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Direito do cidadão e avaliação nos serviços de saúde: aproximações teórico-práticas

Resumos

Este estudo foi desenvolvido em unidade de medicina de família de um município do Sul do país, com o objetivo de analisar como vem se desenvolvendo o processo avaliativo no interior de um serviço público de saúde brasileiro, na especificidade serviço de atenção domiciliária. Procedeu-se à coleta de dados por meio da observação do processo de trabalho e de entrevistas com trabalhadores, gestores e usuários, no período de março a junho de 2006. Os sujeitos foram questionados acerca das formas utilizadas para a realização da avaliação do serviço de atenção domiciliária. Percebeu-se que não há um trabalho voltado à identificação de problemas e reorientação de ações desenvolvidas, avaliando as práticas e mensurando o impacto das ações implementadas pelos serviços e programas sobre o estado de saúde da população.

Direito à Saúde; Assistência Domiciliar; Avaliação de Serviços de Saúde


This study was carried out at a Family Medical Unit in a city in the south of Brazil, aiming at analyzing how the evaluation process takes place in a Brazilian public health unit, specifically considering a home care service. Data were collected through observation of the work process and interviews with workers, managers and users, between March and June 2006. The subjects were asked about the means applied to evaluate the home care service. No work is done to identify problems and reorient actions taken, evaluating the practices and measuring the impact of service and program actions on the population’s health status.

Right to Health; Home Nursing; Health Services Evaluation


Este estudio fue desarrollado en una Unidad de Medicina de Familia de un municipio del sur de Brasil, con el objetivo de analizar como viene desarrollándose el proceso de evaluación en el interior de un servicio público de salud brasileño, específicamente en un servicio de atención a domicilio. Se procedió a la recolección de datos por medio de la observación del proceso de trabajo y de entrevistas con trabajadores, administradores y usuarios, en el período de marzo a junio de 2006. Los sujetos fueron cuestionados acerca de las formas utilizadas para realizar la evaluación del servicio de atención domiciliaria. Se percibió que no existía un trabajo dirigido a identificar problemas y reorientar acciones desarrolladas, evaluando las prácticas y midiendo el impacto de las acciones implementadas por los servicios y programas sobre el estado de salud de la población.

Derecho a la Salud; Atención Domiciliaria de Salud; Evaluación de los Servicios de Salud


ARTIGO ORIGINAL

Direito do cidadão e avaliação nos serviços de saúde: aproximações teórico-práticas1

Nalú Pereira da Costa KerberI; Ana Lúcia Cardoso KirchhofII; Marta Regina Cezar-VazIII; Rosemary Silva da SilveiraIV

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. E-mail: nalu@vetorial.net

IIEnfermeira, Doutor em Filosofia da Saúde, Professor Aposentado, Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil. Pesquisador visitante, Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil. E-mail: kirchhof@terra.com.br

IIIEnfermeira, Doutor em Filosofia da Saúde, Professor, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. E-mail: cezarvaz@vetorial.net

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. E-mail: anacarol@mikrus.com.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo foi desenvolvido em unidade de medicina de família de um município do Sul do país, com o objetivo de analisar como vem se desenvolvendo o processo avaliativo no interior de um serviço público de saúde brasileiro, na especificidade serviço de atenção domiciliária. Procedeu-se à coleta de dados por meio da observação do processo de trabalho e de entrevistas com trabalhadores, gestores e usuários, no período de março a junho de 2006. Os sujeitos foram questionados acerca das formas utilizadas para a realização da avaliação do serviço de atenção domiciliária. Percebeu-se que não há um trabalho voltado à identificação de problemas e reorientação de ações desenvolvidas, avaliando as práticas e mensurando o impacto das ações implementadas pelos serviços e programas sobre o estado de saúde da população.

Descritores: Direito à Saúde; Assistência Domiciliar; Avaliação de Serviços de Saúde.

Introdução

No processo de construção e permanência do ser humano histórico, a saúde é aspecto fundamental que lhe dá condições de ser e viver e desenvolver-se, sendo uma conjugação de diversos fatores como habitação, alimentação, lazer, trabalho, entre outros. O direito de todo e qualquer cidadão às formas de alcançar essas condições encontra-se legitimado na Constituição da República do Brasil, de 1988.

Entre os direitos universais dos seres humanos está o direito à saúde, que significa que "cada um e todos os brasileiros devem construir e usufruir de políticas públicas – econômicas e sociais – que reduzam riscos e agravos à saúde. Esse direito significa, igualmente, o acesso universal (para todos) e equânime (com justa igualdade) a serviços e ações de promoção, proteção e recuperação da saúde (atendimento integral)"(1).

O direito à saúde e os direitos sociais começaram a ser reconhecidos universalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento de vários movimentos em defesa dos direitos humanos e de códigos, questionando o poder do Estado, em relação aos seus cidadãos, destacadamente a luta pelos direitos à saúde(2).

No Brasil, o direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida, e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade.

A saúde, como direito dos cidadãos, deve ter serviços e ações providos de forma descentralizada e submetidos ao controle social. Dessa forma, a proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) encontra-se como a melhor doutrina de construção da cidadania. "A cidadania pressupõe igualdade de direitos, implica uma relação recíproca de respeito aos direitos e deveres entre os cidadãos e o Estado, visando à materialização dos desejos do sujeito, através de discussões sociopolíticas; a participação dos envolvidos nesse espaço pode significar a redistribuição dos direitos a todos (...)"(2).

O exercício de cidadania na saúde tem sido realizado por meio da instituição dos Conselhos de Saúde, em que a sociedade vive a relação Estado/População e constrói seu conceito de direito à saúde. Uma das formas de exercer esse controle é por intermédio da avaliação dos serviços de saúde. Entende-se que a avaliação dos serviços e o direito à saúde são elementos interdependentes. A participação da população na avaliação dos serviços tem a função de adequar melhor os serviços às necessidades da população, o que nem sempre se constitui em algo fácil de conseguir. Além do mais, sabe-se que os diversos modelos e medidas de avaliação têm, no usuário do serviço, importante componente para a avaliação das intervenções e da interação do meio nos produtos observados(3).

Por reconhecer que os processos de avaliação no Brasil ainda são incipientes, pouco incorporados às práticas e possuindo caráter mais prescritivo, burocrático e punitivo que subsidiário do planejamento e da gestão, o Ministério da Saúde (MS), alinhando-se, no plano internacional, ao movimento da institucionalização da avaliação que vem sendo implantado em diversos países, como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e França lançou o documento Avaliação na Atenção Básica em Saúde(4).

Essa é uma forma de direcionar os serviços para a realização de processos avaliativos, entendidos como imprescindíveis de serem realizados em todo e qualquer serviço de saúde. Como saber se as necessidades de saúde estão sendo satisfeitas? Como garantir que se está desenvolvendo o tipo de trabalho necessário para a população adstrita? Através da avaliação contínua dos serviços prestados, de modo que se possa ter parâmetros para manutenção ou transformação do trabalho, entende-se esse aspecto avaliativo dos serviços como importante componente de validação dos direitos da clientela, por ser uma forma de objetivá-los no cotidiano institucional.

Ao refletir acerca da importância de que os cidadãos, tanto usuários quanto trabalhadores do sistema de saúde, tenham alicerçados, em seu cotidiano, a crença da saúde como direito inalienável de todos e que os serviços de saúde devem ser objeto contínuo de avaliação, analisa-se, neste estudo, como vem se desenvolvendo esse processo avaliativo no interior de um serviço público de saúde brasileiro, na especificidade de um serviço de atenção domiciliária.

Metodologia

O estudo apresenta abordagem qualitativa, caracterizando-se como estudo interpretativo, no qual se procura compreender e explicar aspectos da vida social que vão além dos sujeitos do estudo(5).

O local da pesquisa foi uma unidade de medicina de família, localizada em complexa organização pública de serviço de saúde, em uma capital da Região Sul do país, que apresenta, há 25 anos, como parte de seu processo de trabalho, a atenção domiciliária. A composição da amostra foi estabelecida pelos grupos de trabalhadores envolvidos na atenção domiciliária (médicos, enfermeiras, técnicos e auxiliares de enfermagem e residentes de medicina, enfermagem e psicologia), gestores e usuários do serviço. O primeiro grupo perfez o total de vinte e dois trabalhadores. O segundo grupo foi composto pela coordenadora da instituição, pela chefe da unidade de saúde e por três representantes da comunidade no Conselho Local de Saúde. No terceiro grupo, foram incluídos tanto o paciente como o cuidador, estabelecendo-se o critério de saturação dos dados para encerrar a amostra, participando sete usuários.

Procedeu-se à coleta de dados por meio da observação direta do processo de trabalho em atenção domiciliária, com acompanhamento dos trabalhadores na unidade e no desenvolvimento das visitas domiciliárias, que se efetuaram durante o período de março a junho de 2006, por meio de entrevistas individuais com os trabalhadores, os gestores e os usuários do programa de atenção domiciliária.

Este estudo ocorreu após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da instituição a que pertence a unidade de saúde estudada, conforme Parecer nº105/05. Para manter o anonimato dos sujeitos entrevistados, os mesmos foram identificados com a primeira letra da categoria a que pertencem (E para enfermagem; M para médicos; R para residentes, seguido da letra correspondente à especificidade da residência, se enfermagem, medicina ou psicologia, G para os gestores e F para familiares/usuários) acrescida do número de ordem de realização da entrevista.

Compreendendo a atenção domiciliária como substrato histórico e dialético do trabalho em saúde, foram realizadas as reflexões embasadas nesse pano de fundo.

Resultados

Ao se buscar entender se e como eram desenvolvidos os processos de avaliação, tanto do trabalho quanto dos trabalhadores, houve unanimidade, por parte dos usuários, de entender que nunca participaram de qualquer processo avaliativo e que sequer foram questionados acerca do trabalho que vem sendo desenvolvido pela equipe de atenção domiciliária. Uma das famílias manifestou-se positivamente em relação a isso, inferindo que talvez tal processo não aconteça por não haver necessidade, já que, para ela, parece clara a importância e a relevância da realização desse tipo de prática de trabalho. É que a gente está sempre tão contente. Mas com esse objetivo de fazer uma avaliação se estamos satisfeitos, se temos alguma queixa, não. E não temos queixa mesmo, teria só a enaltecer (F3).

Em relação aos trabalhadores, quanto à avaliação do serviço, essa se apresenta com o sentido enfocado na realização das reuniões semanais para discussão dos casos de atenção domiciliária. Nós temos reuniões semanais para pacientes da assistência domiciliar. Nas reuniões se faz avaliação, se vê quando entra alguém novo no programa, se vê quem tem paciente, quem não tem paciente, quem vai entrar, como é que estão sendo as visitas, as dificuldades, se precisa de alguma mudança, é feito nessas reuniões (E1). A gente tem sempre nas segundas-feiras, tem aquela reunião que a gente tem notícia dos acamados e que a gente tenta resolver em equipe, faz discussão do caso. Quando o caso é difícil, envolve problemas da família, dos cuidadores, de intrigas entre eles, a gente discute na equipe (M2).

Diversos participantes apresentaram esse entendimento e manifestaram que, no trabalho realizado na atenção domiciliária, não é desenvolvido um processo avaliativo. Nós estamos sem avaliação. Agora a gente está começando o básico de saber quantas visitas a gente está fazendo, porque antes nem isso eu podia ver. Por mais que tivesse boletim, tu puxar um programa lá, nós fizemos ´n` treinamentos, ´n` coisas, já fizemos manual, nunca dá certo. Na verdade, o programa avaliado como tem que ser nunca foi. Além de que a gente tem que fazer manualmente, eu só posso saber se foi feita a visita, quem foi (E8). Não existe nenhum indicador, por exemplo, de que a assistência domiciliar diminui internações, ou de que diminui mortalidade, isso é uma coisa que está por construir ainda (M1).

Um dos gestores alerta para o processo que está iniciando nesse serviço, de normatização e avaliação da atenção domiciliária, referindo que, por meio dessa mobilização, vai haver o engajamento das unidades de saúde, que terão um guia norteador e poderão se sentir mais motivadas para efetivar avaliações do processo de trabalho e estarem, assim, de posse de dados que auxiliem a melhorar a qualidade da assistência. Acho que agora várias coisas vão melhorar, porque, como a instituição está pensando numa política de avaliação, pode ser que influencie. Tu ter uma política institucional de avaliação e desempenho profissional, essa que está saindo, não é só uma proposta de avaliação individual, mas assim como tu é avaliado, tu avalia teu coordenador. Tem avaliação de equipe e avaliação individual, que influencia a avaliação de equipe. Se tu começas a ter esse tipo de avaliação na assistência domiciliar ... (G1).

Na unidade de saúde estudada, não há preocupação latente com essa questão, tanto que não existem processos avaliativos. Porém, existe preocupação quanto à resolução de quaisquer problemáticas que tenham sido evidenciadas no decorrer da assistência, ou que sejam trazidas pelos usuários. Segundo os participantes da pesquisa, há sempre uma tentativa de solução para os problemas elencados. Traz na grande equipe que alguma coisa não está funcionando bem, essa avaliação é feita (E4). Isso é trazido para nós de volta, em forma de se queixar do doutor ou se queixar que a enfermeira não foi ou se queixar que estão tentando fazer ficar em casa uma pessoa que não pode ficar em casa (M3).

Há mobilização em face de queixas, de problemas manifestados, sem, contudo, direcionar um olhar para a organização do trabalho, no sentido de ver e perceber a forma como esse vem sendo desenvolvido e analisar se as ações dos trabalhadores e a abrangência do serviço contemplam os direitos e as necessidades da clientela. Através dos depoimentos, foi possível perceber a inexistência da avaliação, tanto do processo de trabalho individual dos trabalhadores quanto do coletivo. Ainda não ocorre, ainda não existe uma avaliação dos trabalhadores (E3). É passado aqui na equipe. Por exemplo, foi cobrado que estava meio desleixado, meio de lado, ninguém sabia de ninguém, quem era paciente de quem, o que o fulano tinha, o que o sicrano tinha. Mas ninguém te avalia, nunca ouvi ninguém dizer: olha, tu estás desenvolvendo muito bem. Até hoje ninguém veio fazer isso, ninguém me avaliou (E7).

Já as enfermeiras tomam para si a responsabilidade pelo desenvolvimento da avaliação da atenção domiciliária, no sentido da organização do trabalho no foco da dinamização das atividades da equipe. Na apreensão do conteúdo expresso nas falas e no transcorrer do processo de trabalho, realmente, há acordo tácito de que a enfermeira é a figura responsável pela manutenção e pelo controle dessa prática. E há um controle. Até quem controla isso sou eu: a quantidade de visitas, se as pessoas estão sendo visitadas mesmo, com que frequência elas estão sendo visitadas. E eu faço esse controle, de cobrar as pessoas que não visitaram e também de repassar ao profissional de referência dessas pessoas na unidade quando é solicitada alguma visita. Mensalmente, eu falo para cada pessoa se tem algum problema (RE1). As enfermeiras têm o controle dos pacientes em acompanhamento e há quanto tempo aqueles pacientes não são vistos (M1).

Discussão

Apesar de não existir um processo avaliativo no serviço investigado, os usuários manifestaram sua satisfação por estarem sendo assistidos em seu domicílio. Porém, isso não garante a qualidade da assistência, pois os usuários apresentam limite de entendimento, que é ditado por aquilo que percebem - a sua necessidade -, além do que não possuem perspectiva da potencialidade do atendimento, e da relação do atendimento com a comunidade a que assiste. Dessa forma, já se consideram satisfeitos somente pela existência de tal serviço ao seu alcance.

Assim, questiona-se, como possíveis fatores intervenientes para a avaliação dos usuários, acerca de seus direitos e do cuidado recebido, se essa avaliação positiva está relacionada à sua condição de vulnerabilidade, associada ao receio de expressar insatisfações e desejos, ou ao seu possível desconhecimento acerca de seus direitos e também às questões referentes a desigualdades, como, por exemplo, da população que necessita, mas não está incluída nessa assistência. Entre a parcela mais desfavorecida da população, parece que a noção de direito confunde-se com "a de dádiva e de favor", o que engessa as possibilidades de luta e reivindicação dos direitos(6). Em contextos muito desiguais, para certos segmentos da população, a dificuldade usual para conseguir atendimento resulta em baixa expectativa. O simples fato de ser atendido já pode produzir satisfação, pois as pessoas não esperam muito das instituições públicas(7). Elas esperam a ação feita e não a relação entre a necessidade e o produto, ou seja, a necessidade é simplificada como atividade realizada, atendimento.

Nessa perspectiva, a avaliação do processo de trabalho individual e coletivo parece ser necessária para favorecer a compreensão dos conflitos existentes entre as ações morais que podem e que devem ser realizadas para proteger os interesses dos usuários, no que diz respeito ao tratamento justo, equitativo e apropriado(8).

A concepção de justiça como equidade propõe que todas as pessoas têm direitos iguais, como o direito de exercer sua liberdade e a igualdade de oportunidades. No entanto, as desigualdades sociais devem ser vistas de modo desigual, ou seja, partir do princípio da diferença, o qual propõe o máximo benefício aos seres menos avantajados da sociedade(9).

E, no tocante aos trabalhadores, o sentido apresentado nos depoimentos mostra que são incluídas apenas as questões diretas de cada paciente assistido por meio da atenção domiciliária. Há a manifestação da avaliação somente na acepção de controle e evolução de casos, ou mesmo a avaliação do trabalhador. O foco na avaliação é para o objeto/cliente/usuário, mais especificamente na ação/atividade sobre ele e não para o processo de trabalho.

Nos serviços de atenção básica/primária à saúde, porém, a avaliação deve ser utilizada para "definir e caracterizar a comunidade; identificar os problemas de saúde da comunidade; modificar programas para abordar estes problemas; monitorar a efetividade das modificações no programa"(10).

Além de constituir oportunidade de verificar, na prática, a resposta da comunidade à oferta do serviço de saúde e de melhor a adequação do serviço às expectativas da sua comunidade alvo, "a abertura para a avaliação do sistema de saúde pelo usuário favorece a humanização do serviço, exercita a aceitação da visão e percepção do outro e favorece, ainda, a realização de análises socioantropológicas necessárias para uma melhor contextualização do serviço de saúde oferecido"(11).

A avaliação oferece "a possibilidade de criar espaços de reflexão sobre a prática, desconstruir ideias vigentes ou construir sensos comuns em relação a conceitos e discursos"(10,12). Há essa conotação em vista de que a avaliação pode apoiar os trabalhadores e gestores a fazer escolhas mais consistentes em relação aos rumos de suas iniciativas.

A gestão do serviço está começando a refletir sobre a consolidação da avaliação, acompanhando a política governamental, que vem tentando a inserção no sistema de saúde. O MS apresenta, como um dos pressupostos, "a avaliação em saúde é um processo crítico-reflexivo sobre práticas e processos desenvolvidos no âmbito dos serviços de saúde. É um processo contínuo e sistemático cuja temporalidade é definida em função do âmbito em que ela se estabelece"(4).

Quando há esse tipo de determinação em nível das superestruturas, a avaliação fica mais facilitada, o que não significa que seja fácil sua realização nos espaços microestruturais, como no caso deste estudo. Porque é no nível macro que são elaboradas as políticas, as diretrizes norteadoras do trabalho, e no nível micro é que elas são desenvolvidas de forma adaptada às suas próprias necessidades e realidade. Facilita, porque funcionam como exemplo e como guia das ações.

Não é fácil para os trabalhadores que se encontram envolvidos com as problemáticas do cotidiano dos serviços, como a alta demanda da população, conseguir estabelecer períodos de tempo durante o espaço de trabalho para estruturarem uma lógica de avaliação. Essa é tarefa para os gestores, que devem se responsabilizar por esse processo, mobilizando os trabalhadores a refletir e participarem disso, mas a partir de instrumentos concretos e facilitadores para o alcance dos objetivos das avaliações que serão realizadas. É necessário admitir que há uma força real, ainda que relativa, das estruturas que impõe restrições aos sujeitos(13).

Entende-se que a avaliação é processo que deve ser estruturado e realizado em nível micro, pelos serviços; mas que deve ser um processo institucionalizado em nível macro, na organização do serviço como um todo. Ao se investir na institucionalização da avaliação está-se contribuindo decisivamente com o objetivo de qualificar a atenção à saúde, promovendo-se a construção de processos estruturados e sistemáticos, coerentes com os princípios do Sistema Único de Saúde, além do que se estará auxiliando os serviços na construção de cultura avaliativa.

Há compreensão da necessidade da existência da avaliação nesse serviço, porém, um dos possíveis obstáculos técnicos que se apresenta como impeditivo para a concretização desse processo é a falta de um programa computadorizado que facilite o trabalho de armazenamento e controle dos dados. Um dos gestores afirma que eles não têm como quantificar o trabalho realizado, por não existir sistematização, não existirem indicadores epidemiológicos construídos. "Avaliar e monitorar o desempenho desses serviços é hoje uma importante necessidade para as proposições que buscam aprimorar a qualidade da atenção"(14).

Uma das formas de buscar a melhoria da qualidade da assistência está posta no processo de avaliação de desempenho dos trabalhadores. Esse é um modo de acompanhar como está sendo desenvolvido o trabalho e parte integrante do processo ensino-aprendizagem, característico da atividade educativa do enfermeiro e que contribui para a melhoria da qualidade da assistência(15).

Os enfermeiros, mais do que qualquer outro profissional da saúde, têm frequentes oportunidades para facilitar e manifestar o respeito pelos direitos dos pacientes. Como líderes de equipe, assumindo a liderança da assistência prestada ao paciente, os enfermeiros são a fonte principal de contato pessoal, íntimo e contínuo com os pacientes(16). Utilizando-se dessa proximidade, o enfermeiro pode auxiliar os usuários a se enxergarem como corresponsáveis pela qualidade do cuidado, a partir do momento em que avaliem a assistência recebida nos diversos serviços de saúde utilizados. Por outro lado, os usuários podem estimular os enfermeiros a olhar para os processos de trabalho e produzirem atividades avaliativas.

Avaliar o desenvolvimento dos serviços de saúde não é somente necessário, mas imprescindível para o alcance da qualidade da assistência desejada. A avaliação "deve subsidiar a identificação de problemas e a reorientação de ações e serviços desenvolvidos, avaliar a incorporação de novas práticas sanitárias na rotina dos profissionais e mensurar o impacto das ações implementadas pelos serviços e programas sobre o estado de saúde da população"(4).

Nesse sentido, para alcançar a efetiva consecução dos objetivos do SUS em sua plenitude, há a dependência da incorporação dos processos de avaliação à sua dinâmica de funcionamento. "Só com a reflexão embasada e cuidadosa sobre o que se faz e como se faz é possível de fato alcançar cobertura, resolutividade e acesso, e, mais importante, com efetivo controle social"(17).

Os gestores do sistema de saúde e dos serviços de saúde em particular demonstram sua responsabilidade com os serviços no momento em que se preocupam com sua avaliação sistemática. Essa preocupação faz transparecer o interesse pela qualidade desses serviços e pela qualidade da atenção dispensada neles, já que a qualidade da atenção à saúde significa que "as necessidades de saúde, existentes ou potenciais, estão sendo atendidas de forma otimizada pelos serviços de saúde, dado o conhecimento atual a respeito da distribuição, reconhecimento, diagnóstico e manejo dos problemas e preocupações referentes à saúde"(10).

É preciso que os gestores expressem concretamente a preocupação com essas questões, na forma de protocolos, programas de avaliação, instrumentos epidemiológicos e metodológicos que facilitem a realização desse processo pelos trabalhadores. A gestão do serviço em estudo iniciou mobilização nesse sentido, esperando regulamentar o processo de avaliação da atenção à saúde, desenvolvida nos serviços sob sua jurisdição, mas, ainda, não conseguiu desenvolvê-la no serviço de atenção domiciliária.

O último destaque que se faz em relação aos depoimentos é a relação do enfermeiro com a avaliação. Esse trabalhador é considerado e se considera responsável por esse processo. Percebe-se essa responsabilidade como atividade inerente ao trabalhador.enfermeiro, uma realidade em todos os serviços de saúde, pois se sabe que, dentre as funções administrativas que circundam o enfermeiro, inclui-se a realização da avaliação de desempenho dos funcionários do seu grupo de trabalho(18).

Destaca-se que o contexto da atenção domiciliária é palco ideal para a realização de processos avaliativos com a inserção dos usuários nesse processo. Sem o desenvolvimento desses processos está-se deixando de incluir o usuário como cidadão.

As metodologias que incorporam a visão do usuário são vistas como parte de um paradigma no qual se reafirmam princípios relativos a direitos individuais e de cidadania, tais como expressos nos conceitos de humanização e direitos do paciente(7).

Considerações finais

Pode-se perceber que não há um trabalho no sentido de realizar identificação de problemas e reorientação de ações desenvolvidas, avaliando as práticas e mensurando o impacto das ações implementadas pelos serviços e programas sobre o estado de saúde da população.

A questão de avaliar o processo de trabalho realizado demonstra preocupação e responsabilidade com a garantia dos direitos dos cidadãos, usuários do sistema de saúde. Garantir o direito à saúde não é só garantir acesso aos serviços, mas, também, garantir que a qualidade da atenção dispensada no interior desses serviços seja a melhor possível e a mais adequada às necessidades da população.

A avaliação como área de estudos vem crescendo nos serviços, não se restringindo mais apenas ao âmbito acadêmico. Até mesmo porquê, sem avaliação, é difícil planejar. Por outro lado, dados os parcos recursos públicos, precisa-se recorrer a organismos internacionais a fim de financiar projetos, e a avaliação é uma das exigências de financiadores externos. A dificuldade ainda se encontra nos objetos da avaliação que, geralmente, são complexos e exigem abordagens criativas e diferenciadas, favorecendo o exercício da crítica e da reflexão.

Essa é, portanto, tarefa que não se pode mais adiar, há que se debruçar sobre ela e qualificar o cuidado em saúde com a contribuição dessa área, sob pena de tornar a ação dos profissionais da saúde obsoleta.

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  • Corresponding Author:
    Nalú Pereira da Costa Kerber
    Universidade Federal do Rio Grande. Escola de Enfermagem.
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  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation "A atenção domiciliária e direito à saúde: análise de uma experiência na rede pública de saúde no Brasil", presented to Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brazil. Supported by CNPq process # 401933/05-9.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Jun 2009
    • Aceito
      25 Ago 2010
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