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Acompanhamento de usuários, portadores de câncer, por trabalhadores da saúde da família

Resumos

Objetivou-se, aqui, identificar e analisar as ações de acompanhamento desenvolvidas pelos trabalhadores de 13 Equipes de Saúde da Família (ESF) aos usuários portadores de câncer, em município do Sudeste do Brasil. Trata-se de estudo descritivo, com abordagem quantitativa. Utilizou-se questionário validado por sete juízes. Foram sujeitos da pesquisa 101 trabalhadores. Verificou-se que 80,2% dos trabalhadores conheciam a presença de usuários portadores de câncer na área de abrangência da ESF, 13,9% conheciam o total dos usuários, 63,3% realizam atendimentos; a visita domiciliar é realizada por 93,1% dos trabalhadores e 69% realizam discussão do caso em reuniões da ESF. O apoio emocional ao cuidador é a ação mais frequente dentre aquelas ofertadas pelos trabalhadores ao cuidador. Em relação à articulação da rede de serviços, 46,5% dos trabalhadores referiram não haver contrarreferência. Concluí-se existir necessidades e possibilidades nas ESFs para realizar o acompanhamento a esses usuários e seus cuidadores, sendo o acompanhamento realizado de modo não sistematizado.

Programa Saúde da Família; Atenção Primária à Saúde; Neoplasias; Continuidade da Assistência ao Paciente


This descriptive and quantitative study identified and analyzed follow-up actions developed by workers of 13 Family Health Teams (FHT) for cancer patients in a city in the Southeast of Brazil. A questionnaire validated by seven experts was applied to 101 workers. The results indicated that 80.2% of workers were aware of the existence of cancer patients in the FHT scope area; 13.9% were aware of the total number of cancer patients; and 63.3% delivered care to these patients; home visits were carried out by 93.1%; and 69% discussed cases during FHT meetings. Emotional support was the most frequent action among those offered by workers to caregivers. As to the joint work developed within the service network, 46.5% reported that there are no counter-referrals. The conclusion is that follow-up is not systematized; there are needs and possibilities within the Family Health Strategy for workers to follow-up with cancer patients and their caregivers.

Family Health Program; Primary Health Care; Neoplasms; Continuity of Patient Care


Se objetivó identificar y analizar las acciones de acompañamiento desarrolladas por los trabajadores de 13 Equipos de Salud de la Familia (ESF), de los pacientes portadores de cáncer en un municipio del Sureste de Brasil. Se trata de un estudio descriptivo con abordaje cuantitativo. Se utilizó un cuestionario validado por siete jueces. Fueron sujetos de la investigación 101 trabajadores. Se verificó que: 80,2% de los trabajadores conocían la presencia de pacientes portadores de cáncer en el área de influencia de la ESF; 13,9% conocían el total de los pacientes, 63,3% realizaban atenciones; la visita domiciliar eran realizadas por 93,1% de los trabajadores y 69,0% realizaban discusiones del caso en reuniones de la ESF; y, el apoyo emocional al cuidador es la acción más frecuente entre aquellas ofrecidas por los trabajadores al cuidador. En relación a la articulación de la red de servicios, 46,5% de los trabajadores refirieron no haber contra referencia. Se concluye que existen necesidades y posibilidades en las ESF para realizar el acompañamiento a estos clientes y a sus cuidadores, siendo que este acompañamiento es realizado de modo no sistematizado.

Programa de Salud Familiar; Atención Primaria de Salud; Neoplasias; Continuidad de la Atención al Paciente


ARTIGO ORIGINAL

Acompanhamento de usuários, portadores de câncer, por trabalhadores da saúde da família1

Giovana Paula Rezende SiminoI; Cláudia Benedita dos SantosII; Silvana Martins MishimaIII

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil:

IEnfermeira, Mestranda. E-mail: gsimino@yahoo.com.br

IIDoutor em Estatística, Professor Associado. E-mail: cbsantos@eerp.usp.br

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular. E-mail: smishima@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se, aqui, identificar e analisar as ações de acompanhamento desenvolvidas pelos trabalhadores de 13 Equipes de Saúde da Família (ESF) aos usuários portadores de câncer, em município do Sudeste do Brasil. Trata-se de estudo descritivo, com abordagem quantitativa. Utilizou-se questionário validado por sete juízes. Foram sujeitos da pesquisa 101 trabalhadores. Verificou-se que 80,2% dos trabalhadores conheciam a presença de usuários portadores de câncer na área de abrangência da ESF, 13,9% conheciam o total dos usuários, 63,3% realizam atendimentos; a visita domiciliar é realizada por 93,1% dos trabalhadores e 69% realizam discussão do caso em reuniões da ESF. O apoio emocional ao cuidador é a ação mais frequente dentre aquelas ofertadas pelos trabalhadores ao cuidador. Em relação à articulação da rede de serviços, 46,5% dos trabalhadores referiram não haver contrarreferência. Concluí-se existir necessidades e possibilidades nas ESFs para realizar o acompanhamento a esses usuários e seus cuidadores, sendo o acompanhamento realizado de modo não sistematizado.

Descritores: Programa Saúde da Família; Atenção Primária à Saúde; Neoplasias; Continuidade da Assistência ao Paciente.

Introdução

A doença neoplásica é considerada problema de Saúde Pública, que atinge pessoas de diferentes idades, classes sociais e ambos os sexos, representando a segunda causa de morte nos países desenvolvidos, e está em terceiro lugar nos países em desenvolvimento, sendo que se estima que 12,6% do total de mortes é causado por esse agravo em todo o mundo. Essa estimativa representa maior porcentagem do que para as mortes causadas pelo HIV/AIDS, tuberculose e malária, juntos, no mundo(1).

Nas estimativas realizadas em 2007(2), para 2008 e 2009, previu-se a ocorrência de cerca de 466.630 casos novos no Brasil, sendo 231.860 entre os homens e 234.870 entre as mulheres. Os tumores mais incidentes previstos foram os de pele não melanoma (115 mil), mama feminina (49 mil), próstata (49 mil), pulmão (27 mil), colo de útero (19 mil) e cólon e reto (14 mil)(2). Esse quadro, certamente, indica a importância do câncer no contexto de saúde atual, tanto no que diz respeito ao seu impacto no perfil de morbimortalidade quanto da preparação dos profissionais para enfretamento do agravo e, também, da organização dos serviços para que a atenção à saúde possa ser processada.

No Brasil, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº2.439/GM, de 8 de dezembro de 2005, que instituiu a Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO), a qual determina que os cuidados ao usuário, portador de câncer, contemplem os níveis da atenção básica à atenção especializada de média e alta complexidade de atendimento, para que ocorram ações de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos. Assim, determina que a assistência seja organizada em níveis de hierarquia, com estabelecimento de fluxos de referência e contrarreferência, garantindo acesso e atendimento integrais(3).

A Portaria estabelece que à Atenção Básica de Saúde (ABS)*, incluindo Unidades Básicas de Saúde e Equipes da Saúde da Família, cabem ações voltadas para o indivíduo e coletivo com foco na promoção da saúde e prevenção do câncer, bem como o diagnóstico precoce e apoio à terapêutica de tumores, os cuidados paliativos e as ações clínicas para o seguimento de doentes tratados. Ainda, aponta a necessidade de compartilhar informações, por meio de subsistemas de informações com o propósito de utilizá-las na promoção à saúde. Essa Portaria enfatiza, também, a necessidade de especializar os recursos humanos e promover a educação permanente dos profissionais envolvidos com a implementação e implantação da PNAO(3).

O Programa de Saúde da Família (PSF) foi implantado, inicialmente, em 1994, no Brasil, para dar sustentação ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Em sua formulação inicial, constituiu-se em programa destinado às ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família, em todas as idades e estados de saúde, de maneira integral e contínua, tendo como foco central a família em seu contexto de vida, em um território específico(4). Gradualmente, a Saúde da Família perdeu o status de Programa, uma vez que tem sido considerada estratégia para a reorganização da ABS no Brasil, seguindo os princípios da Atenção Primária à Saúde (APS)(5).

O objetivo da Unidade de Saúde da Família (USF) é a reorganização da assistência à saúde, buscando reverter a lógica predominante, centrada na cura do paciente, em ambiente hospitalar, por meio de um conjunto de ações interligadas aos serviços de saúde, a fim de contemplar os princípios básicos do SUS: universalidade, descentralização, integralidade e participação da comunidade(4). Ainda, no desenvolvimento da estratégia, é esperado que os atributos da (APS)(5) estejam presentes, com o estabelecimento do vínculo, da longitudinalidade, da coordenação da ação e integralidade da atenção.

Alguns estudos brasileiros salientam dificuldades e desafios postos para a atenção de usuários portadores de câncer, na ABS, que estão relacionados à capacitação dos profissionais por meio da formação contínua, escassez de recursos materiais, desarticulação dos serviços da rede e ações limitadas aos programas da ABS do Ministério da Saúde do Brasil(6-10). Considerando esses aspectos, destaca-se que, neste estudo, o acompanhamento aos usuários portadores de câncer está definido a partir dos atributos da APS, em especial da longitudinalidade da atenção, considerada como o acompanhamento dos indivíduos de maneira contínua e com vínculo ao longo do tempo, independente da presença de problemas de saúde. Esse acompanhamento pode ser realizado por qualquer profissional de saúde que se constitua referência para o acesso do indivíduo e do coletivo(5).

É importante, ainda, que se destaque a escassez de estudos nessa vertente, assim como aqueles que se voltam ao aprofundamento da análise da assistência prestada nesse nível de atenção, considerando a Estratégia de Saúde da Família. Nesse sentido, o presente estudo pode contribuir com reflexões teóricas e práticas quanto à produção de cuidados na Saúde da Família aos usuários portadores de câncer.

Assim, este estudo teve por objetivo identificar e analisar as ações de acompanhamento dos trabalhadores de equipes de saúde da família aos usuários portadores de câncer, em um município de grande porte do Sudeste do Brasil.

Materiais e Métodos

Trata-se de estudo descritivo do tipo transversal. Utilizou-se questionário validado em seu conteúdo por 7 juízes experts em oncologia e saúde pública. O instrumento contou com questões voltadas à identificação do trabalhador (sexo, idade, função exercida na SF, escolaridade, pós-graduação, tempo de trabalho na ESF atual e tempo total de trabalho na SF, experiência de trabalho com usuários acometidos pelo câncer anterior à SF) e variáveis acerca do acompanhamento ao usuário portador de câncer (conhecimento acerca da existência de pacientes portadores de câncer na área das unidades e sua totalidade; ações desenvolvidas junto a esse grupo – consulta, visita domiciliar, apoio ao cuidador, procedimentos técnicos e outros específicos; local de realização do diagnóstico; existência de contrarreferência do usuário). A população de estudo foi constituída por trabalhadores (médicos, enfermeiros, dentistas, agentes comunitários de saúde, auxiliares e técnicos de enfermagem, auxiliar de consultório dentário) de 13 equipes de Saúde da Família das 18 existentes para o ano 2008, em um município de grande porte do Sudeste do Brasil, que aceitaram participar do estudo de forma voluntária, após leitura e assinatura do termo de consentimento livre esclarecido. Todos os trabalhadores tiveram seu anonimato garantido. Cabe destacar que este estudo foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São, tendo sido aprovado segundo Protocolo n°0785/2007. Participaram do estudo 101 trabalhadores, sendo que todos os trabalhadores (118) foram convidados a participar deste estudo. Os dados coletados foram digitados em duas planilhas diferentes do Programa Excell 2003 e validados, sendo, posteriormente, transportados para o software Statistical Packpage for Social Science (SPSS), versão 14.0, para análise descritiva dos dados.

Resultados e Discussão

Das treze (13) unidades de Saúde da Família investigadas, cinco (5) são ligadas à Universidade de São Paulo (USP) e oito (8) apresentam dependência funcional à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do município estudado. Neste estudo, as Equipes de Saúde da Família (ESF), ligadas à USP, foram denominadas A, B, C, D e E, e aquelas ligadas à SMS: F, G, H, I, J, K, L e M. Cabe destacar que alguns dos resultados foram agrupados, segundo a dependência funcional das unidades de saúde do Distrito de Saúde: USP e SMS, durante a análise dos dados, sendo o agrupamento realizado para fins didáticos de apresentação dos resultados, não havendo intenção de comparação estatística entre os dados dos grupos, embora se considere que às unidades vinculadas à USP soma-se o componente acadêmico, voltado à formação de alunos de diferentes cursos da área da saúde (medicina, enfermagem, odontologia, fisioterapia, fonoaudiologia, farmácia, psicologia, terapia ocupacional), aspecto esse ausente na maioria das unidades vinculadas à SMS e que poderia determinar diferenciações na forma de processamento da atenção prestada.

Assim, considerando os 118 trabalhadores das equipes de Saúde da Família,aqui referidas, 101 participaram da investigação, conforme pode ser observado na Tabela 1. Ainda, pode-se verificar a distribuição dos sujeitos da pesquisa, sendo que 39 (38,6%) trabalhadores são das cinco (5) equipes de Saúde da Família, gerenciadas pela USP, e 62 (61,4%) trabalhadores compõem oito (8) equipes, gerenciadas pela SMS.

Pela Tabela 1, pode-se observar que todos os enfermeiros e auxiliares de consultório dentário (ACD) se dispuseram a participar da investigação. Chama a atenção que a maior porcentagem (80%) de recusas para a participação no estudo ou ocorrência de férias se deu com a categoria dos dentistas, com apenas um (1) trabalhador respondendo a solicitação, de cinco (5) trabalhadores existentes.

Observa-se, também, a presença de 54 Agentes Comunitários de Saúde (ACS), o que representa 53,5% do total dos sujeitos investigados. Cabe destacar que esse quantitativo se dá em função da composição da equipe mínima para SF definida pelo Ministério da Saúde(4). A relação do número de ACS dentro da equipe mínima, preconizada pelo Ministério da Saúde, é 5 ACS para 1 médico, 1 enfermeiro, 1 ou 2 auxiliares ou técnicos de enfermagem, 1 dentista, 1 auxiliar de consultório dentário (ACD), compondo, assim, a equipe mínima para a SF(4). Não há dentista e ACD na equipe mínima das ESFs A, B, C, D e E, no entanto, há avaliação odontológica dos usuários dessas equipes por meio de um dentista que se desloca da Unidade Distrital de Saúde (UBDS) de referência para o atendimento, cabendo destacar que essa estratégia foi formulada para atender as questões de formação da equipe, ampliação do acesso ao atendimento odontológico e formação de profissionais dentistas, visto essas unidades serem também unidades acadêmicas.

A distribuição das idades dos trabalhadores foi predominante em duas faixas etárias: entre 30 e 40 anos com 34 (34,3%) e entre 40 e 50 anos com 30 (30,3%). A média das idades dos sujeitos foi de 39,4 anos, com desvio padrão de 9,1. O valor da mediana foi de 39 anos. A idade mínima foi de 24 anos e a idade máxima de 59. O valor para o coeficiente de variação foi de 23%, indicando que não há grande variação nas idades. Não há idosos na população dos sujeitos de pesquisa. Ainda, 92 (91,1%) dos sujeitos são do sexo feminino. Pela distribuição das faixas etárias, poder-se-ia dizer que essas equipes apresentam certa senhoridade, quando se toma a variável idade, assim como são preponderantemente femininas, guardando certa semelhança com o estudo desenvolvido pelo Ministério da Saúde do Brasil, quando da avaliação da SF, em dez grandes centros(11).

Em relação à experiência de trabalho no atendimento a usuário portador de câncer, anterior ao trabalho na SF, vê-se que 10 (25,6%) dos trabalhadores ligados à USP e 15 (24,2%) ligados à SMS assistiram usuários portadores desse agravo, em seus trabalhos anteriores. As menores frequências se deram para o grupo de ACS 2 (3,7%), por se tratar da categoria profissional com menor experiência anterior de trabalho na área de saúde e para o técnico de enfermagem 1 (100%). As categorias profissionais que apresentaram as maiores frequências foram: 9 (75%) enfermeiros e 9 (60%) auxiliares de enfermagem, a seguir, por 4 (33,3%) médicos, do total desses trabalhadores.

Em relação ao conhecimento sobre o número total de usuários portadores de câncer, 92,3% dos trabalhadores, vinculados à USP, e 72,6%, à SMS, referiram ter conhecimento de sua existência, e ao se referirem à presença desses usuários na área de abrangência da unidade da ESF que trabalha, a frequência foi de 9 (23,1%) trabalhadores das equipes ligadas à USP e 5 (8,1%) trabalhadores daquelas equipes ligadas à SMS. O atendimento ao usuário/familiar portador de câncer é realizado por 29 (74,3%) trabalhadores ligados à USP e 35 (56,4%) ligados à SMS, como pode ser observado na Tabela 2.

Esse dado se mostra bastante interessante para reflexão, uma vez que, embora o câncer se constitua em doença com acompanhamento previsto pela ESF, apontado na Política Nacional de Atenção Oncológica(3), não há dados gerados acerca dessa condição destinados tanto à ESF como ao Ministério da Saúde, quer seja por meio do Sistema de Informação da Atenção Básica como por outro sistema de informação utilizado pela ABS. A existência desses dados pelas equipes, principalmente no que se refere à presença de usuários portadores de câncer e ao número total desses usuários no território da unidade de saúde, se dá mais pela lógica e sistemática de trabalho desenvolvidas nas unidades, e não pela existência de registros formais sobre esse agravo nos sistemas de informação oficiais, base para o planejamento local.

Outro aspecto que merece destaque se refere ao fato de a Estratégia Saúde da Família centrar seu trabalho em um território definido, compreendido enquanto espaço geopolítico, demarcado pelo contexto sociocultural, econômico e político das famílias que ocupam esse espaço social, sendo esperado que as ESFs possam conhecer o perfil demográfico, social, econômico e epidemiológico da população sob sua responsabilidade, nesse território(4). Os dados da Tabela 2 indicam que, de certa forma, os trabalhadores das ESFs vinculadas à USP, possivelmente pelo desenvolvimento de seu projeto acadêmico focado na formação de pessoal para saúde, e da perspectiva da parceria com serviços de saúde, visando a articulação ensino, pesquisa e extensão, apresentam maior conhecimento sobre seu território, traduzido por maiores porcentagens em relação aos trabalhadores da SMS, quanto ao conhecimento e atendimento de usuários portadores de câncer de seu território.

A frequência de trabalhadores que referiram prestar algum tipo de atendimento ao usuário/familiar com câncer para as unidades da ESF foi: 87,5% pela unidade A, 71,4% pela B, 55,5% pela C, 66,7% pela D, 88,8% pela E para as ESFs ligadas à USP, e 66,7% para a F, 80% para a G, 60% para a H, 50% para a I, 66,7% para a J, 50% para a K, 25% para a L e 80% para a M.

Pela Figura 1, abaixo, pode-se visualizar a porcentagem de atendimento realizada pelos trabalhadores aos usuários portadores de câncer, segundo a unidade de saúde estudada. O valor da mediana é de 7,8%. O valor mínimo é 1,6% e valor máximo, 12,5%.


A mediana corresponde ao valor de duas unidades de saúde ligadas à USP (B e C). Ainda, duas unidades de saúde ligadas à USP possuem o valor maior que o da mediana e uma unidade possui o valor menor do que a mediana. Em relação às unidades de saúde ligadas à SMS, três possuem valor maior que o da mediana e cinco possuem o valor menor do que o da mediana.

Na Tabela 3, é possível observar que dos 64 trabalhadores ligados às ESFs que afirmaram realizar atendimento aos usuários portadores de câncer, 57 (89,1%) realizam visita domiciliar e 45 (70,3%) discussão de caso do usuário acometido pelo câncer em reuniões da equipe.

O ACS é o trabalhador com maior frequência para atendimento em visitas domiciliares aos usuários portadores de câncer, totalizando 33 (57,9%) desses trabalhadores, igualmente pode ser observado quanto à sua participação nas discussões de casos em reunião de equipe envolvendo usuário e/ou familiares de portadores de câncer. Assim, pode-se observar que são os ACSs que concentram as atividades desenvolvidas junto ao usuário ou sua família. São seguidos pelos enfermeiros, médicos e, finalmente, pelos demais profissionais de enfermagem da equipe. Ainda, cabe destacar que é a VD a estratégia utilizada na Saúde da Família que coloca a unidade de saúde em contato com os usuários em seus domicílios, e é o ACS que, prioritariamente, realiza essa atividade, sendo o trabalhador que atua como elo e laço com a clientela, visando identificar suas necessidades de saúde(12).

Na Tabela 4, estão contemplados outros atendimentos realizados pelas ESFs que foram referenciados pelos trabalhadores e não estavam previstos no questionário (apoio ao cuidador, visita domiciliar, discussão na reunião de equipe, procedimentos técnicos, consultas). Nesses outros atendimentos, verifica-se que o acolhimento dos usuários é a ação considerada como mais frequente entre os trabalhadores.

O cuidador do usuário portador de câncer é fonte de cuidado dos trabalhadores deste estudo. O cuidador desse usuário caracteriza-se, geralmente, por ser membro da família que acompanha o usuário pelas diferentes etapas de diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos. Esse cuidado torna-se desgastante para o cuidador, uma vez que o afasta de suas atividades rotineiras, refletindo em gastos financeiros, privação do convívio social, ao qual estava acostumado, contato com dor e sofrimento, visto que o câncer é entendido como doença associada à dor, sofrimento, incapacidade, morte. Ou seja, uma doença complexa e estigmatizante que causa sentimentos de depressão, isolamento social, incapacidade para o trabalho e para o lazer(13).

Conceitualmente, o apoio emocional está ligado ao afeto, empatia, respeito e amor, o apoio de reforço pode ser realizado através da demonstração de reconhecimento ao cuidador e/ou familiar, o apoio informativo está relacionado a informações, conselhos, opiniões, ensinamentos e o apoio instrumental é aquele que disponibiliza recursos, bens e serviços(14). O apoio emocional é o mais frequente entre os 43 trabalhadores, seguido pelo apoio informativo para 32 trabalhadores, reforço para 21 trabalhadores e instrumental para 17.

Em estudo realizado com 492 cuidadores de usuários com câncer, obteve-se como resultado dados semelhantes aos encontrados neste estudo, pois o apoio emocional e informativo constituíram-se como categorias, sendo essas as que apresentam maior número de necessidades identificadas(15).

Os atendimentos aos usuários portadores de câncer acontecem por iniciativa dos trabalhadores da ESF, sendo que a frequência encontrada nas ESFs, ligadas à USP, é 13 (44,8%) e nas ESFs ligadas à SMS é 22 (62,9 %). Ainda, a frequência dos atendimentos por busca do usuário e/ou cuidador pela ESF é de 11 (37,9%) ligados à USP e 7 (20%) ligados à SMS.

Aspecto que merece destaque refere-se ao conhecimento quanto à contrarreferência do usuário à USF de origem, quando foi realizado o diagnóstico com câncer em outra unidade de saúde. Chama atenção o fato de 20 (74%) trabalhadores ligados às USFs da USP e 27 (77,1%) ligados à SMS referirem não ter conhecimento de usuários com contrarreferência. Ou seja, independente da vinculação dos trabalhadores a unidades de caráter acadêmico ou não, o desconhecimento em relação à contrarreferência se faz presente. A questão da contrarreferência é de importância quando se pensa na integralidade da atenção, pois a operacionalização da integralidade se dá pela possibilidade da atenção se processar em outros pontos da rede de atenção, e que o usuário possa retornar à sua unidade de origem com todas as possibilidades e responsabilidade da equipe para a continuidade e longitudinalidade da atenção(5). Em estudo(16) sobre a rede de serviços às gestantes, em um município de Minas Gerais, é discutida a coordenação da atenção(5), sendo identificada a desarticulação da rede de serviços a essas usuárias, com a desvalorização dos encaminhamentos por parte dos níveis de atenção especializada, que questionam a demanda de encaminhamentos e sua real necessidade, apontando desvalorização do trabalho na atenção básica em relação ao especializado.

O conhecimento da Política Nacional de Atenção Oncológica ficou restrito ao conhecimento de 9 (23,1%) trabalhadores ligados às USFs vinculadas à USP e 8 (13%) ligados à SMS. No entanto, apenas um trabalhador ligado à SMS conseguiu identificar um objetivo da PNAO - melhorar o fluxo do acesso ao tratamento. Em relação à USP, quatro (4) trabalhadores identificaram quatro objetivos diferentes da PNAO: melhorar o fluxo de acesso ao tratamento, melhorar o fluxo de diagnóstico e encaminhamento ao tratamento, promover rastreamento/prevenção do câncer de maneira eficaz e direito às medicações de alto custo inclusas no tratamento do usuário com câncer, conforme apontado pela PNAO(3). Esses dados apontam que, independente da vinculação institucional dos trabalhadores, ou seja, independente de serem vinculados à USP ou à SMS, são escassas as informações do conjunto desses trabalhadores quanto à PNAO e aos seus objetivos.

Considerações Finais

A Política Nacional de Atenção Oncológica do Ministério da Saúde do Brasil busca integrar os diferentes serviços de saúde para a assistência aos usuários portadores de câncer e resolve que: às UBSs e ESFs cabem ações voltadas para o indivíduo e coletivo, para o estabelecimento de ações: promoção da saúde e prevenção do câncer; diagnóstico precoce, apoio à terapêutica de tumores, cuidados paliativos, clínicas para o seguimento de doentes tratados, necessidade de compartilhar as informações, através de subsistemas de informações com o propósito de utilizá-las na promoção à saúde, especializar os recursos humanos e promover a educação permanente dos profissionais envolvidos com a implementação e implantação da Política de Atenção Oncológica.

Ainda é longo o caminho a percorrer, sendo que muitos desafios estão postos. Por este estudo, pode-se concluir que pequenos avanços estão colocados quando se toma a Estratégia de Saúde da Família no Brasil, uma vez que se verifica que o atendimento dos usuários, portadores de câncer, por trabalhadores de ESF, tem possibilitado enfoque no cuidado emocional e biológico da doença, principalmente aos cuidadores.

Encontra-se o acompanhamento não sistematizado dos usuários portadores de câncer, visto que, mesmo os conhecendo, alguns trabalhadores referiram não realizar atendimento a esses usuários. Chama atenção que, até nas unidades em que há forte presença da Universidade como responsável pela organização desses serviços, ainda não se tem marca distintiva na equipe em relação a aspectos relacionados ao acompanhamento desses usuários. A desarticulação da rede de serviços está presente na ausência da contrarreferência desses usuários à ESF, contudo, a perspectiva do acompanhamento está posta, uma vez que esse parece partir da ESF, tendo os trabalhadores referido com maior frequência que a iniciativa pela busca ao atendimento é da equipe, por meio de atividades já realizadas nas ESFs, como visita domiciliar, discussão de casos na reunião de equipe, consultas, procedimentos técnicos, apoio ao cuidador; assim como em atividades que envolvem a articulação da ESF com outros níveis e setores de saúde e ações que particularizam o atendimento ao usuário com câncer (busca dos direitos, orientação de efeitos colaterais dos antineoplásicos).

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  • Corresponding Author:
    Silvana Martins Mishima
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  • 1
    Paper extracted from Master’s Thesis “Acompanhamentos de usuários com câncer e seus cuidadores por trabalhadores de equipes de saúde da família: possibilidades e desafios”. Supported by CNPq Process #301443/2006-8.
  • *
    The terminologies ‘Primary Health Care’ and ‘Basic Health Care’ have been indistinctly used. In this study, Basic Health Care concerns to the terminology used in Brazil that refers to care processed in basic health services based on the Primary Health Care principles.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Aceito
      08 Abr 2010
    • Recebido
      15 Set 2009
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