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Saberes e poderes necessários à reconstrução da enfermagem frente a mudanças gerenciais num hospital de ensino

Resumos

Este estudio fue realizado en un hospital de enseñanza del Sur del país, el cual adoptó un modelo de administración que provocó el desmantelamiento del Servicio de Enfermería y la desmovilización de sus trabajadores. El objetivo general fue promover la construcción de los cambios que deberían ser implementados en la reorganización del trabajo en enfermería. Se trata de estudio de caso con abordaje histórico dialéctico, cuyos datos fueron recolectados entre marzo y abril de 2005, utilizando la técnica de grupo focal. Los sujetos de la investigación fueron 8 enfermeros, 2 técnicos y 2 auxiliares de enfermería. Los datos fueron analizados utilizando la técnica de análisis de contenido en la modalidad de análisis temático. Los resultados muestran que los mayores desafíos para la enfermería de ese hospital son: construir una nueva identidad, realizar el trabajo en equipo, manteniendo la identidad profesional, adquirir visibilidad en la institución, cambiar el cuidado y ampliar la administración.

enfermería; innovación organizacional; organización y administración


This study was carried out at a teaching hospital in Southern Brazil, which adopted a management model that provoked the dismantling of the nursing service and the disbandment of nursing professionals. Its general goal was to promote changes that would be implemented in the re-organization of nursing work. It is a case study with a historical-dialectic approach, whose data were collected in March and April 2005 through the focal group technique. The study subjects were eight nurses, two technicians and two nursing auxiliaries. Data were analyzed through thematic content analysis. Results evidenced that the greatest challenges nursing faced at this hospital were: to construct a new identity, carry out teamwork while maintaining its professional identity, acquire visibility in the institution, change care and expand management.

nursing; organizational innovation; organization and administration


Este estudo foi realizado em um hospital de ensino do Sul do país, o qual adotou modelo gerencial que provocou o desmantelamento do Serviço de Enfermagem e a desmobilização de seus trabalhadores. O objetivo geral foi promover a construção das mudanças que deveriam ser implementadas na reorganização do trabalho em enfermagem. Trata-se de estudo de caso com abordagem histórico-dialético, cujos dados foram coletados em março e abril de 2005, utilizando a técnica de grupo focal. Os sujeitos da pesquisa foram 8 enfermeiros, 2 técnicos e 2 auxiliares de enfermagem. Os dados foram analisados utilizando a técnica de análise de conteúdo na modalidade de análise temática. Os resultados mostram que os maiores desafios para a enfermagem desse hospital são: construir nova identidade, realizar o trabalho em equipe mantendo a identidade profissional, adquirir visibilidade na instituição, mudar o cuidado e ampliar a gerência.

enfermagem; inovação organizacional; organização e administração


ARTIGO ORIGINAL

Saberes e poderes necessários à reconstrução da enfermagem frente a mudanças gerenciais num hospital de ensino1

Elizabeth BernardinoI; Vanda Elisa Andres FelliII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná, UFPR, Brasil, e-mail: elizaber@ufpr.br

IIEnfermeira, Professor Associado da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: vandaeli@usp.br

RESUMO

Este estudo foi realizado em um hospital de ensino do Sul do país, o qual adotou modelo gerencial que provocou o desmantelamento do Serviço de Enfermagem e a desmobilização de seus trabalhadores. O objetivo geral foi promover a construção das mudanças que deveriam ser implementadas na reorganização do trabalho em enfermagem. Trata-se de estudo de caso com abordagem histórico-dialético, cujos dados foram coletados em março e abril de 2005, utilizando a técnica de grupo focal. Os sujeitos da pesquisa foram 8 enfermeiros, 2 técnicos e 2 auxiliares de enfermagem. Os dados foram analisados utilizando a técnica de análise de conteúdo na modalidade de análise temática. Os resultados mostram que os maiores desafios para a enfermagem desse hospital são: construir nova identidade, realizar o trabalho em equipe mantendo a identidade profissional, adquirir visibilidade na instituição, mudar o cuidado e ampliar a gerência.

Descritores: enfermagem; inovação organizacional; organização e administração

INTRODUÇÃO

Nos locais onde a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) avançou para a formação de redes de atenção, os hospitais foram impulsionados à sua plena integração, o que impôs modificações conceituais e operacionais na forma de gerenciá-los.

Em abril de 2002, pela necessidade de se adequar ao modelo assistencial de atenção em rede e melhorar seu desempenho, o hospital deste estudo iniciou a implantação de modelo gerencial baseado em "linhas de cuidado", que é expressão de fluxos assistenciais seguros, ofertados aos usuários para o atendimento às suas necessidades(1).

Nesse novo modelo, a organização dos serviços por "equipe" substituiu a lógica tradicional por "profissão". Para se adequar à nova proposta, os serviços e as unidades sofreram grandes modificações nas suas estruturas, sendo que a mais emblemática foi a substituição da Direção de Enfermagem (DE) pela Coordenação de Enfermagem (CE).

Há o entendimento de que algumas modificações deveriam ser feitas para repensar prática assistencial em outra lógica que não somente a clínica. No entanto, o argumento da mudança do modelo gerencial, que é válido e legal para responder pela assistência em outra lógica, trouxe, implícita e intencionalmente, o desmantelamento do Serviço de Enfermagem e a desarticulação/desmobilização de seus trabalhadores, em um momento de disputa de competências entre médicos e enfermeiros.

Tendo como entendimento de que essa proposta caminharia para sua total implantação e a necessidade de tomada de decisão quanto ao reposicionamento da enfermagem na instituição, a questão norteadora deste estudo foi: como promover a enfermagem para que essa assuma o protagonismo no processo de mudança do novo modelo gerencial do hospital estudado, aqui,, assumindo e decidindo pelos próprios rumos, garantindo seu espaço, de fato e de direito, no desenvolvimento do trabalho em enfermagem?

O presente estudo teve como objetivo geral promover, junto aos trabalhadores de enfermagem, a reconstrução da enfermagem frente ao novo modelo gerencial. Como objetivos específicos tem-se: reconstruir os determinantes históricos implicados na instituição dos modelos gerenciais de enfermagem; identificar o contexto atual do modelo gerencial, o seu significado e as possibilidades futuras; apreender as estratégias de enfrentamento dessa problemática no que se refere aos saberes e poderes e elaborar proposta e estratégias para a reconstrução da enfermagem na instituição.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Esta pesquisa é de abordagem qualitativa, na modalidade estudo de caso. O estudo de caso foi escolhido porque pode contribuir para a compreensão de fenômenos sociais complexos e para lidar com as condições contextuais pertinentes a esses fenômenos(2).

Como o estudo de caso é um dos tipos de pesquisa qualitativa dos mais relevantes, cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente(3), os resultados do presente estudo de caso são válidos somente para esse hospital, porém, o conhecimento aprofundado de sua realidade pode permitir e formular hipóteses(3).

Esta pesquisa está fundamentada na Determinação Social que explica o processo do desenvolvimento social na perspectiva histórica e dialética. O processo, na Teoria da Determinação Social, contrapõe-se à visão estática do positivismo e expressa o caráter dinâmico dos fatos vinculados à saúde - doença em todas as suas dimensões(4). A metodologia dialética é metodologia específica das ciências sociais porque é mais fecunda para analisar os fenômenos históricos, pois a visão dialética privilegia: a) a contradição e o conflito predominando sobre o consenso; b) o fenômeno da mudança sobre a estabilidade; c) o movimento histórico e d) a totalidade e a unidade dos contrários(5).

O cenário do estudo foi um hospital de ensino público, de grande porte, localizado na cidade de Curitiba, PR. A população estudada corresponde, aproximadamente, a 1 233 profissionais de enfermagem que totalizam 34,5% de toda a força de trabalho do hospital. Os sujeitos da pesquisa foram 12 trabalhadores da enfermagem sendo 8 enfermeiras, 2 técnicas e 2 auxiliares de enfermagem, que trabalham na instituição há 5 anos ou mais e que aceitaram compor o grupo.

O projeto de pesquisa foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob número CEP/HC 954.184/2004-1.

A coleta de dados se deu nos meses de março e abril de 2005, com a utilização da técnica de grupo focal, considerando ser essa a melhor estratégia no sentido de reunir diferentes atores da prática profissional, num espaço investigativo, propiciando a reflexão crítica sobre a situação a ser estudada(6).

O número de encontros foi determinado pelos objetivos específicos que foram três: os determinantes históricos implicados na mudança, a situação atual da enfermagem, seu significado e as possibilidades futuras e as estratégias de enfrentamento: saberes e poderes. Os encontros foram gravados e transcritos posteriormente, com 7 encontros para o grupo concluir que havia respondido as três questões.

A análise do material transcrito foi constituída por três fases: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos dados(7). Dentre as técnicas de análise de conteúdo, optou-se pela análise temática, com o intuito de apreender os "significados" das transcrições.

Os critérios que orientaram a leitura, nesse caso, foram as categorias empíricas, "construídas com finalidade operacional, visando o trabalho de campo"(8) que foram dadas pelos objetivos específicos. As categorias analíticas, "consideradas balizas para o conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais"(8), que fundamentaram a discussão das categorias empíricas, foram: políticas de saúde no Brasil, modelos gerenciais adotados pelos hospitais e competências gerais para o exercício da enfermagem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os determinantes históricos que influenciaram a situação da enfermagem no hospital

Para a recomposição da categoria determinantes históricos que influenciaram a atual situação da enfermagem no hospital, foram apreendidos na realidade da enfermagem e expressos pelo grupo focal quatro determinantes, sendo o primeiro, o estranhamento da enfermagem com as políticas de saúde.

Nessa categoria, considera-se que, historicamente, a enfermagem vem, eficiente e eficazmente, reproduzindo ações que são centralmente determinadas pelas políticas, programas e instituições governamentais(9-11). Assim, o (pouco) poder decisório que as enfermeiras têm assumido nas instituições de saúde está mais centrado na operacionalização do que na formulação de políticas(9).

Alienadas do cenário das políticas de saúde, as enfermeiras dos hospitais sempre "acompanharam" o hospital no topo da pirâmide, com saberes específicos, relacionados às práticas curativas e gerenciais. Com o processo de municipalização, os hospitais são inseridos posteriormente na rede de atenção à saúde, dificultando, inicialmente, a compreensão das enfermeiras acerca de como as mudanças no modelo assistencial influenciam o gerenciamento do hospital.

O grupo entende que mesmo com argumentos fortes de que era necessário mudar o modelo gerencial adotado pelo hospital, a mudança mostrou a intencionalidade desse desmanche, por parte do grupo diretivo, considerada, neste trabalho, como o segundo determinante da atual situação da enfermagem.

Dentre os motivos apresentados pelo grupo, está a "apropriação" das queixas dos funcionários da enfermagem, e sua utilização, pelos dirigentes, para legitimar sua ação de extinguir a DE. Outro motivo teria sido a própria lógica do modelo proposto que prevê a redução de diretorias, como forma de diminuição dos níveis hierárquicos. A disputa política e a necessidade de "enfraquecer" a enfermagem no hospital também foram citadas pelo grupo como uma das causas do "desmanche".

O terceiro determinante apreendido é a constituição histórica do trabalho da enfermagem que foi relacionada à formação tradicional que privilegia uma cultura de subordinação; a organização rígida e hierarquizada no trabalho que dificulta a inserção de novos modelos; a questão do gênero e do acesso à informação. Nessa constituição histórica, a enfermagem não é preparada para tomar decisões estratégicas.

O quarto determinante apreendido diz respeito à idéia de que as enfermeiras quando ocupam cargos de confiança deixam de ser enfermeiras, percebido quando algumas enfermeiras que assumiram posições estratégicas (de destaque) na nova estruturação, se denominaram "gerentes" e não "enfermeiras".

Nos hospitais, tradicionalmente, a enfermeira não ocupa cargos de direção ou similares, fora do contexto da enfermagem. Na lógica das profissões (ou nos hospitais), muitos elementos podem explicar o "mal" posicionamento das enfermeiras. Primeiramente, o modelo tradicional muito hierarquizado é dominado pela prática curativa médica que determina o papel das outras profissões. Segundo, a longevidade desse modelo faz com que os hospitais sejam reticentes em mudar sua estrutura hierárquica e seus modos de gerenciamento. Por último, essa superioridade (ou hegemonia) dos médicos em relação à enfermagem é freqüentemente "escondida" por mecanismos institucionais(12).

A organização do trabalho pela lógica da equipe, mais democrática, menos "profissional", pode explicar e favorecer a ascensão de enfermeiras a cargos mais elevados, por muitos motivos, entre os quais a formação administrativa das enfermeiras brasileiras. Essa formação contribui para o desempenho do papel de habilidosas coordenadoras, nas zonas de trocas entre as dimensões de integração(13).

O contexto atual, seu significado e as possibilidades futuras

Para a recomposição da categoria contexto atual, seu significado e as possibilidades futuras foi apreendido no grupo focal a crise de identidade das enfermeiras, causada pela perda da DE, pela convivência entre os dois modelos e grande desorganização do hospital na passagem de um modelo para outro.

Tanto a perda da DE quanto a dificuldade de convivência entre os dois modelos parece se relacionar com a dependência de um poder legítimo, mais do que um direcionamento. Nota-se, nas falas, que no cotidiano da enfermagem pouca coisa mudou, principalmente no que concerne ao cuidado e ao poder. Ressalta-se, aqui, o simbolismo da DE como única fonte de poder legítimo, na opinião das enfermeiras.

Percebe-se uma "cristalização" do modelo marcado por influências da Administração Científica - divisão do trabalho e especialização do trabalhado, da Teoria Clássica - hierarquização, e da Teoria da Burocracia - regimentos, regulamentos e o caráter formal das comunicações(14-15).

No que concerne ao cuidado, de maneira geral, para os técnicos e auxiliares não houve mudanças significativas. Porém, é passado, subliminarmente nas falas, pelas enfermeiras, que o cuidado está decaindo porque o trabalhador não está sendo cuidado, ressaltando-se mais o "tom" de fatalismo no discurso do que a idéia em si, o que vem ao encontro da afirmação de que o processo de trabalho da enfermagem vem sofrendo a influência de outra ordem de valores, contaminado pelo trabalho messiânico, pelo sofrimento, que tem, na missão e no sacrifício, o delineamento da imagem profissional marcando parte de sua constituição(16).

No que concerne ao poder, pode-se dizer que há contradições no discurso, com as enfermeiras dizendo que perderam poder e técnicos e auxiliares dizendo que elas ganharam poder, porque ficaram mais próximas de sua equipe e menos dependentes de uma direção.

Faz-se necessário, para lançar luz sobre a dimensão da perda da DE para as enfermeiras, apropriar-se dos conceitos de poder simbólico e capital simbólico(17). Esses significam, respectivamente, o poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem de reconhecimento, e todo e qualquer capital, quando percebido por um agente quando conhecido e reconhecido como tal. Como a DE tinha potencial simbólico para as enfermeiras e sua perda produziu um significado, nota-se a sensação de não pertencer mais a nenhum grupo, a falta de reconhecimento, de identidade.

Com relação às possibilidades futuras, o grupo entende que uma pessoa ou um grupo deva fazer a condução das mudanças. As perspectivas concretas inexistem, porém, pode-se observar que a reflexão permitiu como perspectiva, ainda que futura, da necessidade de aceitar novos perfis profissionais demandados pelos novos modelos de gerenciamento.

Estratégias de enfrentamento: saberes e poderes

Para a recomposição da categoria estratégias de enfrentamento: saberes e poderes foi apreendido no grupo focal que, em virtude das perspectivas estarem comprometidas pelo pessimismo e pela apatia, as estratégias emergiram como possibilidade real de forma ainda tímida.

O poder, nessa categoria, é resgatado como estratégico e politicamente "necessário", para que a enfermagem possa viabilizar seus projetos assistenciais e gerenciais. No que concerne ao saber, as competências operacionais da enfermeira em hospital fundamentaram a discussão.

Observa-se, pela seqüência das falas, que o grupo acredita que, ao mobilizar a enfermagem, poderia haver chance de reverter o quadro atual e reaver a DE como sendo a única forma de legitimar o poder da enfermagem dentro da estrutura do hospital.

Sobre a centralidade da DE como única opção, pode-se, de modo intencional, ambicionar ser mais "sujeitadores" do que "sujeitados" em certas circunstâncias e que, para isso, deve-se explorar as capacidades de agir e interpretar o lugar onde se está inserido, procurando interferir em suas regras e abrir linhas de fuga para novos "cenários"(18).

Partindo-se desses pressupostos, poder-se-ia supor outra estratégia, para que, em caso de fracasso na negociação, o grupo pudesse se fortalecer e recuperar, encontrando em outras "linhas de fuga" o poder necessário para se reestruturar. Significa, especificamente, que a enfermagem poderia usar o "poder" do conhecimento, da expertise, para produzir novas formas de atuar na assistência e na gerência.

Uma segunda estratégia de poder seria encontrar uma liderança que, segundo o grupo, deveria ter competência política (articulação, poder de agregar pessoas) e competência técnica (ser reconhecidamente profissional respeitada no hospital pelos seus conhecimentos). Esse perfil é ambicioso e de certa forma transfere toda a responsabilidade da reconstrução para uma outra pessoa.

As estratégias referentes aos saberes estão ligadas a um saber contextualizado, ficando bem claro a necessidade de se construir projeto assistencial próprio, o qual deveria estar em consonância com o contexto de saúde, com a missão institucional e com os objetivos da própria enfermagem.

Um projeto pode ser o caminho, encontrado pelo grupo, para trabalhar os conflitos, uma estratégia de agregação, que pode fortalecê-lo na busca de objetivo comum. Esse projeto próprio consolidaria (porque já reconhecem que têm poder na coordenação do cuidado), ou retomaria, através da competência, mais poder e a reconstrução de nova identidade.

Proposta para o desenvolvimento da enfermagem do hospital

A percepção da necessidade de mudança demonstra que o grupo quer e precisa se reestruturar nesse novo cenário, mas a falta de motivação e o despreparo frente aos novos desafios tornaram tímidas suas propostas. Porém, é possível, na discussão de todas as categorias, encontrar pistas, fornecidas pelo próprio grupo, que podem ajudar na construção de outras estratégias de enfrentamento. Para essa proposição, foi preciso resgatar os aspectos considerados essenciais ao processo de reestruturação da enfermagem. O primeiro é o poder e, o segundo, o saber.

O que se visualiza é que o poder possa ser usado para reconstruir, para resgatar, para reestruturar. Uma vez que a CE não é reconhecida, pelas enfermeiras, como símbolo de poder, propõe-se, primeiramente, resgatar o poder individual, ou a capacidade de empoderamento que cada enfermeira possui e que pode ser usada nesse processo.

De qualquer modo, uma vez que não se reconhece um "poder formal", o grupo deve analisar as possibilidades de se reestruturar em outras bases. Isso inclui a aquisição de algumas competências que podem conferir poder. A princípio, a aquisição de competências, de maneira geral, pode conferir poder, mas se trata, aqui, da aquisição de competências específicas à dimensão política, comunicativa e de desenvolvimento da cidadania, inerentes à atividade gerencial da enfermeira(19).

Essas dimensões abrangem, primeiramente, a conscientização dos trabalhadores de enfermagem na perspectiva de sua emancipação como sujeitos sociais; posteriormente, a preservação da unidade da enfermagem como categoria que tem responsabilidades com os projetos institucionais e os usuários, e que tem a legitimidade de agir em matéria de sua própria competência, como a organização do trabalho em enfermagem, por exemplo.

Finalmente, a enfermagem deve recuperar ou conquistar o direito de, efetivamente, ter um papel nas decisões concernentes ao processo de trabalho em saúde do hospital, do qual é parte indissociável. Para tanto, o cargo deve, oficialmente, constar da estrutura organizacional do hospital.

As estratégias para se adquirir novas competências exigem disposição e oportunidade. Ao considerar que a aquisição de competências inclui a mobilização de conhecimentos em uma situação de ação(20), pressupõe-se que se deva extrair desafios e tarefas complexas do próprio contexto.

Com relação ao saber, a análise das falas permitiu apontar a necessidade de o grupo adquirir saber mais contextualizado e, por outro lado, mostra grande preocupação com a manutenção/atualização do saber "clínico/assistencial" mais relacionado ao cuidado, que sempre conferiu competência, à enfermagem do hospital.

Considera-se que, dentro do hospital, os subprocessos cuidar e gerenciar são os mais presentes e que o subprocesso gerenciar pode extrapolar os limites da enfermagem nesse novo modelo. Os saberes necessários para contribuir com a aquisição de novas competências incluem tanto os aspectos gerenciais quanto os de cuidado(19). Para tanto, devem abranger o conhecimento das políticas de saúde e sua operacionalização no âmbito do país, do município e do hospital. Mais especificamente ao cuidado, novos saberes devem incluir práticas cuidadoras que colocam o usuário no centro da ação da enfermagem. Cabe salientar que é a partir da gerência, enquanto possibilidade de instituir o novo, que essas propostas são visualizadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto atual mostra a crise de identidade das enfermeiras, causada principalmente pela perda da DE. Nesse sentido, pode-se observar certo "saudosismo", um "tom" de fatalismo que leva ao imobilismo, ao apego desmesurado às regras, às normas, à proteção e ao controle escondido em uma direção, cuja extinção mostra a perda do poder e do capital simbólico e representam grandes perdas, porque resultaram de luta histórica bem-sucedida.

A ocupação de cargos fora do contexto da enfermagem estabelece e amplia a abrangência da influência da enfermagem no hospital. Essas novas posições podem ser estrategicamente aproveitadas para ajudar na sua recuperação. Quer dizer que existe um modelo a ser superado: internamente, no contexto da enfermagem, tanto na assistência como na gerência, e fora desse contexto, na ocupação de cargos de confiança e na coordenação de equipes multidisciplinares. Esses novos papéis precisam ser vistos e trabalhados como novo desafio, podendo trazer benefícios para o usuário e o trabalhador de enfermagem.

É preciso salientar que a enfermagem, ao assumir sozinha toda a responsabilidade pela sua recuperação, reconhece que perdeu, sozinha, sua posição na instituição, o que não é verdade. Existe responsabilidade que deve ser compartilhada: a enfermagem deve repensar seu processo de produção e se adequar aos novos perfis assistenciais e gerenciais e a instituição deve reconhecer que nenhum projeto institucional pode ser levado a termo sem a sua participação. Reconhecer esse fato significa respeitar, institucionalmente, que a enfermagem tem o seu próprio saber e é capaz de se reorganizar, significando, também, que a instituição deve assumir sua responsabilidade para criar ambiente institucional compatível com os pressupostos teóricos que apregoa - valorizar o cuidado como sua primeira missão e favorecer um sistema de oportunidades de crescimento e desenvolvimento para seus trabalhadores.

No Brasil, as associações, os conselhos e as escolas formadoras poderiam estar mais atentos à implantação de novos modelos de gestão. Os princípios do modelo assistencial do SUS podem ser respeitados sem que sejam usados, pelas instituições de saúde, para justificar os "desmanches" vistos, cada vez mais, como "necessários" para a sua operacionalização.

No que concerne à aquisição de novas competências, as Diretrizes Curriculares já contemplam competências e habilidades necessárias ao exercício da profissão e mais aderentes aos princípios do SUS. As enfermeiras do hospital, que possuem formação ainda tradicional, precisam adquirir essas mesmas competências, talvez com mais ênfase na política, em um cenário que já mudou. A seu favor, contam com a experiência e o conhecimento adquiridos ao longo de muitos anos, que as qualificam a fazer, se assim o desejarem, uma mudança bem-sucedida.

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    Paper extracted from Doctoral Dissertation
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      29 Set 2008
    • Recebido
      24 Ago 2007
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