Interação profissional na gestão da tríade: educação permanente em saúde, segurança do paciente e qualidade^*

Resumos

Objective:

to understand how professional interaction takes place in the hospital organizational structure for the management of Permanent Education in Health, to guarantee patient safety and the quality of nursing care.

Method:

this is a qualitative study, which used the structuralist aspect of the Grounded Theory as a methodological framework. 27 interviewers participated in the study, who made up four sample groups.

Results:

six categories and 13 subcategories were presented, representing the studied phenomenon and highlighting particularities of the public health system and the influence of the manager’s support and management priority, the disposition of the organizational structure, the institutional culture, the external encouragement to institution, and the nurses’ initiative and leadership in the professional interaction for the management of the Permanent Education in Health, patient safety, and quality of care triad, revealing the need for cultural change through interdisciplinarity.

Conclusion:

the professional interaction in the hospital organizational structure requires the creation of new management models with an emphasis on more participative management, in order to improve the care processes in hospital institutions.

Descriptors:
Continuing Education; Patient Safety; Quality Management; Interdisciplinarity; Health Management; Nursing

Objetivo:

comprender cómo se produce la interacción profesional en la estructura organizativa hospitalaria para la gestión de la educación permanente en salud a fin de garantizar la seguridad del paciente y la calidad de la atención de enfermería.

Método:

se trata de un estudio cualitativo, que utilizó el aspecto estructuralista de la Teoría Basada en Datos como referencia metodológica. Participaron en el estudio 27 entrevistados, que conformaron cuatro grupos de muestra.

Resultados:

se presentaron seis categorías y 13 subcategorías que representan el fenómeno estudiado y destacan particularidades del sistema público de salud, la influencia del apoyo del gerente y la prioridad de la gestión, la disposición de la estructura organizativa, la cultura institucional, los estímulos externos a la institución, la iniciativa y el liderazgo del enfermero en la interacción profesional para la gestión de la tríada de Educación Permanente en Salud, seguridad del paciente y calidad de la atención, revelando así la necesidad de un cambio cultural a través de la interdisciplinariedad

Conclusión:

la interacción profesional en la estructura organizativa hospitalaria requiere la conformación de nuevos modelos de gestión con énfasis en una gestión más participativa, para mejorar los procesos asistenciales en las instituciones hospitalarias.

Descriptores:
Educación Continua; Seguridad del Paciente; Gestión de la Calidad; Interdisciplinariedad; Gestión en Salud; Enfermería

Introdução

A Rede de Atenção à Saúde (RAS) no Brasil traz a proposta de integração entre os serviços e visa contemplar os princípios doutrinários e organizativos do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, o sistema ainda enfrenta dificuldades para consolidar tal articulação e essa fragmentação também se reflete no interior das instituições hospitalares com a existência de departamentos isolados e incomunicáveis, o que repercute diretamente na resolutividade, responsabilização e integralidade do cuidado⁽¹⁾.

A estrutura organizacional dos hospitais públicos brasileiros normalmente segue as diretrizes estabelecidas pelos organogramas clássicos da administração, em que se destacam a hierarquia, o autoritarismo e a centralidade decisória, o que resulta em pouca cooperação, dificuldade de trabalhar em equipe e de desenvolver a interdisciplinaridade⁽²⁾.

Nesse sentido, considerando o histórico de fragmentação das instituições hospitalares, no que se refere ao arranjo da estrutura organizacional, assim como da atuação dos profissionais de saúde, torna-se relevante investigar como tais aspectos repercutem na gestão da Educação Permanente em Saúde (EPS) para a segurança do paciente e qualidade, visto que a educação constitui uma prática essencial na construção de uma assistência mais segura e de qualidade ao paciente^(3-4). Ainda, pode-se afirmar que a qualidade da atenção hospitalar está diretamente relacionada à qualidade da assistência prestada pelos profissionais que desempenham suas atividades nesse cenário.

Estudos relacionam a segurança do paciente com a qualidade da assistência como se fossem elementos interdependentes. No entanto, a EPS é apontada como componente importante, porém ainda coadjuvante no contexto da implantação de ações de segurança e de qualidade nas instituições hospitalares^(3-5). Este estudo defende a necessidade de colocar esses três eixos em um mesmo patamar de importância e relevância, a fim de se conseguir a articulação indispensável à mudança paradigmática necessária.

Assim, a gestão da EPS nas instituições hospitalares traz consigo a necessidade de interação entre os atores que compõem esse cenário, como gestores, profissionais e pacientes, considerando que a interação humana é promotora de construção de novos conhecimentos ou da reformulação de outros antes evidenciados e que o trabalho em saúde demanda a permanente articulação de saberes e práticas profissionais com vistas a construir um modelo de saúde mais integral⁽⁶⁾.

O enfermeiro, neste cenário, configura-se um ator importante no processo de transição e reestruturação dos serviços, uma vez que possui formação gerencial e está constantemente envolvido nas ações que abrangem a inclusão do paciente nos cuidados de saúde, o aperfeiçoamento da equipe de enfermagem, a integração da equipe multiprofissional, a humanização do cuidado, a segurança do paciente, a qualidade da assistência, entre outros.

Nesse sentido, surge o seguinte questionamento: como acontece a interação profissional na estrutura organizacional hospitalar para a gestão da educação permanente em saúde a fim de garantir asegurança do paciente e a qualidade do cuidado de enfermagem?

O estudo teve por objetivo compreender como acontece a interação profissional na estrutura organizacional hospitalar para a gestão da educação permanente em saúde, a fim de garantir a segurança do paciente e a qualidade do cuidado de enfermagem.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo, que utilizou a vertente estruturalista da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), ou Grounded Theory, como referencial metodológico.

O cenário escolhido foram as instituições hospitalares sob a administração pública direta em um estado ao sul do Brasil. Dentre as 13 instituições, três foram escolhidas como cenário de coleta, todas hospitais de grande porte localizadas em três regiões distintas do estado, assim como a Secretaria do Estado da Saúde (SES), as quais foram sendo incluídas no estudo de acordo com a amostragem teórica⁽⁷⁾.

A amostragem teórica é construída circularmente permitindo que a construção de conceitos que remetem o pesquisador a novos questionamentos ou hipóteses possa ser respondida com nova coleta de dados. Não se pode determinar a amostragem teórica antes do início do processo de coleta e análise de dados, visto que esta é guiada pelos dados conforme avança a compreensão do fenômeno estudado. Portanto, o número de grupos amostrais, ou seja, de grupos de participantes específicos, não pode ser previamente determinado⁽⁷⁾.

Os participantes foram escolhidos intencionalmente conforme objetivo do estudo e abordados no próprio ambiente de trabalho. O critério de inclusão na pesquisa foi o participante possuir experiência mínima de um ano na instituição e ter envolvimento com a temática do estudo. Foram entrevistados 27 participantes, entre chefias de setor (profissional responsável por unidades assistenciais intra-hospitalares/profissionais atuantes nestas com maior envolvimento na temática), coordenadores, gerentes e diretores a nível local (hospital) e estadual (SES).

Quanto à formação dos participantes, 22 eram enfermeiros e 05 tinham outra formação (02 educadores físicos, 01 advogado, 01 designer, 01 farmacêutico). Quanto ao sexo, 24 eram do sexo feminino e 03 do sexo masculino. A faixa etária ficou entre 30 e 55 anos (14 participantes tinham entre 30 e 40 anos de idade, 09 entre 41 e 50 anos e 04 tinham mais de 50 anos). O tempo de serviço apresentou variação entre 05 e 25 anos (13 participantes tinham entre 05 e 10 anos de serviço, 12 tinham entre 11 e 20 anos e 02 tinham mais de 20 anos).

Os participantes foram organizados em quatro grupos amostrais direcionados pelas questões e hipóteses levantadas após a análise dos dados, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
Apresentação da amostragem teórica

Grupo Amostral	Número de Participantes	Questões	Hipótese Levantada
Primeiro GA* Hospital A	08 participantes: 04 chefias de unidade, 01 gerente, 04 coordenadores de serviços de apoio	Fale-me sobre como as práticas de EPS† são gerenciadas nessa instituição.	Em hospitais onde a direção tem como meta prioritária a segurança do paciente e a qualidade assistencial a interação entre os profissionais para a gestão da EPS† tende a ser potencializada.
Segundo GA* Hospital B	07 participantes: 03 chefias de unidade, 01 gerente, 04 coordenadores de serviços de apoio	Fale-me sobre atuação da direção em relação à gestão da EPS†, segurança do paciente e qualidade assistencial na instituição.	Além do apoio da direção, o desenvolvimento de projetos com metas compartilhadas a nível institucional e extrainstitucional potencializa a interação profissional na gestão da EPS† com enfoque na segurança do paciente e qualidade da assistência.
Terceiro GA* Hospital C	08 participantes: 02 chefias de unidade, 01 gerente, 05 coordenadores de serviços de apoio	Fale-me sobre a interface da gestão da EPS†, segurança do paciente e qualidade da assistência com iniciativas e projetos que vêm sendo implementados na instituição.	A SES‡ oferece autonomia às instituições hospitalares para gerenciarem metas relacionadas à EPS†, segurança do paciente e qualidade da assistência de forma a favorecer a interação profissional e mudanças culturais.
Quarto GA* SES	04 participantes: 01 diretor, 03 coordenadores	Fale-me sobre a atuação da SES‡ na gestão da EPS†, segurança do paciente e qualidade da assistência nas instituições hospitalares.

• ^*
  GA = Grupo amostral;
• ^†
  EPS = Educação permanente em saúde;
• ^‡
  SES = Secretaria de Estado da Saúde

As entrevistas foram gravadas em áudio digital após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no período de junho e dezembro de 2018. Estas iniciaram com uma questão norteadora, de forma a dar liberdade ao participante para expressar-se sobre o tema: Fale-me sobre como as práticas de EPS são gerenciadas nessa instituição. A seguir, outras questões foram sendo dirigidas aos participantes para exploração dos significados por meio de entrevista em profundidade até chegar à saturação teórica^(7-8).

A análise de dados ocorreu por meio de três etapas interdependentes denominadas codificação aberta, codificação axial e integração. Os resultados foram apresentados no paradigma composto pelos componentes: condição; ação-interação e consequência⁽⁷⁾. Os dados foram organizados por meio do software NVIVO^® versão 12. A validação da teoria ocorreu em uma reunião do Comitê de Segurança do Paciente (COSEP) na SES, da qual participaram seis enfermeiros com expertise na temática do estudo^(7,9).

A pesquisa obedeceu à Resolução n.º 466/2012 e foi aprovada sob o CAAE 80479717.2.0000.0121.

Resultados

Os resultados apresentam a categoria central Vislumbrando a interação multiprofissional sustentada pela tríade EPS, segurança do paciente e qualidade, que relaciona sete categorias e 13 subcategorias que foram organizadas por meio dos componentes do paradigma compondo a teoria substantiva. Esta foi representada na Figura 2 pelo diagrama integrativo do fenômeno Significando a complexidade das interações profissionais na gestão da EPS, segurança do paciente e qualidade em hospitais públicos.

Figura 2
Diagrama integrativo do fenômeno Significando a complexidade das interações profissionais na gestão da EPS, segurança do paciente e qualidade em hospitais públicos

^*EPS = Educação permanente em saúde; ^†SES = Secretaria de Estado da Saúde

A categoria central revela que a tríade EPS, segurança e qualidade é a linha condutora do processo de interação profissional nas instituições hospitalares. A gestão da EPS não foi revelada isoladamente, visto que a EPS, a segurança do paciente e a qualidade assistencial apresentaram um movimento de interdependência. Nesse contexto, a interação profissional revela a preocupação com a melhoria da assistência prestada ao paciente, o que significa uma necessidade de se trabalhar em prol de um cuidado seguro e qualificado. Por sua vez, esse cuidado se refere não apenas ao cuidado de enfermagem, mas à assistência à saúde de forma multiprofissional e interdisciplinar centrada no paciente, sendo essa configuração primordial no processo de ruptura da cultura de fragmentação nas instituições hospitalares.

O componente Condição foi representado pela categoria Deparando-se com a exigência da implantação de ações de segurança e qualidade nas instituições públicas de saúde, a qual é composta por três subcategorias.

A primeira subcategoria, Revelando questões inerentes ao serviço público de saúde, destaca as dificuldades de cunho gerencial nos serviços públicos de saúde que impactam nas ações de segurança e qualidade. Entre elas, a alta rotatividade dos cargos de gestão, falta de formação e experiência na área gerencial por parte dos gestores, a inadequada gestão dos recursos materiais e humanos e a descontinuidade de projetos.

A segunda subcategoria, Estruturando os serviços de apoio, apresenta a organização dos serviços de apoio diante da necessidade de implantação de ações de segurança do paciente nas instituições hospitalares, em resposta à legislação de segurança do paciente. Foram considerados como serviços de apoio: o Núcleo de Educação Permanente em Saúde (NEP), Núcleo de Segurança do Paciente (NSP), Núcleo de Qualidade (NQ), entre outros, os quais dentro da estrutura organizacional visam dar suporte aos profissionais em relação à segurança e à qualidade na assistência ao paciente. Observou-se que os hospitais possuem estruturas organizacionais diferenciadas em relação à disposição desses serviços, porém dividir o mesmo espaço físico contribui para o compartilhamento de informações, responsabilidades e ações conjuntas.

A terceira subcategoria, Vislumbrando a interação dos serviços de apoio, apresenta como os coordenadores dos serviços de apoio buscaram a sensibilização dos profissionais assistenciais in loco para implantação de ações de segurança e de qualidade, visando romper um modelo institucionalizado de trabalho fragmentado, em prol de um trabalho dinâmico e proativo. Tais ações foram consideradas práticas de EPS, visto que foram realizadas dentro de um movimento institucional de melhoria da segurança do paciente e da qualidade assistencial. Ainda, o NSP foi apontado como um importante espaço de encontro e interação entre os representantes dos serviços de apoio e equipe multiprofissional.

O componente Ação-interação foi representado por quatro categorias e suas respectivas subcategorias. A primeira categoria, Sentindo a influência da estrutura organizacional no processo de interação entre os profissionais, é composta por duas subcategorias. A primeira subcategoria, Vivenciando a dicotomia entre a estrutura assistencial e a gerencial, revela como a estrutura organizacional dos hospitais interfere nas relações e interações profissionais. A fragmentação entre estrutura assistencial e gerencial nos hospitais foi considerada uma questão cultural, visto que, culturalmente, um cargo administrativo é mais valorizado que um cargo assistencial, dada a hierarquia institucional. Esse distanciamento entre os serviços de apoio e as unidades assistenciais resulta em baixa adesão à notificação de eventos adversos e práticas de EPS, assim como dificuldade na implantação dos protocolos de segurança do paciente.

A segunda subcategoria, Evidenciando a estrutura relacional, mostra que as relações interpessoais precisam ser uma preocupação dos gestores para que a gestão da EPS, segurança e da qualidade se efetive na prática. A comunicação falha foi considerada uma deficiência nos hospitais públicos, um importante entrave para a interação profissional, considerando as divergências ideológicas e de condutas entre os profissionais. Assim, a necessidade de espaços de interação multiprofissionais foi realçada no sentido de favorecer o relacionamento interpessoal.

A segunda categoria, Precisando que as ações de EPS, segurança e qualidade sejam prioridade de gestão, apresenta como primeira subcategoria Reconhecendo a importância do apoio do gestor às ações de EPS, segurança e qualidade, a qual aborda a necessidade de planejamento, participação, supervisão, apoio e cobrança dos gestores, em especial do diretor dos hospitais, em relação à implantação de ações e projetos nas instituições hospitalares. O apoio da direção às ações de melhoria está condicionado essencialmente à compreensão da importância dos serviços de apoio. Esses serviços foram considerados carentes de apoio do gestor diante da pouca estrutura, dos recursos humanos insuficientes, e do distanciamento da direção. Os participantes citam a necessidade de uma gestão compartilhada no intuito de modificar uma realidade em que o processo de decisão é centralizado na direção.

A segunda subcategoria, Desvelando a atuação da SES na gestão da EPS, segurança e qualidade, apresenta as iniciativas da SES visando à qualidade da assistência e à segurança do paciente nos hospitais. Apesar de a SES possuir legitimidade para gerenciar as instituições hospitalares, existe a tendência de dar autonomia à direção destes em relação à sua organização interna. Os participantes evidenciam a necessidade de a SES acompanhar de perto o desenvolvimento das ações e projetos que ocorrem dentro dos hospitais.

A terceira categoria, Recebendo estímulo externo, é composta por duas subcategorias. A primeira subcategoria, Potencializando a interação profissional a partir da residência multiprofissional, descreve como a residência multiprofissional contribui para a interação entre os profissionais na gestão da EPS, da segurança e da qualidade. O impacto da residência multiprofissional se mostrou relevante por reduzir consideravelmente as barreiras entre as disciplinas e ter modificado as relações profissionais, contribuindo para a interação interdisciplinar, melhora na articulação entre teoria e prática, assim como na própria assistência, o que potencializou o serviço e a qualidade da discussão entre os profissionais.

A segunda subcategoria, Ressaltando o impacto da tutoria de instituições referência, revela como iniciativas ministeriais, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS), são capazes de favorecer a interação entre os profissionais nas instituições hospitalares na gestão da EPS, da segurança e da qualidade, considerando que exigem desde o início a participação ativa da direção, assim como da equipe multiprofissional. Por meio dos projetos “Melhorando a segurança do paciente em larga escala no Brasil” e “Lean na emergência” percebeu-se que a presença de representantes de instituições referência no país nos hospitais aumentou a adesão e o comprometimento dos profissionais às ações propostas.

A quarta categoria, Percebendo o protagonismo do enfermeiro nas ações de segurança e qualidade, apresenta a primeira subcategoria Destacando iniciativas do enfermeiro para segurança do paciente, que revela o engajamento dos enfermeiros nas ações e projetos que visam à segurança do paciente nos hospitais. Os participantes afirmam que a equipe de enfermagem adquiriu maior consciência, aderindo aos protocolos e projetos extrainstitucionais, em relação aos demais profissionais de saúde. Desta forma, os enfermeiros foram considerados gestores dos protocolos de segurança do paciente, visto que normalmente estão à frente dos serviços de apoio, comissões, ações e tomadas de decisão, embora a necessidade de envolvimento e participação da equipe multiprofissional tenha sido reconhecida.

A segunda subcategoria, Buscando fortalecer a liderança do enfermeiro na gestão da EPS, destaca os principais aspectos a serem trabalhados no sentido de desenvolver no enfermeiro a liderança profissional essencial para gestão da EPS, segurança e qualidade nos hospitais. A liderança do enfermeiro é destacada, visto que este possui um papel fundamental na condução de equipe de enfermagem. Dessa forma, a provocação da equipe para reflexão, reuniões para discussão e supervisão do processo de trabalho são ações importante e que exigem do enfermeiro liderança, considerando que a inserção da equipe técnica nas discussões apresentou resultados positivos em termos de adesão aos processos de mudança.

O componente Consequência é representado pela categoria Necessitando de uma mudança de paradigma, o qual apresenta duas subcategorias. A primeira subcategoria, Desenvolvendo a cultura de EPS, de segurança e da qualidade, apresenta a necessidade de construção de uma nova cultura institucional diante da atual configuração no cenário hospitalar, a qual dificulta que as ações de EPS, segurança e qualidade se efetivem.

A necessidade da responsabilização, de planejamento e de ações multiprofissionais e interdisciplinares de EPS foi destacada para construção da cultura de EPS nas instituições hospitalares. Ainda, os desafios na adesão dos profissionais aos protocolos básicos de segurança do paciente e à notificação de eventos adversos, assim como à gestão de risco ainda incipiente, apresentaram-se como indicativos de ausência de cultura de segurança. Do mesmo modo, a necessidade de padronização, de análise de indicadores, de implementação de ações preventivas e poucas ações com foco no paciente, foram considerados indicativos de ausência de cultura de qualidade.

A segunda subcategoria, Emergindo a essencialidade da interação interdisciplinar para mudança de cultura nas instituições, mostra a necessidade da ruptura da cultura de fragmentação presente nas instituições hospitalares e da construção de uma nova cultura por meio da interação interdisciplinar. A existência de “dois mundos”: o da medicina e o das demais profissões, ou seja, a supervalorização de uma profissão em detrimento das outras no ambiente hospitalar é responsável por conflitos interpessoais e desmotivação profissional. Segundo os participantes, a fragmentação dos processos de trabalho tem origem na formação profissional, considerando a inexistência de interação das disciplinas, assim como o desenvolvimento dos profissionais em lógicas diferenciadas dentro das instituições reforça a fragmentação disciplinar.

No entanto, apesar dos enfrentamentos, algumas iniciativas foram citadas como potencializadoras da interação interdisciplinar, como o projeto terapêutico singular, a padronização das práticas de saúde, por meio de protocolos, Procedimentos Operacionais Padrão (POP) ou checklist multiprofissionais, a implantação de instrumentos de melhoria da comunicação multiprofissional como, o SBAR, o Kanban e os Rounds, assim como de espaços formais de interação.

Discussão

O primeiro ponto a ser discutido e que apresenta forte impacto quando a temática é a gestão da educação permanente em saúde, da segurança do paciente e da qualidade assistencial em hospitais públicos, é a instabilidade e a alta rotatividade de gestores neste cenário, o que repercute em descontinuidade de projetos, recomeços constantes e consequente desmotivação dos profissionais^(1,10). Além da mudança frequente de gestor, a escassez de profissionais preparados para atuar na gestão do SUS é uma realidade e foi relacionada em estudo com o déficit na formação gerencial do profissional de saúde e ineficiente educação permanente na área. Ainda, a dificuldade do gestor em buscar modelos de gestão além do tradicional vigente, caracterizado por ações centralizadoras, hierarquizadas e burocratizadas, representa a capacidade gerencial incompatível com as necessidades e complexidades do setor saúde⁽¹⁾.

Em alguns hospitais deste estudo, com o intuito de integrar e potencializar as ações de segurança e qualidade, os serviços de apoio passaram a ocupar o mesmo espaço físico. Entretanto, ficou clara a necessidade de uma mudança de mentalidade dos profissionais para o entendimento de que esse trabalho exige mais do que compartilhar o mesmo espaço físico, sendo preciso trabalhar de forma integrada. Desta forma, a articulação entre os diferentes serviços na estrutura organizacional está condicionada ao reconhecimento da insuficiência desses serviços isolados em prestar um cuidado integral ao paciente⁽⁶⁾.

A gestão da EPS foi identificada quando objetivando a implementação de ações de segurança e qualidade, os coordenadores dos serviços de apoio buscaram aproximar e sensibilizar os profissionais assistenciais por meio de ações educativas in loco. Essas ações educativas, quando realizadas dentro de um plano ou projeto institucional, a exemplo do plano de segurança do paciente e projeto de certificação, podem configurar-se como práticas de EPS, por apresentar caráter de continuidade, passarem por processo avaliativo e atenderem a objetivos organizacionais⁽¹¹⁾.

Esse contexto, no entanto, requer o estímulo à comunicação efetiva, feedback aos profissionais, apoio gerencial, trabalho em equipe, autonomia e iniciativas profissionais, sendo o objetivo dessas ações potenciais reduzir a resistência à mudança por parte dos profissionais, além de contribuir para a inovação nos serviços de saúde⁽¹²⁾.

A estrutura organizacional interfere na gestão da tríade visto que é diretamente influenciada pela cultura organizacional, a qual pode ser entendida como um processo que envolve uma combinação de fatores como costumes, hábitos, regras, comunicação formal e informal, entre outros^(13-14) que influenciam todas as ações dentro da instituição. Esta é em parte resultado da formação dos profissionais de saúde, visto que ocorre de forma fragmentada e acaba construindo identidades profissionais rigorosas, o que dificulta a comunicação e a interação entre estes⁽¹⁵⁾. Assim como pela mentalidade e pelas culturas individuais estabelecidas em cada nível da organização, interferindo na implantação de melhorias⁽¹⁶⁾.

Essa estrutura foi caracterizada nesse estudo por forte dicotomia entre a dimensão assistencial e a gerencial o que acaba interferindo na participação e interação dos profissionais nos processos de mudança. Estudos apontam que essa situação tem causado inquietações nos profissionais enfermeiros, visto que influencia diretamente e negativamente seu processo de trabalho^(2,17).

Outra questão diz respeito à estrutura relacional, ou seja, em como estes profissionais costumam se relacionar dentro da estrutura organizacional. Nesse sentido, é preciso considerar que a ênfase na dimensão relacional e nas relações interpessoais pelos gestores reforça a orientação de que os serviços são constituídos por pessoas e que essas são essenciais em todos os processos⁽¹⁶⁾. Para tanto, as instituições devem dispor de espaços colegiados, a exemplo dos núcleos e comissões, que possam ser compartilhados diariamente pelos profissionais no sentido de favorecer a interação⁽¹⁸⁾, a comunicação^(19-21) e o trabalho em equipe⁽¹⁸⁾.

O apoio do gestor apresentou-se neste estudo como importante estímulo na efetivação dos processos de melhoria institucionais, visto que, mesmo não sendo o único responsável pelo sucesso dos projetos institucionais, cabe a ele a responsabilidade de fortalecer a interação da equipe multiprofissional, de supervisão e cobrança para o alcance dos objetivos institucionais. Diversos estudos reforçam o apoio do gestor como primordial nas instituições hospitalares, seja para o desenvolvimento de competências profissionais⁽²²⁾, da cultura de segurança e do desempenho institucional^(3,12,19,23), seja para a efetivação da EPS⁽²⁴⁾.

Além disso, apesar dos resultados apresentarem iniciativas de apoio à gestão da tríade por parte da SES às instituições hospitalares, os participantes reforçaram a necessidade de supervisão e cobrança por parte desta. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de uma “supervisão participativa”, que auxilie, empodere, permita a participação ativa e crítica no sentido de desenvolver competências profissionais com potencialidade para a transformação da realidade⁽²⁵⁾.

Estímulos extrainstitucionais, como a residência multiprofissional e os projetos do PROADI-SUS, foram considerados potencializadores da gestão da tríade neste estudo por motivar a interação interdisciplinar. Estes representam a articulação do serviço público com o setor privado e com o ensino/formação. A residência multiprofissional possui potencial para atuar na mudança de atitude dos profissionais na área da saúde, sensibilizando-os para uma atuação além dos paradigmas vigentes, sendo capaz de proporcionar a integração de diferentes disciplinas ao articular saberes específicos e compartilhar ações⁽²⁶⁾.

Na implantação e desenvolvimento dos projetos coordenados pelo PROADI-SUS, percebeu-se que a satisfação e motivação dos profissionais estiveram diretamente relacionadas com a participação dos profissionais nos processos de decisão. Um estudo realizado no Hospital de Valladolid, na Espanha, buscou avaliar o grau de satisfação da equipe de enfermagem com a implementação de medidas para melhorar a qualidade assistencial e mostrou que a satisfação da equipe favoreceu a segurança e a satisfação do paciente além da qualidade assistencial⁽²⁷⁾corroborando com os resultados deste estudo.

O enfermeiro destacou-se como protagonista das ações de segurança e qualidade por suas iniciativas no cenário hospitalar, no entanto, carece fortalecer a competência da liderança diante da importância de seu papel, em especial quando relacionado à gestão da EPS. A prática da liderança está associada a resultados positivos no cenário da saúde, como satisfação e engajamento da equipe, qualidade assistencial e construção da cultura organizacional⁽²⁸⁾. Além disso a liderança comprometida, a comunicação efetiva, o feedback e os ambientes focados no aprendizado foram considerados em estudo fatores potenciais para melhoria dos processos institucionais⁽²¹⁾.

Estudo mostrou que a equipe de enfermagem possui melhor compreensão, percepção e atitude em relação à segurança do paciente quando comparada a outros profissionais de saúde⁽²³⁾. No entanto, cabe salientar que o fato de os profissionais de enfermagem apresentarem melhor engajamento nas ações de segurança não os coloca como principais responsáveis pelo sucesso ou não dessas ações a nível institucional. A construção de uma cultura de segurança resulta em um trabalho conjunto que envolve a equipe multiprofissional e gestores.

Por fim, os resultados evidenciam a necessidade de uma mudança de paradigma a partir da construção da cultura de EPS, da segurança e da qualidade subsidiada pela interdisciplinaridade. A interação interdisciplinar configura-se como um dos principais desafios para a atenção à saúde. Os profissionais precisam aprender a trabalhar de forma integrada, romper as barreiras disciplinares e repensar formas de interação para que a atenção em saúde seja integrativa⁽²⁹⁾, visto que a fragmentação do processo de trabalho dificulta o trabalho em equipe interdisciplinar⁽²⁾e interfere na construção de uma nova cultura⁽²¹⁾.

Nesse tocante, cabe destacar que a mudança cultural em uma instituição não se constitui na substituição radical de um modelo antigo por um novo, mas em um processo de construção que envolve tensões e conflitos, visto que no cenário hospitalar o modelo vigente de atenção à saúde, focado na doença e no trabalho fragmentado, convive com a percepção da necessidade do trabalho interdisciplinar, o qual questiona a fragmentação do cuidado prestado ao paciente⁽³⁰⁾.

A interação interdisciplinar significa uma relação de interdependência e colaboração entre diferentes disciplinas em torno de um objetivo comum⁽³¹⁾ e, portanto, necessária para um movimento de resistência à lógica biomédica⁽³²⁾. As disputas de poder dificultam a implantação de espaços colegiados, visto que interesses de determinadas categorias profissionais têm forte influência na gestão dos hospitais, resultando em resistências para manutenção do poder e, consequentemente, impedindo processos de mudança⁽³⁰⁾.

Assim, a fim de favorecer a interação interdisciplinar nos hospitais, os protocolos unificados podem facilitar o processo de informação e comunicação entre os profissionais, além de favorecer a segurança do paciente e respaldar ações de EPS para implementar uma assistência de qualidade⁽²⁷⁾. Nesse sentido, cabe mencionar instrumentos como o Kanban⁽³³⁾ e o SBAR⁽³⁴⁾.

Ainda, iniciativas como o projeto terapêutico singular oportunizam novas formas de realizar a clínica, trabalhar em equipe e a cogestão⁽³⁵⁾. Uma proposta similar ao projeto terapêutico foi apresentada em estudo realizado nos Estados Unidos da América, no qual hospitais vêm investindo em novas formas de prestar cuidado de maneira a englobar outras perspectivas em um único plano de cuidados⁽³⁶⁾.

A teoria apresentada, em suma, revela que as interações profissionais na gestão da EPS, segurança do paciente e qualidade em hospitais públicos é um fenômeno complexo sustentado pela tríade: educação permanente em saúde, segurança e qualidade, a qual se apresenta como base articulada e inter-relacionada. Essa interação é potencializada pela prioridade de gestão, iniciativas internas e estímulos extrainstitucionais, e está condicionada a uma mudança de paradigma, seja na forma de pensar e fazer saúde, seja na forma de reestruturação dos processos de trabalho nas instituições hospitalares.

A teoria identifica os principais desafios e iniciativas institucionais para gerenciar processos de melhoria nos serviços públicos hospitalares e vislumbra a importância da gestão da tríade: EPS, segurança e qualidade de forma integrada e com a interação de diferentes atores atuantes internamente, de forma interdisciplinar, e externamente à instituição hospitalar a fim de se obter diferentes resultados em saúde.

O estudo apresentou como limitação o fato de ter sido direcionado a gestores e, dessa forma, não ter incluído todos os profissionais da equipe multidisciplinar. Porém apresenta potencialidade para auxiliar gestores na identificação dos nós críticos, assim como na elaboração de estratégias para gestão da tríade EPS, segurança do paciente e qualidade em hospitais públicos.

Conclusão

Os resultados revelam que as interações profissionais no cenário hospitalar foram motivadas pela tríade EPS, segurança e qualidade. Nesse cenário, a gestão dessa tríade é permeada por questões inerentes ao serviço publico de saúde, como trocas frequentes de gestor, prioridades de gestão, disposição da estrutura organizacional, fragmentação do processo de trabalho, desvalorização dos serviços de apoio, práticas educativas pontuais e uniprofissionais, que repercutem na motivação, na satisfação e na adesão aos processos de mudança.

Foram ressaltadas, como potencializadores da interação multiprofissional e interdisciplinar, iniciativas como a implantação da residência multiprofissional e de projetos extrainstitucionais, assim como a promoção do protagonismo do enfermeiro por meio de iniciativas e desenvolvimento da liderança com apoio da SES.

Observou-se a necessidade da ênfase nas relações interpessoais, de espaços colegiados, do apoio do gestor, do acompanhamento das ações in loco e de uma mudança de paradigma a partir da construção da cultura da EPS, da segurança e da qualidade por meio da interdisciplinaridade. Essa configuração exige a conformação de novos modelos de gestão com ênfase em uma gestão mais participativa, que tenha por base a interação dos profissionais de forma horizontal e democrática, contribuindo para melhorar os processos de cuidado nas instituições hospitalares e para que este cuidado seja direcionado às necessidades dos usuários.

• *
  Artigo extraído da tese de doutorado “Significando a complexidade das interações profissionais na gestão da educação permanente em saúde, segurança do paciente e qualidade em hospitais públicos”, apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Apoio Financeiro do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (FUNDES), Brasil.

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Editado por

Editor Associado: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Set 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  30 Jan 2019
• Aceito
  28 Jun 2020