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Pais cegos: experiências sobre o cuidado dos seus filhos

Resumos

Reflexões sobre dificuldades e estratégias de pais cegos, quando cuidam de seus filhos. As situações referiam-se a amamentar, banhar, alimentar, acidentes domésticos e dar remédio, e o tato, audição e olfato e a rede social contribuindo para sua autonomia.

portadores de deficiência visual; cegueira; criança


This study reflects on the difficulties and strategies of blind parents to take care of their children. The situations were related to breastfeeding, bathing, feeding, domestic accidents and administering medication. They use touch, hearing, smelling and the support network, contributing to their autonomy.

visually impaired persons; blindness; child


Reflexiones sobre las dificultades y las estrategias que los padres ciegos usan cuando cuidan a sus hijos. Las situaciones se refieren a amamantar, bañar, alimentar, accidentes domésticos y dar remedios; también sobre el uso del tacto, la audición y el olfato. La importancia de la red social que contribuye para su autonomía.

personas con daño visual; ceguera; niño


COMUNICAÇÕES BREVES/RELATO DE CASOS

Pais cegos: experiências sobre o cuidado dos seus filhos1

Lorita Marlena Freitag PagliucaI; Renata Sarmento UchoaII; Márcia Maria Tavares MachadoIII

IUniversidade Federal do Ceará, Brasil: Enfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, e-mail: pagliuca@ufc.br

IIUniversidade Federal do Ceará, Brasil: Enfermeira, e-mail: renatasarmentouchoa@yahoo.com.br

IIIUniversidade Federal do Ceará, Brasil: Enfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, e-mail: marciamachado@pesquisador.cnpq.br

RESUMO

Reflexões sobre dificuldades e estratégias de pais cegos, quando cuidam de seus filhos. As situações referiam-se a amamentar, banhar, alimentar, acidentes domésticos e dar remédio, e o tato, audição e olfato e a rede social contribuindo para sua autonomia.

Descritores: portadores de deficiência visual; cegueira; criança

INTRODUÇÃO

No processo de desenvolvimento do ser humano, os atributos do cuidar são fundamentais e não há pessoa melhor para falar, demonstrar e dedicar-se ao cuidado dos filhos que os pais. Esses exercem uma forma de cuidado especial e, muitas vezes, essa se torna sua razão existencial e essencial para o desenvolvimento dos filhos(1). Contudo, deficiências podem interferir no cuidado dos filhos e é importante que os profissionais de saúde avaliem como se sentem esses pais, quais suas dificuldades e que auxílios necessitam(2).

Para subsidiar a reflexão, realizou-se entrevista em profundidade, técnica dinâmica e flexível, útil para a apreensão de uma realidade, tendo como questão norteadora: fale sobre sua experiência, como cego, no cuidado dos seus filhos. Os sujeitos foram pais que tiveram filhos após a cegueira e que aceitaram participar do estudo após assinar termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (COMEPE), sob o nº 345/05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Selecionou-se um pai e uma mãe cegos, identificados como Maria e José. Maria, 28 anos, casada, dona de casa, estudante do ensino fundamental, mãe de quatro filhos. José, 53 anos, casado, pai de duas filhas, servidor público. A partir da leitura exaustiva das entrevistas procedeu-se a recortes agrupados em dificuldades e estratégias encontradas para cuidarem dos seus filhos. No interior das tabelas há categorias temáticas para melhor visualização.

Amamentar requer ajuda para ser feito corretamente e prevenir problemas na mama puerperal e o desmame precoce(3). Uma boa pega é fundamental para prevenir problemas na mama e propiciar vínculo afetivo(4). Maria referiu dificuldade no banho, insegurança sobre a temperatura da água, ocorrência de acidentes, aos produtos a serem utilizados na higiene da criança. Utilizar o tato e olfato ao cuidar da criança, a disposição dos utensílios e medidas de segurança transmitem autoconfiança à mãe e preservam o bem-estar da criança.

Para administrar medicamentos líquidos, os pais adotam copo com dosagem única, o que permite perceber quando está cheio por meio do toque. Acidentes domésticos são prevenidos mantendo em local adequado materiais de limpeza, produtos tóxicos e cáusticos e as crianças longe do fogão, de janelas e escadas. A prevenção de acidentes faz parte da habilitação das pessoas cegas nas atividades da vida diária e os primeiros socorros podem ser ensinados com tecnologia educacional adequada(5-6).

José destaca sua responsabilidade como pai e manifesta repúdio aos que delegam esse papel e se apóiam no filho vidente, em um momento da vida em que a criança mais precisa dele. Apesar disso, os pais cegos encontram estratégias para cuidar dos filhos.

As estratégias adotadas pelos pais cegos para cuidarem dos seus filhos apóiam-se nos sentidos remanescentes, o tato, o olfato e a audição. Usar redes de apoio é fundamental para o auxílio no cuidado pela mãe cega que as associou com estratégias independentes de cuidar. Maria foi apoiada pela irmã que a ensinou a alimentar, banhar. Contou com a solidariedade da vizinha que a socorria nas situações de imprevisto, quando levava a criança à pediatra, recebia instruções como identificar febre e secreção em ferimentos.

Para alimentar seu filho com colher, segura a cabeça da criança para ter noção da posição da boca. As porções sólidas são oferecidas com a colher em pequena quantidade e as líquidas, em copo. A palavra-chave usada foi o pegar, ou seja, tocar a criança, palpar o alimento, sentir a temperatura da pele e da água. A organização dos objetos é fundamental para a execução de cuidado com os filhos. A autonomia foi evidenciada, mesmo tendo sido enfatizada a procura de apoio de outras pessoas.

Ao administrar medicações em gotas, sentem nos dedos as gotas caírem. Apesar de a legislação prever a identificação dos medicamentos em braille, isso ainda não foi plenamente adotado. As receitas médicas transcritas para o braille também é direito do cego(7). Os profissionais de saúde admitem não dominar habilidades para assistir essas pessoas, relatam não saber se comunicar com pessoas cegas e surdas(8).

A ocorrência de acidentes domésticos mostra que o domicílio e as medidas preventivas não são adequados(5). As atividades da vida diária a serem realizadas pelos cegos incluem cozinhar, lavar, passar, limpar a casa e fazem parte da habilitação recebida em escolas especiais(9). Os cegos utilizam meios não visuais para estabelecerem relações com as pessoas e com os objetos que os cercam. Jamais se deve privá-los de uma experiência real, pois elas maximizam seu ajustamento social(10). O depoimento de José é um exemplo de ajustamento, seguro de si e com boa autoestima.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se constatar a complexidade de situações vivenciadas pelos pais cegos quando amamentam, alimentam, banham e administram medicamentos. O pai cego destaca o relacionamento social, a mãe cega enfatiza o cuidado biológico. Desenvolvem estratégias criativas no cuidado com os filhos com o uso do olfato e do tato, o apoio de familiares e vizinhos. Os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, devem estar mais próximos a essas pessoas e produzir conhecimento para esse grupo tão pouco contemplado em nossa sociedade.

REFERÊNCIAS

  • 1. Grossmann K, Grossmann EK. Maternal sensitivy. In: Crittenden PME, Claussen AH, editors. The organization of attachment relationship: maturation, culture and context. New York: Cambridge University; 2003. p. 13-37.
  • 2. Behl DD, Akers JF, Boyce MJ, Taylor MJ. Do mothers interact differently with children who are visually impaired? J Visual Blindness 1996; (90):501-11.
  • 3. Swanson V, Power KG. Initiation and continuation of breastfeeding: theory of planned behaviour. J Adv Nurs 2005 May; 50(3):272-82.
  • 4. Handa S, Takahasi C, Morimoto M. The management of puerpera by visiting midwives one month after delivery. Stud Health Technol Inform 2006; 122:940.
  • 5. Pagliuca LMF, Costa NM. Deficiente visual: avaliação de risco para acidente doméstico. Esc Anna Nery Rev Enferm 1999; 3(2):97-106.
  • 6. Pagliuca LMF, Costa EM, Costa NM, Souza KM. Desenvolvendo tecnologia para prevenção e tratamento de emergências domésticas para cegos. Rev Bras Enferm 1996; 48(1):83-4.
  • 7
    Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências [on line] [ Acesso 2007 fev 13]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-006/2004/Decreto/D5296.htm>
  • 8. Macedo KNF, Pagliuca LMF. Características da comunicação interpessoal entre profissionais de saúde e deficientes visuais. Rev Paul Enferm 2005; 23(3/4):221-6
  • 9. Pagliuca LMF. A arte da comunicação na ponta dos dedos - a pessoa cega. Rev Latino-am Enfermagem 1996 abril; 4 (n. especial):127-37.
  • 10. Fonseca V. Educação especial. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.
  • 1
    Research conducted in the project Saúde Ocular. This research was supported by CNPq
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      21 Set 2007
    • Aceito
      03 Mar 2009
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