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A abordagem do álcool no contexto do ensino fundamental: a reconstrução socioimaginária dos docentes

Resumos

O consumo de álcool é considerado problema mundial, afetando principalmente os adolescentes. Nesse contexto, adotaram-se como objetivos identificar as estratégias pedagógicas desenvolvidas pelos professores do ensino fundamental, na abordagem sobre o álcool junto aos adolescentes, analisar as atitudes, crenças, valores e práticas dos professores do ensino fundamental em relação ao álcool, discutir as repercussões das atitudes, crenças, valores e práticas dos professores sobre álcool, na interlocução com os alunos e na implementação das estratégias suprarreferidas. Trata-se de estudo qualitativo, realizado com 26 professores de uma escola municipal do Rio de Janeiro. Os dados foram tratados por meio da análise de conteúdo temática e agrupados em 5 categorias. Conclui-se que a construção socioimaginária e atitudinal dos docentes interferem diretamente na prática pessoal e profissional, repercutindo no cotidiano dos alunos. Destaca-se que o foco não deve ser apenas os estudantes, mas a relação dos professores com suas estratégias pedagógicas.

Consumo de Bebidas Alcoólicas; Educação em Saúde; venção Primária; Saúde Escolar


Alcohol consumption is considered a global problem, principally affecting adolescents. In this context, the aims of this study were to identify the pedagogical strategies developed by elementary school teachers in the approach to alcohol with adolescents; To analyze the attitudes, beliefs, values and practices of the elementary school teachers in relation to alcohol; To discuss the repercussions of the attitudes, beliefs, values and practices of the teachers about alcohol in the dialogue with the students and in the implementation of the strategies referred to above. This was a qualitative study performed with 26 teachers of a Rio de Janeiro public school. The data were analyzed through thematic content analysis and grouped into 5 categories. It was concluded that social imaginary and attitudinal construction of the teachers directly interferes with the personal and professional practice and has repercussions in the quotidian life of the students. It was noted that the focus should not just be on the students, but on the relationship of the teachers with their pedagogic strategies.

Alcohol Drinking; Health Education; Primary Prevention; School Health


El consumo de alcohol es considerado un problema mundial, afectando principalmente a los adolescentes. En este contexto, se adoptaron como objetivos: identificar las estrategias pedagógicas desarrolladas por los profesores de la enseñanza fundamental en el abordaje sobre el alcohol junto a los adolescentes; analizar las actitudes, creencias, valores y prácticas de los profesores de la enseñanza fundamental en relación al alcohol; y, discutir las repercusiones de las actitudes, creencias, valores y prácticas de los profesores sobre alcohol en la interlocución con los alumnos y en la implementación de las estrategias seleccionadas. Se trata de estudio cualitativo realizado con 26 profesores de una escuela municipal de Rio de Janeiro. Los datos fueron tratados a través del análisis de contenido temático y agrupados en 5 categorías. Se concluye que la construcción socio-imaginaria y la actitud de los docentes interfieren directamente en la práctica personal y profesional repercutiendo en lo cotidiano de los alumnos. Se destaca que el enfoque no deben ser apenas los estudiantes, se debe también considerar la relación de los profesores con sus estrategias pedagógicas.

Consumo de Bebidas Alcohólicas; Educación en Salud; Prevención Primaria; Salud Escolar


ARTIGO ORIGINAL

A abordagem do álcool no contexto do ensino fundamental: a reconstrução socioimaginária dos docentes

Ingryd Cunha Ventura FelipeI; Antonio Marcos Tosoli GomesII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem. E-mail: ingrydventura@hotmail.com

IIEnfermeiro, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: mtosoli@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

O consumo de álcool é considerado problema mundial, afetando principalmente os adolescentes. Nesse contexto, adotaram-se como objetivos identificar as estratégias pedagógicas desenvolvidas pelos professores do ensino fundamental, na abordagem sobre o álcool junto aos adolescentes, analisar as atitudes, crenças, valores e práticas dos professores do ensino fundamental em relação ao álcool, discutir as repercussões das atitudes, crenças, valores e práticas dos professores sobre álcool, na interlocução com os alunos e na implementação das estratégias suprarreferidas. Trata-se de estudo qualitativo, realizado com 26 professores de uma escola municipal do Rio de Janeiro. Os dados foram tratados por meio da análise de conteúdo temática e agrupados em 5 categorias. Conclui-se que a construção socioimaginária e atitudinal dos docentes interferem diretamente na prática pessoal e profissional, repercutindo no cotidiano dos alunos. Destaca-se que o foco não deve ser apenas os estudantes, mas a relação dos professores com suas estratégias pedagógicas.

Descritores: Consumo de Bebidas Alcoólicas; Educação em Saúde; Prevenção Primária; Saúde Escolar.

Introdução

O uso de álcool vem sendo institucionalizado historicamente. Inicialmente, a bebida alcoólica traz sensação de prazer e de satisfação, ou seja, euforia breve que é aprovada pela sociedade. Entretanto, seu uso contínuo ou dependente traz consequências mais graves como depressão, gastos excessivos, transtornos familiares e dificuldade de relacionamento social e laboral, afetando diretamente a vida de quem abusa dessa substância, e essa dependência é condenada pela sociedade. O consumo de álcool é considerado problema de saúde pública mundial e tem afetado principalmente os adolescentes. A abordagem de temáticas como o fenômeno das drogas nas escolas, auxilia no processo interativo entre professores, alunos, diretores, familiares e comunidade, numa dinâmica onde "todos se mobilizam para o desenvolvimento integral dos indivíduos, numa perspectiva de que o ensino começa na escola e continua na vida em sociedade"(1).

Estudo realizado com professores e alunos apontou que a escola não favorece ambiente saudável, ocorrendo consumo de drogas dentro das instituições e os programas preventivos não atingem todos os alunos(2). Outro estudo realizado em Florianópolis, por sua vez, identificou que os professores da escola básica têm visão simplificada e dualista sobre o consumo de drogas por adolescentes, impondo a culpa pela utilização ao próprio sujeito. As autoras afirmam que "práticas preventivas precisam desenvolver, na sala de aula, a discussão de suas particularidades, de sua realidade, criando formas de abordagem próprias. Todavia, é indicativo da necessidade de desenvolvimento das competências dos professores da escola básica na abordagem das questões de uso/abuso de drogas e reforça o importante papel da escola na sua prevenção"(3).

Para alcançar a complexidade dessa temática, traçaram-se alguns objetivos: 1) identificar as estratégias pedagógicas desenvolvidas pelos professores do ensino fundamental na abordagem sobre o álcool junto aos adolescentes, 2) analisar as atitudes, crenças, valores e práticas dos professores do ensino fundamental em relação ao álcool e 3) discutir as repercussões das atitudes, crenças, valores e práticas dos professores sobre álcool na interlocução com os alunos e na implementação das estratégias suprarreferidas.

As políticas nacionais e internacionais ressaltam a importância da redução do consumo de drogas, sendo necessário abordar integralmente todas as questões envolvidas e não somente a substância. O controle do uso/abuso de drogas passou a ser tema primordial nas agendas mundiais, decorrente dos danos nos aspectos sociais, econômicos e políticos dos países. Estudos multicêntricos têm mostrado que o atual contexto requer profissionais especializados, capazes de criar soluções ou estratégias para os problemas, com base em dados científicos, enfatizando os programas acadêmicos de formação profissional nas diversas áreas de conhecimento(2-4).

Fundamentação Teórica

A fundamentação teórica deste estudo baseia-se na interseção dos conceitos de crenças, atitudes e valores(5) com os conceitos promovidos pela psicologia social, principalmente no que tange ao comportamento e à interação social, ou seja, na relação existente entre sujeitos e a realidade(6). A partir desse entrecruzamento do referencial teórico, as crenças são consideradas como inferências feitas sobre estados de expectativas básicos pelo observador. As crenças predispõem à indução de atitude em resposta a um objeto, fato ou situação(5).

Com isso, a atitude pode ser entendida como "uma organização de crenças, relativamente duradoura, em torno de um objeto ou situação que predispõe que se responda de alguma forma preferencial"(5). A maneira como uma pessoa se comportará frente a uma situação ou objeto dependerá, por um lado, das crenças e predisposições particulares ativadas pelo objeto de atitude e, por outro lado, pelas crenças ou predisposições ativadas pela situação(5). Contudo, os valores "são ideais abstratos, positivos ou negativos que, não atados a nenhum objeto ou situação de atitude específica, representam as crenças de uma pessoa sobre os modos ideais de conduta e objetos terminais ideais"(5). As normas sociais são aprendidas durante o convívio em grupo e constituem importante mecanismo de controle social de comportamento dos indivíduos. O papel social aborda a identidade numa perspectiva situacional, ao mesmo tempo em que a noção do eu resulta no reconhecimento de normas e valores associados às posições ocupadas num determinado momento, e esse conhecimento corresponde a uma forma de adaptação da ação individual ao contexto(7).

O comportamento social é determinado pela interação entre a atitude e a situação, ou seja, "é uma função da interação entre duas atitudes – atitude em relação ao objeto e atitude em relação à situação"(5). A interação social diz respeito à realidade da vida cotidiana que é partilhada com os outros, ou seja, na situação face a face o outro passa a ser apreendido por mim num presente vivenciado pelos sujeitos, ao mesmo tempo em que eu sou apreendido pelo outro. Nessa situação, o outro é plenamente real e essa concretude faz parte da realidade global da vida cotidiana(6).

Para contextualizar esses conceitos teóricos apresentam-se alguns dados relevantes sobre o consumo de álcool e sua abordagem nas escolas, focos deste estudo, para melhor visualização das interações que foram investigadas. O consumo nocivo de álcool é responsável por cerca de 3% de todas as mortes que ocorrem no planeta, incluindo desde cirrose e câncer hepáticos até acidentes, quedas, intoxicações e homicídios. Nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, as bebidas alcoólicas representam um dos principais fatores de doença e mortalidade, com seu impacto deletério sendo considerado entre 8 e 14,9% do total de problemas de saúde dessas nações(8). Estudo realizado em 27 capitais brasileiras, entre estudantes de ensino fundamental e médio da rede pública, em 2004, identificou que 65,2% dos estudantes havia feito uso de álcool durante a vida, evidenciando que 41,2% estava na faixa etária de 10 a 12 anos(9).

Nessa perspectiva, a escola se constitui em importante espaço de discussões e interações, onde os jovens passam a maior parte do seu tempo apresentando papel fundamental na disciplina e na educação de crianças e de adolescentes, e, ainda, contribuindo para a construção de seus princípios de vida. Destaca-se que, no contexto do fenômeno das drogas nas escolas, se entende que a informação não é suficiente para a promoção da saúde dos estudantes(7-10). Ao mesmo tempo, compreende-se que os parâmetros de orientação sobre a prevenção do uso/abuso de drogas reconhecem, como intervenções mais eficazes, "as ações educativas continuadas, que oferecem possibilidades de elaboração das informações recebidas e de discussão dos obstáculos emocionais e culturais que impedem a adoção de condutas preventivas"(10).

Abordagem Metodológica

Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa em face da subjetividade que a temática apresenta. Nesse contexto, define-se a pesquisa qualitativa como abordagem que atende questões muito particulares e trabalha "com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes" e, ainda, se preocupa com uma realidade que não pode ser quantificada(11).

O estudo foi desenvolvido numa escola municipal da rede pública de ensino do Rio de Janeiro, que abarca alunos do ensino fundamental do 6° ao 9° ano. Os sujeitos deste estudo foram 26 professores regentes de turma, alocados nessa instituição de ensino municipal que se disponibilizaram a participar da pesquisa voluntariamente, e ministram aulas nos turnos manhã e tarde. Vale ressaltar que o grupo de sujeitos entrevistados comporta todas as disciplinas oferecidas na escola e previstas pelo Ministério da Educação. Todos os professores pertencentes ao turno da manhã e da tarde foram convidados a participar do estudo, sendo que dois do turno da manhã e um do turno da tarde desistiram de sua participação no dia da entrevista, o que foi respeitado como princípio de ética em pesquisa.

Para alcançar a subjetividade dos objetivos propostos junto aos sujeitos, utilizou-se a entrevista semiestruturada, composta por roteiro contendo 12 questões que abordam as seguintes temáticas: conhecimentos sobre álcool e estratégias pedagógicas, práticas profissionais, adotadas nas salas de aula e as experiências pessoais, profissionais e familiares com o uso/abuso de álcool. As entrevistas, gravadas em aparelho midia player 3, com duração média de 22 minutos, com o total de 9 horas e 25 minutos, foram realizadas nas dependências da escola, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2009, e, posteriormente, transcritas no editor de textos para facilitar a utilização de material impresso.

Quanto às questões éticas, é pertinente enfatizar que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (COEP/UERJ Protocolo nº024.3.2008) e autorizado pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e pela instituição escolar onde foram coletados os dados. Os direitos dos participantes foram atendidos mediante a leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, antes de iniciar as entrevistas.

Os dados foram tratados por meio da análise de conteúdo temática, que é definida como um "conjunto de técnicas de análise de comunicação, visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição das mensagens, indicadores, quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção" das mensagens(12).

Análise e Discussão dos Resultados

A análise das entrevistas ocorreu mediante a formação de um corpus, sendo realizada a leitura flutuante e selecionadas 382 unidades de registro (UR) no total do material. Essas URs foram condensadas por temas em 12 unidades de significação e agrupadas em cinco categorias, são elas: a incorporação dos parâmetros curriculares e as estratégias pedagógicas utilizadas pelos docentes, que apresentou total de 18,32% do material analisado; sentimentos e vivências dos docentes frente ao álcool e ao alcoolista, 19,88%; abordagens sobre álcool pelos docentes e as estratégias pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, 23,56%; concepções dos professores sobre álcool 17,81% e comportamento e interação dos alunos sobre álcool na visão dos professores 20,43%. A seguir, expõem-se cada uma delas.

A incorporação dos parâmetros curriculares e as estratégias pedagógicas utilizadas pelos docentes

Esta categoria comportou 70 URs e 3 unidades de significação referentes aos temas transversais e às estratégias pedagógicas pelos professores. Nos anos 90, o MEC investiu em nova abordagem, buscando a transversalidade nos currículos escolares. Os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem conteúdos e temas transversais, reunidos sob a denominação "convívio social e ética", que devem abarcar: ética, pluralidade cultural, trabalho e consumo, meio ambiente, orientação sexual e saúde. A saúde, sendo direito de todos, deve abarcar, em seu tema, a compreensão do aluno nas suas relações com o meio físico e social, identificando os fatores de risco e as mudanças de hábitos necessárias para o autocuidado e o bem-estar biopsicossocial(13).

Os resultados apontam para déficit de conhecimento dos parâmetros curriculares pelos professores. Grande parte dos entrevistados disse desconhecer os temas transversais ou não se lembrar e, ainda, os que afirmaram conhecer apresentaram discursos que trazem apenas alguns poucos exemplos da vasta lista de temas e orientações a serem abordadas nos conteúdos, como explícito na fala: eu conheci sim, já estive lendo, mas no momento eu não sei te dizer não. Acredito até que isto [o álcool] esteja inserido (E19).

Observa-se construção teórica específica dos docentes estudados, no que tange à conceituação de estratégia. Em algumas situações, sobrepõem esse conceito ao de metodologia ou método, em outras, atrelam-no à dimensão motivacional, bastante difundida atualmente na sociedade, conforme a fala: para mim, são meios que você tem para desenvolver melhor o seu trabalho. São motivações, são recursos que você usa para interessar o aluno na participação da aula, nas atividades escolares e para que ele passe a gostar da matéria também (E10).

Chama a atenção o fato de as Diretrizes Curriculares se organizarem ao redor de estratégias, métodos e outras tecnologias e as especificidades dessas ações não estarem presentes na cartografia mental dos sujeitos ou no esquadrinhamento de suas ações. Até pouco tempo, a formação dos professores objetivava a capacitação através da transmissão de conhecimento, buscando a atuação eficaz dos professores em sala de aula. Essa concepção vem sendo repensada e substituída pela prática educativa que o professor desenvolve, enfatizando o saber docente e a base de conhecimentos pautada nos saberes da experiência(14).

Sentimentos e vivências dos docentes frente ao álcool e ao alcoolista

Esta categoria abarcou 76 URs e 2 unidades de significação onde se discutem as experiências e os sentimentos manifestados pelos professores. A utilização de bebidas alcoólicas provoca acontecimentos dentro dos grupos sociais e tem a influência marcante de seus valores e crenças. Para compreender o alcoolismo em suas várias dimensões, é preciso entender o fato de que o alcoolismo é doença estigmatizada pela sociedade e isso pode influenciar as atitudes das pessoas através de suas opiniões, experiências vividas, crenças, valores e os próprios conhecimentos, dentro dos grupos sociais, que são mediados pelas interações sociais.

Já os sentimentos são estados afetivos que não se confundem com sensações e que se aprende a reconhecer ao longo da vida, como medo, pesar, decepção, raiva, temor, ternura, compaixão, enlevo e preocupação com o outro. As emoções básicas como o medo, por exemplo, são também construídas socialmente e o sentimento é classificado de acordo com as regras e os padrões de determinada cultura ou sociedade(15).

Em relação às experiências vivenciadas pelos docentes, pode–se destacar experiências familiares que envolvem, principalmente, o uso em confraternizações de forma social, as pessoais que descrevem situações perigosas ou de violência, ocorridas com vizinhos ou amigos, e algumas profissionais que retratam os fatos ocorridos dentro das instituições escolares, tanto com aluno como com colegas de trabalho, enfatizando o abuso de bebidas alcoólicas. Para ilustrar tal situação apresenta-se a seguinte fala: eu só tive uma experiência com alunos. Foi numa escola que eu trabalhei durante dezoito anos, num final de ano eu notei que os alunos estavam um pouco estranhos, estavam falando demais, estavam alegres demais, rindo, falando alto. Eu descobri que eles tinham comprado uma garrafa de vinho e estavam tomando escondidos lá no estacionamento da escola (E9).

Em contrapartida, percebe-se o confronto de ideias dos participantes, quando questionados sobre seu sentimento frente a pessoas alcoolizadas. Os sentimentos citados variam desde raiva até compaixão. No entanto, a pena e o medo são os sentimentos manifestados em grande parte dos depoimentos, ressaltando que numa mesma fala apresentavam-se sentimentos como ojeriza e compaixão, como a fala demonstra: ojeriza. Eu não suporto, não suporto pessoa alcoolizada. E pena porque é um vício. Você vê que a pessoa tem dificuldade para superar aquilo, para evitar. Consternação e tristeza. Tristeza porque é uma fraqueza humana (E25).

Abordagens sobre álcool pelos docentes e as estratégias pedagógicas desenvolvidas em sala de aula

Esta categoria apresenta 90 URs e 2 unidades de significação sobre a abordagem do álcool pelos professores. O motivo que faz jovens e adultos consumirem drogas, mesmo diante de suas diferenças e especificidades, é a realidade social que não mais atende às suas reais necessidades. Geralmente, o adulto consome drogas para permanecer integrado à sociedade, não ocultando suas contradições; já o jovem o faz uma vez que não aceita a incoerência da sociedade, observando sua degradação de valores(16).

Nesse processo, os professores têm papel fundamental já que, supostamente, são os detentores de conhecimento científico sobre as substâncias e seus efeitos no organismo humano, além de efetivarem um canal privilegiado de comunicação com os alunos. No entanto, sua personalidade e seus hábitos influenciam diretamente no trabalho preventivo, criando ambiente favorável dentro de sala, como o exemplo positivo e a abertura ao diálogo.

As discussões sobre o álcool são abordadas pelos docentes através de suas experiências de vida com essas substâncias, mostrando essencialmente os malefícios do uso de bebidas alcoólicas nos adolescentes, ou seja, recriminam o uso pelos jovens. Ainda, identifica-se o encaminhamento dos casos de envolvimento com álcool à autoridade maior da instituição escolar, ou para algum centro especializado que poderá auxiliar na recuperação do aluno. Essa abordagem está caracterizada na fala: eu sempre digo para eles que eu estou aqui para informar o que é saudável, o que é bom para seu organismo, o que você deve fazer. Agora o que cada um vai fazer com o seu corpo, eu não posso ficar tomando conta de vocês, eu falo isso para eles, a gente discute, o que é bom e o que não é (E4).

Com relação às estratégias adotadas para o desenvolvimento de conteúdos sobre álcool, grande parte dos depoentes afirma utilizar dinâmicas de grupo para facilitar a discussão em sala de aula, leitura de textos atuais, dramatização, redação, vídeos e, também, aulas programadas dentro dos conteúdos previstos para determinadas disciplinas que agregam o álcool, em assuntos do cotidiano. As disciplinas que manifestaram a abordagem do álcool nos programas das disciplinas foram ciências e artes, como demonstra a fala: na sétima série, já tem outra maneira, a gente trabalha a questão do álcool junto com droga, com dependência e sistema nervoso. Quando a gente trabalha a questão do sistema nervoso trabalhamos com os efeitos da nicotina, da cafeína, do álcool. Isso geralmente é feito (E3).

Com isso, é preciso que a escola defina normas e práticas a serem seguidas pelos professores para que eles possam fazer cumprir, dentro do seu espaço de atuação, o que lhes foi proposto. É preciso focar as ações preventivas "no campo das emoções, sentimentos e relações interpessoais, valorizando a autoconfiança dos alunos e a autoestima, [...] o desenvolvimento de habilidades e atitudes que favoreçam o engrandecimento pessoal e sua melhor integração no grupo"(17).

Concepção dos docentes sobre álcool

Esta categoria apresenta 68 URs e unidade de significação que aborda as concepções de álcool. As concepções observadas nos discursos dos docentes elucidam posturas ideológicas, crenças e valores sobre o álcool, o que revela o significado que essa substância representa no cotidiano dos sujeitos. A prática profissional é permeada pelo campo do conhecimento e da subjetividade, refletindo as crenças, as experiências, os valores e os sentimentos sobre os fenômenos vivenciados.

Nesse sentido, existem várias propostas e enfoques sobre modelos e teorias relacionados à questão do álcool e das drogas, indicando a grande dificuldade e complexidade que o assunto apresenta. O enfoque da dimensão do problema utilizado neste estudo baseou-se em cinco modelos(18): ético/legal – voltado para o direito e a segurança social; moral – responsabilização do sujeito pelo seu uso de substâncias; médico ou de doença – dependência da droga como doença; psicossocial – aprendizado social dos comportamentos e interação social e sociocultural – resultado de forças sociais em função do meio cultural(18). É importante destacar que os depoimentos apresentam expressiva neutralização do fenômeno, ou seja, certa banalização do uso, considerado social pelas pessoas, dificultando a identificação dos riscos causados pelo abuso.

É observável que as concepções dos docentes sobre o uso de álcool fundamentam-se, principalmente, nas estruturas dos modelos psicossocial e ético/legal, inseridos na construção social do fenômeno das drogas, como exemplifica a fala: o álcool é uma bebida, é uma droga lícita. É proibido para menores de dezoito anos. Eu sou contra as pessoas antes de completarem 18 anos beberem. Agora isso é o que mais a gente vê, crianças realmente ingerindo bebida alcoólica, o que é proibido (E23). Os docentes reconhecem amplamente os riscos nas esferas socioeconômica, política e individual que possibilitam a expansão de suas concepções sobre a temática. Embora algumas falas não estabeleçam claramente relação causal, podem indicar que as transformações sociais são fruto da globalização que transforma fatos, produtos e informações cotidianas e aproximam os jovens da experimentação das drogas e consequente dependência.

Comportamento e interação dos alunos acerca do uso de álcool na visão dos professores

A última categoria apresenta 78 URs e 2 unidades de significação, discutindo a percepção dos professores sobre comportamento de alunos e sua interação nas discussões sobre álcool. Frente ao fenômeno das drogas, torna-se importante compreender o papel das atitudes na determinação do comportamento. As atitudes têm componente instigador dos comportamentos coerentes com as cognições e afetos, relativos aos objetos determinantes. As experiências das pessoas influenciam as atitudes atuais dessa, através da situação atual em que se inserem e se manifestam por meio de comportamentos(19).

Ressalta-se que os professores, apesar de manifestarem seus conhecimentos sobre mudanças no comportamento de quem faz uso de bebidas alcoólicas, parecem não visualizar a dimensão das consequências que esse abuso provoca na vida dos adolescentes, uma vez que assumem a postura de amenizar a responsabilidade da instituição escolar, tanto diante do fenômeno quanto diante do seu enfrentamento, conforme esta fala: eu procuro fingir que eu não percebi. Trato da maneira mais natural possível, respondo as perguntas que ele me faz, procuro agir naturalmente, para que ele não se exalte, resolva os problemas dele e não me incomode, não faça nada de estranho (E26).

Os discursos apontam para mudança de comportamento dos alunos que fazem uso de alguma substância psicoativa, entretanto, os profissionais não conseguem fazer a identificação especificamente do álcool associado a essas modificações. Em contrapartida, a interação dos alunos nas discussões sobre álcool parece ser facilitada e mediada pelos professores que se disponibilizam abordar essas questões do cotidiano dos alunos, e creem que toda discussão é permeada por ajuda e cooperação mútuas, como demonstra a fala: eu acho que eles trocam experiências, parece que eles passam informações. Eu não vejo crítica não, vejo mais como uma cooperação. Em vários aspectos eles são cooperativos. Eu vejo certa cumplicidade, eles entendem. Eu nunca vi agressividade, nem crítica, nem deboche ou coisa assim, eles sabem ouvir o outro (E7).

O consumo de álcool pelos grupos de jovens é facilitado ou reprimido dentro do próprio grupo no qual estão inseridos. A necessidade de identificação com o grupo facilita o envolvimento inicial com experimentação e, após, com o hábito de beber em comemorações. Assim, a escola deve estar preparada para fazer frente ao poder do álcool e de outras drogas e minimizar as consequências dentro do ambiente escolar(20).

Conclusão

Conclui-se que, segundo as representações dos professores, o foco das principais políticas públicas acerca do uso ou do abuso do álcool é direcionado para o adolescente, enquanto o docente apresenta-se com a necessidade imperiosa de abordar o assunto em seu dia a dia profissional, independente de seus conhecimentos, de suas crenças e de suas atitudes. Esse quadro gera cotidiano tenso em que oportunidades de educação em saúde são perdidas como consequência das dificuldades de compreensão de um assunto que se situa em terreno inseguro por sua localização, entre o estimulado e o renegado.

Observa-se, nesse sentido, como o álcool, para os docentes, flutua entre o socialmente aceito e o negativo em essência, flutuação essa que possui raízes nas experiências desses sujeitos, especialmente na dimensão pessoal do vivido. Neste artigo, torna-se importante compreender como essas experiências determinam as atitudes e os valores expressos diante desse objeto, enquanto experiências e crenças possuem mútua influência e na determinação de práticas individuais e sociais.

A inclusão de conteúdos de álcool e outras drogas deve considerar a permissão social do seu uso como gerador de prazer e a repercussão do uso inadequado dessas substâncias na vida dos estudantes. Assim, buscar a redução de danos para o consumo de álcool e de outras drogas como possível alternativa, alcança principalmente as populações mais vulneráveis, como as crianças e os adolescentes. Deve-se, ainda, incentivar a discussão pública sobre bebidas alcoólicas, principalmente no ambiente escolar, envolvendo os jovens, suas famílias, o corpo técnico-pedagógico e a comunidade. Entretanto, deve-se evitar o pânico moral, a demanda por medidas repressivas e o apelo à segurança pública policial para afastar os possíveis riscos existentes no contato dos adolescentes com as drogas.

Sugere-se, portanto, a participação do enfermeiro como educador de saúde nesse processo de transformação da escola, com aparato técnico-científico e legal para desenvolver programas nos três níveis de atenção e em todas as áreas atuantes do Sistema Único de Saúde, especialmente os serviços de atenção básica, visando a promoção da saúde. O processo de prevenção de riscos, para o uso de álcool e outras drogas, tem se mostrado mais eficaz quando ocorre a inclusão desse profissional em programas educativos e preventivos nos espaços escolares e, especialmente, quando essa inclusão gera processo de aliança de saberes entre esses dois profissionais, de modo que se construa conhecimento novo, adaptável à realidade e que responda aos desafios presentes.

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  • Corresponding Author:
    Ingryd Cunha Ventura Felipe
    Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      06 Nov 2009
    • Aceito
      28 Jul 2010
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