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Lipodistrofia parcial familiar do tipo Dunnigan: atenção ao diagnóstico precoce

Dunnigan-type familial partial lipodystrophy: attention to precocious diagnosis

Resumos

A lipodistrofia parcial familiar tipo Dunnigan é uma doença autossômica dominante rara. Em sua forma clássica, é resultante de uma mutação missense heterozigótica no gene LMNA, que codifica a proteína nuclear denominada lâmina tipo A/C. Caracteriza-se pelo desaparecimento progressivo do tecido adiposo subcutâneo nos membros, região glútea, abdome e tronco, que se inicia na puberdade, acompanhado de acúmulo de gordura em outras áreas, como a face, queixo, grandes lábios e região intra-abdominal, conferindo o aspecto de hipertrofia muscular e simulando o fenótipo de síndrome de Cushing. Mulheres afetadas são particularmente predispostas à resistência à insulina e suas complicações, incluindo sinais da síndrome dos ovários policísticos. Com o objetivo de alertar para o diagnóstico precoce, que possibilita a adoção de medidas que minimizam os graves distúrbios metabólicos vinculados à desordem, relatamos o caso de uma paciente em que a investigação foi realizada somente ao final da quinta década de vida. A aparente hipertrofia muscular e o acentuado depósito de gordura nos grandes lábios possibilitam aos médicos ginecologistas a suspeita diagnóstica.

Lipodistrofia parcial familiar; Mutação de sentido incorreto; Heterozigoto; Fenótipo; Lâminas; Resistência à insulina; Relatos de casos


Dunnigan-type familial partial lipodystrophy (FPLD) is an autosomal dominant disease that results from heterozygous missense mutations in LMNA, the gene that encodes nuclear lamin A/C. FPLD is characterized by a progressive disappearance of subcutaneous adipose tissue in the limbs, gluteal region, abdomen and trunk, beginning at the time of or after puberty, and excessive amount of fat in the face, chin, labia majora, and intra-abdominal region, leading to a Cushingoid appearance and increased muscularity phenotype. Affected women are particularly predisposed to insulin resistance and its complications, including features of polycystic ovary syndrome. To emphasize the importance of an early FPLD diagnosis, which is necessary to prevent serious metabolic disturbances, we report a woman diagnosed at about 50 years of age. Increased muscularity and significant labia majora fat deposit made the diagnosis possible by gynecologists.

Lipodystrophy, familial partial; Mutation, missense; Heterozygote; Fenotype; Lamins; Insulin resistance; Case reports


RELATO DE CASO

Lipodistrofia parcial familiar do tipo Dunnigan: atenção ao diagnóstico precoce

Dunnigan-type familial partial lipodystrophy: attention to precocious diagnosis

Lenora Maria Camarate Silveira Martins LeãoI; Renata Carvalho de AlencarII; Gisele da Cunha RodriguesIII; Izabel BouzasIV; Paulo GalloV; Ana RossiniVI

IProfessora Adjunta de Endocrinologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIResidente de Endocrinologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIResidente de Endocrinologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IVMédica do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VProfessor Assistente de Ginecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

VIProfessora Adjunta do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Correspondência Correspondência: Lenora Maria Camarate Silveira Martins Leão Avenida Vinte e Oito de Setembro, 77 - sala 467 - Vila Isabel CEP 20551-900 - Rio de Janeiro (RJ), Brasil E-mail: lenora_leao@yahoo.com.br

RESUMO

A lipodistrofia parcial familiar tipo Dunnigan é uma doença autossômica dominante rara. Em sua forma clássica, é resultante de uma mutação missense heterozigótica no gene LMNA, que codifica a proteína nuclear denominada lâmina tipo A/C. Caracteriza-se pelo desaparecimento progressivo do tecido adiposo subcutâneo nos membros, região glútea, abdome e tronco, que se inicia na puberdade, acompanhado de acúmulo de gordura em outras áreas, como a face, queixo, grandes lábios e região intra-abdominal, conferindo o aspecto de hipertrofia muscular e simulando o fenótipo de síndrome de Cushing. Mulheres afetadas são particularmente predispostas à resistência à insulina e suas complicações, incluindo sinais da síndrome dos ovários policísticos. Com o objetivo de alertar para o diagnóstico precoce, que possibilita a adoção de medidas que minimizam os graves distúrbios metabólicos vinculados à desordem, relatamos o caso de uma paciente em que a investigação foi realizada somente ao final da quinta década de vida. A aparente hipertrofia muscular e o acentuado depósito de gordura nos grandes lábios possibilitam aos médicos ginecologistas a suspeita diagnóstica.

Palavras-chave: Lipodistrofia parcial familiar/genética; Mutação de sentido incorreto/genética; Heterozigoto; Fenótipo; Lâminas; Resistência à insulina; Relatos de casos

ABSTRACT

Dunnigan-type familial partial lipodystrophy (FPLD) is an autosomal dominant disease that results from heterozygous missense mutations in LMNA, the gene that encodes nuclear lamin A/C. FPLD is characterized by a progressive disappearance of subcutaneous adipose tissue in the limbs, gluteal region, abdomen and trunk, beginning at the time of or after puberty, and excessive amount of fat in the face, chin, labia majora, and intra-abdominal region, leading to a Cushingoid appearance and increased muscularity phenotype. Affected women are particularly predisposed to insulin resistance and its complications, including features of polycystic ovary syndrome. To emphasize the importance of an early FPLD diagnosis, which is necessary to prevent serious metabolic disturbances, we report a woman diagnosed at about 50 years of age. Increased muscularity and significant labia majora fat deposit made the diagnosis possible by gynecologists.

Keywords: Lipodystrophy, familial partial/genetics; Mutation, missense/genetics; Heterozygote; Fenotype; Lamins; Insulin resistance; Case reports

Introdução

As lipodistrofias familiares ou adquiridas, generalizadas ou parciais, são desordens caracterizadas por perda variável do tecido adiposo e complicações metabólicas. Os principais subtipos da forma familiar são representados pela lipodistrofia parcial familiar tipo Dunnigan (FPLD2) e pela síndrome de Berardinelli-Seip, desordem autossômica recessiva geralmente diagnosticada logo após o nascimento, devido à diminuição acentuada ou à ausência de tecido adiposo subcutâneo, grave resistência à insulina e diabete melito1.

A FPLD2 (MIMID#51660) é uma doença autossômica dominante rara que afeta igualmente ambos os sexos2 e resulta de uma mutação missense heterozigótica no gene LMNA, localizado no cromossomo 1q21-22, que codifica a lâmina tipo A, cujas principais isoformas são as lâminas A e C. Geralmente, a alteração afeta o exon 8 (substituição da arginina por um aminoácido neutro na posição 482), porém, outras mutações no exon 8 (códons 465, 486) ou no exon 11 (códons 582, 583, 584) já foram descritas3-8.

A rede de filamentos de lâminas situada entre a membrana nuclear e a cromatina está envolvida na manutenção da integridade nuclear e, juntamente com proteínas associadas à membrana nuclear, desempenha relevante papel no direcionamento da transcrição da heterocromatina localizada na periferia do núcleo. Além disso, sabe-se que a lâmina tipo A é capaz de se ligar a muitos fatores de transcrição que regulam a expressão gênica, dentre eles o SREBP1c (Sterol Regulatory Element Binding Protein 1), envolvido na diferenciação de adipócitos9.

Considerando-se a apresentação clínica, a FPLD2 é caracterizada por progressivo desaparecimento do tecido adiposo subcutâneo nos membros, região glútea, abdome e tronco, que se inicia no período puberal ou logo após a puberdade. A lipoatrofia em tais regiões é acompanhada pelo acúmulo de gordura na face, queixo, pescoço, dorso, região intra-abdominal e grandes lábios, simulando o fenótipo da síndrome de Cushing e uma aparente hipertrofia muscular, mais rapidamente identificada em pacientes do sexo feminino10,11. Em algumas mulheres, o hiperandrogenismo expresso por hirsutismo e oligomenorreia pode ser o sinal dominante12. O alargamento proximal dos dedos (conferindo o aspecto de dedos em fuso) e a acantose nigricante têm sido observados principalmente no sexo feminino13.

Mulheres afetadas são também particularmente predispostas à resistência à insulina e às complicações, que incluem intolerância à glicose, diabetes melito, hipertrigliceridemia, redução do HDL-colesterol, elevação da pressão arterial, elevação do ácido úrico, esteatose hepática e aterosclerose, com aumento do risco de doença cardiovascular e predisposição à síndrome dos ovários policísticos (SOP)11,14-16. De fato, tem sido sugerido que as laminopatias estão etiologicamente vinculadas à SOP17 e, em publicações isoladas, a algumas complicações obstétricas18. Nas formas brandas, o fenótipo pode ser indistinguível da síndrome metabólica comum, sendo interessante salientar que o diabetes melito pode ser o primeiro sinal da laminopatia19.

Até o presente, nenhum medicamento foi capaz de reverter a lipodistrofia, direcionando-se a terapêutica para a prevenção e tratamento do diabetes melito, da pancreatite e da doença cardiovascular20. O prognóstico está vinculado à época da instalação e gravidade dos distúrbios metabólicos, que podem ser controlados por mudanças no estilo de vida, pelo uso de sensibilizadores de insulina, que incluem a metformina e as tiazolidinedionas, e possivelmente pela reposição subcutânea de leptina21,22.

Para ressaltar a atenção ao diagnóstico precoce da FPLD2, após consentimento livre e esclarecido, relatamos um caso de fenótipo típico cuja investigação foi realizada somente ao final da quinta década de vida.

Relato de Caso

Mulher, parda, 46 anos de idade, foi encaminhada por um cardiologista ao ambulatório de endocrinologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), para investigação de hiperandrogenismo. A anamnese dirigida relatava que, desde a adolescência, apresentava discreto aumento de pelos no queixo, abdome inferior e coxas, associado à composição corporal do tipo masculina, relacionada à progressiva perda de tecido adiposo subcutâneo nas extremidades, com exposição da musculatura nos braços e pernas. Notou-se acúmulo de gordura na região pubiana desde a juventude e ao redor da face e pescoço há cerca de oito anos. Hipertensão arterial e hipertrigliceridemia foram diagnosticadas aos 33 anos. Apresentou pubarca aos 12, telarca aos 13 e menarca aos 14 anos, seguida de ciclos menstruais regulares. Referia três gestações, sem intercorrências, com partos a termo e amenorreia de instalação recente (seis meses). Negava fenótipo semelhante em qualquer membro da família. Irmão com história de infertilidade, hipertensão arterial há 20 anos e, mais recentemente, hipercolesterolemia e fibrilação atrial.

Ao exame físico, a paciente apresentava peso, altura, índice de massa corporal, cintura e quadril respectivamente de 67,7 kg, 160 cm, 26,4 kg/m2, 87 cm e 88 cm. O acúmulo de gordura ao redor da face, pescoço e nos grandes lábios foi confirmado. Havia nítida redução do tecido celular subcutâneo na região glútea, abdome, membros superiores e inferiores, com trajeto venoso bem delimitado. Notavam-se ainda fáscies grosseira, alargamento de mãos e pés, dedos em fuso, significativa atrofia de mamas, leve hirsutismo, segundo a escala de Ferriman-Gallwey (escore=8) e acantose nigricante nas regiões cervical e axilar. A pressão arterial era 180 x 110 mmHg e a frequência cardíaca era de 72bpm, sendo as auscultas cardíaca e pulmonar normais. O abdome era globoso, sem visceromegalias (Figura 1).


Exames laboratoriais realizados no início da investigação, em uso de atenolol, demonstravam glicemia de jejum=94 mg/dL; pós-prandial (duas horas)=164 mg/dL; insulina basal=30,59 µUI/mL; HOMA IR=7,05; colesterol total=194 mg/dL; HDL-colesterol=33 mg/dL e triglicerídeos=294 mg/dL. O ácido úrico (5,4 mg/dL), função renal (ureia=40 mg/dL; creatinina=1,04 mg/dL; potássio=4,1 mEq/L), hepática (TGO=15 U/L; TGP=14 U/L fosfatase alcalina=158 U/L; gama GT=48 U/L) e tireoidea (TSH=1,94 µUI/mL; T4livre=1,2 ng/dL) eram normais. A paciente apresentava elevação de gonadotrofinas (LH=46,1 mU/mL; FSH=61,1 mU/mL) com níveis séricos de estradiol e androgênios normais (estradiol=60,6 pg/mL; testosterona total=746 pg/mL; androstenediona=2.923 pg/mL; SDHEA=1,01 µg/mL; 17OHP=746 ng/dL). Ultrassonografia transvaginal mostrou útero em AVF com textura homogênea, medindo 7,7x3,4x4,5 cm, com eco endometrial de 3 mm, apresentando diminutos focos hiperecogênicos que sugeriam sinéquias. Os ovários mediam 5,5 e 9,5 cm3, descrevendo-se cisto de 1,4x1,6 mm em ovário direito. Na avaliação cardiológica, apresentava leve insuficiência mitral e tricúspide, com função ventricular preservada no ecocardiograma de repouso, além de mínima estenose de artéria carótida comum à direita e mínima estenose de artérias renais ao Doppler.

O diagnóstico de FPLD2 foi confirmado no Laboratório de Bioquímica do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da UERJ, pelo sequenciamento direto do DNA que identificou a mutação heterozigótica R482W no gene LMNA. A mesma mutação foi encontrada em seu irmão (56 anos), cujo fenótipo era atípico, e em seu primeiro filho (23 anos) que, ao exame, já apresentava importante redução de tecido gorduroso subcutâneo no abdome e membros.

Durante o acompanhamento, a paciente apresentou aumento de peso (69 kg) e da circunferência da cintura (95 cm). Ultrassonografias sequenciais de abdome não evidenciaram sinais de esteatose hepática. As tentativas de compensação dos níveis séricos de triglicerídeos utilizando-se ácido nicotínico, fibratos ou atorvastatina foram mal sucedidas por intolerância (mal estar, opressão pré-cordial), com agravamento da hipertrigliceridemia, que atingiu valores de 755 mg/dL, os quais se estabilizaram em torno de 400 mg/dL com o uso irregular de genfibrozila (450 mg/dia). Os níveis de colesterol total mantiveram-se em torno de 200 mg/dL, o HDL-colesterol, em 30 mg/dL, a glicemia de jejum, em 88 mg/dL e a glicemia duas horas após alimentação, em 182 mg/dL. A pressão arterial se normalizou quando a paciente usou regularmente atenolol (100 mg/dia), hidralazina (100 mg/dia) e enalapril (40 mg/dia). Devido a efeitos gastrointestinais, a paciente não tolerou metformina, e optou-se pela associação de antilipêmico à pioglitazona (30 mg/dia), suspensa após seis meses por queixas de mal estar e epigastralgia. A rosiglitazona foi instituída na dose de 2 mg/dia, sendo bem tolerada pela paciente. Porém, devido ao recente posicionamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que cancelou o registro desse princípio ativo, a droga foi suspensa e nova tentativa de compensação com pioglitazona, em baixas doses está sendo realizada.

Discussão

A FPLD2 costuma ser mais precoce e facilmente reconhecida no sexo feminino devido ao fenótipo de hipertrofia muscular, embora estudos de composição corporal, incluindo aqueles com ressonância magnética, demonstrem que mulheres e homens portadores da desordem apresentam perda similar e importante de tecido gorduroso subcutâneo nas extremidades com redução variável no tronco10. Relatamos, contudo, o caso de uma mulher com história clínica, fenótipo e genótipo clássico, investigada somente na quinta década de vida, após a instalação de diversas complicações metabólicas.

No fenótipo da paciente predominava o quadro de lipodistrofia grave, acompanhada de hipertensão arterial, algum grau de resistência à insulina (estimado pelo HOMA, circunferência da cintura e presença de acantose nigricante), que possivelmente respondia pelo discreto hiperandrogenismo clínico e intolerância à glicose, além de importante elevação sérica de triglicerídeos que não comprometia a função ou textura ecogênica do fígado.

De fato, sabe-se que mulheres afetadas por FPLD2 apresentam maior prevalência de todas as complicações vinculadas à resistência à insulina, com exceção da hipertensão arterial11, sendo, portanto, necessária especial atenção ao diagnóstico no sexo feminino. Os mecanismos responsáveis por tal diferença não foram estabelecidos, sendo importante considerar a possibilidade do subdiagnóstico de FPLD2 em homens, e também que a perda do tecido gorduroso subcutâneo, normalmente presente em maior quantidade nas mulheres, possa representar maior dano à sensibilidade à insulina no sexo feminino23,24.

A resistência à insulina nas lipodistrofias relaciona-se à incapacidade do reduzido tecido adiposo tamponar os ácidos graxos livres, provenientes da alimentação, com depósito de triglicérides e acil-CoA em tecidos sensíveis à insulina (lipotoxicidade) e agravamento da hipoleptinemia2. Entretanto, é possível que o receptor ativado por proliferadores do peroxissoma gama (PPARγ) desempenhe também um papel importante nesse processo, por meio da regulação positiva de genes relacionados à captação de ácidos graxos livres25, e ainda que alterações primárias na sinalização da insulina possam ocorrer nas laminopatias17.

Segundo conceitos atuais, o acúmulo progressivo de pré-lamina resultante da mutação no R482W reduz a ligação do SREBP1c ao DNA, dificultando a transcrição do PPARγ, o que prejudica a transcrição de genes envolvidos no controle da produção, transporte e utilização de glicose, e também a diferenciação de pré-adipócitos e adipócitos2,26. Tal efeito adquire importância no tecido celular subcutâneo de membros e tronco, locais onde os níveis de RNA mensageiro para o PPARγ1 e PPARγ2 em pré-adipócitos são altos, resultando em grande redução da adipogênese nesses sítios, e propiciando, inversamente, a elevação dos depósitos de lipídeos em outros sítios, inclusive a cavidade intra-abdominal27,28.

Assim, a interação de precursores da lâmina A com o SREBP1c diminui a expressão do PPARγ, e possivelmente representa um importante mecanismo patológico para a lipodistrofia observada nas laminopatias, justificando o uso das tiazolidinedionas (uma classe de sensibilizador de insulina que atua seletivamente como ligante do PPARγ) no tratamento dessas desordens. A ativação do PPARγ por tiazolidinedionas parece resgatar a capacidade de diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos no tecido celular subcutâneo29, com redução dos depósitos de massa gorda visceral27. Além disso, as tiazolidinedionas aumentam a transcrição de genes responsivos à insulina e a capacidade do tecido adiposo de retirar ácidos graxos da circulação, reduzindo o depósito intra-hepático e intramuscular, com prevenção da resistência à insulina, induzida por ácidos graxos30.

É importante ressaltar que o tratamento com tiazolidinedionas, via diminuição dos níveis séricos de insulina, reduz o hiperandrogenismo e regulariza o ciclo menstrual, beneficiando portadoras de FPLD2 com manifestações da SOP31.

Com base nesses conhecimentos, a pioglitazona (maior efetividade na redução dos níveis séricos de triglicérides)32 e a metformina (ação sinérgica nas lipodistrofias) foram inicialmente indicadas para o tratamento do caso apresentado, sendo posteriormente instituída a rosiglitazona (cujos benefícios metabólicos são também respaldados pela literatura)33, devido às queixas de intolerância àqueles medicamentos.

Em conclusão, este caso reforça a necessidade de atenção ao diagnóstico precoce da FPLD2 para a prevenção dos graves distúrbios metabólicos e hiperandrogênicos vinculados à desordem. O fenótipo característico das pacientes afetadas, que inclui a aparente hipertrofia muscular e o acentuado depósito de gordura nos grandes lábios, possibilita aos médicos ginecologistas a suspeita diagnóstica.

Recebido 26/11/2010

Aceito com modificações 16/2/2011

Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

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  • Correspondência:

    Lenora Maria Camarate Silveira Martins Leão
    Avenida Vinte e Oito de Setembro, 77 - sala 467 - Vila Isabel
    CEP 20551-900 - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Aceito
      16 Fev 2011
    • Recebido
      26 Nov 2010
    Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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