Maturidade cognitiva do estudante de enfermagem Português para intervir em desastres: contribuição da formação inicial

RESUMO

Objetivo:

Compreender se, na perspectiva dos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem e enfermeiros com competências no domínio de desastres, o estudante de enfermagem apresenta a necessária maturidade cognitiva para articular as diversas dimensões inerentes à área de desastres, permitindo um desempenho eficiente.

Método:

Estudo de abordagem metodológica qualitativa, sustentado no raciocínio indutivo e na descrição rigorosa dos fenômenos, alicerçado na pesquisa exploratória.

Resultados:

Diante da especificidade e da complexidade desses fenômenos, a inclusão do domínio de desastres no processo de ensino-aprendizagem, para subsidiar a construção de conhecimento válido e permitir o desenvolvimento e maturidade dos processos cognitivos do estudante de licenciatura em enfermagem, é determinante.

Conclusão:

Atualmente, a redutora formação técnico-científica no domínio de desastres em Portugal constitui uma barreira no desenvolvimento da maturidade cognitiva do estudante de enfermagem, impedindo a sua capacidade de resposta quando confrontado com fenômenos dessa complexidade.

DESCRITORES
Aprendizagem; Estudantes de Enfermagem; Educação em Enfermagem; Ensino

ABSTRACT

Objective:

To understand whether, from the perspective of coordinators/directors of nursing courses and nurses with skills in the field of disasters, nursing students have the necessary cognitive maturity to articulate the various dimensions inherent to the area of disasters, allowing efficient performance.

Method:

A study with a qualitative methodological approach, based on inductive reasoning and rigorous phenomenon description, based on exploratory research.

Results:

Given the specificity and complexity of these phenomena, the inclusion of the disaster domain in the teaching-learning process, supporting valid knowledge construction and allowing the development and maturity of nursing students’ cognitive processes, is crucial.

Conclusion:

Currently, reduced technical-scientific training in the field of disasters in Portugal constitutes a barrier in the development of nursing students’ cognitive maturity, impeding their ability to respond when faced with phenomena of this complexity.

DESCRIPTORS
Learning; Students, Nursing; Education, Nursing; Teaching

RESUMEN

Objetivo:

Comprender si, desde la perspectiva de los coordinadores/directores de carreras de enfermería y enfermeros con competencias en el área de desastres, el estudiante de enfermería tiene la madurez cognitiva necesaria para articular las diversas dimensiones inherentes al área de desastres, permitiendo desempeño eficiente.

Método:

Estudio con enfoque metodológico cualitativo, basado en razonamientos inductivos y descripción rigurosa de los fenómenos, basado en investigación exploratoria.

Resultados:

Dada la especificidad y complejidad de estos fenómenos, la inclusión del dominio de desastres en el proceso de enseñanza-aprendizaje, para apoyar la construcción de conocimientos válidos y permitir el desarrollo y madurez de los procesos cognitivos del estudiante de enfermería, es crucial.

Conclusión:

Actualmente, la reducida formación técnico-científica en el campo de los desastres en Portugal constituye una barrera en el desarrollo de la madurez cognitiva de los estudiantes de enfermería, impidiendo su capacidad de respuesta ante fenómenos de esta complejidad.

DESCRIPTORES
Aprendizaje; Estudiantes de Enfermería; Educación en Enfermería; Enseñanza

INTRODUÇÃO

Desastres são eventos por natureza complexos e singulares, capazes de provocar danos, instabilidade econômica, perda de vidas humanas e deterioração das condições de saúde, de tal forma que excede a capacidade de uma comunidade ou sociedade fazer frente à situação utilizando seus próprios recursos(¹).

São situações complexas propiciatórias de dilemas/conflitos éticos que exigem compreensão de múltiplas perspectivas, permitindo mudanças comportamentais (menor reatividade emocional e maior capacidade para respeitar e apreciar pontos de vista distintos) ao: tomar decisões por vezes difíceis diante da limitação de recursos que impõem um difícil equilíbrio entre o bem individual e o bem comum; colaborar com outros agentes para uma tomada de decisão mais informada; providenciar, tanto quanto lhes for possível, apoio psicológico e espiritual às vítimas; tomar decisões de vida ou morte; entre outras(²).

Compreende-se que intervir em situações dessa natureza exige dos profissionais de saúde conhecimentos que permitam a capacidade de gerir situações de caos, incerteza e angústia, de processar a informação (por vezes complexa e incompleta) e de lidar com o abstrato, potencializando melhores decisões. Esse processo exige uma dinâmica que permita aprender, reter informações e responder aos desafios específicos desses contextos.

De acordo com a literatura disponível, são os processos cognitivos que permitem o armazenamento e a recuperação de memória, o julgamento social, a tomada de decisão, a resolução de problemas, a criatividade e a flexibilidade(³,⁴,⁵). No âmbito da aprendizagem, conduzem aos resultados de aprendizagem no nível do conhecimento, compreensão e desenvolvimento de competências(²).

Depreende-se que o desenvolvimento dessas capacidades é fundamental na medida em que favorece a capacidade do estudante de enfermagem, para lidar com esses fenômenos de forma competente, defrontar a complexidade desses fenômenos com êxito. Contribuir ativamente para o desenvolvimento dessas capacidades possibilita que os estudantes se tornem seres ativos e seguros, revelando uma maior facilidade de adaptação(⁶).

Percebe-se a importância de que os estudantes estejam preparados, com habilidades cognitivas que lhes permitam, em situações de elevada complexidade, utilizar o pensamento crítico na avaliação e no uso da informação disponível, permitindo a resolução de problemas e tomadas de decisão em nível pessoal e profissional(⁷).

Do mesmo modo, o pensamento crítico ajuda o pensamento intencional dirigido para um objetivo, que se destina a formular juízos baseados na evidência fatual, não conjuntural. Essas ações permitem desenvolver a maturidade profissional e pessoal do estudante(⁸). Essa capacidade de refletir, de atribuir significado às experiências (na forma de pensamento, sentimento ou ação) e reconsiderar situações-problema como diferentes daquilo que aparentam ser se revela excelente forma de promoção do pensamento crítico e do sentido de responsabilidade(⁹).

Assim, é defendido que a educação em desastres assume-se determinante, na medida em que favorece o pensamento crítico (requisito indispensável para enfrentar contextos caracterizados por mudanças abruptas e de crescente complexidade), a flexibilidade mental (direcionada pela capacidade de interpretação, análise, avaliação, resolução de problemas e avaliação do resultado dos processos de pensamento utilizados) e atitudes necessárias à elaboração do raciocínio inerente à utilização dessas capacidades(¹⁰,¹¹).

Ademais, importa salientar que, em Portugal, a formação pré-graduada em enfermagem integra o ciclo de estudos conducente ao grau acadêmico de licenciatura, com designação de curso de licenciatura em enfermagem.

Considerando o enquadramento mencionado, verifica-se que, em Portugal, a promoção de iniciativas de inclusão dessa área do saber nas práticas pedagógicas do ensino pré-graduado é incipiente(¹²). Um dos fatores determinantes na integração do domínio de desastres acaba por se vincular à convicção dos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem e enfermeiros com conhecimento e experiência prática nesse domínio, afirmando que o estudante do primeiro ciclo de estudos não dispõe de maturidade cognitiva (entendida como a capacidade intelectual em compreender e apreender, bem como regular as suas emoções perante esses contextos altamente complexos), permitindo responder de forma competente.

Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo compreender, sob a ótica dos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem e de enfermeiros com conhecimento e experiência prática no domínio de desastres, em Portugal, se o estudante de enfermagem possui uma maturidade cognitiva que lhe permita articular as diferentes dimensões inerentes à área de desastre, respeitando a sua área e competência, bem como regular as suas emoções diante da adversidade e do caos.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Trata-se de estudo de abordagem metodológica qualitativa, suportado no raciocínio indutivo e na descrição rigorosa dos fenômenos, alicerçado na pesquisa exploratória. O checklist COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ), dividido em três domínios (equipe de investigação e reflexividade, desenho de investigação e análise e resultados) e 32 itens, foi aplicado, permitindo aumentar o rigor e a fidedignidade do estudo(¹³).

População e Critérios de Seleção

A amostragem utilizada foi intencional, e a escolha recaiu nos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem de escolas públicas e privadas e enfermeiros com conhecimento e experiência prática no domínio de desastres em Portugal.

No que diz respeito aos critérios de inclusão dos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem, os mesmos se baseiam na sua responsabilidade, experiência e instrumentalização dos objetivos curriculares, permitindo a prossecução e a gestão das temáticas a lecionar, bem como em características pessoais consideradas fundamentais para a obtenção de narrativas ricas sobre o tema em estudo, permitindo raciocínios relevantes para a produção de novo conhecimento.

Quanto aos enfermeiros peritos, a escolha se baseia na sua experiência prática nesses contextos. Todos os participantes integraram organizações nacionais e internacionais com responsabilidade em ações de prevenção e socorro no domínio de desastres, além de participação mínima em três missões e conclusão do curso de licenciatura em enfermagem em Portugal. Esses pressupostos permitem expor, de forma intuitiva, perspectivas capazes de gerar novo conhecimento. A experiência e o estar no contexto determinam uma reflexão fundamentada na evidência e uma melhor consciência e ajustamento das competências que o enfermeiro deve desenvolver nesses contextos(¹⁴).

Coleta de Dados

Utilizou-se a entrevista semiestruturada em ambiente presencial, com recurso à técnica de gravação, aplicada aos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem. Nesse sentido, foi elaborado um questionário, organizado em dois blocos temáticos: um primeiro composto por uma parte introdutória com a descrição geral do estudo; um segundo composto pelas variáveis sociodemográficas para caraterização dos participantes e quatro questões abertas. A opção na utilização de questões abertas permitiu aos entrevistados se expressarem com total liberdade, utilizando o seu próprio vocabulário, proporcionando detalhes e contexto às informações obtidas que enriqueceram o rigor e a profundidade do estudo(¹⁵). Esse processo decorreu entre maio e setembro de 2018.

Essas entrevistas, além de clarificarem as opiniões e perspectivas relacionadas com o fenômeno em estudo, serviram de base para o planejamento e a elaboração de um segundo guião de entrevista, estruturado igualmente em dois blocos temáticos (o primeiro, com uma parte introdutória e o segundo com as variáveis sócio demográficas e as quatro questões abertas), com o objetivo de ser discutido entre o grupo de enfermeiros com conhecimento e experiência prática na área de desastres, utilizando a técnica do focus group, em contexto online (visto que alguns participantes encontravam-se em missão), em novembro de 2018, recorrendo ao software de conversação, Skype^®, versão cinco. Através da utilização dessa técnica, além de promover a interacção e discussão entre o grupo, promovendo contribuições para a compreensão do tópico em estudo, foi possível compreender se as percepções dos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem convergiam ou divergiam das percepções dos enfermeiros peritos, assim como aliar a uniformidade com a diversidade e, desse modo, alcançar consenso em relação ao objetivo do estudo(¹⁶). Durante a fase de moderação do focus group, o investigador assumiu uma posição de facilitador, permitindo manter o foco do grupo na tarefa de obtenção de respostas para as questões delineadas, procurando, no entanto, não interferir na dinâmica do grupo(¹⁶).

Após a conclusão do primeiro focus group, as informações e dados recolhidos apresentavam uma forte correspondência com a informação disponível de outras fontes, e não se justificou a realização de mais sessões(¹⁶).

Análise e Tratamento dos Dados

Dos dados das entrevistas semiestruturadas e do focus group, procedeu-se à transcrição e à análise de conteúdo, que permitem fazer inferências válidas e replicáveis. A validação da análise e a organização dos dados obtidos das entrevistas semiestruturadas e do focus group permitiram estruturar as categorias (sistemas de codificação) e identificar as unidades de registro (respeitando os princípios da exaustividade e exclusividade, representatividade, homogeneidade e produtividade). Esse processo de codificação considerou os recortes dos textos em unidades de análise, a definição de regras de contagem e a classificação e agregação das informações em categorias simbólicas ou temáticas. Consolidou-se através da manutenção, modificação ou supressão das categorias existentes, permitindo obter um sistema de categorias que pode ser considerado, em si mesmo, como o eixo orientador das análises inferidas(¹⁶,¹⁷).

Do mesmo modo, no sentido de manter a adequação e o rigor do estudo, utilizaram-se os seguintes critérios, permitindo reduzir as inconsistências e contradições de uma pesquisa: credibilidade (utilizando a triangulação de métodos como estratégia de incremento da solidez do estudo e uma descrição das técnicas de coleta e análise de dados); transferibilidade (em que foi delineada uma organização estrutural dos elementos essenciais do fenômeno, de coleta de informação, de modo a facilitar a sua compreensão, bem como a possibilidade de transferência dos resultados para outros contextos com outros participantes); dependência (processo onde a documentação detalhada de toda a pesquisa, bem como as decisões metodológicas tomadas, foi realizada); e confirmabilidade (processo que permitiu aferir em que medida os achados do estudo são o produto do foco da investigação, através da identificação e descrição das técnicas de análise de dados, além da delimitação do contexto e sujeitos em estudo e descrições minuciosas dos participantes, neutralizando qualquer enviesamento do próprio investigador)(¹⁷).

Aspectos Éticos

Em consonância com os princípios éticos aplicáveis a uma investigação dessa natureza, os participantes foram informados sobre os objetivos e procedimentos do estudo, resguardando o direito de não participar ou de recusar responder a questões que se relacionassem com a esfera de reserva da sua privacidade. O estudo obteve parecer favorável da Comissão de Ética da Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde, em 27 de março de 2017 (Parecer nº 26/2017). Todos os participantes assinaram o consentimento informado, resguardando o sigilo e a confidencialidade das informações. Os coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem foram codificados com a letra “E” (de entrevistado), seguida pelo número da entrevista de E1 a E35. Os participantes do focus grupo, com a letra “F” (de focus), foram numerados de F1 a F6, de forma a garantir o seu anonimato.

RESULTADOS

Das 40 escolas públicas e privadas, integraram a amostra 35 coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem, pois dois coordenadores/diretores não manifestaram interesse em participar e três não responderam ao convite em tempo útil. No que diz respeito aos enfermeiros peritos, participaram seis.

Dos dados recolhidos e das leituras flutuantes, emergiram similitudes, que se agruparam em dois temas e categorias (Quadro 1):

• a)

  Processos de ensino-aprendizagem no domínio de desastres;

• b)

  Intervenção do enfermeiro de cuidados gerais em situações de desastre.

Quadro 1
Temas e categorias – Lisboa, Portugal, 2018.

Tema	Categoria
Processos de ensino-aprendizagem no domínio de desastres	Diagnosticar para formar: as necessidades formativas do estudante do curso de licenciatura em enfermagem no domínio de desastres; Academia: as implicações no processo de ensino-aprendizagem do estudante do curso de licenciatura em enfermagem no domínio de desastres; Cooperação interinstitucional e interdisciplinar: a importância na ação pedagógica do estudante do curso de licenciatura em enfermagem no domínio de desastres; Utilização da prática simulada no ensino-aprendizagem da área de desastres.
Intervenção do enfermeiro de cuidados gerais em situação de desastre	Regulamentação do conteúdo formativo no domínio de desastres na disciplina de enfermagem; Perfil de competências do enfermeiro de cuidados gerais para uma resposta sistematizada em situação de desastre; Reconfiguração da cultura profissional; Maturidade cognitiva do estudante do curso de licenciatura em enfermagem para uma resposta sistematizada no domínio de desastres.

Porém, das oito categorias emergentes, apresenta-se apenas a estrutura de uma categoria relacionada ao objetivo inicialmente definido.

Tendo por base o cenário de elevada complexidade desses fenômenos, as narrativas dos participantes traduzem a necessidade de inclusão do domínio de desastres nos planos de estudo, de forma a favorecer o desenvolvimento de habilidades cognitivas que lhes permita enfrentar as exigências, os condicionantes e os desafios que esses contextos exigem.

(…) a inexistência de investimento da parte das escolas que permita o desenvolvimento de conhecimento específico (de desastres) nesse domínio é uma realidade atual. De fato, nós escola, não temos permitido que o estudante desenvolva um percurso de construção de saberes nesse domínio que permita a tal maturidade cognitiva, permitindo o pensamento crítico, confronto e interpretações conscientes sobre essa matéria (…) oferecendo suporte para avaliar, tomar decisões, fazer juízo. Dimensões importantes no desenvolvimento cognitivo do estudante nesse domínio (…). (E6)

(…) a falta de um enquadramento da área de desastres nos planos de estudo da licenciatura que permita ao estudante a reflexão e a avaliação desses contextos com racionalidade (…) Por outro, na minha opinião, não sei se o estudante de licenciatura possui um nível de maturidade que permita mobilizar recursos cognitivos, no sentido de analisar, avaliar, argumentar, resolver problemas e tomar decisões nesses contextos, ou seja, interligar estas diferentes dimensões desses contextos (...) e posicionar-se em relação a estes fenômenos de tal complexidade. (E8)

(…) o estudante do primeiro ciclo está num estadio muito centrado na tarefa, (…) devido à falta de formação nesse domínio, impossibilitando o desenvolvimento do raciocínio e pensamento reflexivo, possibilitando dar sentido a esse conhecimento e, a partir daí, desenvolverem atitudes e valores para compreenderem essas realidades, de forma a assumirem, no futuro, um papel ativo. (F1)

(…) tenho dúvidas que um estudante de primeiro ciclo tenha a maturidade cognitiva para (…) reconhecer os problemas implícitos e os resolver ou formular uma série de alternativas, processo que implica níveis de abstração elevados. (F3)

A integração dessa área nos processos de formação de base do curso de enfermagem pode desempenhar um papel fundamental nesse sentido. Desenvolver o pensamento crítico, ou seja, capacidade de análise crítica e reflexiva sobre essa área específica, permitindo o julgamento objetivo das ações de resposta a implementar (...) capacidades que exigem maturidade cognitiva. Sem este trabalho, julgo difícil. (E33)

DISCUSSÃO

Da análise dos testemunhos dos participantes, tanto dos coordenadores/diretores dos cursos de licenciatura em enfermagem quanto dos enfermeiros com conhecimento e experiência prática no domínio de desastres, em virtude das especificidades e complexidade da área, percebe-se que é preciso que a mesma seja integrada nos processos de ensino-aprendizagem do estudante, permitindo o desenvolvimento de capacidades, consideradas essenciais, para uma intervenção competente nesse domínio. Hoje, é defendido que, se o estudante apresenta um nível de habilidades cognitivas reduzido, especialmente quando as situações em análise se revelam complexas, encontra-se mais propenso a conflitos intra e interpessoais(¹⁸). A incapacidade de perceber e sentir o conflito, o (seu) grau de emotividade e a leitura das intenções da outra parte, para que possa ser dada a resposta considerada mais adequada, pode gerar comportamentos de inação, indeterminação ou, pelo contrário, comportamentos de hostilidade e irritabilidade, que poderão limitar a capacidade do estudante, futuro enfermeiro de cuidados gerais, para enfrentar a mudança e/ou desafio(¹⁸).

Assim, compreende-se que desenvolver maior literacia nesse domínio favorece a capacidade de resiliência do estudante, permitindo a consciência da sua intervenção, as suas responsabilidades e deveres, promovendo o pensamento crítico e a inteligência emocional e potenciando a adoção de comportamentos de autoproteção(¹⁹). Além de ser determinante que o domínio de desastres possa constar na planificação das ações educativas dos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem, é igualmente necessário que o core do processo de ensino-aprendizagem se baseie em uma lógica do desenvolvimento das capacidades do estudante até que o mesmo alcance maturidade suficiente para gerir as suas intervenções de forma consciente, estruturada, equilibrada e eficiente(²⁰,²¹).

A partir dessa análise, percebe-se que o desenvolvimento da inteligência emocional é determinante em todo esse processo, uma vez que a percepção e a regulação das emoções permitem um maior sucesso na performance profissional, especificamente na resolução de problemas. Os planos cognitivos e emocionais encontram-se fortemente interligados, permitindo ao estudante segregar emoções para que essas não interfiram no desempenho das suas funções(²²). Essa capacidade pode favorecer ao estudante recursos, permitindo que o mesmo seja capaz de identificar e resolver conflitos intra, interpessoais e organizacionais e criar alternativas viáveis em ambientes adversos.

Controlar as emoções (suas ou de terceiros) pode favorecer horizontes para a capacidade de negociar, mediar alternativas e resolver conflitos, processo que impulsiona o crescimento cognitivo, ao permitir o reconhecimento sobre o impacto direto ou indireto das suas ações, ou seja, que torne-se mais racional e pense sobre o impacto dos seus atos de modo crítico e autônomo(²²,²³). No entanto, a mesma autora afirma que ampliar a competência emocional dos estudantes e a capacidade de lidar com as próprias emoções e com as dos outros constitui um desafio. Os estudantes precisam ser confrontados com diversas experiências e compreender que não há incompatibilidade entre a razão e a emoção para conseguirem descobrir diferentes aspectos do seu próprio “eu”, da sua relação com o outro e com o contexto que os rodeia. Eles precisam desenvolver capacidade de planejar metodologias de intervenção, de modo a conseguirem favorecer o desenvolvimento psicológico, emocional, social, espiritual e cultural(^23:96).

Esse processo requer complementarmente a habilidade do estudante em se adaptar a situações difíceis, sabendo lidar com a adversidade e retendo o que há de melhor em cada vivência. Não sendo a habilidade de se adaptar a situações complexas um traço de personalidade individual, nem um construto imutável, a mesma resulta da capacidade do estudante em mobilizar recursos em si mesmo e no ambiente que o rodeia para a resolução de conflitos e/ou situações-problema. Por exemplo, estudos demonstram que a estratégia de reflexão sobre a ação auxilia o estudante a reavaliar a sua autoestima, autocontrole e autoconfiança e, desse modo, procurar formas adequadas de enfrentar/resolver situações-problema, o que revela controle interno ou fontes de suporte disponíveis(²⁴).

Concomitantemente, a formação nesse domínio potencia a aceitação da responsabilidade, que evidencia uma atitude de maior concentração e uma capacidade de mobilização de recursos (internos ou externos), permitindo uma melhor capitalização de pensamentos e comportamentos para a resolução de situações indutoras de estresse ou, ainda, a capacidade de tolerância e de lidar com imprevistos que tendem a persistir na consecução dos seus objetivos(²⁵). Essa capacidade contribui de forma positiva para a motivação, que possibilita a ativação, a direção e a manutenção da conduta diante de um objetivo desejado, ou seja, o sentimento de realização, de crescimento e de reconhecimento pessoal e profissional, características essenciais em contextos de desastre, por possibilitarem ao estudante ultrapassar obstáculos difíceis, concretizar objetivos com recursos limitados. Depreende-se que a capacidade de formar uma decisão tem uma relação forte com a capacidade de análise ou ponderação racional sobre determinada informação, formando uma opinião e agindo em conformidade, competências intimamente relacionadas ao processo do pensamento crítico.

Porém, capacitar o estudante sobre compreensão desse tipo de fenômeno, em todas as suas dimensões, exige aprendizagem experiencial, ou seja, a mera transmissão expositiva do conhecimento nesse domínio, muitas vezes incidindo em conceitos abstratos e altamente complexo, revela-se insuficiente. Exige metodologias que possam reproduzir esse tipo de fenômenos, garantindo uma aprendizagem fluente e contínua, sem colocar em causa a segurança dos estudantes. Nesse sentido, é defendido que a prática simulada como metodologia de ensino-aprendizagem é importante nesse processo, uma vez que permite que os estudantes desenvolvam operações formais de raciocínio (por meio dos estímulos captados pelos sentidos), autonomia, criatividade, racionalidade, intuição (mesmo que adquirida através da simulação), tolerância à ambiguidade e mudança(²⁵). Além de aumentar o conhecimento, permite o desenvolvimento do processo de pensamento individual e desenvolvimento intelectual, aumentando a capacidade de transferir o conhecimento para novas situações e, consequentemente, a autoconfiança. Além disso, há melhorias no nível do processo de comunicação, dinâmica de equipe, raciocínio clínico e tomada de decisões, liderança e precaução de segurança, capacidades consideradas fundamentais para intervir no domínio de desastres de forma eficiente e eficaz(¹⁹,²⁰).

Simultaneamente, qualquer informação ou processo organizativo de situações complexas e ambíguas exige comunicação, possibilitando a transmissão de informação vital para os processos de prevenção e resposta a situações dessa natureza. Mas também permite gerar confiança, credibilidade, capacidade de motivar, expressar emoções, bem como uma das principais bases da capacidade de liderança. A liderança tem importância vital na performance e motivação, quer em nível individual ou em nível das equipes de saúde, favorecendo a flexibilidade, a unicidade, a visão sistêmica e o desenvolvimento integrativo. Porém, proporciona inspiração, estímulo e desenvolvimento intelectual, permitindo respostas mais eficazes face a qualquer mudança brusca e intensa(²⁶,²⁷,²⁸). No domínio de desastres, é crucial que o estudante, futuro enfermeiro, seja capaz de se adaptar às contínuas mudanças com rapidez, agilidade e persistência. Esse processo promove a motivação e a criatividade, mas também a capacidade de planejar, organizar e gerir situações complexas e ambíguas (perante determinados dilemas éticos), favorecendo o desenvolvimento de recursos do “eu” e de desempenho, que promove a maturidade cognitiva(²⁸).

Compreende-se, assim, na perspectiva dos participantes, que a formação no domínio de desastres deve ser entendida como o “motor” de desenvolvimento de potencialidades/habilidades cognitivas do estudante do curso de licenciatura em enfermagem, uma vez que possibilita a compreensão desses fenômenos e as suas dimensões, bem como a sua responsabilidade profissional nesses contextos. Esse processo lhe permite desenvolver diversas capacidades, como comportamento social estabilizado, permitindo melhores interações e transmissões sociais, robustez emocional e resiliência perante a incerteza e a ambiguidade, permitindo a consolidação das operações formais.

Porém, verifica-se que a contribuição das Escolas de Enfermagem em Portugal na integração do domínio de desastres nos processos formativos mantém-se diminuta, impedindo que o estudante desenvolva os processos cognitivos necessários, considerados determinantes para um desempenho eficaz(¹²).

Como limitação do estudo, salientamos a importância de alargar a amostra de participantes do grupo de enfermeiros, circunstância que não foi possível concretizar em virtude de os contatos efetuados se encontrarem em missão, bem como pela inexistência de meios tecnológicos adequados ou disponíveis que permitissem aos mesmos integrar o painel do focus group online.

CONCLUSÃO

Consideramos que o horizonte formativo no domínio de desastres, nos processos de formação do curso de licenciatura em enfermagem, assume-se determinante no desenvolvimento da maturidade cognitiva do estudante, pelo papel potenciador que tem em todas as demais capacidades. Capacidades como a regulação comportamental e autorregulação emocional, além de tomada de consciência, permitindo um planejamento estruturado de estratégias funcionais e cumprimento de objetivos, e quais as responsabilidades que diretamente potenciam a motivação e que possam favorecer uma melhor compreensão dos processos de resposta, exigem um processo de aprendizagem que torne o estudante um “pensador crítico”. Esse intercâmbio de capacidades e recursos estimula o emergir de novo conhecimento, possibilitando a consciencialização das especificidades desses contextos e contribuindo para uma maior maturidade cognitiva, que favorece desempenhos mais eficazes e eficientes, bem como maior visibilidade e reconhecimento da profissão nesse domínio.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Márcia Regina Cubas

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Maio 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  22 Nov 2023
• Aceito
  20 Mar 2024