento crítico. Deste modo, alicerçando este achado às fragilidades encontradas na análise estatística, poderão adotar melhores condutas de organização das informações oferecidas nas aulas (p=0,05) e se prepararem de forma mais assertiva para as etapas de avaliação (p=0,02).

Discussão

A reprovação entre estudantes de enfermagem é fenômeno complexo de cunho multifatorial que implica no risco de evasão acadêmica e comprometimento do contingente de enfermeiros qualificados disponíveis no mercado de trabalho⁽²⁴⁾. Sendo a reprovação resultante do baixo desempenho acadêmico, são preditores importantes idade, gênero, trabalho, pensamento crítico e autoeficácia⁽³⁾.

No presente estudo, observou-se alta frequência de reprovação na amostra (68,2%), resultados superiores a estudo⁽¹³⁾ com estudantes de enfermagem (5,6%) de Portugal, Itália, República Tcheca, Eslováquia e Eslovênia e a outro estudo com estudantes da Itália⁽²⁵⁾ (22,2%). Ainda não há estudos no Brasil que apontem a frequência de reprovações entre estudantes de enfermagem que permitam a comparação deste achado no país, o que destaca o pioneirismo deste estudo e sua importância para futuras discussões relativas à formação em enfermagem.

Estiveram associadas às reprovações, principalmente a idade e a defasagem no fluxo curricular previsto pelo projeto pedagógico do curso. Entretanto, é fundamental salientar que a defasagem no fluxo curricular é um desfecho decorrente da ocorrência de reprovações. Alguns estudos apontam a idade como preditor de desempenho acadêmico, sugerindo que estudantes mais velhos tendem a reprovar menos^(3,23,26-28), entretanto, neste estudo identificou-se que idade menor ou igual a 22 anos foi um fator de proteção para a ocorrência de reprovações. Em estudo realizado na Austrália⁽⁴⁾, idade maior que 23 anos foi preditor de baixo desempenho acadêmico, corroborando com os achados deste estudo no Centro-Oeste brasileiro.

Assim, o ingresso tardio no ensino superior pode estar associado a mais reprovações, talvez devido ao longo intervalo entre as práticas de aprendizagem vivenciadas na formação no ensino médio e o ingresso no ensino superior. A imaturidade relacionada à dificuldade na tomada de decisões quanto aos comportamentos de estudo foi um termo utilizado nos relatos de alguns estudantes como possível motivador da reprovação, achado reforçado por estudo realizado em Singapura⁽²⁸⁾, sugerindo que o melhor desempenho acadêmico e a maturidade do estudante estão relacionados.

Defasagem no fluxo curricular também esteve associada à ocorrência de reprovações, mas possivelmente a relação decorre de que as reprovações implicam em atraso na formação e consequente defasagem no fluxo de disciplinas.

Diferentemente dos resultados encontrados na Itália⁽²⁵⁾, a comparação da distribuição de reprovações por estudante apontou que estudantes com renda familiar acima de 2 salários mínimos possuem menos reprovações em seu percurso acadêmico, sugerindo que questões socioeconômicas podem ser preditores importantes de baixo desempenho acadêmico e, consequentemente, reprovações. Considerando a mudança de perfil dos ingressantes no ensino superior brasileiro devido à maior democratização do acesso, em especial na última década⁽¹⁾, estratégias de apoio psicopedagógico e políticas de permanência têm sido adotadas com foco neste público-alvo.

Outros estudos^(13-14) abordam a ocorrência de reprovações nos primeiros anos de graduação em enfermagem. Esse período é fundamental para a consolidação de conhecimentos básicos da área da saúde, geralmente formatados em disciplinas que são pré-requisito para as específicas da enfermagem.

Disciplinas como Patologia, Bioquímica, Fisiologia, Histologia e Anatomia, nos cursos da enfermagem, apresentam altos índices de reprovação^(14-15), chamando a atenção para estratégias de mitigação de danos largamente discutidas nas universidades como tutoria e apoio psicopedagógico. Neste mesmo sentido, o déficit no conhecimento advindo do ensino pregresso em conjunto com a quantidade de disciplinas ofertadas por período são fatores importantes de impacto para as reprovações.

Todas as disciplinas de núcleo comum com reprovações reportadas são ministradas nos dois primeiros anos do curso, reforçando que esse período é essencial para definir o percurso do estudante de enfermagem e prever o tempo necessário para integralizar o curso, aumentando quanto mais reprovações ocorrerem. Além disso, é um alerta para o acompanhamento dos estudantes, evitando a evasão do curso.

Neste estudo, observou-se que as reprovações ocorrem com maior frequência nas disciplinas de núcleo comum, ou seja, aquelas que são transversais a todos os cursos da área da saúde. Tais achados podem evidenciar dificuldade na transversalidade do processo formativo e potencialmente demonstrar a fragmentação dos conhecimentos, considerando que a taxa de reprovações entre disciplinas específicas da enfermagem é significativamente menor em relação às da área básica. Entretanto, novos estudos devem ser empreendidos para identificar essa relação e detalhar as possíveis variáveis envolvidas neste fenômeno.

Quanto à adaptação acadêmica não houve diferença entre estudantes com ou sem reprovações. Entretanto, nas dimensões pessoal, interpessoal e estudo do QVA-r, estudantes sem reprovações obtiveram maiores escores. Conceitualmente, esses resultados sugerem que eles apresentam boa percepção de bem-estar físico e psicológico, bom relacionamento com os colegas de turma e comportamentos de estudo assertivos⁽²¹⁾.

Esses resultados sugerem a necessidade de acompanhar estudantes que apresentam reprovações, pois dificuldades de adaptação acadêmica estão associadas à ocorrência de transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão, em estudantes de diversos cursos⁽²⁹⁾ e em estudantes de enfermagem⁽³⁰⁾.

Destaca-se a importância das questões psicológicas como motivadores das reprovações reportadas pelos estudantes, já que vários estudos têm evidenciado a prevalência de ansiedade e depressão em acadêmicos da enfermagem^(11,31-33). Para tanto, o processo de adaptação ao ensino superior impacta tanto a trajetória acadêmica como também a saúde mental do aluno⁽³⁰⁾.

Além do estado emocional, os comportamentos de estudo reportados pelos estudantes apontaram que acompanhar o ritmo dos colegas de turma, administrar o tempo, ter os trabalhos acadêmicos em dia, estabelecer prioridades e preparar-se eficazmente para as provas constituem-se comportamentos de proteção para as reprovações. Nesse sentido, o apoio psicopedagógico é fundamental para estimular o estudante a adotar comportamentos de estudo adequados, além de desenvolver maior capacidade de lidar com questões psicossomáticas⁽³⁴⁾.

Apesar de não ser identificada associação entre o tipo de ensino básico e a ocorrência de reprovações, alguns estudantes percebem o déficit no ensino pregresso como motivador para a reprovação, implicando em dificuldade de aprendizagem no ensino superior. A literatura tem identificado o tipo de escola como um preditor de sucesso acadêmico, sugerindo que estudantes advindos de escolas técnicas tendem a apresentar menor desempenho⁽⁵⁾.

Para tanto, as universidades brasileiras já têm traçado estratégias para o fortalecimento do apoio psicopedagógico a alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem^(35-36). Da mesma forma, a tutoria acadêmica tem sido evidenciada como forte estratégia de estabelecimento de vínculo entre docente e discente, favorecendo o compartilhamento de aprendizado e a redução das dificuldades encontradas no processo formativo^(34,37).

Vale ressaltar que estratégias de redução dessas dificuldades, como a realização de grupos de estudo entre alunos, favorece o compartilhamento de conhecimento entre os pares e pode propiciar melhor rendimento na graduação⁽³⁸⁾.

Corroborando os achados sobre comportamentos de estudo, os relatos dos estudantes apontam a dedicação insuficiente como associada à dificuldade em estabelecer rotinas de estudo e administração do tempo para tal. A variável trabalho não esteve associada à ocorrência de reprovações, entretanto, com base nos relatos, sugere-se que em situações anteriores em que o estudante precisou conciliar estudo com trabalho e isso ocasionou em reprovações, resultados corroborados por outros autores^(13,25) e que necessitam atenção dos professores e gestores de IES quanto ao perfil dos estudantes e estratégias que favoreçam a inclusão de estudantes trabalhadores nos cursos de enfermagem.

A relação professor-aluno é um fator que pode intervir no desempenho acadêmico partindo do pressuposto de que este relacionamento interpessoal faz parte do processo de ensinar e aprender, da atuação no nível teórico-metodológico com o compartilhamento de conhecimentos, experiências e motivações e da orientação a nível acadêmico⁽³⁹⁾. Segundo o relato de alguns estudantes, dificuldades nesta relação implicaram em reprovações.

Conjuntamente, a metodologia utilizada pelo professor na disciplina é fator que interfere na aprendizagem dos estudantes. As metodologias ativas têm impactado positivamente no desempenho acadêmico e influenciado na diminuição das reprovações^(40-41), todavia cabe ressaltar que parte dos estudantes apresenta dificuldades de adaptação a este modelo pedagógico, potencialmente devido a um histórico de formação no modelo tradicional⁽⁴²⁾.

Na literatura científica, há destaques para características que fortalecem a satisfação dos estudantes e o bom desempenho acadêmico, quais sejam: qualificação dos professores, aplicação de metodologias participativas de ensino, didática atualizada e inserção do estudante no ambiente de prática, tornando-o protagonista do seu processo de aprendizado⁽⁴³⁾. Adicionalmente, a reestruturação curricular do curso também é importante para fornecer ao estudante ferramentas de aprendizado^(44-45) para cumprir o curso em tempo previsto⁽¹⁾ e com suporte pedagógico adequado⁽¹³⁾, sobretudo aos estudantes com dificuldades de aprendizagem.

Nesse sentido, vislumbra-se na reestruturação curricular a oportunidade de criar currículos integrados para a formação de enfermeiros com raciocínio clínico, pensamento crítico e habilidades de liderança com foco na prática avançada de enfermagem⁽⁴⁶⁾, tendo em vista sua importância para a transformação individual e social a partir da participação ativa dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)⁽⁴⁷⁾ e possível implementação futura no contexto nacional⁽⁴⁸⁾.

Dada a inegável necessidade de disponibilidade de enfermeiros no mercado de trabalho, especialmente associada ao excesso e complexidade de demandas nos serviços de saúde⁽⁴⁹⁾, é necessário analisar a reprovação como fenômeno estrutural da retenção e desenvolver estratégias para sua mitigação com vistas a formar mais profissionais no tempo previsto para suprir essa lacuna, garantindo os altos padrões de qualidade requeridos para a profissão.

A produção científica brasileira acerca da reprovação acadêmica na formação em enfermagem ainda é deficitária, destacando o pioneirismo desta investigação. Assim, o presente estudo pode contribuir para o aperfeiçoamento de estratégias na formulação de currículos da graduação em enfermagem, visando evitar desfechos que impactam negativamente os cursos como desistência por reprovações, retenção no fluxo curricular, custo e tempo de formação.

Este estudo apresentou como limitação principal a não estratificação amostral por período do curso - de difícil operacionalização justamente pelas reprovações gerarem fluxos acadêmicos não uniformes. Apesar disto, o estudo permitiu ampla análise ao longo do curso da ocorrência de reprovações com distribuição homogênea entre os participantes por ano de ingresso no curso.

Conclusão

Observou-se neste estudo alta frequência de reprovações entre estudantes de enfermagem, sendo que estudantes com idade maior ou igual a 22 anos, renda familiar inferior a 2 salários mínimos e defasagem no fluxo curricular apresentaram associação com reprovações no seu percurso acadêmico. As disciplinas com maiores frequências de reprovações são ministradas nos dois primeiros anos do curso e comuns aos cursos da área da saúde, sendo elas Patologia, Bioquímica, Fisiologia, Farmacologia e Histologia, representando um risco de evasão antes de o estudante conhecer melhor o curso.

Não houve diferença na adaptação acadêmica entre estudantes com ou sem reprovações, entretanto, estudantes sem reprovações apresentaram melhor percepção de bem-estar físico e psicológico, bom relacionamento interpessoal com os pares e comportamentos de estudo assertivos. Acompanhar o ritmo dos colegas de turma, boa administração do tempo, ter os trabalhos acadêmicos em dia, estabelecer prioridades e ter um preparo eficaz para as provas foram comportamentos de proteção para as reprovações.

Quanto aos fatores que motivam as reprovações, a partir da perspectiva dos participantes foram apontadas questões de cunho pessoal: imaturidade, o fato de conciliar estudo com trabalho e agravos psicossomáticos; questões relacionadas ao estudo: dificuldade de aprendizagem, dedicação insuficiente e dificuldade de administrar o tempo; e questões institucionais: relação professor-aluno, metodologia adotada pelo professor na disciplina e estrutura curricular.

Os resultados sugerem necessidade de investimento em políticas de apoio psicopedagógico aos estudantes que ingressam nos cursos de graduação em enfermagem, especialmente considerando a mudança de perfil sociodemográfico e a dificuldade advinda do ensino pregresso. Ainda, é reforçada a necessidade de constante revisão dos projetos pedagógicos de curso, aprimorando a estrutura curricular constantemente com a possibilidade de articulação de disciplinas de modo a evitar retenções devido a travas de pré-requisitos.

Estudos futuros podem ser realizados no intuito de associar a reprovação, a retenção e a evasão com variáveis abordadas neste estudo e outras na perspectiva multifatorial, reforçando a relevância de aprimorar a formação do enfermeiro no Brasil.

• *
  A publicação deste artigo na Série Temática “Recursos Humanos em Saúde e Enfermagem: Formação e Atuação nas Américas” se insere na atividade 2.2 do Termo de Referência 2 do Plano de Trabalho do Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil.

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Editado por

Editora Associada: Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Abr 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  07 Abr 2020
• Aceito
  06 Ago 2020