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Fatores associados à taxa de doações efetivas de órgãos sólidos por morte encefálica: uma análise espacial nas Unidades Federativas do Brasil (2012-2017) Os autores agradecem os comentários dos pareceristas que contribuíram para um avanço e melhor entendimento do estudo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Código do Processo nº 312600/2018-6, modalidade Bolsa de Produtividade em Pesquisa à coautora Cássia Kely Favoretto.

Resumo

Este estudo analisa os fatores associados à taxa de doações efetivas de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas) por morte encefálica nas Unidades Federativas (UF) do Brasil, no período de 2012 a 2017. Para tanto, fez-se uso da Análise Exploratória de Dados Espaciais e do modelo de Durbin Espacial com dados em painel. Os condicionantes usados foram divididos em sociodemográficos e de gestão em saúde. Evidenciou-se a existência de grandes disparidades regionais no processo de doação nestas áreas, com agrupamentos espaciais do tipo Alto-Alto na região Sul do país. Os resultados mostraram que a densidade populacional afetou positivamente essas doações na unidade de análise. Esse mesmo sinal foi obtido ao se considerar o impacto das variáveis densidade defasada, escolaridade defasada e os efeitos dos transbordamentos espaciais. A taxa de envelhecimento populacional defasada afetou negativamente essas doações na unidade de análise, além de apresentar resultados negativos indiretos e total sobre a taxa de doação nas unidades vizinhas. Ao se considerar a composição étnica, por meio da proporção de não brancos, observou-se que quanto maior for essa proporção em determinada UF, menor é taxa de doação nessa mesma unidade, confirmada pelo efeito direto. O sinal desse fator explicativo defasado e do efeito indireto foi negativo. A taxa de respiradores de emergência mostrou-se importante para o crescimento da taxa de doação nas áreas analisadas. A defasagem da taxa de leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) teve efeito negativo sobre as doações e os efeitos spillover (efeitos indireto e total) seguiram a mesma direção de impacto. A taxa de equipes transplantadoras de órgãos afetou negativamente essas doações na unidade de análise, contudo, o efeito dos vizinhos foi positivo, observando-se relação positiva no efeito indireto e negativa no direto. A taxa de mortes por causas neurológicas de uma determinada UF afetou de forma positiva as suas doações, mas esse fator nas unidades vizinhas afetou negativamente a variável dependente, além da direção do efeito direto ser positiva e do indireto ser negativa. As dummies referentes às políticas públicas que criaram as Organizações de Procura de Órgãos (OPO’s) e as Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT’s) mostraram efeitos totais positivos, indicando a importância delas nesse processo. Concluiu-se que o comportamento geográfico e temporal das doações de órgãos sólidos nas unidades federativas foram explicados pelos condicionantes sociodemográficos e de gestão abordados. Decisões efetivas dos gestores desse sistema, com base em evidências, são necessárias para melhorar o desempenho estrutural e dinâmico do processo de doação, especialmente, em relação às diferenças regionais na oferta desses órgãos no país.

Palavras-chave
Economia-saúde; Oferta-órgãos; Disparidades regionais-saúde; Econometria espacial

Abstract

This study analyzes the factors associated with the effective solid organ donation rate (heart, lungs, kidneys, liver, and pancreas) due to brain death in the Brazilian Federative Units (UF) from 2012 to 2017. For this purpose, Exploratory Spatial Data Analysis and the Spatial Durbin model with panel data were used. The conditioning factors used were divided into sociodemographic and health management. The existence of large regional disparities in the donation process among these areas was evidenced, with spatial clusters of high-high type in the southern region of the country. The results showed that population density positively affected these donations in the unit of analysis. This same signal was obtained when considering the impact of the variables lagged density, lagged schooling, and the effects of spatial spillovers. The lagged population aging rate negatively affected these donations in the unit of analysis, in addition to having indirect and total negative results on the donation rate in neighboring units. When considering the ethnic composition, through the proportion of non-whites, it was observed that the higher this proportion in each UF, the lower donation rate in that same unit, confirmed by the direct effect. The sign of this lagged explanatory factor and the indirect effect was negative. The emergency breathing rate proved to be important for the growth of the donation rate in the analyzed areas. The lag in the rate of beds in the Intensive Care Unit (UTI) had a negative effect on donations and the spillover effects (indirect and total effects) followed the same impact direction. The rate of organ transplantation teams negatively affected these donations in the unit of analysis; however, the effect of neighbors was positive, with a positive relationship in the indirect effect and a negative relationship in the direct one. The rate of deaths from neurological causes in each UF positively affected its donations, but this factor in neighboring units negatively affected the dependent variable, in addition to the direction of the direct effect being positive and the indirect effect being negative. The dummies referring to public policies that created the Organ Procurement Organizations (OPO’s) and the Intra-Hospital Commissions for the Donation of Organs and Tissues for Transplantation (CIHDOTT’s) showed positive total effects, indicating their importance in this process. It was concluded that the geographic and temporal behavior of solid organ donations in the federative units were explained by the sociodemographic and management conditions discussed. Effective decisions by the managers of this system, based on evidence, are necessary to improve the structural and dynamic performance of the donation process, especially in relation to regional differences in the supply of organs in the country.

Keywords
Economics-health; Offer-organs; Regional disparities-health; Spatial econometrics

1. Introdução

Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a doação de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas) se refere a remoção deles do corpo de um doador efetivo, cadáver/falecido6 1 No processo de doação-transplante, além dos doadores falecidos, tem-se o doador vivo, que são os indivíduos que podem doar apenas um órgão ou parte dele, no caso, rim, fígado e pulmão, em vida (Bertasi et al. 2019). , para transplantá-los ou enxertá-los em potenciais receptores. Esses doadores são aqueles identificados com morte encefálica7 2 A morte encefálica de um indivíduo corresponde a perda completa das funções cerebrais, sendo os aspectos cardiorrespiratórios mantidos artificialmente por aparelhos e medicações. No Brasil, o seu diagnóstico deve ser realizado por meio de um protocolo médico, que tem como base as orientações da Resolução nº 2.173, de 23 de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina (Conselho Federal de Medicina 2017). , que geralmente, são vítimas de catástrofes cerebrais (traumatismo craniano ou Acidente Vascular Cerebral (AVC) e/ou derrame cerebral), e de quem se pode extrair diversos órgãos. Após a identificação da morte encefálica, esse processo tem continuidade com a autorização familiar8 3 A doação de órgãos de pacientes falecidos era do tipo presumida - Lei Federal nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (Brasil 1997a). A partir da Lei Federal 10.211, de 23 de março de 2001, passou a ser consentida, em que os familiares são responsáveis por essa autorização - consentimento familiar (Brasil 2001). (Bertasi et al. 2019Bertasi, R. A. O., T. G. O. Bertas, C. P. H Reigada, E. Ricetto, K. O. Bonfim, L. A. Santos, M. V. O. Athayde et al. 2019. “Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos”. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 46 (3).). No Brasil, essas doações são regidas por um marco legal e institucional que proíbe a sua comercialização e o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), via Sistema Único de Saúde (SUS), é responsável por organizar, fiscalizar e monitorar seu funcionamento (Brasil 2017a———. 2017a. “Portaria de Consolidação nº 4 de 28 de setembro de 2017”. Disponível em: www.portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Legislacoes/Portaria_Consolidacao_4_28_SETEMBRO_2017.pdf. Acesso em: 17 mar. 2020.
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).

Estudos mostram que diversos fatores podem influenciar o comportamento da doação de órgãos sólidos em um país, inclusive no Brasil. Dentre esses aspectos, a recusa familiar é classificada como um dos principais limitantes do processo (Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016———. 2016. “Análise dos incentivos contratuais de transplantes de rins no Brasil pelo modelo agente-principal”. Cadernos de Saúde Pública 32 (8): 1-13.; Altýnörs e Haberal 2018Altýnörs, N. e M. Haberal. 2018. “The economics of organ transplantation”. Experimental and Clinical Transplantation 16 (Suppl 1): 108-111.). Ela está relacionada às crenças dos familiares (cultura e religião), nível educacional, desconhecimento desses indivíduos sobre o processo de morte encefálica, abordagem inadequada das equipes de captação e a questão de solicitação em vida do potencial doador em não doar seus órgãos pós-morte (Kananeh et al. 2020Kananeh, M. F., P. D. Brady, C. B. Mehta, L. P. Louchart, M. F. Rehman, L. R. Schultz, A. Lewis, e P. N. Varelas. 2020. “Factors that affect consent rate for organ donation after brain death: A 12- year registry”. Journal of the Neurological Sciences 416.).

Gois et al. (2017)Gois, R. S. S., M. J. Q. Galdino, P. S. C. Pissinati, R. R. S. Pimentel, M. D. B. Carvalho e M. C. F. L. Haddad. 2017. “Efetividade do processo de doação de órgãos para transplantes”. Acta Paulista de Enfermagem 30: 621-627. e Almeida e Domingueti (2018)Almeida, A. C. C. S. e J. P. S. Domingueti. 2018. “Morte encefálica e doação de órgãos e tecidos: percepção de acadêmicos de medicina”. Jornal Brasileiro de Transplantes 21 (1). complementam que as doações efetivas de órgãos sólidos também são afetadas pelas falhas na identificação dos potenciais doadores. Essas falhas estão relacionadas ao treinamento das equipes de captação, à escassez de informações sobre o assunto doação-transplante durante a formação acadêmica dos profissionais da saúde, à falta de planejamento e implementação de ações que visem à otimização dos procedimentos médicos, à insuficiência de leitos disponíveis e de Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s), de estruturas físicas existentes inadequadas, dificuldades com a logística para a manutenção do potencial doador e de profissionais habilitados sobrecarregados (Marinho, Cardoso e Almeida 2010Marinho, A., S. D. S. Cardoso e V. V. Almeida. 2010. “Disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileiros”. Cadernos de Saúde Pública 26: 786- 796.; Padela et al. 2010Padela, A. I., S. Rasheed, G. J. W. Warren, H. Choi, e A. K. Mathur. 2010. “Factors associated with positive attitudes toward organ donation in Arab Americans”. Clinical Transplantation 25: 800-808.; Pauli 2019Pauli, J. 2019. “Doação organizacional em face ao mercado de órgãos: uma análise do modelo brasileiro de transplantação”. Nova Economia 29 1: 339-363.).

Outros fatores que também afetam o processo de doação dizem respeito à questão institucional dos sistemas de transplantes e a desigual distribuição regional de órgãos sólidos. O elemento institucional abrange os aspectos relacionados à comercialização de órgãos humanos, ao tipo de doação (presumida ou não) e ao processo de identificação de morte encefálica (Thorne 2006Thorne, E. 2006. “The Economics of Organ Transplantation”. In: Handbook of the Economics of Giving, Altruism and Reciprocity, editado por S. C. Holm e J. M. Ythier. 2. ed. Amsterdam: North Holland. 1336-1368.; Andrade e Goldim 2018Andrade, D. A. P. e J. R. Goldim. 2018. “Percepção da população em geral e dos profissionais de saúde sobre a forma de obtenção de órgãos para transplante: a perspectiva mercadológica”. Jornal Brasileiro de Transplantes 21 (1).; Deroos et al. 2019Deroos, L. J., W. J. Marrero, E. B. Tapper, C. J. Sonnenday, M. Lavieri, D. Hutton e N. Parikh. 2019. “Estimated Association Between Organ Availability and Presumed Consent in Solid Organ Transplant”. JAMA Network Open 2:1-13.) (Thorne 2006; Andrade e Goldim 2018; Deroos et al. 2019). Quanto à distribuição, as diferenças surgem devido às condições econômicas de cada área geográfica, composição étnica, infraestrutura dos sistemas, quantidade de óbitos causados por acidentes de trânsito com traumatismo craniano (Gomes 2007Gomes, F. B. C. 2007. “Ameaças à equidade na distribuição de órgãos para transplante no Brasil: uma análise dos critérios legais de acesso”. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Serviço Social, Brasília.; Soares et al. 2020Soares, L. S. S., E. S. Brito, L. Magedanz, F. A. França, W. N. Araújo e D. Galato. 2020. “Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro, 2001-2017”. Epidemiol Serviço de Saúde 29.; Park et al. 2022Park, C., M. -M. Jones, S. Kaplan, F. L. Koller, J. M. Wilders, L. E. Boulware e L. M. McElroy. 2022. “A scoping review of inequities in access to organ transplant in the United States”. International Journal for Equity in Health 21 (22).) e a densidade populacional (Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal 2017Wongboonsin, K., P. Jindahra e S. Teerakapibal. 2017. “The Influence of Neighbor Effect and Urbanization Toward Organ Donation in Thailand”. Progress in Transplantation 28 (1): 49-55.).

No período recente, o sistema de doação no Brasil tem enfrentado um desequilíbrio entre a disponibilidade e a procura por órgãos sólidos. Pelo lado da oferta, em 2019, foram registradas 11.400 notificações de potenciais doadores (taxa de 54,7 por milhão de população - pmp), das quais apenas 33,05% (18,1 pmp) se efetivaram. Do total das doações efetivas, 45,78% delas ocorreram na região Sudeste, 28,50% no Sul, 19,19% no Nordeste, 4,75% no Centro-Oeste e apenas 1,78% no Norte do país. Já no contexto da demanda por órgãos, o SNT apresentou 27.205 pacientes ativos em lista de espera (130,48 pmp) em dezembro de 2019. Desse total, 67,63% estavam na região Sudeste, 15,12% no Nordeste, 12,08% no Sul, 3,62% no Centro-Oeste e 1,54% no Norte. Ao considerar os tipos de órgãos sólidos, a maior parte dos indivíduos aguardava por um rim - 92,49% (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2019Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). 2019. “Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado”. Registro Brasileiro de Transplantes. São Paulo 25, n. 4.).

O SNT, desde a sua criação em 1997 (Brasil 1997aBrasil. 1997a. “Decreto nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997”. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9434-4-fevereiro-1997-372347-normaatualizada-pl.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2018.
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, 1997b———. 1997b. “Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997”. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1997/decreto-2268-30-junho-1997-341459-norma-pe.html>. Acesso em: 05 mar. 2018.
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) até momento atual, tem adotado diversas ações no sentido de melhorar o funcionamento e a eficiência do processo de doação de órgãos sólidos no Brasil, com destaque para as políticas públicas referentes as criações das Comissões Intra-Hospitalares de Doação e Tecidos para Transplantes - CIHDOTT’s (Brasil 2005———. 2005. “Portaria nº 1.752 de 23 de setembro de 2005”. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2005/prt1752_23_09_2005.html. Acesso em: 15 fev. 2020.
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) e das Organizações de Procura de Órgãos - OPO’s (Brasil 2009b———. 2009b. “Portaria nº 2.601 de 21 de outubro de 2009”. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2601_21_10_2009.html. Acesso em: 14 jun. 2020.
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). Em 2017, essas organizações passaram a ser regidas pela Portaria nº 4, de 28 de setembro de 2017 (Brasil 2017a———. 2017a. “Portaria de Consolidação nº 4 de 28 de setembro de 2017”. Disponível em: www.portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Legislacoes/Portaria_Consolidacao_4_28_SETEMBRO_2017.pdf. Acesso em: 17 mar. 2020.
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) e pelo Decreto nº 9.175, de 18 de outubro do mesmo ano (Brasil 2017b———. 2017b. “Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9175-18-outubro-2017-785591-publicacaooriginal-153999-pe.html. Acesso em: 17 mar. 2018.
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), as quais compõem o conjunto das três organizações denominadas de rede de procura e doação de órgãos, estrutura de preservação e rede de auxílio (coordenadas pelas centrais estaduais de transplantes). Nessa linha, o desafio atual do SNT é organizar as diversas questões relacionadas ao processo de doação, entre elas, a disparidade regional da oferta de órgãos sólidos no país, as equipes de procura, o consentimento familiar, as estruturas onde se realizam os transplantes e a fila de espera por esses órgãos.

No que se refere à disparidade regional, estudos recentes têm apontado que existe uma desigualdade de distribuição de centros de transplantes entre as grandes regiões geográficas do Brasil e no número efetivos de órgãos sólidos para doação, concentrados, principalmente, no eixo Sul-Sudeste, onde, consequentemente, verifica-se a maior quantidade de transplantes realizados (Marinho, Cardoso e Almeida 2010Marinho, A., S. D. S. Cardoso e V. V. Almeida. 2010. “Disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileiros”. Cadernos de Saúde Pública 26: 786- 796.; Medina-Pestana et al. 2011Medina-Pestana, J. O., N. Z. Galante, H. T. Silva Junior, K. M. Harada, V. D. Garcia, M. Abbud-Filho, H. H. Campos e E. Sabbaga. 2011. “O contexto do transplante renal no Brasil e sua disparidade geográfica”. Brazilian Journal of Nephrology 33 (3).; Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016———. 2016. “Análise dos incentivos contratuais de transplantes de rins no Brasil pelo modelo agente-principal”. Cadernos de Saúde Pública 32 (8): 1-13.; Soares et al. 2020Soares, L. S. S., E. S. Brito, L. Magedanz, F. A. França, W. N. Araújo e D. Galato. 2020. “Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro, 2001-2017”. Epidemiol Serviço de Saúde 29.).

Diante do exposto, o objetivo deste estudo é analisar os fatores sociodemográficos e de gestão em saúde associados à taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas) por morte encefálica nas Unidades Federativas (UF’s) do Brasil, no período de 2012 a 2017. Para tanto é utilizada a econometria espacial, de forma específica, a Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) e o modelo de Durbin Espacial com dados em painel, estimado pelo método da Máxima Verossimilhança (MV).

De acordo com Bilgel (2018)Bilgel, F. 2018. “Gun Policy, Violence and Organ Donation: Evidence from State-level Panel Data”. MIT: Department of Economics and Finance., Shacham et al. (2018)Shacham, E., T. Loux, E. K. Barbidge, D. Lew, e L. Pappaterra. 2018. “Determinants of organ donation registration”. American Society of Transplant Surgeons 18. e Page e Higgs e Lanfgord (2018)Page, N., G. Higgs e M. Lanfgord. 2018. “An exploratory analysis of spatial variations in organ donation registration rates in Wales prior to the implementation of the Human Transplantation (Wales) Act 2013”. Health & Place 52: 18-24., o uso da análise espacial no contexto da doação de órgãos sólidos é recomendado, pois permite identificar, de forma adequada, a distribuição e os padrões de aglomerações espaciais dessas doações. Além disso, para o caso do Brasil, esse método capta os efeitos regionais do setor saúde e os fatores que explicam as disparidades geográficas existentes no SNT em relação à oferta desses órgãos (Medina-Pestana et al. 2011Medina-Pestana, J. O., N. Z. Galante, H. T. Silva Junior, K. M. Harada, V. D. Garcia, M. Abbud-Filho, H. H. Campos e E. Sabbaga. 2011. “O contexto do transplante renal no Brasil e sua disparidade geográfica”. Brazilian Journal of Nephrology 33 (3).; Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016———. 2016. “Análise dos incentivos contratuais de transplantes de rins no Brasil pelo modelo agente-principal”. Cadernos de Saúde Pública 32 (8): 1-13.).

A contribuição deste estudo com a literatura vigente está relacionada à identificação, em termos geográficos e temporal, dos fatores sociodemográficos e de gestão em saúde associados à taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s brasileiras. Os resultados obtidos permitiram captar, a partir da inovação metodológica aplicada, as diferenças regionais existentes no sistema de doação no país ao longo do tempo. Além disso, a avaliação de importantes políticas públicas, como a criação das CIHDOTT’s e das OPO’s, elaboradas para melhorar o funcionamento do sistema indicaram que decisões mais efetivas, baseadas em evidências robustas, devem ser direcionadas a cada área geográfica. Ressalta-se que o desequilíbrio entre a oferta efetiva de órgãos sólidos e a demanda por eles gera grande ônus socioeconômico, especialmente em termos de filas de espera, existindo, portanto, lacunas para a compreensão e aperfeiçoamento desse processo.

Além dessa introdução e das considerações finais, este artigo está dividido em mais 5 seções. A seção 2 2. Economia da doação-transplantes de órgãos sólidos: breve revisão teórica A economia da doação-transplantes de órgãos sólidos corresponde a um conjunto de regras e normas estabelecidas para coordenar o processo e o funcionamento dos sistemas de transplantes no contexto mundial e nacional (Steiner 2010; Costa 2012). Na Figura 1, está apresentada uma síntese dos principais tópicos econômicos desse processo, os quais estão divididos da seguinte forma: 1) determinantes do potencial doador; 2) medida de benefício social e a saúde; 3) procura por órgãos; 4) disponibilidade e doação de órgãos; 5) avaliação econômica; 6) análise de equilíbrio; 7) avaliação macro; e 8) planejamento, orçamento e monitoramento do sistema. Esses tópicos estão inter-relacionados ao se abordar estudos nesse campo de pesquisa. Segundo Thorne (2006) e Roth (2016), os órgãos sólidos podem ser interpretados como produtos altamente específicos, com as seguintes características econômicas: i) o comportamento da oferta e da demanda deles é estocástico; ii) devido a sua deterioração, o tempo para retirada e preservação de cada órgão é limitado9 e seu uso é excludente; iii) não é permitida a sua comercialização; iv) os doadores não controlam a oferta desses órgãos e essa disponibilidade não é determinada pelo poder de compra dos indivíduos; e v) existe um desperdício, muitas vezes causado pela existência de assimetria de informação entre o sistema de doação-transplante e os hospitais responsáveis pela realização dos procedimentos (Becker e Elías 2007; Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016). Figura 1 - Fluxograma da economia da doação-transplante de órgãos sólidos Fonte: Adaptado de Machnicki, Serial e Schnitzler (2006) e Costa (2012). A doação de órgãos é norteada por modelos de coordenação econômica que apresentam bases fundamentadas na solidariedade social (Pauli 2019). Além disso, a partir da teoria de North (2003) sobre a evolução da sociedade condicionada ao papel das relações institucionais formais e informais10, pode-se considerar esse processo como um sistema econômico, que é analisado no âmbito da sociedade (família do doador), do sistema de transplante (rede) e da doação propriamente (transação dos órgãos), no qual os efeitos de reputação são levados em consideração. Ele pode ser abordado, também, no contexto da teoria do Principal-Agente (relação de Agência), de sua estrutura de governança e de seus aspectos microeconômicos e de alocação efetiva (Costa 2012). No âmbito social do processo de doação de órgãos sólidos, destacam-se os parâmetros culturais, morais e religiosos de uma população. A negação ou julgamento da venda de um órgão também são padrões impostos por uma determinada sociedade (Irving et al. 2012). Estudos apontam que regras informais de uma sociedade levam muito tempo para serem modificadas e estão presentes no cotidiano social e, consequentemente, afetam as transações econômicas (Weiss et al. 2014). Nessa linha, Byrne e Thompson (2001) afirmam que os indivíduos são altruístas quando o tema é a doação de órgãos e têm conhecimento limitado sobre o processo, devido aos costumes sociais. O estudo realizado pelos autores referente aos cenários de incentivos financeiros para doação de órgãos nos Estados Unidos indicou que, se houvesse pagamentos prévios para cadastros de doadores, isso não seria eficiente para elevar a oferta de órgãos, principalmente, em virtude das restrições impostas pela sociedade. Além disso, mesmo com leis que estabeleçam a doação presumida (ou seja, aquele indivíduo que não registrou em documento público de identidade o seu desejo de não ser doador), é pouco provável que um sistema utilize um órgão para transplante sem o consentimento familiar. Thorne (2006), por sua vez, descreve a comercialização de órgãos, mostrando que existem, na literatura, diversos argumentos contrários e favoráveis a essa situação. Em termos contrários, destacou que a venda deles coloca em risco a eficiência do processo de transplantes, pois órgãos de baixa qualidade poderia ser utilizados. Os favoráveis à comercialização afirmam que o altruísmo é um recurso escasso na economia e, por isso, a sociedade não deveria depender da gentiliza desinteressada da família do potencial doador. O pagamento pelos órgãos pode gerar maior oferta e, assim, reduzir a escassez deles no mercado. O autor argumenta, ainda, que a doação é um processo de produção, pois há necessidade de convencer a família de doar e que são necessárias campanhas e incentivos para tal finalidade. Os familiares se tornam os fornecedores do órgão e este pode ser considerado como um bem, o qual não pode ser vendido ou cedido sem esse consentimento. Mocan e Tekin (2019) complementam que as políticas de conscientização sobre a doação são instrumentos fundamentais para aumentar a oferta de órgãos sólidos e que o governo de um país tem papel importante no direcionamento dessas ações. Para que ocorra a coordenação entre a doação por parte da família dos doadores e a efetivação do transplante, torna-se necessária a criação de uma rede de gestão (por exemplo, o SNT no Brasil), a qual deve planejar, orçar e monitorar todo o processo destacado. No âmbito do sistema de transplantes e do próprio processo de doação de órgãos sólidos, Medina-Pestana et al. (2011) destacam que fatores específicos podem contribuir para o aumento e/ou a redução da disponibilidade de órgãos e tecidos para transplantes em uma economia. As áreas geográficas que apresentam o maior número de habitantes podem contribuir para tal expansão. Contudo, são necessárias, também, a implementação de estratégias eficazes para identificar os possíveis doadores, reduzir as discriminações étnicas, ter uma logística adequada, além de um sistema de incentivos institucionais nos hospitais. aborda uma breve revisão teórica sobre a economia da doação-transplante de órgãos sólidos. A seção 3 3. Processo de Doação-Transplante de Órgãos Sólidos no Brasil No Brasil, o SNT é responsável por todo o processo de doação-transplante de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas), desde a identificação do potencial doador até a efetivação do transplante (Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016). Ele ocorre em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, que possuam equipes técnicas treinadas e tenham autorização prévia do Ministério da Saúde (Brasil 2017b). Além disso, essas doações devem se basear em critérios médicos que sejam declarados publicamente e aplicados de forma justa, ou seja, que considerem a necessidade e a probabilidade de sucesso de sua ocorrência (Weimer 2010). No caso específico do doador falecido de órgãos sólidos, Garcia e Pacini (2015) destacam que existem nomenclaturas unificadas no processo de doação-transplante, que ajudam no planejamento e na organização das informações em nível mundial e nacional. Entende-se como: i) possível doador - aquele paciente com lesão encefálica grave e que está usando a ventilação mecânica, sendo que, no diagnóstico clínico, deve-se constatar ausência de todos os reflexos de tronco encefálico (pupilar, córneo-palpebral, óculo-cefálico, vestíbulo-ocular, reflexo de tosse) e apneia; ii) potencial doador - refere-se ao paciente que teve a abertura do protocolo para o diagnóstico de morte encefálica; iii) indivíduo elegível para doação - quando foi confirmado o diagnóstico de morte encefálica dele; iv) doador efetivo - momento em que se inicia a cirurgia para remoção de órgãos sólidos; e v) doador com órgãos transplantados - trata-se do indivíduo do qual, pelo menos, um dos seus órgãos é removido e realiza-se o transplante no receptor. Na Figura 2, está apresentado o fluxograma do processo de doação de órgãos sólidos no Brasil, quando o doador é falecido. A identificação do possível doador se inicia com o exame de pacientes que apresentaram lesão neurológica grave, gerada por traumatismo cranioencefálico, AVC, tumores cerebrais, infecção de sistema nervoso central ou anoxia pós-parada cardiorrespiratória. Em mais de 90% dos casos, esse potencial doador apresenta traumatismo cranioencefálico ou AVC (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2020). Para a abertura do protocolo de diagnóstico de morte encefálica, são necessárias as seguintes condições dos pacientes: i) presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de provocar morte encefálica; ii) ausência de fatores tratáveis que possam confundir esse diagnóstico; iii) tratamento e observação do paciente em hospital pelo período mínimo de seis horas e em casos específicos (por exemplo, encefalopatia hipóxico-isquêmica), de 24 horas; e iv) temperatura corporal superior a 35ºC, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual 100 mmHg (Conselho Federal de Medicina 2017; Westphal, Veiga e Franke 2019). No contexto hospitalar, os primeiros profissionais a entrar em contato com o possível doador são as equipes que trabalham nas Unidades de Pacientes Críticos (UCI’s), que correspondem à UTI e ao Serviço de Emergência (SE). Ao identificar um possível doador, conforme condições supracitadas, a equipe médica comunica às equipes da OPO e da CIHDOTT que pertencem à rede de procura e doação de órgãos do SNT. Na próxima etapa, o médico que acompanha o paciente informa a família sobre a suspeita de morte encefálica, explica todos os exames que devem ser realizados e abre o protocolo desse diagnóstico. Na continuidade do processo de doação, a CIHDOTT deve acompanhar todo o processo de identificação de morte encefálica, mantendo a família informada e esclarecendo-a acerca de cada fase. Além disso, o potencial doador deve ser mantido na estrutura de preservação do SNT. Já a OPO deve comunicar à Central Estadual de Transplante de Órgãos (CET) que foi aberto o protocolo dessa fase (Brasil 2017b). Após a abertura do protocolo de diagnóstico de morte encefálica, o paciente passa a ser denominado de potencial doador, se iniciam os exames para confirmação da morte encefálica, conforme Resolução nº 2.173, de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina e esse indivíduo é mantido pela estrutura de preservação do SNT interna ao hospital. Essa fase exige a realização mínima dos seguintes procedimentos: i) dois exames clínicos, confirmando coma não perceptivo e falta de função do tronco encefálico; ii) teste de apneia, que mostra ausência de movimentos respiratórios (após estimulação máxima dos centros respiratórios); e iii) exame complementar que comprova ausência de atividade encefálica. Destaca-se que os exames clínicos referentes à morte encefálica são realizados por dois médicos diferentes da rede de auxílio do SNT, especificamente capacitados a realizar o procedimento (Conselho Federal de Medicina 2017). Na sequência do processo de doação de órgãos sólidos, ocorre a confirmação (ou não) de morte encefálica do potencial doador. Conforme a Figura 2, em caso negativo, o paciente é mantido em observação para análise da evolução do quadro clínico. Em situações positivas, ocorre a declaração de óbito, a CET e os familiares são notificados e o possível doador passa a ser denominado elegível para doação. Garcia et al. (2015) destacam que após a confirmação de morte encefálica, o corpo desse paciente passa por uma série de alterações fisiopatológicas, as quais levam à parada cardíaca. Diante disso, são necessários cuidados específicos com esse indivíduo, tais como: estabilidade circulatória; oxigenação adequada; equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base; temperatura corporal; controle metabólico e hormonal e prevenção e tratamento de complicações infecciosas. A manutenção do seu corpo é essencial para a realização do transplante e deve acontecer durante todo o processo de autorização familiar. Na próxima fase do processo de doação de órgãos sólidos, em um ambiente reservado e adequado do hospital, o médico comunica a família sobre a morte encefálica do paciente. A equipe da CIHDOTT, de maneira imediata, inicia os procedimentos para entrevista familiar, informando os aspectos do consentimento referente à doação de órgãos e tecidos, conforme Decreto nº 9.175/2017. Independentemente da decisão final dos familiares, essa equipe de saúde deve se colocar à disposição para qualquer auxílio e orientação sobre o processo (Garcia et al. 2015; Brasil 2017b). Figura 2 - Fluxograma do processo de doação de órgãos sólidos no Brasil - doador falecido Fonte: Elaboração dos autores adaptado de Brasil (2009a, 2017b). Com relação ao consentimento familiar da doação de órgãos sólidos, o Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017 (Brasil 2017b), informa que essa decisão é de prerrogativa dos familiares, especificamente cônjuge ou parente consanguíneo de maior idade e juridicamente capaz. A entrevista familiar exige um planejamento prévio por parte das equipes de saúde e deve contemplar os seguintes pontos: i) existência de um ambiente reservado no hospital aos familiares; ii) a definição adequada de quem participará da reunião, respeitando a vontade da família; iii) o método de abordagem definido pelas CIHDOTT’s; e iv) o momento adequado da abordagem. Nesse último ponto, as equipes podem se defrontar com o desconhecimento dos familiares referente à vontade do falecido de ser um doador, ou com o fato de a própria família não aceitar o diagnóstico ou não compreender o funcionamento da doação (Meneses, Castelli e Costa Junior 2018). Após a entrevista, os familiares optam por consentir ou não a doação dos órgãos sólidos do potencial doador. Se a escolha for negativa, a equipe da CIHDOTT deve tentar reverter o quadro; contudo, se a família mantiver essa decisão, o corpo do falecido deve ser liberado para o procedimento funerário. O processo é encerrado e a CET é comunicada sobre a recusa familiar. Quando a decisão familiar é positiva, o paciente passa a ser denominado doador efetivo e o corpo é encaminhado à cirurgia para retirada desses órgãos no estabelecimento de saúde transplantador do SNT. Nesse momento, é criado o inventário cirúrgico da remoção, em que são examinados os órgãos intratorácicos e intra-abdominais, com o intuito de observar possíveis tumores ocultos ou linfadenopatias patológicas. Na fase pós-procedimentos cirúrgicos, o paciente passa a ser denominado doador com órgãos transplantados, os órgãos dele são enviados para a efetivação do transplante no estabelecimento de saúde transplantador do SNT e, na sequência, o corpo é liberado para o funeral (Brasil 2017b). descreve o processo de doação-transplante desses órgãos no Brasil. A seção 4 4. Evidências Empíricas sobre os Fatores Associados ao Processo de Doação A identificação dos fatores associados à doação de órgãos tem sido abordada na área da Saúde e, recentemente, em Economia. No contexto internacional, foram evidenciadas as pesquisas de Wongboonsin e Jindahra e Teerakapibal (2017); Shacham et al. (2018); Shah et al. (2018); Page, Higgs e Lanfgord (2018); Bilgel (2018); Frere e Deonandan (2019); Deroos et al. (2019) e Kananeh et al. (2020). No Brasil, se destacaram os trabalhos de Freire (2013); Silva et al. (2014); Freitas et al. (2015); Gois et al. (2017) e Bertasi et al. (2019). A pesquisa realizada na Tailândia por Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017) identificou as variáveis sociodemográficas e geográficas que influenciaram na decisão de doar órgãos. Para isso, aplicaram um modelo de regressão logística e utilizaram dados sobre doação de órgãos em novembro de 2004. Os resultados indicaram que indivíduos com menos de 60 anos têm maior probabilidade de se tornarem doadores. Já ser homem, ter maior nível de escolaridade e viver na área urbana foram fatores que aumentaram a probabilidade da doação; contudo, a densidade populacional não exerceu efeito sobre essa decisão. A influência social favorável exercida por vizinhos e níveis socioeconômicos mais elevados contribuiu para o aumento da taxa de doação. Shah et al. (2018) avaliaram a correlação entre fatores socioeconômicos e a doação de órgãos, utilizando o banco de dados das Organizações de Procura de Órgãos (OPO’s) e o Relatório do Censo dos Estados Unidos, no período de 2007 a 2012. As variáveis utilizadas foram demografia, escolaridade, residência, renda, status de registro, causa e forma da morte, abordagem e avaliação do potencial doador realizado pela OPO’s. A probabilidade de doação foi maior entre os mais jovens e com nível de escolaridade mais alto. Constataram que as taxas mais altas de autorização da doação estavam correlacionadas com doadores que moravam em estados americanos com baixa taxa de pobreza e que sofreram AVC. A abordagem intra-hospitalar das OPO’s, programas educacionais e campanhas na mídia sobre o processo de transplantes ajudaram a melhorar as taxas de autorização. Já Page, Higgs e Lanfgord (2018) utilizaram o método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) com dependência espacial para identificar os fatores associados aos padrões de registros de doações de órgãos, no País de Gales e no Reino Unido, entre 2010 e 2015. A amostra utilizada foi o número de doadores cadastrados na lista de doação, antes e depois da mudança na legislação de doação, classificados por faixa etária, por não ser religioso, pelo nível de escolaridade e pela região com privações econômicas. Conforme resultados, as regiões mais afastadas dos grandes centros e com privações econômicas apresentaram taxas mais baixas de doação; já níveis de educação mais elevados aumentaram essas taxas. Por fim, o fator não ser religioso na faixa etária de 16 a 70 anos teve efeito negativo na variável dependente analisada. Bilgel (2018) avaliou o impacto dos níveis de propriedades de armas e as consequências não intencionais da aplicação da lei de controle delas no fornecimento de doadores de órgãos por homicídio nos Estados Unidos. O período de análise foi de 1999 a 2015 e aplicou-se o modelo de painel de dados espaciais SDEM (Spatial Durbin Error Model) com efeitos fixos. A variável dependente do modelo correspondeu à taxa de órgãos doados por homicídio por 100.000 habitantes. Os fatores explicativos usados foram lei de controle e nível de propriedade de armas. Além disso, foram utilizadas as variáveis de controle taxa de desemprego, taxa de pobreza, participação da população por grupo de idade (0-19, 20-34, 35-44, 45-64 anos) e densidade populacional. Os resultados mostraram que o controle de armas reduziu a taxa de homicídios total; contudo, a rigidez do controle de armas não afetou os homicídios que estavam relacionados à doação de órgãos. Shacham et al. (2018) examinaram as diferenças socio geográficas nas taxas de registros de doadores no Missouri, Estados Unidos, no ano de 2015. Metodologicamente, utilizaram estatística descritiva e o modelo de regressão espacial. As variáveis explicativas foram número de mulheres chefes de família, menores de 18 anos, indivíduos abaixo da linha da pobreza, desemprego, etnia e escolaridade. Construíram, também, uma variável de desvantagem concentrada no setor censitário, utilizando as informações escolaridade, pobreza e famílias unipessoais. Os resultados mostraram que as mulheres chefes de família que viviam abaixo da linha da pobreza e receberam benefício estavam associadas negativamente a essa taxa. Já a variável denominada de desvantagens concentrada teve relação negativa com as doações. Eles concluíram que fatores associados à desvantagem tiveram forte influência sobre os registros realizados. Frere e Deonandan (2019) analisaram a associação entre fatores socioeconômicos (Produto Interno Bruto - PIB nominal per capita, seguro saúde e taxa de emprego) e a taxa de doação de órgãos (coração, intestino, rins, fígado, pulmões e pâncreas) nos Estados Unidos, no período entre 1988 e 2012. Para isso, usaram o modelo de análise bivariada e multivariada. Os resultados mostraram que houve aumento na doação de todos os órgãos no período destacado, exceto para coração e pâncreas. Na análise univariada, identificaram correlação positiva entre essa taxa e o PIB per capita, exceto para o órgão coração. O seguro saúde afetou de forma negativa a doação de coração e de rins; já o efeito desse fator foi positivo na doação dos órgãos intestino, fígado, pulmões e pâncreas. A taxa de desemprego teve correlação negativa com a taxa de doação de coração, e positiva em relação aos órgãos intestino, rins, fígado e pulmões. Os resultados da análise multivariada mostraram que a relação da doação do órgão coração com o PIB per capita foi negativa, devido à frequência baixa desse tipo de transplante. Deroos et al. (2019), por sua vez, analisaram a relação entre a política pública de doação presumida de órgãos (fator institucional) e o número de transplantes nos Estados Unidos. Para isso, construíram um modelo de simulações com a taxa de produção de órgãos, taxa de rendimento de órgãos e dois algoritmos de alocação (aleatória e ideal) - que abrangeram aspectos (tipo sanguíneo, geografia, decisão do médico e disponibilidade de candidatos) que afetam esse processo. A amostra utilizada para construir o modelo foi de 524.359 fichas dos pacientes norte-americanos registrados na lista de espera no período de 1º de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2014. Os principais resultados encontrados foram aumento na doação de órgãos e ganhos de anos de vida com a implementação da política de consentimento presumido. Kananeh et al. (2020) analisaram os fatores que afetaram a abordagem familiar e o consentimento para a doação de órgãos nos Estados Unidos, a partir de um modelo de regressão logística. Foram usados os dados de 266 pacientes com morte encefálica de janeiro de 2006 a dezembro de 2017, do hospital Henry Ford, em Detroit. Os fatores demográficos (idade, sexo, etnia e religião) do potencial doador não foram associados à decisão da equipe de transplante de entrevistar a família (o critério usado por elas foi o nível de creatinina desse paciente). Já em relação ao consentimento familiar, observaram que os potenciais doadores de etnia branca, jovens, com creatinina mais baixa no momento da morte e com testes de apneia apresentaram maior probabilidade de serem doadores efetivos. Na análise univariada, a taxa de consentimento foi maior quando os familiares eram consultados acerca da possibilidade de transplantes antes da confirmação de morte encefálica e quando os pacientes eram jovens. Em termos nacionais, Freire (2013) analisou os fatores da estrutura e aqueles que influenciaram a efetividade da doação de órgãos e tecidos em Natal, Rio Grande do Norte. Foram coletados dados de 65 potenciais doadores em seis unidades do referido município, referentes a agosto de 2010 até fevereiro de 2011. Utilizando o método longitudinal com regressão logística, constatou-se que a maioria dos potenciais doadores eram do sexo masculino, com idade média de 42,3 anos, e o principal motivo para não efetivação das doações foi a recusa familiar. Foi verificado, também, que os fatores associados à baixa efetividade dessa doação estavam relacionados à estrutura para assistência ao potencial doador, recursos físicos e humanos. Silva et al. (2014), por sua vez, analisaram o perfil dos doadores de órgãos sólidos no Ceará, entre o período de 1998 a 2012, a partir de uma análise baseada na estatística descritiva. As variáveis utilizadas foram sexo, idade, tipo de sangue e causa de morte encefálica. De um total de 976 doadores, 69% eram do sexo masculino e a idade média dos doadores era de 16 a 35 anos. As duas principais causas de mortes encefálicas foram traumatismo cranioencefálico (56,7%) e acidente vascular cerebral (33,1%). Ressaltaram que os acidentes de trânsito, principalmente envolvendo motocicletas, e a violência urbana foram as principais causas desses traumatismos. Freitas et al. (2015), em pesquisa descritiva para o município de Maringá e Região Metropolitana, no estado do Paraná, analisaram os múltiplos aspectos da doação de órgãos após mortalidade por causas relacionadas ao trauma, em 2012. A amostra utilizada foi 1.864 indivíduos do cadastro de óbitos e prontuários clínicos de vítimas fatais de lesões externas. As variáveis utilizadas foram idade, sexo, causa da morte, endereço, hospital de atendimento, decisão familiar sobre a doação, contraindicações médicas, problemas de logística e infraestrutura. Os resultados mostraram que 134 pacientes morreram devido a lesões por causas externas, dos quais 57% deles estavam envolvidos em acidentes de trânsito. Segundo os autores, 78% dos potenciais doadores não se tornaram efetivos e as principais causas que explicaram esse fato foram: recusa familiar por falhas na abordagem dos profissionais, problemas de logística e contraindicação médica. Eles concluíram que são necessárias medidas de treinamento constantes das equipes de transplantes e clareza na determinação de morte encefálica. Gois et al. (2017) verificaram a efetividade do processo de doação de órgãos para transplante no Paraná, no período de 2011 a 2016. Utilizaram informações de 2.600 potenciais doadores contidas no banco de dados do Sistema Estadual de Transplantes. Dentre as causas da não efetivação, destacaram a parada cardiorrespiratória, a sepse (infecção generalizada) e a recusa familiar. As falhas no gerenciamento de informações e na capacitação dos profissionais para identificação e manutenção desses doadores foram apontadas como sendo os principais problemas para não doação na área analisada. Por fim, Bertasi et al. (2019) analisaram o perfil dos potenciais e dos efetivos doadores de órgãos, além de fatores relacionados a não efetivação da doação em Campinas, São Paulo. Para isso, utilizaram informações de 1.772 pacientes (potenciais doadores) do Hospital de Clínica da Unicamp, do período de janeiro 2013 a abril 2018. A partir de uma análise descritiva, identificaram que a predominância de indivíduos foi do sexo masculino. A recusa familiar foi o ponto focal da não doação e as principais causas das mortes encefálicas foram os acidentes vasculares e os traumatismos cranioencefálicos. Outro fator correspondeu às dificuldades encontradas (falta de treinamento e infraestrutura inadequada) pelas equipes de transplantes para o manejo e manutenção dos potenciais doadores no local abordado na pesquisa. A partir do exposto, verificou-se que vários são os fatores que podem afetar a doação de órgãos para transplantes, principalmente, aspectos sociodemográficos e de gestão de um sistema, tais como idade dos doadores, nível de escolaridade, composição étnica, grau de urbanização, renda, status de registro, forma de abordagem e avaliação dos potenciais doadores, programas educacionais, campanha de mídia sobre o processo de doação, taxa de acidentes de trânsito, causa e forma de morte, tipo de legislação, fatores religiosos e culturais, pobreza, seguro saúde e região vizinha. Contudo, essa questão é complexa e merece atenção por parte dos gestores de saúde, pois não existe uma única causa que explicaria as diferenças na taxa de doação entre países e mesmo entre regiões e estados de um mesmo país. Nessa linha, estudos empíricos regionais se tornam relevantes na área de economia dos transplantes de órgãos para melhor compreensão desse processo. traz as evidências empíricas sobre os fatores associados a esse processo. A seção 5 5. Dados e Estratégia Empírica Neste estudo foram utilizados os dados do número de doações efetivas de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas) por morte encefálica nas 27 UF’s do Brasil, no período de 2012 a 2017. O ano final de análise limitou-se a 2017, devido às alterações ocorridas na estrutura organizacional do SNT em relação à atuação das CIHDOTT’s e das OPO’s. Elas passaram a compor as três novas organizações criadas, destacando: a rede de procura e doação de órgãos, estrutura de preservação e rede de auxílio. A variável dependente correspondeu à taxa de doação efetiva de órgãos sólidos por morte encefálica, mensurada por milhão de população (pmp), conforme recomendado por Freitas et al. (2015). Essa taxa foi obtida pela divisão entre o número dessas doações e a população residente estimada de cada UF por ano, multiplicada por 1.000.000. As informações sobre essas doações estão disponibilizadas no site da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2019)11. As variáveis explicativas, selecionadas a partir do que se expõe na revisão teórica e empírica sobre o tema seções 2, 3 e 4, foram classificadas em dois grupos de fatores: i) sociodemográficos; e ii) gestão em saúde. A escolaridade12 correspondeu ao primeiro aspecto sociodemográfico e foi representada pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – Educação, disponível no site do Atlas Brasil (2020). Esse índice varia entre zero e 1, sendo que quanto mais próximo de 1, melhor o nível de educação da área analisada. Estudos mostram que a escolaridade de uma população é importante, pois indivíduos com maior nível de instrução podem apresentar melhor conhecimento e compreensão sobre o processo de doação e, assim, aumentar as chances do consentimento familiar (Shah et al. 2018; Bilgel 2018). No primeiro grupo de variáveis explicativas foi considerada também a composição étnica da população total nas UF’s e por ano. Ela foi representada por meio da proporção de brancos (total de pessoas declaradas brancas no quarto trimestre de cada ano, dividido pelo total de pessoas de cada unidade federativa) e de não brancos (soma do total de pessoas declaradas pretas, pardas e outras - indígenas, amarelas e sem declaração - no quarto trimestre de cada ano, dividido pelo total de pessoas de cada unidade federativa). Os dados estão disponíveis na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (População, por cor e raça), no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022). De acordo com Higgns e Fishman (2006), Bratton, Chavin e Baliga (2011), Marinho, Cardoso e Almeida (2012) e Bongiovanni et al. (2020), os não brancos correspondem às populações que sofrem discriminação racial e institucional, além de iniquidades no acesso ao sistema de doação-transplantes de órgãos. A densidade populacional, por sua vez, foi obtida a partir da divisão entre o número de habitantes de cada UF e sua área em quilômetros quadrados (por ano), conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010). Segundo Gomes (2007), Medina-Pestana et al. (2011), Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017) e Soares et al. (2020), o uso dessa variável é relevante, pois consegue captar a relação entre grandes (ou pequenas) concentrações populacionais e o processo de doação-transplantes de órgãos. Outro fator demográfico usado foi a taxa de envelhecimento populacional, cujas informações estão disponíveis no site do Atlas Brasil (2020). Este condicionante correspondeu a razão entre a população de 65 anos ou mais de idade de cada UF em relação a sua população total. A abordagem desse fator é importante, pois em muitos países em desenvolvimento a população está envelhecendo cada vez mais, o perfil etário do doador tem mudado e há expansão das mortes encefálicas por acidente vascular cerebral em idosos. Estes fatos têm contribuído para o processo de doação-transplante nessas áreas (Cuende et al. 2007; Caamaño et al. 2009). Com relação aos fatores de gestão em saúde, utilizou-se a taxa de respiradores (ou ventiladores mecânicos) de emergência do SUS, a qual foi calculada pela divisão do número desses respiradores pela população residente de cada UF e ano, multiplicado por 1.000.000 (dados de dezembro de cada ano). As informações desse condicionante foram coletadas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), disponíveis no site do SUS (Brasil 2020). Destaca-se que o respirador é um tipo de equipamento fundamental para manutenção dos pacientes com identificação de morte encefálica e que são potenciais doadores de órgãos (Cavalcante 2014; Garcia et al. 2015). Além disso, representa a infraestrutura hospitalar, conforme recomendado por Freitas et al. (2015). A taxa de leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), como fator de gestão, foi usada para medir a capacidade de atendimento hospitalar em alta complexidade. Ela foi calculada pela divisão entre a quantidade de leitos em UTI e população residente de cada UF, multiplicada por 1.000.000 (dados de dezembro de cada ano). Esses dados estão disponíveis no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), via site do SUS (Brasil 2020). Segundo Cavalcante (2014) e Garcia et al. (2015), a falta de infraestrutura hospitalar para manter, conservar e preservar o potencial doador com morte encefálica pode levar a uma redução na doação de órgãos sólidos e, consequentemente, no número de transplantes realizados. Outro fator de gestão em saúde correspondeu às taxas de equipes transplantadoras de órgãos, obtida pela divisão entre o número dessas equipes e a população residente de cada UF, multiplicada por 1.000.000. As informações das equipes estão disponíveis no site da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2019). Esse fator é importante para o sistema nacional de transplante, pois representa a atuação dos profissionais no processo e na efetivação do número de órgãos disponíveis para transplante (Bertasi et al. 2019; Pauli 2019; Kananeh et al. 2020). A taxa de mortes por causas neurológicas foi o outro fator de gestão, a qual pode afetar o comportamento das doações efetivas de órgãos e correspondeu a uma proxy para potenciais doadores com morte encefálica. Essa taxa foi calculada a partir da divisão entre o número de mortes neurológicas e a população residente de cada UF e ano, sendo multiplicada por 1.000.000. O uso desse condicionante justifica-se, pois, o número de óbitos encefálicos é uma variável complexa de ser coletada nos ambientes hospitalares, pois envolve características individuais, éticas e depende da autorização de familiares desses doadores (Tolfo et al. 2018). A taxa de cobertura de plano de saúde (em porcentagem) foi utilizada como uma proxy para a (des)confiança no SUS e no SNT e a expectativa de acesso igualitário e com qualidade a esse sistema que, independentemente do processo de doação-transplante, pode influenciar a propensão para doar órgãos sólidos. Os dados da taxa foram coletados, para dezembro de cada ano, no site da Agência Nacional de Saúde Suplementar (2022). Segundo Frere e Deonandan (2019), o efeito positivo (ou negativo) do seguro saúde sobre as doações pode variar por tipo de órgão ofertado. Já as variáveis CIHDOTT’s e OPO’s corresponderam às dummies binárias referentes às duas políticas públicas (fator institucional do SNT) usadas para captar os efeitos de suas criações sobre a taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s e no período de 2012 a 2017. Considerou-se valor igual a 1 para política existente e zero (0) não existente nessas áreas. Na tabulação e organização dos dados deste estudo foi utilizada uma planilha eletrônica, já na construção dos mapas e estimações, utilizou-se o software GeoDa, versão 1.14.0.24, e o Stata 1513. As malhas digitais tiveram como fonte os mapas do IBGE e, na elaboração final deles, foi usado o software QGIS 2.18.3. Todas as variáveis foram transformadas em logaritmo natural (ln), com exceção das binárias. A primeira fase da análise empírica espacial dos dados correspondeu à distribuição da taxa efetiva de doação de órgãos sólidos (variável dependente) em mapas quantiles para identificar outliers14 e o comportamento geográfico dela. Na sequência, aplicou-se a Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) nessa variável, se utilizando a Matriz de Ponderação Espacial (W), com critério de proximidade geográfica, respeitando a dimensão n por n (n x n), em que os vizinhos de cada localidade são especificados. Essa parte da análise espacial foi importante para identificar os padrões de aglomeração espacial dessa taxa, bem como auxiliou na sua visualização no espaço e no tempo. No que diz respeito à matriz de peso espacial (W), Golgher (2015) mostra que ela pode ser construída por proximidades geográficas, condições socioeconômicas, culturais e institucionais. Ao considerar esses aspectos, as matrizes testadas neste trabalho foram a rainha, torre e k-vizinhos euclidiana e no arco (k = 5, k = 7 e k = 9). Para essa escolha, foram adotados os seguintes passos: i) estimou-se o modelo clássico de regressão linear; ii) foram testados os resíduos do modelo para a autocorrelação espacial, usando o I de Moran para um conjunto de matrizes W; e iii) selecionou-se a matriz de peso espacial que gerou o valor mais alto no teste de I de Moran e que foi estatisticamente significativo. Além disso, foram testadas a autocorrelação espacial global e local para verificar se os dados são aleatórios, conforme recomendado por Elhorst (2010, 2014). Destarte, o maior valor do I de Moran, que apresenta a autocorrelação espacial global univariada, determina a matriz de ponderação espacial que mais capta os efeitos de correlação espacial da variável de interesse (Almeida 2012). Para verificar a robustez dos resultados, foi realizado uma permutação aleatória. A partir desse teste, realizado com 99.999 permutações, rejeitou-se a hipótese nula (aleatoriedade espacial) com o valor do pseudo p-value com significância estatística de 1%. Portanto, a escolha do tipo de matriz de dados espaciais também levou em consideração a disponibilidade das informações nas bases de dados utilizadas neste trabalho, que estão agregadas a nível estadual. Destaca-se que não foi possível a criação de matrizes espaciais levando em consideração distância entre as Organizações de Procura de Órgãos (OPOS), ou entre as Comissões Intra-Hospitalares de Doação e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT’s). Além disso, mesmo que as macrorregiões de saúde estabelecidas pelo SUS sejam muito bem definidas, a disponibilidade dos dados não permite que sejam criadas matrizes espaciais para tentar melhor captar o contexto das doações-transplantes de órgãos. Na análise da autocorrelação espacial global, utilizou-se o valor estatístico do Índice de Moran (I) – em que a hipótese nula se refere à aleatoriedade espacial - e o diagrama de dispersão de Moran, que apresentou os tipos de clusters (Alto-Alto - AA, Baixo-Baixo - BB, Baixo-Alto-BA e Alto-Baixo - AB). Nos agrupamentos do tipo AA e BB, respectivamente, as unidades federativas do Brasil exibem valores altos (baixos) da variável de interesse (taxa de doações efetivas de órgãos) e estão cercados por unidades espaciais que apresentam, também, elevados valores (reduzidos) dessa variável defasada. Por sua vez, aqueles do tipo BA e AB, nesta ordem, trata-se de aglomerações em que as unidades espaciais têm valores baixos (altos) da variável de interesse e estão circundadas por áreas geográficas que têm valores altos (baixos) dessa variável defasada (Elhorst 2014; Golgher 2015). Na sequência da análise espacial, foram verificados os padrões locais de autocorrelação espacial estatisticamente significativos, utilizando-se o mapa de cluster denominado de LISA (Local Indicator of Spacial Association). Ele é o método mais adequado para avaliar esses indicadores nessa etapa do estudo e dividido em categorias de resultados, destacando: não significativo e clusters do tipo AA, BB, AB e BA (Anselin 1999). Outra etapa da estratégia empírica correspondeu ao uso do painel espacial, em que, inicialmente, foram estimados os modelos não espaciais de regressão para dados em painel, denominados de Efeitos Fixos (EF) e Efeitos Aleatórios (EA). Na escolha do tipo de modelo, aplicou-se o teste de Hausman (cuja hipótese nula é a ausência de correlação dos regressores com o termo de erro) e o seu resultado indicou o modelo de EF. Em termos analíticos, o modelo de dados em painel de efeitos fixos com dependência espacial foi representado por: \begin{equation}y_{it} = \alpha + \rho W_{1}y_{it} + X_{it}{\beta + W}_{1}X_{it}\tau + \xi_{it}\end{equation} y i t = α + ρ W 1 y i t + X i t β + W 1 X i t τ + ξ i t (1) \begin{equation}\xi_{it} = \lambda W_{2}\xi_{it} + \varepsilon_{it}\end{equation} ξ i t = λ W 2 ξ i t + ε i t (1.a) em que \begin{equation}y\end{equation}y é a variável dependente (taxa de doação efetiva de órgãos sólidos por morte encefálica); X refere-se às variáveis explicativas (fatores sociodemográficos e de gestão em saúde); \begin{equation}t\end{equation}t é o tempo; \begin{equation}i\end{equation}i é o espaço; \begin{equation}W_{1}y\ \end{equation}W1y e \begin{equation}W_{1}X\end{equation}W1X correspondem às defasagens espaciais, respectivamente, da variável dependente e das explicativas exógenas; \begin{equation}\rho\end{equation}ρ e \begin{equation}\lambda\end{equation}λ são parâmetros espaciais escalares, \begin{equation}\tau\end{equation}τ é o vetor de coeficiente espacial, \begin{equation}\xi\end{equation}ξ é o erro da defasagem espacial. O \begin{equation}\xi\end{equation}ξ é calculado pela Equação (1.a) onde \begin{equation}W_{2}\xi\end{equation}W2ξ representam os erros defasados espacialmente, \begin{equation}\varepsilon\end{equation}ε é o erro e \begin{equation}\alpha\end{equation}α é a heterogeneidade não observada (Elhorst 2014). Neste trabalho, os principais modelos espaciais estimados, considerando as restrições impostas aos parâmetros \begin{equation}\rho\end{equation}ρ, \begin{equation}\tau\end{equation}τ e \begin{equation}\lambda\end{equation}λ do modelo geral (Equações 1 e 1.a e a classificação quanto ao tipo de abrangência geográfica, conforme Quadro 1, foram os seguintes: Autorregressivo Espacial (SAR - Spatial Autoregressive Model); Regressivo Cruzado Espacial (SLX - Spatial Lag of X); Erro Autorregressivo Espacial (SEM - Spatial Error Model); Durbin Espacial do Erro (SDEM - Spatial Durbin Error Model) e Durbin Espacial (SDM - Spatial Durbin Model). Segundo Almeida (2012), os modelos com abrangência global (por exemplo, SAR e SEM) são aqueles em que o alcance de transbordamento é global. Ou seja, o multiplicador espacial mostra que o efeito sobre a variável dependente seja estendido para todas regiões do estudo. Por sua vez, os modelos do tipo local (SLX) são aqueles em que o alcance de transbordamento é localizado. Isto é, o impacto da dependência atinge somente algumas áreas, principalmente, os vizinhos diretos e os indiretos (vizinhos dos vizinhos). E ainda, têm-se os modelos de alcance global e local (SDEM e SDM). Quadro 1 - Tipos principais de modelos espaciais Modelos \begin{equation}\mathbf{\rho}\end{equation} 𝛒 \begin{equation}\mathbf{\tau}\end{equation} 𝛕 \begin{equation}\mathbf{\lambda}\end{equation} 𝛌 Tipo Autorregressivo espacial (SAR) ≠ 0 0 0 Global Regressivo cruzado espacial (SLX) 0 ≠ 0 0 Local Erro autorregressivo espacial (SEM) 0 0 ≠ 0 Global Durbin espacial do erro (SDEM) 0 ≠ 0 ≠ 0 Global e Local Durbin espacial (SDM) ≠ 0 ≠ 0 0 Global e Local Fonte: Adaptado de Anselin (1999). Na próxima fase da pesquisa, aplicou-se os Critérios de Informação de Akaike (AIC)15 e Bayesiano (BIC)16, escolhendo assim o modelo de Durbin Espacial (SDM) de efeitos fixos com dependência espacial, que foi estimado pelo Método de Máxima Verossimilhança (MV) 17. O modelo SDM de efeitos fixos com dependência espacial foi representado por (Lesage e Pace 2009): \begin{equation}y_{it} = 𝜌𝑊y_{it} + α\iota_{N}+ X_{it}𝛽 + 𝑊X_{it}\theta + \varepsilon_{it}\end{equation} y i t = 𝜌 𝑊 y i t + α ι N + X i t 𝛽 + 𝑊 X i t θ + ε i t (2) \begin{equation}\varepsilon_{it}~N (0, \sigma^{2}I~n~)\end{equation} ε i t N ( 0 , σ 2 I n ) (2.a) em que y é a variável dependente; \begin{equation}t\end{equation}t é o tempo; \begin{equation}i\end{equation}i é o espaço; Wy e WX correspondem às defasagens espaciais, respectivamente, da variável dependente e das explicativas exógenas; α\begin{equation}\iota_{N}\end{equation}ιN é a heterogeneidade não observada; e \begin{equation}\rho\ \end{equation}ρé o parâmetro espacial escalar. No modelo SDM, o alcance global é dado pelo multiplicador espacial que advém da variável dependente defasada espacialmente e o efeito de alcance local vem das defasagens espaciais das variáveis explicativas. Nesse tipo de modelagem também é possível analisar o efeito direto (ED), indireto (EI) e total (ET). Seguindo Elhorst (2010), o efeito direto mostra o impacto da variação de uma unidade na variável explicativa da unidade federativa i sobre a variável dependente da mesma unidade espacial. Ou seja, esse efeito é dado pelo impacto das variáveis explicativas sobre a variável dependente localmente. Por exemplo, admita o ED como o efeito sobre a taxa de doações efetivas de órgãos sólidos da unidade federativa i quando aumenta (ou diminui) a densidade populacional da unidade i em 1%. O efeito indireto (EI), por sua vez, corresponde ao impacto da mudança de uma unidade na variável explicativa da unidade federativa i sobre a variável dependente das unidades vizinhas (primeira ordem), se referindo ao transbordamento espacial dessas variáveis. Por exemplo, ele capta o impacto do aumento (redução) de 1% da densidade populacional da unidade federativa i sobre a taxa de doações efetivas de órgãos sólidos de seus vizinhos. O efeito total (ET) é dado pela soma dos efeitos direto e indireto, captando o impacto de todas as unidades federativas (ou regiões) incorporadas na matriz de peso sobre uma determinada unidade i, incluído o efeito da própria unidade federativa18 (Lesage e Pace 2009). aborda a metodologia, com fonte, descrição dos dados e a estratégia empírica. Por fim, a seção 6 6. Resultados e Discussão Esta seção está organizada em duas partes: na primeira (subseção 6.1) é apresentada a análise descritiva dos dados e da AEDE. E na segunda, apresenta-se a análise econométrica (subseção 6.2) 6.1 Análise dos Resultados Descritivos e da AEDE Na Tabela 1, são apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis (dependente e explicativas) usadas na pesquisa, com exceção das dummies binárias OPO’s e CIHDOTT’s. Ao longo do tempo, observou-se que a taxa média de doação efetiva de órgãos sólidos por mortes encefálicas nas UF’s brasileiras foi de 9,8 pmp, sendo que Santa Catarina apresentou a maior taxa (40,28 pmp em 2017). A dispersão relativa alta dessa variável (coeficiente de variação igual a 93,22%) indicou a existência de diferenças regionais dessas doações nas áreas analisadas. No que se refere aos fatores sociodemográficos, verificou-se que a escolaridade (IDHM Educação) teve média igual a 0,69, com registro máximo de 0,84 na unidade de São Paulo (2016) e mínimo de 0,57 em Alagoas (2013). A média da densidade demográfica foi de 72,97 habitantes/km2, com maior valor de 527,61 habitantes/km2 no Distrito Federal (2017) e menor de 2,09 habitantes/km2 em Roraima (2012). Já a média da taxa de envelhecimento populacional correspondeu a 8,14, registrando seu valor mais alto em 2016, no Rio De Janeiro (13,08) e o mais baixo, em 2013, em Roraima (3,43). Na questão da composição étnica, verificou-se que a proporção média de não brancos foi de 64,98%, com valor máximo (85,71%) em Santa Catarina (2012) e mínimo (12,37%) no Amapá (2012). Tabela 1 - Análise descritiva das variáveis usadas na pesquisa, UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Variáveis Média DV Mínimo Máximo CV (%) Taxa de doação efetiva de órgãos sólidos 9,89 9,22 0 40,28 93,22 Escolaridade (IDHM Educação) 0,69 0,06 0,57 0,84 8,69 Densidade populacional 72,97 113,28 2,09 527,61 155,24 Taxa de envelhecimento populacional 8,14 2,04 3,43 13,08 25,06 Proporção de não brancos 64,98 19,11 12,37 85,71 29,41 Taxa de respiradores de emergência 222,41 88,75 69,92 477,21 39,90 Taxa de leitos em UTI 159,64 74,37 44,80 402,18 46,58 Taxa de equipes transplantadoras de órgãos 0,52 0,39 0 1,43 75,72 Taxa de mortes por causas neurológicas 15,23 24,57 0,72 317,80 161,33 Taxa de cobertura de planos de saúde 17,64 9,76 5,60 44,50 55,33 Fonte: Resultados da Pesquisa (2022). Elaboração própria. Nota: DV – Desvio padrão. CV – Coeficiente de variação. A taxa média de respiradores (ou ventiladores) de emergência nos hospitais (gestão em saúde) foi de 222,41 pmp, com registro máximo de 477,21 pmp no Distrito Federal, em 2015, e mínimo 69,90 pmp no Piauí, em 2012. A taxa média de leitos em UTI foi de 159,64 (pmp), sendo que o maior valor (402,185 pmp) foi evidenciado no Distrito Federal (2013) e o menor (44,80 pmp) no Acre (2012). A taxa média de equipes transplantadoras foi de 0,52 (pmp), sendo que o seu maior valor foi 1,43 (pmp) para o ano 2013, no Distrito Federal. Por sua vez, a média da taxa de mortes por causas neurológicas foi de 15,23 pmp. O valor máximo dessa variável foi registrado no Estado do Rio Grande do Sul (317,80 pmp), em 2016, e o mínimo no Acre (0,72 pmp), em 2017. A taxa média de cobertura de plano de saúde foi de 17,64%, sendo o maior valor registrado (44,50 %) em São Paulo (2014) e o menor (5,60%) no Acre (2017). Por fim, todas as variáveis explicativas apresentaram dispersão relativa alta dos dados, exceto escolaridade, taxa de envelhecimento populacional e proporção de não brancos. Na Figura 3, observou-se que as unidades federativas do Ceará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre 2012 e 2017, registraram elevadas taxas efetivas de doações de órgãos sólidos. Já Roraima, Amapá, Tocantins e Mato Grosso não tiveram doações nesse período. Houve maior e menor concentração das doações nas regiões Sul e Norte do Brasil, respectivamente; além disso, essa taxa apresentou padrões espaciais, indicando a existência de agrupamentos nas áreas analisadas. Figura 3 - Distribuição espacial da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (TDE), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Fonte: Resultado da Pesquisa (2022). Elaboração própria. Na Tabela 2, estão apresentados os resultados das estatísticas globais do teste de I de Moran para a variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s do Brasil (logaritmo natural - ln). Os resultados foram significativos a 1% para todas as matrizes testadas (rainha, torre, k-vizinhos Euclidiana e Arco (k5, k7 e k9)) por ano. Confirmou-se a autocorrelação espacial positiva e a não tendência aleatória da distribuição, indicando que essa taxa nas unidades federativas vizinhas influenciou o comportamento das doações na unidade de análise. A matriz rainha foi a escolhida, pois teve o maior valor de I Moran Global, mostrando-se adequada para as demais análises espaciais da pesquisa. Tabela 2 - Estatísticas Globais I de Moran para a variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (em logaritmo natural-ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Ano Matriz de peso I de Moran Ano Matriz de peso I de Moran 2012 Rainha 0,499 2015 Rainha 0,460 Torre 0,499 Torre 0,460 k-5 Euclidiana 0,318 k-5 Euclidiana 0,302 k-7 Euclidiana 0,259 k-7 Euclidiana 0,260 k-9 Euclidiana 0,239 k-9 Euclidiana 0,245 k-5 Arco 0,328 k-5 Arco 0,313 k-7 Arco 0,264 k-7 Arco 0,262 k-9 Arco 0,239 k-9 Arco 0,246 2013 Rainha 0,423 2016 Rainha 0,584 Torre 0,423 Torre 0,584 k-5 Euclidiana 0,243 k-5 Euclidiana 0,368 k-7 Euclidiana 0,207 k-7 Euclidiana 0,299 k-9 Euclidiana 0,206 k-9 Euclidiana 0,280 k-5 Arco 0,257 k-5 Arco 0,380 k-7 Arco 0,210 k-7 Arco 0,299 k-9 Arco 0,208 k-9 Arco 0,290 2014 Rainha 0,431 2017 Rainha 0,646 Torre 0,431 Torre 0,646 k-5 Euclidiana 0,274 k-5 Euclidiana 0,443 k-7 Euclidiana 0,230 k-7 Euclidiana 0,366 k-9 Euclidiana 0,218 k-9 Euclidiana 0,315 k-5 Arco 0,283 k-5 Arco 0,455 k-7 Arco 0,232 k-7 Arco 0,365 k-9 Arco 0,216 k-9 Arco 0,328 Fonte: Resultado da pesquisa (2022). Elaboração própria. Nota1: Todos os coeficientes de I de Moran foram significativos a 1%. Nota2: Para dar maior robustez aos resultados, foram realizadas 99.999 permutações. A partir do diagrama de dispersão de Moran (Figura 1A - Apêndice), observou-se a existência de autocorrelação positiva da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos, com concentração de unidades federativas brasileiras no primeiro (Alto-Alto) e no terceiro quadrante (Baixo-Baixo). Para complementar essa análise, está apresentado, na Figura 4, o Mapa de Cluster Lisa dessa variável. O cluster baixo-baixo (cor azul) foi observado, entre 2012 e 2017, para as unidades do Amazonas, Pará e Tocantins. Esse mesmo agrupamento foi identificado no Maranhão e no Mato Grosso, com exceção dos anos de 2015 e 2017, respectivamente. Nessas áreas geográficas existiam baixos valores da taxa de doações, cercados por regiões com baixos valores desta variável. Figura 4 - Mapa de Cluster Lisa da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos - TDE (em logaritmo natural-ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Nota: Mapa com 99.999 permutações e com nível de significância de 5%. Fonte: Resultado da pesquisa (2022). Elaboração própria. O cluster alto-alto (cor vermelha) foi observado em todos os anos da série (2012-2017) na região Sul do Brasil, com destaque para o Paraná (exceto no ano de 2015) e o Rio Grande do Sul (exceção no ano de 2013). Santa Catarina, por sua vez, apresentou esse tipo de agrupamento nos anos de 2015, 2016 e 2017. Nessas áreas confirmou-se a existência de altas taxas de doações, cercadas por regiões espaciais que também mostraram altos valores dessa variável. O cluster baixo-alto foi identificado apenas na Paraíba no ano de 2012, mostrando que essa unidade federativa registrou baixas taxas de doações e estava circundada por vizinhos com elevadas taxas naquele período. 6.2 Análise dos Resultados Econométricos do Modelo Durbin Espacial com Dados em Painel Na Tabela 3, são apresentados os resultados das estimações do modelo de painel de dados espaciais SDM com efeitos fixos, referente as Equações (2)) e ((2.a) - seção 4 desse estudo. A coluna (2) apresenta os coeficientes das variáveis explicativas e a coluna (3), traz os coeficientes das variáveis explicativas espacialmente defasadas, além do coeficiente da variável dependente defasada espacialmente (valor do Rho). As outras colunas captam os efeitos direto (ED), indireto (EI) e total (ET), conforme exposto na metodologia. A escolha do modelo estimado, conforme já destacado, ocorreu a partir do teste de Hausman e dos critérios AIC e BIC; além disso, esses resultados foram robustos à heterocedasticidade. Conforme resultados, o coeficiente da defasagem espacial da variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (Rho) foi significativo e com sinal negativo, indicando que essa variável dependente em cada UF brasileira se relacionou negativamente com a taxa dos seus vizinhos. Logo, no processo de doação realizado nessas áreas existem transbordamentos espaciais. Isso indica que existem padrões de crescimento dessa taxa em cada unidade de análise e, ainda, o comportamento dela pode ser afetado pelo desempenho das taxas nas unidades vizinhas, que apresentaram, em geral, padrões abaixo da média de doações desse tipo de órgãos. Considerando os fatores sociodemográficos, verificou-se que a variável escolaridade defasada (IDHM Educação defasado) impactou de forma positiva a taxa de doações de órgãos na UF analisada. Em termos dos efeitos indireto e total, a escolaridade na unidade de análise impactou positivamente as doações nas unidades vizinhas, mostrando o transbordamento dessa variável. Essas evidências estão de acordo com os trabalhos de Barcellos, Araújo e Costa (2005) e Freire (2013) aplicados ao Brasil, os quais mostraram que quanto maior a escolaridade, mais alta é a probabilidade de ocorrer a doação de órgãos. A educação pode afetar as atitudes, os comportamentos e conhecimento da sociedade como um todo sobre o processo de doação-transplante. Ainda, Shah et al. (2018) para os EUA e Page, Higgs e Lanfgord (2018) para o País de Gales, também evidenciaram que altos níveis de educação estão positivamente relacionados às taxas de doações e registros de doadores. Tabela 3 - Resultados do modelo de painel de dados espaciais SDM com efeitos fixos (em logaritmo natural – ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Fatores Fatores explicativos Fatores espacialmente defasados Efeitos Direto Indireto Total Escolaridade (IDHM Educação) 1,8796 (1,2186) 9,4604* (1,7711) 1,5011 (1,1144) 8,1918* (1,5931) 9,6929* (1,9101) Densidade populacional 0,2597* (0,0626) 1,2332* (0,1307) 0,2058* (0,0705) 1,0734* (0,1410) 1,2793* (0,1374) Taxa de envelhecimento populacional 0,1354 (0,3478) -2,1049* (0,4389) 0,2497 (0,3754) -1,9430* (0,4322) -1,6933* (0,3753) Proporção de não brancos -0,8401* (0,0990) 1,6065* (0,2573) -0,9214* (0,0936) 1,5634* (0,2259) 0,6419* (0,2401) Taxa de respiradores de emergência 0,6290** (0,2834) 0,3212 (0,3938) 0,6139** (0,2855) 0,2001 (0,3876) 0,8141** (0,4025) Taxa de leitos em UTI 0,2861 (0,3085) -1,2192* (0,4638) 0,3562 (0,3184) -1,1392* (0,4281) -0,7829*** (0,4205) Taxa de equipes transplantadoras -0,3034* (0,1040) 0,5496* (0,1770) -0,3372* (0,1056) 0,5530* (0,1665) 0,2158 (0,1735) Taxa de mortes por causas neurológicas 0,1583** (0,0796) -0,4968* (0,1752) 0,1794** (0,0800) -0,4785* (0,1537) -0,2990 (0,1832) Taxa de cobertura de planos de saúde -0,4152 (0,3439) -0,1105 (0,3343) -0,4211 (0,3359) 0,0336 (0,3245) -0,4547 (0,3183) Dummy OPO’s 0,1441** (0,0706) 0,3336** (0,1428) 0,1279*** (0,0704) 0,2793** (0,1189) 0,4072* (0,1393) Dummy CIHDOTT’s 0,3309 (0,2420) 1,1731* (0,3568) 0,2744 (0,2345) 1,0231* (0,3238) 1,2975* (0,3899) R quadrado 0,8385 0,1065 AIC - 165,3546 - - - BIC - 239,4569 - - - Teste de Hausman 665,13 - - - - p-valor 0,0000 - - - - Fonte: Resultados da pesquisa (2022). Elaboração própria. Nota1: Número de observações (N): 162, número de Unidades Federativas (n): 27 e número de anos (t): 6. Erro padrão da estatística entre parênteses. Resultados robustos a heterocedasticidade. Nota2: *Significativo a 1%, ** Significativo a 5% e *** Significativo a 10%. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2019), a doação de órgãos sólidos no Brasil está crescendo, mas uma das principais barreiras atuais é o não consentimento ou resposta negativa da população em relação ao tema. Dúvidas sobre mercado de órgãos, mutilação do corpo humano, aspectos religiosos e culturais são fatores que interferem na decisão das famílias. Assim, a escolaridade se torna um condicionante social relevante no esclarecimento sobre a ética desse processo (Andrade e Goldim 2018). O fator densidade populacional e sua defasagem afetaram positivamente a taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s do Brasil, com destaque para o efeito de transbordamento da vizinhança (efeito local). Essas evidências estão em consonância com as pesquisas de Gomes (2007) e Soares et al. (2020). Esses autores indicaram que a maior oferta de órgãos sólidos e transplantes realizados ocorreu, principalmente, em regiões do Brasil com concentração populacional e esse fato gerou desigualdades regionais na distribuição dessas doações. Já Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017), em pesquisa realizada para a Tailândia, em 2004, também trabalhou com a hipótese da associação positiva desse condicionante sobre tal variável dependente; contudo, o coeficiente estimado não foi significativo. Os resultados deste estudo mostraram relação positiva entre a taxa de envelhecimento populacional e as doações efetivas de órgãos sólidos nas UF’s brasileiras, contudo ela não foi significativa. Por sua vez, o aumento de idosos nas regiões vizinhas (variável explicativa defasada) pode diminuir essas doações na unidade de análise. O efeito indireto e total mostrou que um aumento da taxa de envelhecimento de uma determinada UF impacta negativamente essas doações nas UF’s vizinhas. Cabe destacar que, no Brasil, os principais doadores efetivos de órgãos ainda são os jovens. Este público está mais vulnerável a ter um traumatismo craniano por acidentes de transporte terrestre do que por AVC, como é o caso dos idosos (Silva et al. 2014). Segundo Gomes, Barbosa e Passos (2020), o principal motivo de mortes em decorrência de cranioencefálicos está relacionado a esse tipo de causa externa. Além disso, Cuende et al. (2007) afirmam que doações após os 65 anos, principalmente para fígado e rim, podem não ocorrer, devido às doenças crônicas que afetam a saúde desse público (Mello e Lima 2020). Contudo, é um processo que está em transição e em crescimento no contexto mundial. No que se refere à composição étnica, observou-se que a proporção de não brancos de uma determinada UF se relaciona negativamente com a taxa de doação de órgãos sólidos da mesma unidade espacial, o que foi confirmado pelo efeito direto. Ao se considerar essa variável defasada, expandindo-se a proporção de não brancos nas regiões vizinhas, pode ocorrer um aumento nas doações da UF de análise. De forma indireta, a expansão na proporção de não brancos na unidade de análise afeta de forma positiva a taxa de doações nas regiões vizinhas, captando o efeito de transbordamento dessa variável explicativa. A composição étnica de uma população pode influenciar as taxas de doações de órgãos sólidos, conforme evidenciado nas pesquisas de Higgns e Fishman (2006), Bratton, Chavin e Baliga (2011), Marinho, Cardoso e Almeida (2012), Bongiovanni et al. (2020) e Park et al. (2022). Esses autores mostraram que indivíduos não brancos (pretos, pardos, indígenas, entre outros), podem apresentar baixa propensão ou até mesmo se recusar a doar seus órgãos em virtude dos seguintes motivos: a) insuficiência de doadores com potenciais compatibilidade, devido as diferenças biológicas nas diversas populações étnicas, b) falta de confiança no sistema de saúde; c) desinformação sobre o processo de doação, principalmente, em relação ao sistema de alocação e a vivência de um receptor de transplante; d) discriminação por gênero e etnia; e) (des)confiança na comunidade médica, em especial, a questão dos cuidados médicos preventivos limitados, f) crenças espirituais; g) baixo nível escolaridade e renda (preocupações financeiras); e h) desproporção em lista de espera para transplante de órgãos, entre outros. Com relação aos fatores de gestão em saúde, verificou-se que a taxa de respiradores de emergência de uma determinada UF impactou de forma positiva a variável dependente nessa unidade espacial. Na análise do efeito direto e total, houve a predominância também desse sinal. Essas evidências são relevantes, pois confirmam a importância desses equipamentos para diagnóstico de morte encefálica, manutenção e preservação do corpo do potencial doador falecido. Logo, esses resultados estão em conformidade com as pesquisas de Cavalcante (2014) e Garcia et al. (2015). Gois et al. (2017), Gómez, Jungmann e Lima (2018) e Bertasi et al. (2019) complementam afirmando que as unidades hospitalares de um país devem apresentar infraestrutura (equipamentos, leitos, UTI’s, entre outros) e recursos humanos adequados para que o processo de captação, doação e transplantes de órgãos ocorra de maneira efetiva e eficaz. Esse fato pode reduzir as diferenças regionais na disponibilidade dos órgãos e no número de pacientes em lista de espera por um transplante. Os resultados dessa pesquisa mostraram que a taxa de leitos em UTI nas UF’s vizinhas (fator explicativo defasado) exerceu impacto negativo sobre as taxas de doações de órgãos sólidos na unidade em análise. E ainda, que um aumento dessa taxa em determinada UF reduziu as doações nas áreas vizinhas, pelo efeito indireto e total. Esse resultado não esperado pode estar relacionado a capacidade de atendimento hospitalar da alta complexidade nas diferentes regiões do Brasil. Destaca-se que a disponibilidade de leitos em UTI’s em cada hospital credenciado ao SNT contribui para a qualidade da assistência aos doadores (potenciais e efetivos) e a recuperação dos pacientes pós-transplantes (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2020). Nesta linha, é de extrema importância que os gestores regionais e locais desse sistema fiscalizem e avaliem melhor a infraestrutura ofertada, o funcionamento desses hospitais nos serviços realizados, além da eficiência deles no processo de doação-transplante de órgãos. O efeito da taxa de equipes transplantadoras de órgãos de uma determinada UF foi negativo sobre a taxa de doações de órgãos sólidos dessa mesma unidade espacial. Esse resultado foi confirmado pelo efeito direto. Ao considerar a sua defasagem, identificou-se que um aumento desta taxa nas unidades federativas vizinhas pode expandir as doações na unidade de análise. Esse resultado pode estar relacionado a forma como a alocação das equipes está sendo organizada e otimizada em cada UF, o que gera disparidades no processo. O transbordamento espacial foi captado pelo efeito indireto ao mostrar que uma expansão na taxa de equipes de uma determinada UF gera uma expansão nas doações de órgãos nas unidades vizinhas. Costa, Balbinotto e Neto (2014, 2016) destacam que é importante a atuação coordenada e regional dessas equipes na captação e doação de órgãos, bem como na efetivação do número órgãos ofertados, contribuindo para o funcionamento eficiente do SNT. A taxa de mortes por causas neurológicas de uma determinada UF impactou positivamente a taxas de doações de órgãos sólidos da mesma UF, o que foi confirmado pelo efeito local. Por sua vez, essas mortes ocorridas nas unidades federativas vizinhas, ao longo do tempo, reduziram as taxas de doações de órgãos sólidos na unidade de análise. Em termos do efeito indireto, o sinal foi negativo. Esses resultados podem estar relacionados aos problemas de concentração de serviços neurológicos, falta de infraestrutura hospitalar e de registros efetivos sobre a evolução do quadro clínico dos pacientes (Freire 2013; Freitas et al. 2015). Nessa linha, Kananeh et al. (2020) destacam que, além da identificação correta da morte encefálica, é importante uma abordagem adequada dos familiares para que a autorização ocorra e a doação seja efetivada. O efeito positivo da dummy referente às OPO’s indicou que a criação e implementação dessa política pública no Brasil foi importante para incentivar as taxas de doações efetivas de órgãos sólidos nas UF’s. Essas organizações apresentam papel fundamental no processo de doação-transplante e são formadas por profissionais (enfermeiros, médicos e assistentes sociais) capacitados e treinados para organizar, apoiar e realizar a busca de órgãos (Brasil 2009b). Destaca-se que essas equipes, até 2017, foram responsáveis (implicitamente) por toda organização, comunicação e funcionamento da captação e doação de órgãos em nível estadual e regional no país (Brasil 2009a). Após esse ano, continuaram a atuar no sistema, mas nas organizações de rede de procura e doação de órgãos, estrutura de preservação e rede de auxílio do processo. Segundo Silva et al. (2020), a atuação dos profissionais da área médica e de enfermagem das OPO’s é de crucial importância para o aumento no número de doadores efetivos, pois qualquer atuação não eficaz dessas equipes pode prejudicar todo o funcionamento e organização do SNT em nível municipal, estadual e federal. Manyalich et al. (2003) e Farrell (2010) destacam, ainda, que as estruturas organizacionais de procura de órgãos, com coordenações regionais, contribuem para a expansão da disponibilidade de órgãos em um país. Padela et al. (2010), em estudo realizado na cidade de Detroit nos EUA, mostraram que as organizações de procura de órgãos foram importantes, também, na sensibilização sobre a importância da doação. Desse modo, os resultados desse estudo captaram a atuação ímpar dessa política no SNT, mostrando que unidades da federação que apresentam OPO’s tendem a aumentar suas doações efetivas. A dummy referente às CIHDOTT’s, outra política destinada à doação e transplantes de órgãos no Brasil, mostrou que a atuação dessas equipes nas unidades federativas vizinhas afetou positivamente a doação de órgãos sólidos na unidade de análise. O efeito indireto mostrou que a implantação dessa política em uma determinada UF contribuiu também para a expansão dessas doações nas unidades vizinhas. Esse resultado está em conformidade com o marco legal e institucional do SNT, que ressalta a importância delas para melhorar o desempenho e eficiência desse processo (Brasil 2009a, 2017b). Além disso, esse resultado mostrou que o comportamento dessas comissões é regionalizado no país e são necessárias ações efetivas para melhorar o desempenho delas, principalmente no âmbito estadual. Outro ponto importante para o desempenho tanto das OPO’s quanto das CIHDOTT’S está relacionado à questão da abordagem familiar. Essas equipes assumem mais de uma atividade no contexto hospitalar e, em muitos casos, estão sobrecarregadas e não apresentam o treinamento adequado para exercerem tal função, o que pode levar a uma recusa da doação por parte dos familiares do potencial doador falecido (Gois et al. 2017; Bertasi et al. 2019). Nesse contexto, os profissionais que atuam nessas equipes, deveriam ser submetidos a constantes treinamentos e aperfeiçoamentos sobre o processo de doação-transplantes de órgãos. Torna-se relevante a implantação de melhores mecanismos de incentivos (institucionais e financeiros) a esses profissionais, bem como a necessidade de ações educacionais locais mais efetivas junto à população que enfatizem a importância da doação. mostra os resultados do estudo e a discussão destes.

2. Economia da doação-transplantes de órgãos sólidos: breve revisão teórica

A economia da doação-transplantes de órgãos sólidos corresponde a um conjunto de regras e normas estabelecidas para coordenar o processo e o funcionamento dos sistemas de transplantes no contexto mundial e nacional (Steiner 2010Steiner, P. 2010. La transplantation d’organes: un commerce nouveau entre les êtres humains. Paris: Gallimard.; Costa 2012Costa, C. K. F. 2012. “Ensaio sobre a economia dos transplantes renais no Brasil: incentivos e eficiência”. Tese de Doutorado em Economia Aplicada, Programa de Pós Graduação em Economia. Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). Na Figura 1, está apresentada uma síntese dos principais tópicos econômicos desse processo, os quais estão divididos da seguinte forma: 1) determinantes do potencial doador; 2) medida de benefício social e a saúde; 3) procura por órgãos; 4) disponibilidade e doação de órgãos; 5) avaliação econômica; 6) análise de equilíbrio; 7) avaliação macro; e 8) planejamento, orçamento e monitoramento do sistema. Esses tópicos estão inter-relacionados ao se abordar estudos nesse campo de pesquisa.

Segundo Thorne (2006)Thorne, E. 2006. “The Economics of Organ Transplantation”. In: Handbook of the Economics of Giving, Altruism and Reciprocity, editado por S. C. Holm e J. M. Ythier. 2. ed. Amsterdam: North Holland. 1336-1368. e Roth (2016)Roth, A. E. 2016. Como funcionam os mercados. Portfolio-Penguin., os órgãos sólidos podem ser interpretados como produtos altamente específicos, com as seguintes características econômicas: i) o comportamento da oferta e da demanda deles é estocástico; ii) devido a sua deterioração, o tempo para retirada e preservação de cada órgão é limitado9 4 A limitação do tempo de cada órgão sólido é a seguinte: para o rim, o tempo de retirada é de até 30 minutos pós-parada cardíaca (PC) e o tempo de preservação é de até 48 horas. Para coração e pulmão, a retirada deve ocorrer antes da PC e o tempo de preservação é de até 4 a 6 horas. Para fígado e pâncreas, a retirada também deve ser feita antes da PC e o tempo de preservação é de 12 a 24 horas (Brasil 2009a). e seu uso é excludente; iii) não é permitida a sua comercialização; iv) os doadores não controlam a oferta desses órgãos e essa disponibilidade não é determinada pelo poder de compra dos indivíduos; e v) existe um desperdício, muitas vezes causado pela existência de assimetria de informação entre o sistema de doação-transplante e os hospitais responsáveis pela realização dos procedimentos (Becker e Elías 2007Becker, G. S. e J. J. Elías. 2007. “Introducing Incentives in the Market for Live and Cadaveric Organ Donations”. Journal of Economic Perspectives 21 (3): 3-24.; Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016———. 2016. “Análise dos incentivos contratuais de transplantes de rins no Brasil pelo modelo agente-principal”. Cadernos de Saúde Pública 32 (8): 1-13.).

Figura 1 -
Fluxograma da economia da doação-transplante de órgãos sólidos

A doação de órgãos é norteada por modelos de coordenação econômica que apresentam bases fundamentadas na solidariedade social (Pauli 2019Pauli, J. 2019. “Doação organizacional em face ao mercado de órgãos: uma análise do modelo brasileiro de transplantação”. Nova Economia 29 1: 339-363.). Além disso, a partir da teoria de North (2003)North, D. C. 2003. The role of institutions in economic development. Geneva: UNECE. sobre a evolução da sociedade condicionada ao papel das relações institucionais formais e informais10 5 As regras formais são as leis, Constituição, regulamentos, portarias, entre outros. Já as regras informais correspondem às normas de comportamento e de conduta, cultura, convenções, ou seja, aquelas não escritas, impostas pelo ser humano em seu relacionamento com os outros (North 2003). , pode-se considerar esse processo como um sistema econômico, que é analisado no âmbito da sociedade (família do doador), do sistema de transplante (rede) e da doação propriamente (transação dos órgãos), no qual os efeitos de reputação são levados em consideração. Ele pode ser abordado, também, no contexto da teoria do Principal-Agente (relação de Agência), de sua estrutura de governança e de seus aspectos microeconômicos e de alocação efetiva (Costa 2012Costa, C. K. F. 2012. “Ensaio sobre a economia dos transplantes renais no Brasil: incentivos e eficiência”. Tese de Doutorado em Economia Aplicada, Programa de Pós Graduação em Economia. Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.).

No âmbito social do processo de doação de órgãos sólidos, destacam-se os parâmetros culturais, morais e religiosos de uma população. A negação ou julgamento da venda de um órgão também são padrões impostos por uma determinada sociedade (Irving et al. 2012Irving, M. J., A. Tong, S. Jan, A. Cass, J. Rose, S. Chadban, R. D. Allen, J. C. Craig, G. Wong e K. Howard, 2012. “Factors that influence the decision to be an organ donor: a systematic review of the qualitative literature”. Nephrol Dial Transplant 27: 2526-2533.). Estudos apontam que regras informais de uma sociedade levam muito tempo para serem modificadas e estão presentes no cotidiano social e, consequentemente, afetam as transações econômicas (Weiss et al. 2014Weiss, J., M. Coslovsky, I. Keel, F. F. Immer, P. Juni e Comite National Du Don D’Organes. 2014. “Organ Donation in Switzerland”. An Analysis of Factors Associated with Consent Rate. Plos One 9.).

Nessa linha, Byrne e Thompson (2001)Byrne, M. M. e P. Thompson. 2001. “A positive analysis of financial incentives for cadaveric organ donation”. Journal of Health Economics 20 (1): 60-83. afirmam que os indivíduos são altruístas quando o tema é a doação de órgãos e têm conhecimento limitado sobre o processo, devido aos costumes sociais. O estudo realizado pelos autores referente aos cenários de incentivos financeiros para doação de órgãos nos Estados Unidos indicou que, se houvesse pagamentos prévios para cadastros de doadores, isso não seria eficiente para elevar a oferta de órgãos, principalmente, em virtude das restrições impostas pela sociedade. Além disso, mesmo com leis que estabeleçam a doação presumida (ou seja, aquele indivíduo que não registrou em documento público de identidade o seu desejo de não ser doador), é pouco provável que um sistema utilize um órgão para transplante sem o consentimento familiar.

Thorne (2006)Thorne, E. 2006. “The Economics of Organ Transplantation”. In: Handbook of the Economics of Giving, Altruism and Reciprocity, editado por S. C. Holm e J. M. Ythier. 2. ed. Amsterdam: North Holland. 1336-1368., por sua vez, descreve a comercialização de órgãos, mostrando que existem, na literatura, diversos argumentos contrários e favoráveis a essa situação. Em termos contrários, destacou que a venda deles coloca em risco a eficiência do processo de transplantes, pois órgãos de baixa qualidade poderia ser utilizados. Os favoráveis à comercialização afirmam que o altruísmo é um recurso escasso na economia e, por isso, a sociedade não deveria depender da gentiliza desinteressada da família do potencial doador. O pagamento pelos órgãos pode gerar maior oferta e, assim, reduzir a escassez deles no mercado. O autor argumenta, ainda, que a doação é um processo de produção, pois há necessidade de convencer a família de doar e que são necessárias campanhas e incentivos para tal finalidade. Os familiares se tornam os fornecedores do órgão e este pode ser considerado como um bem, o qual não pode ser vendido ou cedido sem esse consentimento.

Mocan e Tekin (2019)Mocan, N. e E. Tekin. 2019. “The determinants of the willingness to be an organ donor”. NBER Working Paper Series, n. 11316. Cambridge. complementam que as políticas de conscientização sobre a doação são instrumentos fundamentais para aumentar a oferta de órgãos sólidos e que o governo de um país tem papel importante no direcionamento dessas ações. Para que ocorra a coordenação entre a doação por parte da família dos doadores e a efetivação do transplante, torna-se necessária a criação de uma rede de gestão (por exemplo, o SNT no Brasil), a qual deve planejar, orçar e monitorar todo o processo destacado.

No âmbito do sistema de transplantes e do próprio processo de doação de órgãos sólidos, Medina-Pestana et al. (2011)Medina-Pestana, J. O., N. Z. Galante, H. T. Silva Junior, K. M. Harada, V. D. Garcia, M. Abbud-Filho, H. H. Campos e E. Sabbaga. 2011. “O contexto do transplante renal no Brasil e sua disparidade geográfica”. Brazilian Journal of Nephrology 33 (3). destacam que fatores específicos podem contribuir para o aumento e/ou a redução da disponibilidade de órgãos e tecidos para transplantes em uma economia. As áreas geográficas que apresentam o maior número de habitantes podem contribuir para tal expansão. Contudo, são necessárias, também, a implementação de estratégias eficazes para identificar os possíveis doadores, reduzir as discriminações étnicas, ter uma logística adequada, além de um sistema de incentivos institucionais nos hospitais.

3. Processo de Doação-Transplante de Órgãos Sólidos no Brasil

No Brasil, o SNT é responsável por todo o processo de doação-transplante de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas), desde a identificação do potencial doador até a efetivação do transplante (Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016———. 2016. “Análise dos incentivos contratuais de transplantes de rins no Brasil pelo modelo agente-principal”. Cadernos de Saúde Pública 32 (8): 1-13.). Ele ocorre em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, que possuam equipes técnicas treinadas e tenham autorização prévia do Ministério da Saúde (Brasil 2017b———. 2017b. “Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9175-18-outubro-2017-785591-publicacaooriginal-153999-pe.html. Acesso em: 17 mar. 2018.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
). Além disso, essas doações devem se basear em critérios médicos que sejam declarados publicamente e aplicados de forma justa, ou seja, que considerem a necessidade e a probabilidade de sucesso de sua ocorrência (Weimer 2010Weimer, D. L. 2010. Medical Governance, Values, Expertise, and Interest in Organ Transplantations. Washington: Georgetown University Press.).

No caso específico do doador falecido de órgãos sólidos, Garcia e Pacini (2015)Garcia, V. D. e G. S. Pacini. 2015. Recomendações de nomenclatura no processo de doação e transplante. In: Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos, editado por C. D. Garcia, J. D. Pereira e V. D. Garcia. . São Paulo: Segmento Farma. destacam que existem nomenclaturas unificadas no processo de doação-transplante, que ajudam no planejamento e na organização das informações em nível mundial e nacional. Entende-se como: i) possível doador - aquele paciente com lesão encefálica grave e que está usando a ventilação mecânica, sendo que, no diagnóstico clínico, deve-se constatar ausência de todos os reflexos de tronco encefálico (pupilar, córneo-palpebral, óculo-cefálico, vestíbulo-ocular, reflexo de tosse) e apneia; ii) potencial doador - refere-se ao paciente que teve a abertura do protocolo para o diagnóstico de morte encefálica; iii) indivíduo elegível para doação - quando foi confirmado o diagnóstico de morte encefálica dele; iv) doador efetivo - momento em que se inicia a cirurgia para remoção de órgãos sólidos; e v) doador com órgãos transplantados - trata-se do indivíduo do qual, pelo menos, um dos seus órgãos é removido e realiza-se o transplante no receptor.

Na Figura 2, está apresentado o fluxograma do processo de doação de órgãos sólidos no Brasil, quando o doador é falecido. A identificação do possível doador se inicia com o exame de pacientes que apresentaram lesão neurológica grave, gerada por traumatismo cranioencefálico, AVC, tumores cerebrais, infecção de sistema nervoso central ou anoxia pós-parada cardiorrespiratória. Em mais de 90% dos casos, esse potencial doador apresenta traumatismo cranioencefálico ou AVC (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2020———. 2020. “Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado”. Registro Brasileiro de Transplantes. São Paulo 26, n. 4.).

Para a abertura do protocolo de diagnóstico de morte encefálica, são necessárias as seguintes condições dos pacientes: i) presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de provocar morte encefálica; ii) ausência de fatores tratáveis que possam confundir esse diagnóstico; iii) tratamento e observação do paciente em hospital pelo período mínimo de seis horas e em casos específicos (por exemplo, encefalopatia hipóxico-isquêmica), de 24 horas; e iv) temperatura corporal superior a 35ºC, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual 100 mmHg (Conselho Federal de Medicina 2017Conselho Federal de Medicina (CFM). 2017. “Resolução nº 2.173 de dezembro de 2017”. Disponível em: http://sctransplantes.saude.sc.gov.br/index.php/legislacao/resolucoes. Acesso em 10 set. 2020.
http://sctransplantes.saude.sc.gov.br/in...
; Westphal, Veiga e Franke 2019Westphal, G. A., V. C. Veiga e C. A. Franke. 2019. “Determinação da morte encefálica no Brasil”. Revista Brasileira de Terapia Intensiva 31 (3): 403-409.).

No contexto hospitalar, os primeiros profissionais a entrar em contato com o possível doador são as equipes que trabalham nas Unidades de Pacientes Críticos (UCI’s), que correspondem à UTI e ao Serviço de Emergência (SE). Ao identificar um possível doador, conforme condições supracitadas, a equipe médica comunica às equipes da OPO e da CIHDOTT que pertencem à rede de procura e doação de órgãos do SNT. Na próxima etapa, o médico que acompanha o paciente informa a família sobre a suspeita de morte encefálica, explica todos os exames que devem ser realizados e abre o protocolo desse diagnóstico. Na continuidade do processo de doação, a CIHDOTT deve acompanhar todo o processo de identificação de morte encefálica, mantendo a família informada e esclarecendo-a acerca de cada fase. Além disso, o potencial doador deve ser mantido na estrutura de preservação do SNT. Já a OPO deve comunicar à Central Estadual de Transplante de Órgãos (CET) que foi aberto o protocolo dessa fase (Brasil 2017b———. 2017b. “Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9175-18-outubro-2017-785591-publicacaooriginal-153999-pe.html. Acesso em: 17 mar. 2018.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
).

Após a abertura do protocolo de diagnóstico de morte encefálica, o paciente passa a ser denominado de potencial doador, se iniciam os exames para confirmação da morte encefálica, conforme Resolução nº 2.173, de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina e esse indivíduo é mantido pela estrutura de preservação do SNT interna ao hospital. Essa fase exige a realização mínima dos seguintes procedimentos: i) dois exames clínicos, confirmando coma não perceptivo e falta de função do tronco encefálico; ii) teste de apneia, que mostra ausência de movimentos respiratórios (após estimulação máxima dos centros respiratórios); e iii) exame complementar que comprova ausência de atividade encefálica. Destaca-se que os exames clínicos referentes à morte encefálica são realizados por dois médicos diferentes da rede de auxílio do SNT, especificamente capacitados a realizar o procedimento (Conselho Federal de Medicina 2017Conselho Federal de Medicina (CFM). 2017. “Resolução nº 2.173 de dezembro de 2017”. Disponível em: http://sctransplantes.saude.sc.gov.br/index.php/legislacao/resolucoes. Acesso em 10 set. 2020.
http://sctransplantes.saude.sc.gov.br/in...
).

Na sequência do processo de doação de órgãos sólidos, ocorre a confirmação (ou não) de morte encefálica do potencial doador. Conforme a Figura 2, em caso negativo, o paciente é mantido em observação para análise da evolução do quadro clínico. Em situações positivas, ocorre a declaração de óbito, a CET e os familiares são notificados e o possível doador passa a ser denominado elegível para doação. Garcia et al. (2015)Garcia, V. D., A. P. Barboza, G. Dallagnese, I. C. Stensmann, J. Loppi, L. R. Trasel, e L. C. Facin. 2015. “Importância do processo doação-transplante”. In: Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos, editado por C. D. Garcia, J. D. Pereira e V. D. Garcia. São Paulo: Segmento Farma. destacam que após a confirmação de morte encefálica, o corpo desse paciente passa por uma série de alterações fisiopatológicas, as quais levam à parada cardíaca. Diante disso, são necessários cuidados específicos com esse indivíduo, tais como: estabilidade circulatória; oxigenação adequada; equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base; temperatura corporal; controle metabólico e hormonal e prevenção e tratamento de complicações infecciosas. A manutenção do seu corpo é essencial para a realização do transplante e deve acontecer durante todo o processo de autorização familiar.

Na próxima fase do processo de doação de órgãos sólidos, em um ambiente reservado e adequado do hospital, o médico comunica a família sobre a morte encefálica do paciente. A equipe da CIHDOTT, de maneira imediata, inicia os procedimentos para entrevista familiar, informando os aspectos do consentimento referente à doação de órgãos e tecidos, conforme Decreto nº 9.175/2017. Independentemente da decisão final dos familiares, essa equipe de saúde deve se colocar à disposição para qualquer auxílio e orientação sobre o processo (Garcia et al. 2015Garcia, V. D., A. P. Barboza, G. Dallagnese, I. C. Stensmann, J. Loppi, L. R. Trasel, e L. C. Facin. 2015. “Importância do processo doação-transplante”. In: Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos, editado por C. D. Garcia, J. D. Pereira e V. D. Garcia. São Paulo: Segmento Farma.; Brasil 2017b———. 2017b. “Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9175-18-outubro-2017-785591-publicacaooriginal-153999-pe.html. Acesso em: 17 mar. 2018.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
).

Figura 2 -
Fluxograma do processo de doação de órgãos sólidos no Brasil - doador falecido

Com relação ao consentimento familiar da doação de órgãos sólidos, o Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017 (Brasil 2017b———. 2017b. “Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9175-18-outubro-2017-785591-publicacaooriginal-153999-pe.html. Acesso em: 17 mar. 2018.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
), informa que essa decisão é de prerrogativa dos familiares, especificamente cônjuge ou parente consanguíneo de maior idade e juridicamente capaz. A entrevista familiar exige um planejamento prévio por parte das equipes de saúde e deve contemplar os seguintes pontos: i) existência de um ambiente reservado no hospital aos familiares; ii) a definição adequada de quem participará da reunião, respeitando a vontade da família; iii) o método de abordagem definido pelas CIHDOTT’s; e iv) o momento adequado da abordagem. Nesse último ponto, as equipes podem se defrontar com o desconhecimento dos familiares referente à vontade do falecido de ser um doador, ou com o fato de a própria família não aceitar o diagnóstico ou não compreender o funcionamento da doação (Meneses, Castelli e Costa Junior 2018Meneses, N. P., I. Castelli e A. L. Costa Junior. 2018. “Comunicação de morte encefálica a familiares: levantamento com profissionais de saúde”. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar 21 (1).).

Após a entrevista, os familiares optam por consentir ou não a doação dos órgãos sólidos do potencial doador. Se a escolha for negativa, a equipe da CIHDOTT deve tentar reverter o quadro; contudo, se a família mantiver essa decisão, o corpo do falecido deve ser liberado para o procedimento funerário. O processo é encerrado e a CET é comunicada sobre a recusa familiar. Quando a decisão familiar é positiva, o paciente passa a ser denominado doador efetivo e o corpo é encaminhado à cirurgia para retirada desses órgãos no estabelecimento de saúde transplantador do SNT. Nesse momento, é criado o inventário cirúrgico da remoção, em que são examinados os órgãos intratorácicos e intra-abdominais, com o intuito de observar possíveis tumores ocultos ou linfadenopatias patológicas. Na fase pós-procedimentos cirúrgicos, o paciente passa a ser denominado doador com órgãos transplantados, os órgãos dele são enviados para a efetivação do transplante no estabelecimento de saúde transplantador do SNT e, na sequência, o corpo é liberado para o funeral (Brasil 2017b———. 2017b. “Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9175-18-outubro-2017-785591-publicacaooriginal-153999-pe.html. Acesso em: 17 mar. 2018.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
).

4. Evidências Empíricas sobre os Fatores Associados ao Processo de Doação

A identificação dos fatores associados à doação de órgãos tem sido abordada na área da Saúde e, recentemente, em Economia. No contexto internacional, foram evidenciadas as pesquisas de Wongboonsin e Jindahra e Teerakapibal (2017)Wongboonsin, K., P. Jindahra e S. Teerakapibal. 2017. “The Influence of Neighbor Effect and Urbanization Toward Organ Donation in Thailand”. Progress in Transplantation 28 (1): 49-55.; Shacham et al. (2018)Shacham, E., T. Loux, E. K. Barbidge, D. Lew, e L. Pappaterra. 2018. “Determinants of organ donation registration”. American Society of Transplant Surgeons 18.; Shah et al. (2018)Shah, M. B, V. Vilchez, A. Goble, M. F. Dily, J. C. Berger, R. Gedaly e D. A. Dubay. 2018. “Socioeconomic factors as predictors of organ donation”. Journal of Surgical Research 221: 88-94.; Page, Higgs e Lanfgord (2018)Page, N., G. Higgs e M. Lanfgord. 2018. “An exploratory analysis of spatial variations in organ donation registration rates in Wales prior to the implementation of the Human Transplantation (Wales) Act 2013”. Health & Place 52: 18-24.; Bilgel (2018)Bilgel, F. 2018. “Gun Policy, Violence and Organ Donation: Evidence from State-level Panel Data”. MIT: Department of Economics and Finance.; Frere e Deonandan (2019)Frere, M. e R. Deonandan. 2019. “Economic trends and organ donation rates in the USA: An ecological analysis”. Primary Research Article 96: 15-18.; Deroos et al. (2019)Deroos, L. J., W. J. Marrero, E. B. Tapper, C. J. Sonnenday, M. Lavieri, D. Hutton e N. Parikh. 2019. “Estimated Association Between Organ Availability and Presumed Consent in Solid Organ Transplant”. JAMA Network Open 2:1-13. e Kananeh et al. (2020)Kananeh, M. F., P. D. Brady, C. B. Mehta, L. P. Louchart, M. F. Rehman, L. R. Schultz, A. Lewis, e P. N. Varelas. 2020. “Factors that affect consent rate for organ donation after brain death: A 12- year registry”. Journal of the Neurological Sciences 416.. No Brasil, se destacaram os trabalhos de Freire (2013)Freire, I. L. S. 2013. “Fatores associados à efetividade da doação de órgão e tecidos para transplantes”. Tese de Doutorado em Enfermagem, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.; Silva et al. (2014)Silva, S. F. R., S. L. Silva, A. C. Nascimento, M. M. Parente, C. A. Albuquerque, A. A. Rodrigues, H. H. Campos et al. 2014. “Profile of Organ Donors in Ceará, Northeastern Brazil, From 1998 to 2012”. Transplantation Proceedings 46: 1692-1694.; Freitas et al. (2015)Freitas, R. A., C. M. Dell’agnolo, E. F. Alves, E. A. Benguella, S. M. Pelloso e M. D. B. Carvalho. 2015. “Organ and Tissue Donation for Transplantation from Fatal Trauma Victims”. Transplantation Proceedings 47: 874-878.; Gois et al. (2017)Gois, R. S. S., M. J. Q. Galdino, P. S. C. Pissinati, R. R. S. Pimentel, M. D. B. Carvalho e M. C. F. L. Haddad. 2017. “Efetividade do processo de doação de órgãos para transplantes”. Acta Paulista de Enfermagem 30: 621-627. e Bertasi et al. (2019)Bertasi, R. A. O., T. G. O. Bertas, C. P. H Reigada, E. Ricetto, K. O. Bonfim, L. A. Santos, M. V. O. Athayde et al. 2019. “Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos”. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 46 (3)..

A pesquisa realizada na Tailândia por Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017)Wongboonsin, K., P. Jindahra e S. Teerakapibal. 2017. “The Influence of Neighbor Effect and Urbanization Toward Organ Donation in Thailand”. Progress in Transplantation 28 (1): 49-55. identificou as variáveis sociodemográficas e geográficas que influenciaram na decisão de doar órgãos. Para isso, aplicaram um modelo de regressão logística e utilizaram dados sobre doação de órgãos em novembro de 2004. Os resultados indicaram que indivíduos com menos de 60 anos têm maior probabilidade de se tornarem doadores. Já ser homem, ter maior nível de escolaridade e viver na área urbana foram fatores que aumentaram a probabilidade da doação; contudo, a densidade populacional não exerceu efeito sobre essa decisão. A influência social favorável exercida por vizinhos e níveis socioeconômicos mais elevados contribuiu para o aumento da taxa de doação.

Shah et al. (2018)Shah, M. B, V. Vilchez, A. Goble, M. F. Dily, J. C. Berger, R. Gedaly e D. A. Dubay. 2018. “Socioeconomic factors as predictors of organ donation”. Journal of Surgical Research 221: 88-94. avaliaram a correlação entre fatores socioeconômicos e a doação de órgãos, utilizando o banco de dados das Organizações de Procura de Órgãos (OPO’s) e o Relatório do Censo dos Estados Unidos, no período de 2007 a 2012. As variáveis utilizadas foram demografia, escolaridade, residência, renda, status de registro, causa e forma da morte, abordagem e avaliação do potencial doador realizado pela OPO’s. A probabilidade de doação foi maior entre os mais jovens e com nível de escolaridade mais alto. Constataram que as taxas mais altas de autorização da doação estavam correlacionadas com doadores que moravam em estados americanos com baixa taxa de pobreza e que sofreram AVC. A abordagem intra-hospitalar das OPO’s, programas educacionais e campanhas na mídia sobre o processo de transplantes ajudaram a melhorar as taxas de autorização.

Page, Higgs e Lanfgord (2018)Page, N., G. Higgs e M. Lanfgord. 2018. “An exploratory analysis of spatial variations in organ donation registration rates in Wales prior to the implementation of the Human Transplantation (Wales) Act 2013”. Health & Place 52: 18-24. utilizaram o método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) com dependência espacial para identificar os fatores associados aos padrões de registros de doações de órgãos, no País de Gales e no Reino Unido, entre 2010 e 2015. A amostra utilizada foi o número de doadores cadastrados na lista de doação, antes e depois da mudança na legislação de doação, classificados por faixa etária, por não ser religioso, pelo nível de escolaridade e pela região com privações econômicas. Conforme resultados, as regiões mais afastadas dos grandes centros e com privações econômicas apresentaram taxas mais baixas de doação; já níveis de educação mais elevados aumentaram essas taxas. Por fim, o fator não ser religioso na faixa etária de 16 a 70 anos teve efeito negativo na variável dependente analisada.

Bilgel (2018)Bilgel, F. 2018. “Gun Policy, Violence and Organ Donation: Evidence from State-level Panel Data”. MIT: Department of Economics and Finance. avaliou o impacto dos níveis de propriedades de armas e as consequências não intencionais da aplicação da lei de controle delas no fornecimento de doadores de órgãos por homicídio nos Estados Unidos. O período de análise foi de 1999 a 2015 e aplicou-se o modelo de painel de dados espaciais SDEM (Spatial Durbin Error Model) com efeitos fixos. A variável dependente do modelo correspondeu à taxa de órgãos doados por homicídio por 100.000 habitantes. Os fatores explicativos usados foram lei de controle e nível de propriedade de armas. Além disso, foram utilizadas as variáveis de controle taxa de desemprego, taxa de pobreza, participação da população por grupo de idade (0-19, 20-34, 35-44, 45-64 anos) e densidade populacional. Os resultados mostraram que o controle de armas reduziu a taxa de homicídios total; contudo, a rigidez do controle de armas não afetou os homicídios que estavam relacionados à doação de órgãos.

Shacham et al. (2018)Shacham, E., T. Loux, E. K. Barbidge, D. Lew, e L. Pappaterra. 2018. “Determinants of organ donation registration”. American Society of Transplant Surgeons 18. examinaram as diferenças socio geográficas nas taxas de registros de doadores no Missouri, Estados Unidos, no ano de 2015. Metodologicamente, utilizaram estatística descritiva e o modelo de regressão espacial. As variáveis explicativas foram número de mulheres chefes de família, menores de 18 anos, indivíduos abaixo da linha da pobreza, desemprego, etnia e escolaridade. Construíram, também, uma variável de desvantagem concentrada no setor censitário, utilizando as informações escolaridade, pobreza e famílias unipessoais. Os resultados mostraram que as mulheres chefes de família que viviam abaixo da linha da pobreza e receberam benefício estavam associadas negativamente a essa taxa. Já a variável denominada de desvantagens concentrada teve relação negativa com as doações. Eles concluíram que fatores associados à desvantagem tiveram forte influência sobre os registros realizados.

Frere e Deonandan (2019)Frere, M. e R. Deonandan. 2019. “Economic trends and organ donation rates in the USA: An ecological analysis”. Primary Research Article 96: 15-18. analisaram a associação entre fatores socioeconômicos (Produto Interno Bruto - PIB nominal per capita, seguro saúde e taxa de emprego) e a taxa de doação de órgãos (coração, intestino, rins, fígado, pulmões e pâncreas) nos Estados Unidos, no período entre 1988 e 2012. Para isso, usaram o modelo de análise bivariada e multivariada. Os resultados mostraram que houve aumento na doação de todos os órgãos no período destacado, exceto para coração e pâncreas. Na análise univariada, identificaram correlação positiva entre essa taxa e o PIB per capita, exceto para o órgão coração. O seguro saúde afetou de forma negativa a doação de coração e de rins; já o efeito desse fator foi positivo na doação dos órgãos intestino, fígado, pulmões e pâncreas. A taxa de desemprego teve correlação negativa com a taxa de doação de coração, e positiva em relação aos órgãos intestino, rins, fígado e pulmões. Os resultados da análise multivariada mostraram que a relação da doação do órgão coração com o PIB per capita foi negativa, devido à frequência baixa desse tipo de transplante.

Deroos et al. (2019)Deroos, L. J., W. J. Marrero, E. B. Tapper, C. J. Sonnenday, M. Lavieri, D. Hutton e N. Parikh. 2019. “Estimated Association Between Organ Availability and Presumed Consent in Solid Organ Transplant”. JAMA Network Open 2:1-13., por sua vez, analisaram a relação entre a política pública de doação presumida de órgãos (fator institucional) e o número de transplantes nos Estados Unidos. Para isso, construíram um modelo de simulações com a taxa de produção de órgãos, taxa de rendimento de órgãos e dois algoritmos de alocação (aleatória e ideal) - que abrangeram aspectos (tipo sanguíneo, geografia, decisão do médico e disponibilidade de candidatos) que afetam esse processo. A amostra utilizada para construir o modelo foi de 524.359 fichas dos pacientes norte-americanos registrados na lista de espera no período de 1º de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2014. Os principais resultados encontrados foram aumento na doação de órgãos e ganhos de anos de vida com a implementação da política de consentimento presumido.

Kananeh et al. (2020)Kananeh, M. F., P. D. Brady, C. B. Mehta, L. P. Louchart, M. F. Rehman, L. R. Schultz, A. Lewis, e P. N. Varelas. 2020. “Factors that affect consent rate for organ donation after brain death: A 12- year registry”. Journal of the Neurological Sciences 416. analisaram os fatores que afetaram a abordagem familiar e o consentimento para a doação de órgãos nos Estados Unidos, a partir de um modelo de regressão logística. Foram usados os dados de 266 pacientes com morte encefálica de janeiro de 2006 a dezembro de 2017, do hospital Henry Ford, em Detroit. Os fatores demográficos (idade, sexo, etnia e religião) do potencial doador não foram associados à decisão da equipe de transplante de entrevistar a família (o critério usado por elas foi o nível de creatinina desse paciente). Já em relação ao consentimento familiar, observaram que os potenciais doadores de etnia branca, jovens, com creatinina mais baixa no momento da morte e com testes de apneia apresentaram maior probabilidade de serem doadores efetivos. Na análise univariada, a taxa de consentimento foi maior quando os familiares eram consultados acerca da possibilidade de transplantes antes da confirmação de morte encefálica e quando os pacientes eram jovens.

Em termos nacionais, Freire (2013)Freire, I. L. S. 2013. “Fatores associados à efetividade da doação de órgão e tecidos para transplantes”. Tese de Doutorado em Enfermagem, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. analisou os fatores da estrutura e aqueles que influenciaram a efetividade da doação de órgãos e tecidos em Natal, Rio Grande do Norte. Foram coletados dados de 65 potenciais doadores em seis unidades do referido município, referentes a agosto de 2010 até fevereiro de 2011. Utilizando o método longitudinal com regressão logística, constatou-se que a maioria dos potenciais doadores eram do sexo masculino, com idade média de 42,3 anos, e o principal motivo para não efetivação das doações foi a recusa familiar. Foi verificado, também, que os fatores associados à baixa efetividade dessa doação estavam relacionados à estrutura para assistência ao potencial doador, recursos físicos e humanos.

Silva et al. (2014)Silva, S. F. R., S. L. Silva, A. C. Nascimento, M. M. Parente, C. A. Albuquerque, A. A. Rodrigues, H. H. Campos et al. 2014. “Profile of Organ Donors in Ceará, Northeastern Brazil, From 1998 to 2012”. Transplantation Proceedings 46: 1692-1694., por sua vez, analisaram o perfil dos doadores de órgãos sólidos no Ceará, entre o período de 1998 a 2012, a partir de uma análise baseada na estatística descritiva. As variáveis utilizadas foram sexo, idade, tipo de sangue e causa de morte encefálica. De um total de 976 doadores, 69% eram do sexo masculino e a idade média dos doadores era de 16 a 35 anos. As duas principais causas de mortes encefálicas foram traumatismo cranioencefálico (56,7%) e acidente vascular cerebral (33,1%). Ressaltaram que os acidentes de trânsito, principalmente envolvendo motocicletas, e a violência urbana foram as principais causas desses traumatismos.

Freitas et al. (2015)Freitas, R. A., C. M. Dell’agnolo, E. F. Alves, E. A. Benguella, S. M. Pelloso e M. D. B. Carvalho. 2015. “Organ and Tissue Donation for Transplantation from Fatal Trauma Victims”. Transplantation Proceedings 47: 874-878., em pesquisa descritiva para o município de Maringá e Região Metropolitana, no estado do Paraná, analisaram os múltiplos aspectos da doação de órgãos após mortalidade por causas relacionadas ao trauma, em 2012. A amostra utilizada foi 1.864 indivíduos do cadastro de óbitos e prontuários clínicos de vítimas fatais de lesões externas. As variáveis utilizadas foram idade, sexo, causa da morte, endereço, hospital de atendimento, decisão familiar sobre a doação, contraindicações médicas, problemas de logística e infraestrutura. Os resultados mostraram que 134 pacientes morreram devido a lesões por causas externas, dos quais 57% deles estavam envolvidos em acidentes de trânsito. Segundo os autores, 78% dos potenciais doadores não se tornaram efetivos e as principais causas que explicaram esse fato foram: recusa familiar por falhas na abordagem dos profissionais, problemas de logística e contraindicação médica. Eles concluíram que são necessárias medidas de treinamento constantes das equipes de transplantes e clareza na determinação de morte encefálica.

Gois et al. (2017)Gois, R. S. S., M. J. Q. Galdino, P. S. C. Pissinati, R. R. S. Pimentel, M. D. B. Carvalho e M. C. F. L. Haddad. 2017. “Efetividade do processo de doação de órgãos para transplantes”. Acta Paulista de Enfermagem 30: 621-627. verificaram a efetividade do processo de doação de órgãos para transplante no Paraná, no período de 2011 a 2016. Utilizaram informações de 2.600 potenciais doadores contidas no banco de dados do Sistema Estadual de Transplantes. Dentre as causas da não efetivação, destacaram a parada cardiorrespiratória, a sepse (infecção generalizada) e a recusa familiar. As falhas no gerenciamento de informações e na capacitação dos profissionais para identificação e manutenção desses doadores foram apontadas como sendo os principais problemas para não doação na área analisada.

Por fim, Bertasi et al. (2019)Bertasi, R. A. O., T. G. O. Bertas, C. P. H Reigada, E. Ricetto, K. O. Bonfim, L. A. Santos, M. V. O. Athayde et al. 2019. “Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos”. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 46 (3). analisaram o perfil dos potenciais e dos efetivos doadores de órgãos, além de fatores relacionados a não efetivação da doação em Campinas, São Paulo. Para isso, utilizaram informações de 1.772 pacientes (potenciais doadores) do Hospital de Clínica da Unicamp, do período de janeiro 2013 a abril 2018. A partir de uma análise descritiva, identificaram que a predominância de indivíduos foi do sexo masculino. A recusa familiar foi o ponto focal da não doação e as principais causas das mortes encefálicas foram os acidentes vasculares e os traumatismos cranioencefálicos. Outro fator correspondeu às dificuldades encontradas (falta de treinamento e infraestrutura inadequada) pelas equipes de transplantes para o manejo e manutenção dos potenciais doadores no local abordado na pesquisa.

A partir do exposto, verificou-se que vários são os fatores que podem afetar a doação de órgãos para transplantes, principalmente, aspectos sociodemográficos e de gestão de um sistema, tais como idade dos doadores, nível de escolaridade, composição étnica, grau de urbanização, renda, status de registro, forma de abordagem e avaliação dos potenciais doadores, programas educacionais, campanha de mídia sobre o processo de doação, taxa de acidentes de trânsito, causa e forma de morte, tipo de legislação, fatores religiosos e culturais, pobreza, seguro saúde e região vizinha. Contudo, essa questão é complexa e merece atenção por parte dos gestores de saúde, pois não existe uma única causa que explicaria as diferenças na taxa de doação entre países e mesmo entre regiões e estados de um mesmo país. Nessa linha, estudos empíricos regionais se tornam relevantes na área de economia dos transplantes de órgãos para melhor compreensão desse processo.

5. Dados e Estratégia Empírica

Neste estudo foram utilizados os dados do número de doações efetivas de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas) por morte encefálica nas 27 UF’s do Brasil, no período de 2012 a 2017. O ano final de análise limitou-se a 2017, devido às alterações ocorridas na estrutura organizacional do SNT em relação à atuação das CIHDOTT’s e das OPO’s. Elas passaram a compor as três novas organizações criadas, destacando: a rede de procura e doação de órgãos, estrutura de preservação e rede de auxílio.

A variável dependente correspondeu à taxa de doação efetiva de órgãos sólidos por morte encefálica, mensurada por milhão de população (pmp), conforme recomendado por Freitas et al. (2015)Freitas, R. A., C. M. Dell’agnolo, E. F. Alves, E. A. Benguella, S. M. Pelloso e M. D. B. Carvalho. 2015. “Organ and Tissue Donation for Transplantation from Fatal Trauma Victims”. Transplantation Proceedings 47: 874-878.. Essa taxa foi obtida pela divisão entre o número dessas doações e a população residente estimada de cada UF por ano, multiplicada por 1.000.000. As informações sobre essas doações estão disponibilizadas no site da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2019)Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). 2019. “Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado”. Registro Brasileiro de Transplantes. São Paulo 25, n. 4.11 6 Destaca-se que a ABTO é uma sociedade médica, civil e sem fins lucrativos, a qual tem por objetivo estimular o desenvolvimento de todas as atividades relacionadas com a captação, doação e transplantes de órgãos e tecidos no Brasil. Essa instituição fornece dados da rede pública e privada sobre esse processo (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2022). Ela é referência nacional e internacional na disponibilidade de uma base completa de dados públicos sobre o sistema de transplante brasileiro, abordando aspectos geográficos (Brasil, regiões e unidades da federação), longitudinais (dados trimestrais e anuais), por tipo de órgão e tecido, por sexo, faixa etária, da fila de espera por um órgão, dos potenciais e efetivas doações, entre outros. Importante destacar que as informações da ABTO são confiáveis, pois são obtidas de todas as equipes de transplante de órgãos do Brasil e são confrontadas com as informações obtidas das Centrais Estaduais de Transplante, em cada trimestre. Essa base é utilizada por estudos na área da saúde e de economia, por exemplo, Medina-Pestana et al. (2011), Costa, Balbinotto Neto e Sampaio (2016) e Soares et al. (2020), entre outros. .

As variáveis explicativas, selecionadas a partir do que se expõe na revisão teórica e empírica sobre o tema seções 2 2. Economia da doação-transplantes de órgãos sólidos: breve revisão teórica A economia da doação-transplantes de órgãos sólidos corresponde a um conjunto de regras e normas estabelecidas para coordenar o processo e o funcionamento dos sistemas de transplantes no contexto mundial e nacional (Steiner 2010; Costa 2012). Na Figura 1, está apresentada uma síntese dos principais tópicos econômicos desse processo, os quais estão divididos da seguinte forma: 1) determinantes do potencial doador; 2) medida de benefício social e a saúde; 3) procura por órgãos; 4) disponibilidade e doação de órgãos; 5) avaliação econômica; 6) análise de equilíbrio; 7) avaliação macro; e 8) planejamento, orçamento e monitoramento do sistema. Esses tópicos estão inter-relacionados ao se abordar estudos nesse campo de pesquisa. Segundo Thorne (2006) e Roth (2016), os órgãos sólidos podem ser interpretados como produtos altamente específicos, com as seguintes características econômicas: i) o comportamento da oferta e da demanda deles é estocástico; ii) devido a sua deterioração, o tempo para retirada e preservação de cada órgão é limitado9 e seu uso é excludente; iii) não é permitida a sua comercialização; iv) os doadores não controlam a oferta desses órgãos e essa disponibilidade não é determinada pelo poder de compra dos indivíduos; e v) existe um desperdício, muitas vezes causado pela existência de assimetria de informação entre o sistema de doação-transplante e os hospitais responsáveis pela realização dos procedimentos (Becker e Elías 2007; Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016). Figura 1 - Fluxograma da economia da doação-transplante de órgãos sólidos Fonte: Adaptado de Machnicki, Serial e Schnitzler (2006) e Costa (2012). A doação de órgãos é norteada por modelos de coordenação econômica que apresentam bases fundamentadas na solidariedade social (Pauli 2019). Além disso, a partir da teoria de North (2003) sobre a evolução da sociedade condicionada ao papel das relações institucionais formais e informais10, pode-se considerar esse processo como um sistema econômico, que é analisado no âmbito da sociedade (família do doador), do sistema de transplante (rede) e da doação propriamente (transação dos órgãos), no qual os efeitos de reputação são levados em consideração. Ele pode ser abordado, também, no contexto da teoria do Principal-Agente (relação de Agência), de sua estrutura de governança e de seus aspectos microeconômicos e de alocação efetiva (Costa 2012). No âmbito social do processo de doação de órgãos sólidos, destacam-se os parâmetros culturais, morais e religiosos de uma população. A negação ou julgamento da venda de um órgão também são padrões impostos por uma determinada sociedade (Irving et al. 2012). Estudos apontam que regras informais de uma sociedade levam muito tempo para serem modificadas e estão presentes no cotidiano social e, consequentemente, afetam as transações econômicas (Weiss et al. 2014). Nessa linha, Byrne e Thompson (2001) afirmam que os indivíduos são altruístas quando o tema é a doação de órgãos e têm conhecimento limitado sobre o processo, devido aos costumes sociais. O estudo realizado pelos autores referente aos cenários de incentivos financeiros para doação de órgãos nos Estados Unidos indicou que, se houvesse pagamentos prévios para cadastros de doadores, isso não seria eficiente para elevar a oferta de órgãos, principalmente, em virtude das restrições impostas pela sociedade. Além disso, mesmo com leis que estabeleçam a doação presumida (ou seja, aquele indivíduo que não registrou em documento público de identidade o seu desejo de não ser doador), é pouco provável que um sistema utilize um órgão para transplante sem o consentimento familiar. Thorne (2006), por sua vez, descreve a comercialização de órgãos, mostrando que existem, na literatura, diversos argumentos contrários e favoráveis a essa situação. Em termos contrários, destacou que a venda deles coloca em risco a eficiência do processo de transplantes, pois órgãos de baixa qualidade poderia ser utilizados. Os favoráveis à comercialização afirmam que o altruísmo é um recurso escasso na economia e, por isso, a sociedade não deveria depender da gentiliza desinteressada da família do potencial doador. O pagamento pelos órgãos pode gerar maior oferta e, assim, reduzir a escassez deles no mercado. O autor argumenta, ainda, que a doação é um processo de produção, pois há necessidade de convencer a família de doar e que são necessárias campanhas e incentivos para tal finalidade. Os familiares se tornam os fornecedores do órgão e este pode ser considerado como um bem, o qual não pode ser vendido ou cedido sem esse consentimento. Mocan e Tekin (2019) complementam que as políticas de conscientização sobre a doação são instrumentos fundamentais para aumentar a oferta de órgãos sólidos e que o governo de um país tem papel importante no direcionamento dessas ações. Para que ocorra a coordenação entre a doação por parte da família dos doadores e a efetivação do transplante, torna-se necessária a criação de uma rede de gestão (por exemplo, o SNT no Brasil), a qual deve planejar, orçar e monitorar todo o processo destacado. No âmbito do sistema de transplantes e do próprio processo de doação de órgãos sólidos, Medina-Pestana et al. (2011) destacam que fatores específicos podem contribuir para o aumento e/ou a redução da disponibilidade de órgãos e tecidos para transplantes em uma economia. As áreas geográficas que apresentam o maior número de habitantes podem contribuir para tal expansão. Contudo, são necessárias, também, a implementação de estratégias eficazes para identificar os possíveis doadores, reduzir as discriminações étnicas, ter uma logística adequada, além de um sistema de incentivos institucionais nos hospitais. , 3 3. Processo de Doação-Transplante de Órgãos Sólidos no Brasil No Brasil, o SNT é responsável por todo o processo de doação-transplante de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas), desde a identificação do potencial doador até a efetivação do transplante (Costa, Balbinotto Neto e Sampaio 2016). Ele ocorre em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, que possuam equipes técnicas treinadas e tenham autorização prévia do Ministério da Saúde (Brasil 2017b). Além disso, essas doações devem se basear em critérios médicos que sejam declarados publicamente e aplicados de forma justa, ou seja, que considerem a necessidade e a probabilidade de sucesso de sua ocorrência (Weimer 2010). No caso específico do doador falecido de órgãos sólidos, Garcia e Pacini (2015) destacam que existem nomenclaturas unificadas no processo de doação-transplante, que ajudam no planejamento e na organização das informações em nível mundial e nacional. Entende-se como: i) possível doador - aquele paciente com lesão encefálica grave e que está usando a ventilação mecânica, sendo que, no diagnóstico clínico, deve-se constatar ausência de todos os reflexos de tronco encefálico (pupilar, córneo-palpebral, óculo-cefálico, vestíbulo-ocular, reflexo de tosse) e apneia; ii) potencial doador - refere-se ao paciente que teve a abertura do protocolo para o diagnóstico de morte encefálica; iii) indivíduo elegível para doação - quando foi confirmado o diagnóstico de morte encefálica dele; iv) doador efetivo - momento em que se inicia a cirurgia para remoção de órgãos sólidos; e v) doador com órgãos transplantados - trata-se do indivíduo do qual, pelo menos, um dos seus órgãos é removido e realiza-se o transplante no receptor. Na Figura 2, está apresentado o fluxograma do processo de doação de órgãos sólidos no Brasil, quando o doador é falecido. A identificação do possível doador se inicia com o exame de pacientes que apresentaram lesão neurológica grave, gerada por traumatismo cranioencefálico, AVC, tumores cerebrais, infecção de sistema nervoso central ou anoxia pós-parada cardiorrespiratória. Em mais de 90% dos casos, esse potencial doador apresenta traumatismo cranioencefálico ou AVC (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2020). Para a abertura do protocolo de diagnóstico de morte encefálica, são necessárias as seguintes condições dos pacientes: i) presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de provocar morte encefálica; ii) ausência de fatores tratáveis que possam confundir esse diagnóstico; iii) tratamento e observação do paciente em hospital pelo período mínimo de seis horas e em casos específicos (por exemplo, encefalopatia hipóxico-isquêmica), de 24 horas; e iv) temperatura corporal superior a 35ºC, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual 100 mmHg (Conselho Federal de Medicina 2017; Westphal, Veiga e Franke 2019). No contexto hospitalar, os primeiros profissionais a entrar em contato com o possível doador são as equipes que trabalham nas Unidades de Pacientes Críticos (UCI’s), que correspondem à UTI e ao Serviço de Emergência (SE). Ao identificar um possível doador, conforme condições supracitadas, a equipe médica comunica às equipes da OPO e da CIHDOTT que pertencem à rede de procura e doação de órgãos do SNT. Na próxima etapa, o médico que acompanha o paciente informa a família sobre a suspeita de morte encefálica, explica todos os exames que devem ser realizados e abre o protocolo desse diagnóstico. Na continuidade do processo de doação, a CIHDOTT deve acompanhar todo o processo de identificação de morte encefálica, mantendo a família informada e esclarecendo-a acerca de cada fase. Além disso, o potencial doador deve ser mantido na estrutura de preservação do SNT. Já a OPO deve comunicar à Central Estadual de Transplante de Órgãos (CET) que foi aberto o protocolo dessa fase (Brasil 2017b). Após a abertura do protocolo de diagnóstico de morte encefálica, o paciente passa a ser denominado de potencial doador, se iniciam os exames para confirmação da morte encefálica, conforme Resolução nº 2.173, de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina e esse indivíduo é mantido pela estrutura de preservação do SNT interna ao hospital. Essa fase exige a realização mínima dos seguintes procedimentos: i) dois exames clínicos, confirmando coma não perceptivo e falta de função do tronco encefálico; ii) teste de apneia, que mostra ausência de movimentos respiratórios (após estimulação máxima dos centros respiratórios); e iii) exame complementar que comprova ausência de atividade encefálica. Destaca-se que os exames clínicos referentes à morte encefálica são realizados por dois médicos diferentes da rede de auxílio do SNT, especificamente capacitados a realizar o procedimento (Conselho Federal de Medicina 2017). Na sequência do processo de doação de órgãos sólidos, ocorre a confirmação (ou não) de morte encefálica do potencial doador. Conforme a Figura 2, em caso negativo, o paciente é mantido em observação para análise da evolução do quadro clínico. Em situações positivas, ocorre a declaração de óbito, a CET e os familiares são notificados e o possível doador passa a ser denominado elegível para doação. Garcia et al. (2015) destacam que após a confirmação de morte encefálica, o corpo desse paciente passa por uma série de alterações fisiopatológicas, as quais levam à parada cardíaca. Diante disso, são necessários cuidados específicos com esse indivíduo, tais como: estabilidade circulatória; oxigenação adequada; equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base; temperatura corporal; controle metabólico e hormonal e prevenção e tratamento de complicações infecciosas. A manutenção do seu corpo é essencial para a realização do transplante e deve acontecer durante todo o processo de autorização familiar. Na próxima fase do processo de doação de órgãos sólidos, em um ambiente reservado e adequado do hospital, o médico comunica a família sobre a morte encefálica do paciente. A equipe da CIHDOTT, de maneira imediata, inicia os procedimentos para entrevista familiar, informando os aspectos do consentimento referente à doação de órgãos e tecidos, conforme Decreto nº 9.175/2017. Independentemente da decisão final dos familiares, essa equipe de saúde deve se colocar à disposição para qualquer auxílio e orientação sobre o processo (Garcia et al. 2015; Brasil 2017b). Figura 2 - Fluxograma do processo de doação de órgãos sólidos no Brasil - doador falecido Fonte: Elaboração dos autores adaptado de Brasil (2009a, 2017b). Com relação ao consentimento familiar da doação de órgãos sólidos, o Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017 (Brasil 2017b), informa que essa decisão é de prerrogativa dos familiares, especificamente cônjuge ou parente consanguíneo de maior idade e juridicamente capaz. A entrevista familiar exige um planejamento prévio por parte das equipes de saúde e deve contemplar os seguintes pontos: i) existência de um ambiente reservado no hospital aos familiares; ii) a definição adequada de quem participará da reunião, respeitando a vontade da família; iii) o método de abordagem definido pelas CIHDOTT’s; e iv) o momento adequado da abordagem. Nesse último ponto, as equipes podem se defrontar com o desconhecimento dos familiares referente à vontade do falecido de ser um doador, ou com o fato de a própria família não aceitar o diagnóstico ou não compreender o funcionamento da doação (Meneses, Castelli e Costa Junior 2018). Após a entrevista, os familiares optam por consentir ou não a doação dos órgãos sólidos do potencial doador. Se a escolha for negativa, a equipe da CIHDOTT deve tentar reverter o quadro; contudo, se a família mantiver essa decisão, o corpo do falecido deve ser liberado para o procedimento funerário. O processo é encerrado e a CET é comunicada sobre a recusa familiar. Quando a decisão familiar é positiva, o paciente passa a ser denominado doador efetivo e o corpo é encaminhado à cirurgia para retirada desses órgãos no estabelecimento de saúde transplantador do SNT. Nesse momento, é criado o inventário cirúrgico da remoção, em que são examinados os órgãos intratorácicos e intra-abdominais, com o intuito de observar possíveis tumores ocultos ou linfadenopatias patológicas. Na fase pós-procedimentos cirúrgicos, o paciente passa a ser denominado doador com órgãos transplantados, os órgãos dele são enviados para a efetivação do transplante no estabelecimento de saúde transplantador do SNT e, na sequência, o corpo é liberado para o funeral (Brasil 2017b). e 4 4. Evidências Empíricas sobre os Fatores Associados ao Processo de Doação A identificação dos fatores associados à doação de órgãos tem sido abordada na área da Saúde e, recentemente, em Economia. No contexto internacional, foram evidenciadas as pesquisas de Wongboonsin e Jindahra e Teerakapibal (2017); Shacham et al. (2018); Shah et al. (2018); Page, Higgs e Lanfgord (2018); Bilgel (2018); Frere e Deonandan (2019); Deroos et al. (2019) e Kananeh et al. (2020). No Brasil, se destacaram os trabalhos de Freire (2013); Silva et al. (2014); Freitas et al. (2015); Gois et al. (2017) e Bertasi et al. (2019). A pesquisa realizada na Tailândia por Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017) identificou as variáveis sociodemográficas e geográficas que influenciaram na decisão de doar órgãos. Para isso, aplicaram um modelo de regressão logística e utilizaram dados sobre doação de órgãos em novembro de 2004. Os resultados indicaram que indivíduos com menos de 60 anos têm maior probabilidade de se tornarem doadores. Já ser homem, ter maior nível de escolaridade e viver na área urbana foram fatores que aumentaram a probabilidade da doação; contudo, a densidade populacional não exerceu efeito sobre essa decisão. A influência social favorável exercida por vizinhos e níveis socioeconômicos mais elevados contribuiu para o aumento da taxa de doação. Shah et al. (2018) avaliaram a correlação entre fatores socioeconômicos e a doação de órgãos, utilizando o banco de dados das Organizações de Procura de Órgãos (OPO’s) e o Relatório do Censo dos Estados Unidos, no período de 2007 a 2012. As variáveis utilizadas foram demografia, escolaridade, residência, renda, status de registro, causa e forma da morte, abordagem e avaliação do potencial doador realizado pela OPO’s. A probabilidade de doação foi maior entre os mais jovens e com nível de escolaridade mais alto. Constataram que as taxas mais altas de autorização da doação estavam correlacionadas com doadores que moravam em estados americanos com baixa taxa de pobreza e que sofreram AVC. A abordagem intra-hospitalar das OPO’s, programas educacionais e campanhas na mídia sobre o processo de transplantes ajudaram a melhorar as taxas de autorização. Já Page, Higgs e Lanfgord (2018) utilizaram o método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) com dependência espacial para identificar os fatores associados aos padrões de registros de doações de órgãos, no País de Gales e no Reino Unido, entre 2010 e 2015. A amostra utilizada foi o número de doadores cadastrados na lista de doação, antes e depois da mudança na legislação de doação, classificados por faixa etária, por não ser religioso, pelo nível de escolaridade e pela região com privações econômicas. Conforme resultados, as regiões mais afastadas dos grandes centros e com privações econômicas apresentaram taxas mais baixas de doação; já níveis de educação mais elevados aumentaram essas taxas. Por fim, o fator não ser religioso na faixa etária de 16 a 70 anos teve efeito negativo na variável dependente analisada. Bilgel (2018) avaliou o impacto dos níveis de propriedades de armas e as consequências não intencionais da aplicação da lei de controle delas no fornecimento de doadores de órgãos por homicídio nos Estados Unidos. O período de análise foi de 1999 a 2015 e aplicou-se o modelo de painel de dados espaciais SDEM (Spatial Durbin Error Model) com efeitos fixos. A variável dependente do modelo correspondeu à taxa de órgãos doados por homicídio por 100.000 habitantes. Os fatores explicativos usados foram lei de controle e nível de propriedade de armas. Além disso, foram utilizadas as variáveis de controle taxa de desemprego, taxa de pobreza, participação da população por grupo de idade (0-19, 20-34, 35-44, 45-64 anos) e densidade populacional. Os resultados mostraram que o controle de armas reduziu a taxa de homicídios total; contudo, a rigidez do controle de armas não afetou os homicídios que estavam relacionados à doação de órgãos. Shacham et al. (2018) examinaram as diferenças socio geográficas nas taxas de registros de doadores no Missouri, Estados Unidos, no ano de 2015. Metodologicamente, utilizaram estatística descritiva e o modelo de regressão espacial. As variáveis explicativas foram número de mulheres chefes de família, menores de 18 anos, indivíduos abaixo da linha da pobreza, desemprego, etnia e escolaridade. Construíram, também, uma variável de desvantagem concentrada no setor censitário, utilizando as informações escolaridade, pobreza e famílias unipessoais. Os resultados mostraram que as mulheres chefes de família que viviam abaixo da linha da pobreza e receberam benefício estavam associadas negativamente a essa taxa. Já a variável denominada de desvantagens concentrada teve relação negativa com as doações. Eles concluíram que fatores associados à desvantagem tiveram forte influência sobre os registros realizados. Frere e Deonandan (2019) analisaram a associação entre fatores socioeconômicos (Produto Interno Bruto - PIB nominal per capita, seguro saúde e taxa de emprego) e a taxa de doação de órgãos (coração, intestino, rins, fígado, pulmões e pâncreas) nos Estados Unidos, no período entre 1988 e 2012. Para isso, usaram o modelo de análise bivariada e multivariada. Os resultados mostraram que houve aumento na doação de todos os órgãos no período destacado, exceto para coração e pâncreas. Na análise univariada, identificaram correlação positiva entre essa taxa e o PIB per capita, exceto para o órgão coração. O seguro saúde afetou de forma negativa a doação de coração e de rins; já o efeito desse fator foi positivo na doação dos órgãos intestino, fígado, pulmões e pâncreas. A taxa de desemprego teve correlação negativa com a taxa de doação de coração, e positiva em relação aos órgãos intestino, rins, fígado e pulmões. Os resultados da análise multivariada mostraram que a relação da doação do órgão coração com o PIB per capita foi negativa, devido à frequência baixa desse tipo de transplante. Deroos et al. (2019), por sua vez, analisaram a relação entre a política pública de doação presumida de órgãos (fator institucional) e o número de transplantes nos Estados Unidos. Para isso, construíram um modelo de simulações com a taxa de produção de órgãos, taxa de rendimento de órgãos e dois algoritmos de alocação (aleatória e ideal) - que abrangeram aspectos (tipo sanguíneo, geografia, decisão do médico e disponibilidade de candidatos) que afetam esse processo. A amostra utilizada para construir o modelo foi de 524.359 fichas dos pacientes norte-americanos registrados na lista de espera no período de 1º de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2014. Os principais resultados encontrados foram aumento na doação de órgãos e ganhos de anos de vida com a implementação da política de consentimento presumido. Kananeh et al. (2020) analisaram os fatores que afetaram a abordagem familiar e o consentimento para a doação de órgãos nos Estados Unidos, a partir de um modelo de regressão logística. Foram usados os dados de 266 pacientes com morte encefálica de janeiro de 2006 a dezembro de 2017, do hospital Henry Ford, em Detroit. Os fatores demográficos (idade, sexo, etnia e religião) do potencial doador não foram associados à decisão da equipe de transplante de entrevistar a família (o critério usado por elas foi o nível de creatinina desse paciente). Já em relação ao consentimento familiar, observaram que os potenciais doadores de etnia branca, jovens, com creatinina mais baixa no momento da morte e com testes de apneia apresentaram maior probabilidade de serem doadores efetivos. Na análise univariada, a taxa de consentimento foi maior quando os familiares eram consultados acerca da possibilidade de transplantes antes da confirmação de morte encefálica e quando os pacientes eram jovens. Em termos nacionais, Freire (2013) analisou os fatores da estrutura e aqueles que influenciaram a efetividade da doação de órgãos e tecidos em Natal, Rio Grande do Norte. Foram coletados dados de 65 potenciais doadores em seis unidades do referido município, referentes a agosto de 2010 até fevereiro de 2011. Utilizando o método longitudinal com regressão logística, constatou-se que a maioria dos potenciais doadores eram do sexo masculino, com idade média de 42,3 anos, e o principal motivo para não efetivação das doações foi a recusa familiar. Foi verificado, também, que os fatores associados à baixa efetividade dessa doação estavam relacionados à estrutura para assistência ao potencial doador, recursos físicos e humanos. Silva et al. (2014), por sua vez, analisaram o perfil dos doadores de órgãos sólidos no Ceará, entre o período de 1998 a 2012, a partir de uma análise baseada na estatística descritiva. As variáveis utilizadas foram sexo, idade, tipo de sangue e causa de morte encefálica. De um total de 976 doadores, 69% eram do sexo masculino e a idade média dos doadores era de 16 a 35 anos. As duas principais causas de mortes encefálicas foram traumatismo cranioencefálico (56,7%) e acidente vascular cerebral (33,1%). Ressaltaram que os acidentes de trânsito, principalmente envolvendo motocicletas, e a violência urbana foram as principais causas desses traumatismos. Freitas et al. (2015), em pesquisa descritiva para o município de Maringá e Região Metropolitana, no estado do Paraná, analisaram os múltiplos aspectos da doação de órgãos após mortalidade por causas relacionadas ao trauma, em 2012. A amostra utilizada foi 1.864 indivíduos do cadastro de óbitos e prontuários clínicos de vítimas fatais de lesões externas. As variáveis utilizadas foram idade, sexo, causa da morte, endereço, hospital de atendimento, decisão familiar sobre a doação, contraindicações médicas, problemas de logística e infraestrutura. Os resultados mostraram que 134 pacientes morreram devido a lesões por causas externas, dos quais 57% deles estavam envolvidos em acidentes de trânsito. Segundo os autores, 78% dos potenciais doadores não se tornaram efetivos e as principais causas que explicaram esse fato foram: recusa familiar por falhas na abordagem dos profissionais, problemas de logística e contraindicação médica. Eles concluíram que são necessárias medidas de treinamento constantes das equipes de transplantes e clareza na determinação de morte encefálica. Gois et al. (2017) verificaram a efetividade do processo de doação de órgãos para transplante no Paraná, no período de 2011 a 2016. Utilizaram informações de 2.600 potenciais doadores contidas no banco de dados do Sistema Estadual de Transplantes. Dentre as causas da não efetivação, destacaram a parada cardiorrespiratória, a sepse (infecção generalizada) e a recusa familiar. As falhas no gerenciamento de informações e na capacitação dos profissionais para identificação e manutenção desses doadores foram apontadas como sendo os principais problemas para não doação na área analisada. Por fim, Bertasi et al. (2019) analisaram o perfil dos potenciais e dos efetivos doadores de órgãos, além de fatores relacionados a não efetivação da doação em Campinas, São Paulo. Para isso, utilizaram informações de 1.772 pacientes (potenciais doadores) do Hospital de Clínica da Unicamp, do período de janeiro 2013 a abril 2018. A partir de uma análise descritiva, identificaram que a predominância de indivíduos foi do sexo masculino. A recusa familiar foi o ponto focal da não doação e as principais causas das mortes encefálicas foram os acidentes vasculares e os traumatismos cranioencefálicos. Outro fator correspondeu às dificuldades encontradas (falta de treinamento e infraestrutura inadequada) pelas equipes de transplantes para o manejo e manutenção dos potenciais doadores no local abordado na pesquisa. A partir do exposto, verificou-se que vários são os fatores que podem afetar a doação de órgãos para transplantes, principalmente, aspectos sociodemográficos e de gestão de um sistema, tais como idade dos doadores, nível de escolaridade, composição étnica, grau de urbanização, renda, status de registro, forma de abordagem e avaliação dos potenciais doadores, programas educacionais, campanha de mídia sobre o processo de doação, taxa de acidentes de trânsito, causa e forma de morte, tipo de legislação, fatores religiosos e culturais, pobreza, seguro saúde e região vizinha. Contudo, essa questão é complexa e merece atenção por parte dos gestores de saúde, pois não existe uma única causa que explicaria as diferenças na taxa de doação entre países e mesmo entre regiões e estados de um mesmo país. Nessa linha, estudos empíricos regionais se tornam relevantes na área de economia dos transplantes de órgãos para melhor compreensão desse processo. , foram classificadas em dois grupos de fatores: i) sociodemográficos; e ii) gestão em saúde. A escolaridade12 7 Com base em Wooldridge (2006), foi realizado o Teste de WU-Hausman para identificar a questão da endogeneidade para a variável escolaridade, representada nesse estudo pelo IDHM-Educação. Os resultados mostraram que essa variável não foi endógena. Destaca-se que esse teste também foi aplicado na variável anos de estudo e se confirmou a não endogeneidade. Essa variável também foi testada nas estimativas econométricas; contudo, os resultados não foram parcimoniosos e o coeficiente de defasagem espacial da variável dependente (Rho) se tornou não significativo. Logo, optou-se por utilizar o IDHM-Educação como proxy da escolaridade. correspondeu ao primeiro aspecto sociodemográfico e foi representada pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – Educação, disponível no site do Atlas Brasil (2020)Atlas Brasil. 2020. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Disponível em: <http://www.atlasbrasil.org.br/>. Acesso em: 10 nov. 2020.
http://www.atlasbrasil.org.br/...
. Esse índice varia entre zero e 1, sendo que quanto mais próximo de 1, melhor o nível de educação da área analisada. Estudos mostram que a escolaridade de uma população é importante, pois indivíduos com maior nível de instrução podem apresentar melhor conhecimento e compreensão sobre o processo de doação e, assim, aumentar as chances do consentimento familiar (Shah et al. 2018Shah, M. B, V. Vilchez, A. Goble, M. F. Dily, J. C. Berger, R. Gedaly e D. A. Dubay. 2018. “Socioeconomic factors as predictors of organ donation”. Journal of Surgical Research 221: 88-94.; Bilgel 2018Bilgel, F. 2018. “Gun Policy, Violence and Organ Donation: Evidence from State-level Panel Data”. MIT: Department of Economics and Finance.).

No primeiro grupo de variáveis explicativas foi considerada também a composição étnica da população total nas UF’s e por ano. Ela foi representada por meio da proporção de brancos (total de pessoas declaradas brancas no quarto trimestre de cada ano, dividido pelo total de pessoas de cada unidade federativa) e de não brancos (soma do total de pessoas declaradas pretas, pardas e outras - indígenas, amarelas e sem declaração - no quarto trimestre de cada ano, dividido pelo total de pessoas de cada unidade federativa). Os dados estão disponíveis na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (População, por cor e raça), no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022)———. 2022. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral: População, por cor e raça. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6403#notas-tabela. Acesso em: 20 Out.22.
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. De acordo com Higgns e Fishman (2006)Higgns, R. S. D. e J. A. Fishman. 2006. “Disparities in Solid Organ Transplantation for Ethnic Minorities: Facts and Solutions”. American Journal of Transplantation 6: 2556-2562., Bratton, Chavin e Baliga (2011)Bratton, C., K. Chavin e P. Baliga. 2011. “Racial disparities in organ donation and why”. Current Opinion in Organ Transplantation 16 (2): 243-249., Marinho, Cardoso e Almeida (2012)———. 2012. “Desigualdades por sexo e por Raça e o Direito aos Transplantes de Órgãos no Brasil”. Revista de Direito Sanitário 12 (3): 38-53. e Bongiovanni et al. (2020)Bongiovanni, T., J. E. Rawlings J. A. Trompeta e M. Nunez-Smith. 2020. Cultural influences on willingness to donate organs among urban native Americans”. Clin Transplant. 34 (3): e13804., os não brancos correspondem às populações que sofrem discriminação racial e institucional, além de iniquidades no acesso ao sistema de doação-transplantes de órgãos.

A densidade populacional, por sua vez, foi obtida a partir da divisão entre o número de habitantes de cada UF e sua área em quilômetros quadrados (por ano), conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2010. Censo demográfico. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em 10 jun. 2020.
https://censo2010.ibge.gov.br/...
. Segundo Gomes (2007)Gomes, F. B. C. 2007. “Ameaças à equidade na distribuição de órgãos para transplante no Brasil: uma análise dos critérios legais de acesso”. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Serviço Social, Brasília., Medina-Pestana et al. (2011)Medina-Pestana, J. O., N. Z. Galante, H. T. Silva Junior, K. M. Harada, V. D. Garcia, M. Abbud-Filho, H. H. Campos e E. Sabbaga. 2011. “O contexto do transplante renal no Brasil e sua disparidade geográfica”. Brazilian Journal of Nephrology 33 (3)., Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017)Wongboonsin, K., P. Jindahra e S. Teerakapibal. 2017. “The Influence of Neighbor Effect and Urbanization Toward Organ Donation in Thailand”. Progress in Transplantation 28 (1): 49-55. e Soares et al. (2020)Soares, L. S. S., E. S. Brito, L. Magedanz, F. A. França, W. N. Araújo e D. Galato. 2020. “Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro, 2001-2017”. Epidemiol Serviço de Saúde 29., o uso dessa variável é relevante, pois consegue captar a relação entre grandes (ou pequenas) concentrações populacionais e o processo de doação-transplantes de órgãos.

Outro fator demográfico usado foi a taxa de envelhecimento populacional, cujas informações estão disponíveis no site do Atlas Brasil (2020)Atlas Brasil. 2020. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Disponível em: <http://www.atlasbrasil.org.br/>. Acesso em: 10 nov. 2020.
http://www.atlasbrasil.org.br/...
. Este condicionante correspondeu a razão entre a população de 65 anos ou mais de idade de cada UF em relação a sua população total. A abordagem desse fator é importante, pois em muitos países em desenvolvimento a população está envelhecendo cada vez mais, o perfil etário do doador tem mudado e há expansão das mortes encefálicas por acidente vascular cerebral em idosos. Estes fatos têm contribuído para o processo de doação-transplante nessas áreas (Cuende et al. 2007Cuende, N., J. I. Cuende, J. Fajardo, K. Huet e M. Alonso. 2007. “Effect of population aging on the international organ donations rates and the effectiveness of the donation process”. American Journal of Transplantation 7: 1526-1535.; Caamaño et al. 2009Caamaño, E. B., J. S. Ibáñez, M. A. Vázquez, A. F. Gárcia, A. M. Rozados, M. O. Cendón, S. L. Ruiloba et al. 2009. “Organ Donation in an Aging Population: The Experience of the Last 8 Years in Galicia”. Transplantation Proceedings 41 (6): 2050-2052.).

Com relação aos fatores de gestão em saúde, utilizou-se a taxa de respiradores (ou ventiladores mecânicos) de emergência do SUS, a qual foi calculada pela divisão do número desses respiradores pela população residente de cada UF e ano, multiplicado por 1.000.000 (dados de dezembro de cada ano). As informações desse condicionante foram coletadas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), disponíveis no site do SUS (Brasil 2020). Destaca-se que o respirador é um tipo de equipamento fundamental para manutenção dos pacientes com identificação de morte encefálica e que são potenciais doadores de órgãos (Cavalcante 2014Cavalcante, L. P. 2014. “Cuidado do enfermeiro ao potencial doador de órgãos: implicações no processo doação-transplante”. Dissertação de Mestrado em Enfermagem, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.; Garcia et al. 2015Garcia, V. D., A. P. Barboza, G. Dallagnese, I. C. Stensmann, J. Loppi, L. R. Trasel, e L. C. Facin. 2015. “Importância do processo doação-transplante”. In: Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos, editado por C. D. Garcia, J. D. Pereira e V. D. Garcia. São Paulo: Segmento Farma.). Além disso, representa a infraestrutura hospitalar, conforme recomendado por Freitas et al. (2015)Freitas, R. A., C. M. Dell’agnolo, E. F. Alves, E. A. Benguella, S. M. Pelloso e M. D. B. Carvalho. 2015. “Organ and Tissue Donation for Transplantation from Fatal Trauma Victims”. Transplantation Proceedings 47: 874-878..

A taxa de leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), como fator de gestão, foi usada para medir a capacidade de atendimento hospitalar em alta complexidade. Ela foi calculada pela divisão entre a quantidade de leitos em UTI e população residente de cada UF, multiplicada por 1.000.000 (dados de dezembro de cada ano). Esses dados estão disponíveis no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), via site do SUS (Brasil 2020). Segundo Cavalcante (2014)Cavalcante, L. P. 2014. “Cuidado do enfermeiro ao potencial doador de órgãos: implicações no processo doação-transplante”. Dissertação de Mestrado em Enfermagem, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. e Garcia et al. (2015)Garcia, V. D., A. P. Barboza, G. Dallagnese, I. C. Stensmann, J. Loppi, L. R. Trasel, e L. C. Facin. 2015. “Importância do processo doação-transplante”. In: Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos, editado por C. D. Garcia, J. D. Pereira e V. D. Garcia. São Paulo: Segmento Farma., a falta de infraestrutura hospitalar para manter, conservar e preservar o potencial doador com morte encefálica pode levar a uma redução na doação de órgãos sólidos e, consequentemente, no número de transplantes realizados.

Outro fator de gestão em saúde correspondeu às taxas de equipes transplantadoras de órgãos, obtida pela divisão entre o número dessas equipes e a população residente de cada UF, multiplicada por 1.000.000. As informações das equipes estão disponíveis no site da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2019)Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). 2019. “Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado”. Registro Brasileiro de Transplantes. São Paulo 25, n. 4.. Esse fator é importante para o sistema nacional de transplante, pois representa a atuação dos profissionais no processo e na efetivação do número de órgãos disponíveis para transplante (Bertasi et al. 2019Bertasi, R. A. O., T. G. O. Bertas, C. P. H Reigada, E. Ricetto, K. O. Bonfim, L. A. Santos, M. V. O. Athayde et al. 2019. “Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos”. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 46 (3).; Pauli 2019Pauli, J. 2019. “Doação organizacional em face ao mercado de órgãos: uma análise do modelo brasileiro de transplantação”. Nova Economia 29 1: 339-363.; Kananeh et al. 2020Kananeh, M. F., P. D. Brady, C. B. Mehta, L. P. Louchart, M. F. Rehman, L. R. Schultz, A. Lewis, e P. N. Varelas. 2020. “Factors that affect consent rate for organ donation after brain death: A 12- year registry”. Journal of the Neurological Sciences 416.).

A taxa de mortes por causas neurológicas foi o outro fator de gestão, a qual pode afetar o comportamento das doações efetivas de órgãos e correspondeu a uma proxy para potenciais doadores com morte encefálica. Essa taxa foi calculada a partir da divisão entre o número de mortes neurológicas e a população residente de cada UF e ano, sendo multiplicada por 1.000.000. O uso desse condicionante justifica-se, pois, o número de óbitos encefálicos é uma variável complexa de ser coletada nos ambientes hospitalares, pois envolve características individuais, éticas e depende da autorização de familiares desses doadores (Tolfo et al. 2018Tolfo, F., S. Camponogara, M. J. M. López, H. C. H. Siqueira, J. Scarton e C. L. C. Beck. 2018. “La inserción del enfermero en la comisión intrahospitalaria de donación de órganos y tejidos”. Enferm. Glob 17 (50):185-223.).

A taxa de cobertura de plano de saúde (em porcentagem) foi utilizada como uma proxy para a (des)confiança no SUS e no SNT e a expectativa de acesso igualitário e com qualidade a esse sistema que, independentemente do processo de doação-transplante, pode influenciar a propensão para doar órgãos sólidos. Os dados da taxa foram coletados, para dezembro de cada ano, no site da Agência Nacional de Saúde Suplementar (2022)Agência Nacional de Saúde Suplementar. 2022. Taxa de Cobertura de Planos de Saúde. Disponível em: http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/dh?dados/tabnet_tx.def. Acesso em: 20 out. 2022.
http://www.ans.gov.br/anstabnet/cgi-bin/...
. Segundo Frere e Deonandan (2019)Frere, M. e R. Deonandan. 2019. “Economic trends and organ donation rates in the USA: An ecological analysis”. Primary Research Article 96: 15-18., o efeito positivo (ou negativo) do seguro saúde sobre as doações pode variar por tipo de órgão ofertado.

Já as variáveis CIHDOTT’s e OPO’s corresponderam às dummies binárias referentes às duas políticas públicas (fator institucional do SNT) usadas para captar os efeitos de suas criações sobre a taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s e no período de 2012 a 2017. Considerou-se valor igual a 1 para política existente e zero (0) não existente nessas áreas.

Na tabulação e organização dos dados deste estudo foi utilizada uma planilha eletrônica, já na construção dos mapas e estimações, utilizou-se o software GeoDa, versão 1.14.0.24, e o Stata 1513 8 O comando utilizado foi o xsmle – para maiores detalhes, veja Belotti, Hughes e Mortari (2013, 2017). . As malhas digitais tiveram como fonte os mapas do IBGE e, na elaboração final deles, foi usado o software QGIS 2.18.3. Todas as variáveis foram transformadas em logaritmo natural (ln), com exceção das binárias.

A primeira fase da análise empírica espacial dos dados correspondeu à distribuição da taxa efetiva de doação de órgãos sólidos (variável dependente) em mapas quantiles para identificar outliers14 9 Por mais que possam existir outliers na amostra, eles não deixam de ser informações, e ainda são úteis, principalmente para os policymakers, que podem tomar essas unidades federativas como benchmarking para estudar e aplicar em suas áreas geográficas. Além disso, modelo de painel de efeitos fixos considera que as diferenças entre as regiões são detectadas nos diferentes interceptos. Esses efeitos ocorrem devido as heterogeneidades que não são observáveis, de forma que esse modelo é capaz de controlar e eliminar o viés das variáveis que são observadas relevantes e invariáveis no período de análise (Greene 2011). Seguindo Almeida (2012), o painel espacial possui a capacidade de acomodar a heterogeneidade espacial que não é observada nos parâmetros da regressão. e o comportamento geográfico dela. Na sequência, aplicou-se a Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) nessa variável, se utilizando a Matriz de Ponderação Espacial (W), com critério de proximidade geográfica, respeitando a dimensão n por n (n x n), em que os vizinhos de cada localidade são especificados. Essa parte da análise espacial foi importante para identificar os padrões de aglomeração espacial dessa taxa, bem como auxiliou na sua visualização no espaço e no tempo.

No que diz respeito à matriz de peso espacial (W), Golgher (2015)Golgher, A. B. 2015. Introdução à Econometria Espacial. Jundiai: Paco Editorial. mostra que ela pode ser construída por proximidades geográficas, condições socioeconômicas, culturais e institucionais. Ao considerar esses aspectos, as matrizes testadas neste trabalho foram a rainha, torre e k-vizinhos euclidiana e no arco (k = 5, k = 7 e k = 9). Para essa escolha, foram adotados os seguintes passos: i) estimou-se o modelo clássico de regressão linear; ii) foram testados os resíduos do modelo para a autocorrelação espacial, usando o I de Moran para um conjunto de matrizes W; e iii) selecionou-se a matriz de peso espacial que gerou o valor mais alto no teste de I de Moran e que foi estatisticamente significativo. Além disso, foram testadas a autocorrelação espacial global e local para verificar se os dados são aleatórios, conforme recomendado por Elhorst (2010Elhorst, J. P. 2010. “Applied Spatial Econometrics: Raising the Bar”. Spatial Economic Analysis 5: 9-28., 2014———. 2014. Spatial Econometrics from Cross-Section Data to Spatial Panels. Springer.).

Destarte, o maior valor do I de Moran, que apresenta a autocorrelação espacial global univariada, determina a matriz de ponderação espacial que mais capta os efeitos de correlação espacial da variável de interesse (Almeida 2012Almeida, E. S. 2012. Econometria Espacial Aplicada. Campinas: Editora Alínea.). Para verificar a robustez dos resultados, foi realizado uma permutação aleatória. A partir desse teste, realizado com 99.999 permutações, rejeitou-se a hipótese nula (aleatoriedade espacial) com o valor do pseudo p-value com significância estatística de 1%. Portanto, a escolha do tipo de matriz de dados espaciais também levou em consideração a disponibilidade das informações nas bases de dados utilizadas neste trabalho, que estão agregadas a nível estadual. Destaca-se que não foi possível a criação de matrizes espaciais levando em consideração distância entre as Organizações de Procura de Órgãos (OPOS), ou entre as Comissões Intra-Hospitalares de Doação e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT’s). Além disso, mesmo que as macrorregiões de saúde estabelecidas pelo SUS sejam muito bem definidas, a disponibilidade dos dados não permite que sejam criadas matrizes espaciais para tentar melhor captar o contexto das doações-transplantes de órgãos.

Na análise da autocorrelação espacial global, utilizou-se o valor estatístico do Índice de Moran (I) – em que a hipótese nula se refere à aleatoriedade espacial - e o diagrama de dispersão de Moran, que apresentou os tipos de clusters (Alto-Alto - AA, Baixo-Baixo - BB, Baixo-Alto-BA e Alto-Baixo - AB). Nos agrupamentos do tipo AA e BB, respectivamente, as unidades federativas do Brasil exibem valores altos (baixos) da variável de interesse (taxa de doações efetivas de órgãos) e estão cercados por unidades espaciais que apresentam, também, elevados valores (reduzidos) dessa variável defasada. Por sua vez, aqueles do tipo BA e AB, nesta ordem, trata-se de aglomerações em que as unidades espaciais têm valores baixos (altos) da variável de interesse e estão circundadas por áreas geográficas que têm valores altos (baixos) dessa variável defasada (Elhorst 2014———. 2014. Spatial Econometrics from Cross-Section Data to Spatial Panels. Springer.; Golgher 2015Golgher, A. B. 2015. Introdução à Econometria Espacial. Jundiai: Paco Editorial.).

Na sequência da análise espacial, foram verificados os padrões locais de autocorrelação espacial estatisticamente significativos, utilizando-se o mapa de cluster denominado de LISA (Local Indicator of Spacial Association). Ele é o método mais adequado para avaliar esses indicadores nessa etapa do estudo e dividido em categorias de resultados, destacando: não significativo e clusters do tipo AA, BB, AB e BA (Anselin 1999Anselin, L. 1999. “Interactive techniques and exploratory spatial data analysis”. In: Geographic information system: principles, techniques, management and applications, editado por P. A. Longley et al. Nova York: John Wiley. 251-264.).

Outra etapa da estratégia empírica correspondeu ao uso do painel espacial, em que, inicialmente, foram estimados os modelos não espaciais de regressão para dados em painel, denominados de Efeitos Fixos (EF) e Efeitos Aleatórios (EA). Na escolha do tipo de modelo, aplicou-se o teste de Hausman (cuja hipótese nula é a ausência de correlação dos regressores com o termo de erro) e o seu resultado indicou o modelo de EF.

Em termos analíticos, o modelo de dados em painel de efeitos fixos com dependência espacial foi representado por:

\begin{equation}y_{it} = \alpha + \rho W_{1}y_{it} + X_{it}{\beta + W}_{1}X_{it}\tau + \xi_{it}\end{equation} (1)

\begin{equation}\xi_{it} = \lambda W_{2}\xi_{it} + \varepsilon_{it}\end{equation} (1.a)

em que \begin{equation}y\end{equation} é a variável dependente (taxa de doação efetiva de órgãos sólidos por morte encefálica); X refere-se às variáveis explicativas (fatores sociodemográficos e de gestão em saúde); \begin{equation}t\end{equation} é o tempo; \begin{equation}i\end{equation} é o espaço; \begin{equation}W_{1}y\ \end{equation} e \begin{equation}W_{1}X\end{equation} correspondem às defasagens espaciais, respectivamente, da variável dependente e das explicativas exógenas; \begin{equation}\rho\end{equation} e \begin{equation}\lambda\end{equation} são parâmetros espaciais escalares, \begin{equation}\tau\end{equation} é o vetor de coeficiente espacial, \begin{equation}\xi\end{equation} é o erro da defasagem espacial. O \begin{equation}\xi\end{equation} é calculado pela Equação (1.a) onde \begin{equation}W_{2}\xi\end{equation} representam os erros defasados espacialmente, \begin{equation}\varepsilon\end{equation} é o erro e \begin{equation}\alpha\end{equation} é a heterogeneidade não observada (Elhorst 2014———. 2014. Spatial Econometrics from Cross-Section Data to Spatial Panels. Springer.).

Neste trabalho, os principais modelos espaciais estimados, considerando as restrições impostas aos parâmetros \begin{equation}\rho\end{equation}, \begin{equation}\tau\end{equation} e \begin{equation}\lambda\end{equation} do modelo geral (Equações 1 e 1.a e a classificação quanto ao tipo de abrangência geográfica, conforme Quadro 1, foram os seguintes: Autorregressivo Espacial (SAR - Spatial Autoregressive Model); Regressivo Cruzado Espacial (SLX - Spatial Lag of X); Erro Autorregressivo Espacial (SEM - Spatial Error Model); Durbin Espacial do Erro (SDEM - Spatial Durbin Error Model) e Durbin Espacial (SDM - Spatial Durbin Model).

Segundo Almeida (2012)Almeida, E. S. 2012. Econometria Espacial Aplicada. Campinas: Editora Alínea., os modelos com abrangência global (por exemplo, SAR e SEM) são aqueles em que o alcance de transbordamento é global. Ou seja, o multiplicador espacial mostra que o efeito sobre a variável dependente seja estendido para todas regiões do estudo. Por sua vez, os modelos do tipo local (SLX) são aqueles em que o alcance de transbordamento é localizado. Isto é, o impacto da dependência atinge somente algumas áreas, principalmente, os vizinhos diretos e os indiretos (vizinhos dos vizinhos). E ainda, têm-se os modelos de alcance global e local (SDEM e SDM).

Quadro 1 -
Tipos principais de modelos espaciais

Na próxima fase da pesquisa, aplicou-se os Critérios de Informação de Akaike (AIC)15 10 O critério AIC admite a existência de um modelo “real” que descreve os dados que são desconhecidos, e tenta escolher, dentre um grupo de modelos avaliados, o que minimiza a divergência de Kullback-Leibler (K-L). Destaca-se que ele se baseia no valor máximo da função de verossimilhança. Quanto menor o valor do AIC, melhor o modelo escolhido, sendo que: \begin{equation}AIC = - 2LIK + 2k\end{equation}AIC=−2LIK+2k, em que LIK = função de verossimilhança e k = número de parâmetros (Elhorst 2014). e Bayesiano (BIC)16 11 O critério BIC, representado pela equação \begin{equation}BIC = - 2LIK + kln(n)\ \end{equation}BIC=−2LIK+kln(n)em que LIK = função de verossimilhança, k = número de parâmetros e n = amostra, é um critério de avaliação de modelos definido em termos de probabilidade a posteriori. Serve para comparar os modelos estimados e ajuda na identificação do modelo que gerou os dados (Schwarz 1978; Almeida 2012). , escolhendo assim o modelo de Durbin Espacial (SDM) de efeitos fixos com dependência espacial, que foi estimado pelo Método de Máxima Verossimilhança (MV) 17 12 Para mais informações sobre o Método de Máxima Verossimilhança, vide Lesage e Pace (2009) e Almeida (2012). .

O modelo SDM de efeitos fixos com dependência espacial foi representado por (Lesage e Pace 2009Lesage, J. P., e R. K. Pace. 2009. Introduction to Spatial Econometrics. Taylor & Francis.):

\begin{equation}y_{it} = 𝜌𝑊y_{it} + α\iota_{N}+ X_{it}𝛽 + 𝑊X_{it}\theta + \varepsilon_{it}\end{equation} (2)

\begin{equation}\varepsilon_{it}~N (0, \sigma^{2}I~n~)\end{equation} (2.a)

em que y é a variável dependente; \begin{equation}t\end{equation} é o tempo; \begin{equation}i\end{equation} é o espaço; Wy e WX correspondem às defasagens espaciais, respectivamente, da variável dependente e das explicativas exógenas; α\begin{equation}\iota_{N}\end{equation} é a heterogeneidade não observada; e \begin{equation}\rho\ \end{equation}é o parâmetro espacial escalar.

No modelo SDM, o alcance global é dado pelo multiplicador espacial que advém da variável dependente defasada espacialmente e o efeito de alcance local vem das defasagens espaciais das variáveis explicativas. Nesse tipo de modelagem também é possível analisar o efeito direto (ED), indireto (EI) e total (ET). Seguindo Elhorst (2010)Elhorst, J. P. 2010. “Applied Spatial Econometrics: Raising the Bar”. Spatial Economic Analysis 5: 9-28., o efeito direto mostra o impacto da variação de uma unidade na variável explicativa da unidade federativa i sobre a variável dependente da mesma unidade espacial. Ou seja, esse efeito é dado pelo impacto das variáveis explicativas sobre a variável dependente localmente. Por exemplo, admita o ED como o efeito sobre a taxa de doações efetivas de órgãos sólidos da unidade federativa i quando aumenta (ou diminui) a densidade populacional da unidade i em 1%.

O efeito indireto (EI), por sua vez, corresponde ao impacto da mudança de uma unidade na variável explicativa da unidade federativa i sobre a variável dependente das unidades vizinhas (primeira ordem), se referindo ao transbordamento espacial dessas variáveis. Por exemplo, ele capta o impacto do aumento (redução) de 1% da densidade populacional da unidade federativa i sobre a taxa de doações efetivas de órgãos sólidos de seus vizinhos. O efeito total (ET) é dado pela soma dos efeitos direto e indireto, captando o impacto de todas as unidades federativas (ou regiões) incorporadas na matriz de peso sobre uma determinada unidade i, incluído o efeito da própria unidade federativa18 13 Segundo Lesage e Pace (2009), o ED é representado como o traço da diagonal principal de Sr (W): \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{direto} = n^{- 1}tr\left( S_{r}(W) \right)\end{equation}M¯(r)direto=n−1tr(Sr(W)), sendo que \begin{equation}S_{r}(W) = {(I_{n} - \rho W)}^{- 1}I_{n}\beta_{r}\end{equation}Sr(W)=(In−ρW)−1Inβr , n é número de observações, \begin{equation}tr\end{equation}tr é o traço da matriz e \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{direto}\end{equation}M¯(r)direto é o efeito direto médio. O ET é expresso por: \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{total} = n^{- 1}{I^{'}}_{n}S_{r}(W)I_{n}\end{equation}M¯(r)total=n−1I′nSr(W)In, onde \begin{equation}I_{n}\end{equation}In é o vetor coluna unitário e \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{total}\end{equation}M¯(r)total é o efeito total médio. Já o EI é dado por: \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{indireto} = \ \overline{M}{(r)}_{total} - \ \overline{M}(r)_{direto}\end{equation}M¯(r)indireto=M¯(r)total−M¯(r)direto. (Lesage e Pace 2009Lesage, J. P., e R. K. Pace. 2009. Introduction to Spatial Econometrics. Taylor & Francis.).

6. Resultados e Discussão

Esta seção está organizada em duas partes: na primeira (subseção 6.1 6.1 Análise dos Resultados Descritivos e da AEDE Na Tabela 1, são apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis (dependente e explicativas) usadas na pesquisa, com exceção das dummies binárias OPO’s e CIHDOTT’s. Ao longo do tempo, observou-se que a taxa média de doação efetiva de órgãos sólidos por mortes encefálicas nas UF’s brasileiras foi de 9,8 pmp, sendo que Santa Catarina apresentou a maior taxa (40,28 pmp em 2017). A dispersão relativa alta dessa variável (coeficiente de variação igual a 93,22%) indicou a existência de diferenças regionais dessas doações nas áreas analisadas. No que se refere aos fatores sociodemográficos, verificou-se que a escolaridade (IDHM Educação) teve média igual a 0,69, com registro máximo de 0,84 na unidade de São Paulo (2016) e mínimo de 0,57 em Alagoas (2013). A média da densidade demográfica foi de 72,97 habitantes/km2, com maior valor de 527,61 habitantes/km2 no Distrito Federal (2017) e menor de 2,09 habitantes/km2 em Roraima (2012). Já a média da taxa de envelhecimento populacional correspondeu a 8,14, registrando seu valor mais alto em 2016, no Rio De Janeiro (13,08) e o mais baixo, em 2013, em Roraima (3,43). Na questão da composição étnica, verificou-se que a proporção média de não brancos foi de 64,98%, com valor máximo (85,71%) em Santa Catarina (2012) e mínimo (12,37%) no Amapá (2012). Tabela 1 - Análise descritiva das variáveis usadas na pesquisa, UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Variáveis Média DV Mínimo Máximo CV (%) Taxa de doação efetiva de órgãos sólidos 9,89 9,22 0 40,28 93,22 Escolaridade (IDHM Educação) 0,69 0,06 0,57 0,84 8,69 Densidade populacional 72,97 113,28 2,09 527,61 155,24 Taxa de envelhecimento populacional 8,14 2,04 3,43 13,08 25,06 Proporção de não brancos 64,98 19,11 12,37 85,71 29,41 Taxa de respiradores de emergência 222,41 88,75 69,92 477,21 39,90 Taxa de leitos em UTI 159,64 74,37 44,80 402,18 46,58 Taxa de equipes transplantadoras de órgãos 0,52 0,39 0 1,43 75,72 Taxa de mortes por causas neurológicas 15,23 24,57 0,72 317,80 161,33 Taxa de cobertura de planos de saúde 17,64 9,76 5,60 44,50 55,33 Fonte: Resultados da Pesquisa (2022). Elaboração própria. Nota: DV – Desvio padrão. CV – Coeficiente de variação. A taxa média de respiradores (ou ventiladores) de emergência nos hospitais (gestão em saúde) foi de 222,41 pmp, com registro máximo de 477,21 pmp no Distrito Federal, em 2015, e mínimo 69,90 pmp no Piauí, em 2012. A taxa média de leitos em UTI foi de 159,64 (pmp), sendo que o maior valor (402,185 pmp) foi evidenciado no Distrito Federal (2013) e o menor (44,80 pmp) no Acre (2012). A taxa média de equipes transplantadoras foi de 0,52 (pmp), sendo que o seu maior valor foi 1,43 (pmp) para o ano 2013, no Distrito Federal. Por sua vez, a média da taxa de mortes por causas neurológicas foi de 15,23 pmp. O valor máximo dessa variável foi registrado no Estado do Rio Grande do Sul (317,80 pmp), em 2016, e o mínimo no Acre (0,72 pmp), em 2017. A taxa média de cobertura de plano de saúde foi de 17,64%, sendo o maior valor registrado (44,50 %) em São Paulo (2014) e o menor (5,60%) no Acre (2017). Por fim, todas as variáveis explicativas apresentaram dispersão relativa alta dos dados, exceto escolaridade, taxa de envelhecimento populacional e proporção de não brancos. Na Figura 3, observou-se que as unidades federativas do Ceará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre 2012 e 2017, registraram elevadas taxas efetivas de doações de órgãos sólidos. Já Roraima, Amapá, Tocantins e Mato Grosso não tiveram doações nesse período. Houve maior e menor concentração das doações nas regiões Sul e Norte do Brasil, respectivamente; além disso, essa taxa apresentou padrões espaciais, indicando a existência de agrupamentos nas áreas analisadas. Figura 3 - Distribuição espacial da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (TDE), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Fonte: Resultado da Pesquisa (2022). Elaboração própria. Na Tabela 2, estão apresentados os resultados das estatísticas globais do teste de I de Moran para a variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s do Brasil (logaritmo natural - ln). Os resultados foram significativos a 1% para todas as matrizes testadas (rainha, torre, k-vizinhos Euclidiana e Arco (k5, k7 e k9)) por ano. Confirmou-se a autocorrelação espacial positiva e a não tendência aleatória da distribuição, indicando que essa taxa nas unidades federativas vizinhas influenciou o comportamento das doações na unidade de análise. A matriz rainha foi a escolhida, pois teve o maior valor de I Moran Global, mostrando-se adequada para as demais análises espaciais da pesquisa. Tabela 2 - Estatísticas Globais I de Moran para a variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (em logaritmo natural-ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Ano Matriz de peso I de Moran Ano Matriz de peso I de Moran 2012 Rainha 0,499 2015 Rainha 0,460 Torre 0,499 Torre 0,460 k-5 Euclidiana 0,318 k-5 Euclidiana 0,302 k-7 Euclidiana 0,259 k-7 Euclidiana 0,260 k-9 Euclidiana 0,239 k-9 Euclidiana 0,245 k-5 Arco 0,328 k-5 Arco 0,313 k-7 Arco 0,264 k-7 Arco 0,262 k-9 Arco 0,239 k-9 Arco 0,246 2013 Rainha 0,423 2016 Rainha 0,584 Torre 0,423 Torre 0,584 k-5 Euclidiana 0,243 k-5 Euclidiana 0,368 k-7 Euclidiana 0,207 k-7 Euclidiana 0,299 k-9 Euclidiana 0,206 k-9 Euclidiana 0,280 k-5 Arco 0,257 k-5 Arco 0,380 k-7 Arco 0,210 k-7 Arco 0,299 k-9 Arco 0,208 k-9 Arco 0,290 2014 Rainha 0,431 2017 Rainha 0,646 Torre 0,431 Torre 0,646 k-5 Euclidiana 0,274 k-5 Euclidiana 0,443 k-7 Euclidiana 0,230 k-7 Euclidiana 0,366 k-9 Euclidiana 0,218 k-9 Euclidiana 0,315 k-5 Arco 0,283 k-5 Arco 0,455 k-7 Arco 0,232 k-7 Arco 0,365 k-9 Arco 0,216 k-9 Arco 0,328 Fonte: Resultado da pesquisa (2022). Elaboração própria. Nota1: Todos os coeficientes de I de Moran foram significativos a 1%. Nota2: Para dar maior robustez aos resultados, foram realizadas 99.999 permutações. A partir do diagrama de dispersão de Moran (Figura 1A - Apêndice), observou-se a existência de autocorrelação positiva da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos, com concentração de unidades federativas brasileiras no primeiro (Alto-Alto) e no terceiro quadrante (Baixo-Baixo). Para complementar essa análise, está apresentado, na Figura 4, o Mapa de Cluster Lisa dessa variável. O cluster baixo-baixo (cor azul) foi observado, entre 2012 e 2017, para as unidades do Amazonas, Pará e Tocantins. Esse mesmo agrupamento foi identificado no Maranhão e no Mato Grosso, com exceção dos anos de 2015 e 2017, respectivamente. Nessas áreas geográficas existiam baixos valores da taxa de doações, cercados por regiões com baixos valores desta variável. Figura 4 - Mapa de Cluster Lisa da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos - TDE (em logaritmo natural-ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Nota: Mapa com 99.999 permutações e com nível de significância de 5%. Fonte: Resultado da pesquisa (2022). Elaboração própria. O cluster alto-alto (cor vermelha) foi observado em todos os anos da série (2012-2017) na região Sul do Brasil, com destaque para o Paraná (exceto no ano de 2015) e o Rio Grande do Sul (exceção no ano de 2013). Santa Catarina, por sua vez, apresentou esse tipo de agrupamento nos anos de 2015, 2016 e 2017. Nessas áreas confirmou-se a existência de altas taxas de doações, cercadas por regiões espaciais que também mostraram altos valores dessa variável. O cluster baixo-alto foi identificado apenas na Paraíba no ano de 2012, mostrando que essa unidade federativa registrou baixas taxas de doações e estava circundada por vizinhos com elevadas taxas naquele período. ) é apresentada a análise descritiva dos dados e da AEDE. E na segunda, apresenta-se a análise econométrica (subseção 6.2 6.2 Análise dos Resultados Econométricos do Modelo Durbin Espacial com Dados em Painel Na Tabela 3, são apresentados os resultados das estimações do modelo de painel de dados espaciais SDM com efeitos fixos, referente as Equações (2)) e ((2.a) - seção 4 desse estudo. A coluna (2) apresenta os coeficientes das variáveis explicativas e a coluna (3), traz os coeficientes das variáveis explicativas espacialmente defasadas, além do coeficiente da variável dependente defasada espacialmente (valor do Rho). As outras colunas captam os efeitos direto (ED), indireto (EI) e total (ET), conforme exposto na metodologia. A escolha do modelo estimado, conforme já destacado, ocorreu a partir do teste de Hausman e dos critérios AIC e BIC; além disso, esses resultados foram robustos à heterocedasticidade. Conforme resultados, o coeficiente da defasagem espacial da variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (Rho) foi significativo e com sinal negativo, indicando que essa variável dependente em cada UF brasileira se relacionou negativamente com a taxa dos seus vizinhos. Logo, no processo de doação realizado nessas áreas existem transbordamentos espaciais. Isso indica que existem padrões de crescimento dessa taxa em cada unidade de análise e, ainda, o comportamento dela pode ser afetado pelo desempenho das taxas nas unidades vizinhas, que apresentaram, em geral, padrões abaixo da média de doações desse tipo de órgãos. Considerando os fatores sociodemográficos, verificou-se que a variável escolaridade defasada (IDHM Educação defasado) impactou de forma positiva a taxa de doações de órgãos na UF analisada. Em termos dos efeitos indireto e total, a escolaridade na unidade de análise impactou positivamente as doações nas unidades vizinhas, mostrando o transbordamento dessa variável. Essas evidências estão de acordo com os trabalhos de Barcellos, Araújo e Costa (2005) e Freire (2013) aplicados ao Brasil, os quais mostraram que quanto maior a escolaridade, mais alta é a probabilidade de ocorrer a doação de órgãos. A educação pode afetar as atitudes, os comportamentos e conhecimento da sociedade como um todo sobre o processo de doação-transplante. Ainda, Shah et al. (2018) para os EUA e Page, Higgs e Lanfgord (2018) para o País de Gales, também evidenciaram que altos níveis de educação estão positivamente relacionados às taxas de doações e registros de doadores. Tabela 3 - Resultados do modelo de painel de dados espaciais SDM com efeitos fixos (em logaritmo natural – ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Fatores Fatores explicativos Fatores espacialmente defasados Efeitos Direto Indireto Total Escolaridade (IDHM Educação) 1,8796 (1,2186) 9,4604* (1,7711) 1,5011 (1,1144) 8,1918* (1,5931) 9,6929* (1,9101) Densidade populacional 0,2597* (0,0626) 1,2332* (0,1307) 0,2058* (0,0705) 1,0734* (0,1410) 1,2793* (0,1374) Taxa de envelhecimento populacional 0,1354 (0,3478) -2,1049* (0,4389) 0,2497 (0,3754) -1,9430* (0,4322) -1,6933* (0,3753) Proporção de não brancos -0,8401* (0,0990) 1,6065* (0,2573) -0,9214* (0,0936) 1,5634* (0,2259) 0,6419* (0,2401) Taxa de respiradores de emergência 0,6290** (0,2834) 0,3212 (0,3938) 0,6139** (0,2855) 0,2001 (0,3876) 0,8141** (0,4025) Taxa de leitos em UTI 0,2861 (0,3085) -1,2192* (0,4638) 0,3562 (0,3184) -1,1392* (0,4281) -0,7829*** (0,4205) Taxa de equipes transplantadoras -0,3034* (0,1040) 0,5496* (0,1770) -0,3372* (0,1056) 0,5530* (0,1665) 0,2158 (0,1735) Taxa de mortes por causas neurológicas 0,1583** (0,0796) -0,4968* (0,1752) 0,1794** (0,0800) -0,4785* (0,1537) -0,2990 (0,1832) Taxa de cobertura de planos de saúde -0,4152 (0,3439) -0,1105 (0,3343) -0,4211 (0,3359) 0,0336 (0,3245) -0,4547 (0,3183) Dummy OPO’s 0,1441** (0,0706) 0,3336** (0,1428) 0,1279*** (0,0704) 0,2793** (0,1189) 0,4072* (0,1393) Dummy CIHDOTT’s 0,3309 (0,2420) 1,1731* (0,3568) 0,2744 (0,2345) 1,0231* (0,3238) 1,2975* (0,3899) R quadrado 0,8385 0,1065 AIC - 165,3546 - - - BIC - 239,4569 - - - Teste de Hausman 665,13 - - - - p-valor 0,0000 - - - - Fonte: Resultados da pesquisa (2022). Elaboração própria. Nota1: Número de observações (N): 162, número de Unidades Federativas (n): 27 e número de anos (t): 6. Erro padrão da estatística entre parênteses. Resultados robustos a heterocedasticidade. Nota2: *Significativo a 1%, ** Significativo a 5% e *** Significativo a 10%. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2019), a doação de órgãos sólidos no Brasil está crescendo, mas uma das principais barreiras atuais é o não consentimento ou resposta negativa da população em relação ao tema. Dúvidas sobre mercado de órgãos, mutilação do corpo humano, aspectos religiosos e culturais são fatores que interferem na decisão das famílias. Assim, a escolaridade se torna um condicionante social relevante no esclarecimento sobre a ética desse processo (Andrade e Goldim 2018). O fator densidade populacional e sua defasagem afetaram positivamente a taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s do Brasil, com destaque para o efeito de transbordamento da vizinhança (efeito local). Essas evidências estão em consonância com as pesquisas de Gomes (2007) e Soares et al. (2020). Esses autores indicaram que a maior oferta de órgãos sólidos e transplantes realizados ocorreu, principalmente, em regiões do Brasil com concentração populacional e esse fato gerou desigualdades regionais na distribuição dessas doações. Já Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017), em pesquisa realizada para a Tailândia, em 2004, também trabalhou com a hipótese da associação positiva desse condicionante sobre tal variável dependente; contudo, o coeficiente estimado não foi significativo. Os resultados deste estudo mostraram relação positiva entre a taxa de envelhecimento populacional e as doações efetivas de órgãos sólidos nas UF’s brasileiras, contudo ela não foi significativa. Por sua vez, o aumento de idosos nas regiões vizinhas (variável explicativa defasada) pode diminuir essas doações na unidade de análise. O efeito indireto e total mostrou que um aumento da taxa de envelhecimento de uma determinada UF impacta negativamente essas doações nas UF’s vizinhas. Cabe destacar que, no Brasil, os principais doadores efetivos de órgãos ainda são os jovens. Este público está mais vulnerável a ter um traumatismo craniano por acidentes de transporte terrestre do que por AVC, como é o caso dos idosos (Silva et al. 2014). Segundo Gomes, Barbosa e Passos (2020), o principal motivo de mortes em decorrência de cranioencefálicos está relacionado a esse tipo de causa externa. Além disso, Cuende et al. (2007) afirmam que doações após os 65 anos, principalmente para fígado e rim, podem não ocorrer, devido às doenças crônicas que afetam a saúde desse público (Mello e Lima 2020). Contudo, é um processo que está em transição e em crescimento no contexto mundial. No que se refere à composição étnica, observou-se que a proporção de não brancos de uma determinada UF se relaciona negativamente com a taxa de doação de órgãos sólidos da mesma unidade espacial, o que foi confirmado pelo efeito direto. Ao se considerar essa variável defasada, expandindo-se a proporção de não brancos nas regiões vizinhas, pode ocorrer um aumento nas doações da UF de análise. De forma indireta, a expansão na proporção de não brancos na unidade de análise afeta de forma positiva a taxa de doações nas regiões vizinhas, captando o efeito de transbordamento dessa variável explicativa. A composição étnica de uma população pode influenciar as taxas de doações de órgãos sólidos, conforme evidenciado nas pesquisas de Higgns e Fishman (2006), Bratton, Chavin e Baliga (2011), Marinho, Cardoso e Almeida (2012), Bongiovanni et al. (2020) e Park et al. (2022). Esses autores mostraram que indivíduos não brancos (pretos, pardos, indígenas, entre outros), podem apresentar baixa propensão ou até mesmo se recusar a doar seus órgãos em virtude dos seguintes motivos: a) insuficiência de doadores com potenciais compatibilidade, devido as diferenças biológicas nas diversas populações étnicas, b) falta de confiança no sistema de saúde; c) desinformação sobre o processo de doação, principalmente, em relação ao sistema de alocação e a vivência de um receptor de transplante; d) discriminação por gênero e etnia; e) (des)confiança na comunidade médica, em especial, a questão dos cuidados médicos preventivos limitados, f) crenças espirituais; g) baixo nível escolaridade e renda (preocupações financeiras); e h) desproporção em lista de espera para transplante de órgãos, entre outros. Com relação aos fatores de gestão em saúde, verificou-se que a taxa de respiradores de emergência de uma determinada UF impactou de forma positiva a variável dependente nessa unidade espacial. Na análise do efeito direto e total, houve a predominância também desse sinal. Essas evidências são relevantes, pois confirmam a importância desses equipamentos para diagnóstico de morte encefálica, manutenção e preservação do corpo do potencial doador falecido. Logo, esses resultados estão em conformidade com as pesquisas de Cavalcante (2014) e Garcia et al. (2015). Gois et al. (2017), Gómez, Jungmann e Lima (2018) e Bertasi et al. (2019) complementam afirmando que as unidades hospitalares de um país devem apresentar infraestrutura (equipamentos, leitos, UTI’s, entre outros) e recursos humanos adequados para que o processo de captação, doação e transplantes de órgãos ocorra de maneira efetiva e eficaz. Esse fato pode reduzir as diferenças regionais na disponibilidade dos órgãos e no número de pacientes em lista de espera por um transplante. Os resultados dessa pesquisa mostraram que a taxa de leitos em UTI nas UF’s vizinhas (fator explicativo defasado) exerceu impacto negativo sobre as taxas de doações de órgãos sólidos na unidade em análise. E ainda, que um aumento dessa taxa em determinada UF reduziu as doações nas áreas vizinhas, pelo efeito indireto e total. Esse resultado não esperado pode estar relacionado a capacidade de atendimento hospitalar da alta complexidade nas diferentes regiões do Brasil. Destaca-se que a disponibilidade de leitos em UTI’s em cada hospital credenciado ao SNT contribui para a qualidade da assistência aos doadores (potenciais e efetivos) e a recuperação dos pacientes pós-transplantes (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2020). Nesta linha, é de extrema importância que os gestores regionais e locais desse sistema fiscalizem e avaliem melhor a infraestrutura ofertada, o funcionamento desses hospitais nos serviços realizados, além da eficiência deles no processo de doação-transplante de órgãos. O efeito da taxa de equipes transplantadoras de órgãos de uma determinada UF foi negativo sobre a taxa de doações de órgãos sólidos dessa mesma unidade espacial. Esse resultado foi confirmado pelo efeito direto. Ao considerar a sua defasagem, identificou-se que um aumento desta taxa nas unidades federativas vizinhas pode expandir as doações na unidade de análise. Esse resultado pode estar relacionado a forma como a alocação das equipes está sendo organizada e otimizada em cada UF, o que gera disparidades no processo. O transbordamento espacial foi captado pelo efeito indireto ao mostrar que uma expansão na taxa de equipes de uma determinada UF gera uma expansão nas doações de órgãos nas unidades vizinhas. Costa, Balbinotto e Neto (2014, 2016) destacam que é importante a atuação coordenada e regional dessas equipes na captação e doação de órgãos, bem como na efetivação do número órgãos ofertados, contribuindo para o funcionamento eficiente do SNT. A taxa de mortes por causas neurológicas de uma determinada UF impactou positivamente a taxas de doações de órgãos sólidos da mesma UF, o que foi confirmado pelo efeito local. Por sua vez, essas mortes ocorridas nas unidades federativas vizinhas, ao longo do tempo, reduziram as taxas de doações de órgãos sólidos na unidade de análise. Em termos do efeito indireto, o sinal foi negativo. Esses resultados podem estar relacionados aos problemas de concentração de serviços neurológicos, falta de infraestrutura hospitalar e de registros efetivos sobre a evolução do quadro clínico dos pacientes (Freire 2013; Freitas et al. 2015). Nessa linha, Kananeh et al. (2020) destacam que, além da identificação correta da morte encefálica, é importante uma abordagem adequada dos familiares para que a autorização ocorra e a doação seja efetivada. O efeito positivo da dummy referente às OPO’s indicou que a criação e implementação dessa política pública no Brasil foi importante para incentivar as taxas de doações efetivas de órgãos sólidos nas UF’s. Essas organizações apresentam papel fundamental no processo de doação-transplante e são formadas por profissionais (enfermeiros, médicos e assistentes sociais) capacitados e treinados para organizar, apoiar e realizar a busca de órgãos (Brasil 2009b). Destaca-se que essas equipes, até 2017, foram responsáveis (implicitamente) por toda organização, comunicação e funcionamento da captação e doação de órgãos em nível estadual e regional no país (Brasil 2009a). Após esse ano, continuaram a atuar no sistema, mas nas organizações de rede de procura e doação de órgãos, estrutura de preservação e rede de auxílio do processo. Segundo Silva et al. (2020), a atuação dos profissionais da área médica e de enfermagem das OPO’s é de crucial importância para o aumento no número de doadores efetivos, pois qualquer atuação não eficaz dessas equipes pode prejudicar todo o funcionamento e organização do SNT em nível municipal, estadual e federal. Manyalich et al. (2003) e Farrell (2010) destacam, ainda, que as estruturas organizacionais de procura de órgãos, com coordenações regionais, contribuem para a expansão da disponibilidade de órgãos em um país. Padela et al. (2010), em estudo realizado na cidade de Detroit nos EUA, mostraram que as organizações de procura de órgãos foram importantes, também, na sensibilização sobre a importância da doação. Desse modo, os resultados desse estudo captaram a atuação ímpar dessa política no SNT, mostrando que unidades da federação que apresentam OPO’s tendem a aumentar suas doações efetivas. A dummy referente às CIHDOTT’s, outra política destinada à doação e transplantes de órgãos no Brasil, mostrou que a atuação dessas equipes nas unidades federativas vizinhas afetou positivamente a doação de órgãos sólidos na unidade de análise. O efeito indireto mostrou que a implantação dessa política em uma determinada UF contribuiu também para a expansão dessas doações nas unidades vizinhas. Esse resultado está em conformidade com o marco legal e institucional do SNT, que ressalta a importância delas para melhorar o desempenho e eficiência desse processo (Brasil 2009a, 2017b). Além disso, esse resultado mostrou que o comportamento dessas comissões é regionalizado no país e são necessárias ações efetivas para melhorar o desempenho delas, principalmente no âmbito estadual. Outro ponto importante para o desempenho tanto das OPO’s quanto das CIHDOTT’S está relacionado à questão da abordagem familiar. Essas equipes assumem mais de uma atividade no contexto hospitalar e, em muitos casos, estão sobrecarregadas e não apresentam o treinamento adequado para exercerem tal função, o que pode levar a uma recusa da doação por parte dos familiares do potencial doador falecido (Gois et al. 2017; Bertasi et al. 2019). Nesse contexto, os profissionais que atuam nessas equipes, deveriam ser submetidos a constantes treinamentos e aperfeiçoamentos sobre o processo de doação-transplantes de órgãos. Torna-se relevante a implantação de melhores mecanismos de incentivos (institucionais e financeiros) a esses profissionais, bem como a necessidade de ações educacionais locais mais efetivas junto à população que enfatizem a importância da doação. )

6.1 Análise dos Resultados Descritivos e da AEDE

Na Tabela 1, são apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis (dependente e explicativas) usadas na pesquisa, com exceção das dummies binárias OPO’s e CIHDOTT’s. Ao longo do tempo, observou-se que a taxa média de doação efetiva de órgãos sólidos por mortes encefálicas nas UF’s brasileiras foi de 9,8 pmp, sendo que Santa Catarina apresentou a maior taxa (40,28 pmp em 2017). A dispersão relativa alta dessa variável (coeficiente de variação igual a 93,22%) indicou a existência de diferenças regionais dessas doações nas áreas analisadas.

No que se refere aos fatores sociodemográficos, verificou-se que a escolaridade (IDHM Educação) teve média igual a 0,69, com registro máximo de 0,84 na unidade de São Paulo (2016) e mínimo de 0,57 em Alagoas (2013). A média da densidade demográfica foi de 72,97 habitantes/km2, com maior valor de 527,61 habitantes/km2 no Distrito Federal (2017) e menor de 2,09 habitantes/km2 em Roraima (2012). Já a média da taxa de envelhecimento populacional correspondeu a 8,14, registrando seu valor mais alto em 2016, no Rio De Janeiro (13,08) e o mais baixo, em 2013, em Roraima (3,43). Na questão da composição étnica, verificou-se que a proporção média de não brancos foi de 64,98%, com valor máximo (85,71%) em Santa Catarina (2012) e mínimo (12,37%) no Amapá (2012).

Tabela 1 -
Análise descritiva das variáveis usadas na pesquisa, UF’s do Brasil, 2012 a 2017

A taxa média de respiradores (ou ventiladores) de emergência nos hospitais (gestão em saúde) foi de 222,41 pmp, com registro máximo de 477,21 pmp no Distrito Federal, em 2015, e mínimo 69,90 pmp no Piauí, em 2012. A taxa média de leitos em UTI foi de 159,64 (pmp), sendo que o maior valor (402,185 pmp) foi evidenciado no Distrito Federal (2013) e o menor (44,80 pmp) no Acre (2012).

A taxa média de equipes transplantadoras foi de 0,52 (pmp), sendo que o seu maior valor foi 1,43 (pmp) para o ano 2013, no Distrito Federal. Por sua vez, a média da taxa de mortes por causas neurológicas foi de 15,23 pmp. O valor máximo dessa variável foi registrado no Estado do Rio Grande do Sul (317,80 pmp), em 2016, e o mínimo no Acre (0,72 pmp), em 2017. A taxa média de cobertura de plano de saúde foi de 17,64%, sendo o maior valor registrado (44,50 %) em São Paulo (2014) e o menor (5,60%) no Acre (2017). Por fim, todas as variáveis explicativas apresentaram dispersão relativa alta dos dados, exceto escolaridade, taxa de envelhecimento populacional e proporção de não brancos.

Na Figura 3, observou-se que as unidades federativas do Ceará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre 2012 e 2017, registraram elevadas taxas efetivas de doações de órgãos sólidos. Já Roraima, Amapá, Tocantins e Mato Grosso não tiveram doações nesse período. Houve maior e menor concentração das doações nas regiões Sul e Norte do Brasil, respectivamente; além disso, essa taxa apresentou padrões espaciais, indicando a existência de agrupamentos nas áreas analisadas.

Figura 3 -
Distribuição espacial da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (TDE), UF’s do Brasil, 2012 a 2017

Na Tabela 2, estão apresentados os resultados das estatísticas globais do teste de I de Moran para a variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s do Brasil (logaritmo natural - ln). Os resultados foram significativos a 1% para todas as matrizes testadas (rainha, torre, k-vizinhos Euclidiana e Arco (k5, k7 e k9)) por ano. Confirmou-se a autocorrelação espacial positiva e a não tendência aleatória da distribuição, indicando que essa taxa nas unidades federativas vizinhas influenciou o comportamento das doações na unidade de análise. A matriz rainha foi a escolhida, pois teve o maior valor de I Moran Global, mostrando-se adequada para as demais análises espaciais da pesquisa.

Tabela 2 -
Estatísticas Globais I de Moran para a variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (em logaritmo natural-ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017

A partir do diagrama de dispersão de Moran (Figura 1A - Apêndice Apêndice Figura 1A - Diagrama de dispersão de Moran da taxa de doações efetivas de órgãos sólidos (em logaritmo natural), UF’s do Brasil, 2012 a 2017 Nota1: Para dar maior robustez ao resultado, foram realizadas 99.999 permutações. Fonte: Resultado da pesquisa (2022). Elaboração própria. ), observou-se a existência de autocorrelação positiva da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos, com concentração de unidades federativas brasileiras no primeiro (Alto-Alto) e no terceiro quadrante (Baixo-Baixo).

Para complementar essa análise, está apresentado, na Figura 4, o Mapa de Cluster Lisa dessa variável. O cluster baixo-baixo (cor azul) foi observado, entre 2012 e 2017, para as unidades do Amazonas, Pará e Tocantins. Esse mesmo agrupamento foi identificado no Maranhão e no Mato Grosso, com exceção dos anos de 2015 e 2017, respectivamente. Nessas áreas geográficas existiam baixos valores da taxa de doações, cercados por regiões com baixos valores desta variável.

Figura 4 -
Mapa de Cluster Lisa da taxa de doação efetiva de órgãos sólidos - TDE (em logaritmo natural-ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017

O cluster alto-alto (cor vermelha) foi observado em todos os anos da série (2012-2017) na região Sul do Brasil, com destaque para o Paraná (exceto no ano de 2015) e o Rio Grande do Sul (exceção no ano de 2013). Santa Catarina, por sua vez, apresentou esse tipo de agrupamento nos anos de 2015, 2016 e 2017. Nessas áreas confirmou-se a existência de altas taxas de doações, cercadas por regiões espaciais que também mostraram altos valores dessa variável. O cluster baixo-alto foi identificado apenas na Paraíba no ano de 2012, mostrando que essa unidade federativa registrou baixas taxas de doações e estava circundada por vizinhos com elevadas taxas naquele período.

6.2 Análise dos Resultados Econométricos do Modelo Durbin Espacial com Dados em Painel

Na Tabela 3, são apresentados os resultados das estimações do modelo de painel de dados espaciais SDM com efeitos fixos, referente as Equações (2)) e ((2.a) - seção 4 4. Evidências Empíricas sobre os Fatores Associados ao Processo de Doação A identificação dos fatores associados à doação de órgãos tem sido abordada na área da Saúde e, recentemente, em Economia. No contexto internacional, foram evidenciadas as pesquisas de Wongboonsin e Jindahra e Teerakapibal (2017); Shacham et al. (2018); Shah et al. (2018); Page, Higgs e Lanfgord (2018); Bilgel (2018); Frere e Deonandan (2019); Deroos et al. (2019) e Kananeh et al. (2020). No Brasil, se destacaram os trabalhos de Freire (2013); Silva et al. (2014); Freitas et al. (2015); Gois et al. (2017) e Bertasi et al. (2019). A pesquisa realizada na Tailândia por Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017) identificou as variáveis sociodemográficas e geográficas que influenciaram na decisão de doar órgãos. Para isso, aplicaram um modelo de regressão logística e utilizaram dados sobre doação de órgãos em novembro de 2004. Os resultados indicaram que indivíduos com menos de 60 anos têm maior probabilidade de se tornarem doadores. Já ser homem, ter maior nível de escolaridade e viver na área urbana foram fatores que aumentaram a probabilidade da doação; contudo, a densidade populacional não exerceu efeito sobre essa decisão. A influência social favorável exercida por vizinhos e níveis socioeconômicos mais elevados contribuiu para o aumento da taxa de doação. Shah et al. (2018) avaliaram a correlação entre fatores socioeconômicos e a doação de órgãos, utilizando o banco de dados das Organizações de Procura de Órgãos (OPO’s) e o Relatório do Censo dos Estados Unidos, no período de 2007 a 2012. As variáveis utilizadas foram demografia, escolaridade, residência, renda, status de registro, causa e forma da morte, abordagem e avaliação do potencial doador realizado pela OPO’s. A probabilidade de doação foi maior entre os mais jovens e com nível de escolaridade mais alto. Constataram que as taxas mais altas de autorização da doação estavam correlacionadas com doadores que moravam em estados americanos com baixa taxa de pobreza e que sofreram AVC. A abordagem intra-hospitalar das OPO’s, programas educacionais e campanhas na mídia sobre o processo de transplantes ajudaram a melhorar as taxas de autorização. Já Page, Higgs e Lanfgord (2018) utilizaram o método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) com dependência espacial para identificar os fatores associados aos padrões de registros de doações de órgãos, no País de Gales e no Reino Unido, entre 2010 e 2015. A amostra utilizada foi o número de doadores cadastrados na lista de doação, antes e depois da mudança na legislação de doação, classificados por faixa etária, por não ser religioso, pelo nível de escolaridade e pela região com privações econômicas. Conforme resultados, as regiões mais afastadas dos grandes centros e com privações econômicas apresentaram taxas mais baixas de doação; já níveis de educação mais elevados aumentaram essas taxas. Por fim, o fator não ser religioso na faixa etária de 16 a 70 anos teve efeito negativo na variável dependente analisada. Bilgel (2018) avaliou o impacto dos níveis de propriedades de armas e as consequências não intencionais da aplicação da lei de controle delas no fornecimento de doadores de órgãos por homicídio nos Estados Unidos. O período de análise foi de 1999 a 2015 e aplicou-se o modelo de painel de dados espaciais SDEM (Spatial Durbin Error Model) com efeitos fixos. A variável dependente do modelo correspondeu à taxa de órgãos doados por homicídio por 100.000 habitantes. Os fatores explicativos usados foram lei de controle e nível de propriedade de armas. Além disso, foram utilizadas as variáveis de controle taxa de desemprego, taxa de pobreza, participação da população por grupo de idade (0-19, 20-34, 35-44, 45-64 anos) e densidade populacional. Os resultados mostraram que o controle de armas reduziu a taxa de homicídios total; contudo, a rigidez do controle de armas não afetou os homicídios que estavam relacionados à doação de órgãos. Shacham et al. (2018) examinaram as diferenças socio geográficas nas taxas de registros de doadores no Missouri, Estados Unidos, no ano de 2015. Metodologicamente, utilizaram estatística descritiva e o modelo de regressão espacial. As variáveis explicativas foram número de mulheres chefes de família, menores de 18 anos, indivíduos abaixo da linha da pobreza, desemprego, etnia e escolaridade. Construíram, também, uma variável de desvantagem concentrada no setor censitário, utilizando as informações escolaridade, pobreza e famílias unipessoais. Os resultados mostraram que as mulheres chefes de família que viviam abaixo da linha da pobreza e receberam benefício estavam associadas negativamente a essa taxa. Já a variável denominada de desvantagens concentrada teve relação negativa com as doações. Eles concluíram que fatores associados à desvantagem tiveram forte influência sobre os registros realizados. Frere e Deonandan (2019) analisaram a associação entre fatores socioeconômicos (Produto Interno Bruto - PIB nominal per capita, seguro saúde e taxa de emprego) e a taxa de doação de órgãos (coração, intestino, rins, fígado, pulmões e pâncreas) nos Estados Unidos, no período entre 1988 e 2012. Para isso, usaram o modelo de análise bivariada e multivariada. Os resultados mostraram que houve aumento na doação de todos os órgãos no período destacado, exceto para coração e pâncreas. Na análise univariada, identificaram correlação positiva entre essa taxa e o PIB per capita, exceto para o órgão coração. O seguro saúde afetou de forma negativa a doação de coração e de rins; já o efeito desse fator foi positivo na doação dos órgãos intestino, fígado, pulmões e pâncreas. A taxa de desemprego teve correlação negativa com a taxa de doação de coração, e positiva em relação aos órgãos intestino, rins, fígado e pulmões. Os resultados da análise multivariada mostraram que a relação da doação do órgão coração com o PIB per capita foi negativa, devido à frequência baixa desse tipo de transplante. Deroos et al. (2019), por sua vez, analisaram a relação entre a política pública de doação presumida de órgãos (fator institucional) e o número de transplantes nos Estados Unidos. Para isso, construíram um modelo de simulações com a taxa de produção de órgãos, taxa de rendimento de órgãos e dois algoritmos de alocação (aleatória e ideal) - que abrangeram aspectos (tipo sanguíneo, geografia, decisão do médico e disponibilidade de candidatos) que afetam esse processo. A amostra utilizada para construir o modelo foi de 524.359 fichas dos pacientes norte-americanos registrados na lista de espera no período de 1º de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2014. Os principais resultados encontrados foram aumento na doação de órgãos e ganhos de anos de vida com a implementação da política de consentimento presumido. Kananeh et al. (2020) analisaram os fatores que afetaram a abordagem familiar e o consentimento para a doação de órgãos nos Estados Unidos, a partir de um modelo de regressão logística. Foram usados os dados de 266 pacientes com morte encefálica de janeiro de 2006 a dezembro de 2017, do hospital Henry Ford, em Detroit. Os fatores demográficos (idade, sexo, etnia e religião) do potencial doador não foram associados à decisão da equipe de transplante de entrevistar a família (o critério usado por elas foi o nível de creatinina desse paciente). Já em relação ao consentimento familiar, observaram que os potenciais doadores de etnia branca, jovens, com creatinina mais baixa no momento da morte e com testes de apneia apresentaram maior probabilidade de serem doadores efetivos. Na análise univariada, a taxa de consentimento foi maior quando os familiares eram consultados acerca da possibilidade de transplantes antes da confirmação de morte encefálica e quando os pacientes eram jovens. Em termos nacionais, Freire (2013) analisou os fatores da estrutura e aqueles que influenciaram a efetividade da doação de órgãos e tecidos em Natal, Rio Grande do Norte. Foram coletados dados de 65 potenciais doadores em seis unidades do referido município, referentes a agosto de 2010 até fevereiro de 2011. Utilizando o método longitudinal com regressão logística, constatou-se que a maioria dos potenciais doadores eram do sexo masculino, com idade média de 42,3 anos, e o principal motivo para não efetivação das doações foi a recusa familiar. Foi verificado, também, que os fatores associados à baixa efetividade dessa doação estavam relacionados à estrutura para assistência ao potencial doador, recursos físicos e humanos. Silva et al. (2014), por sua vez, analisaram o perfil dos doadores de órgãos sólidos no Ceará, entre o período de 1998 a 2012, a partir de uma análise baseada na estatística descritiva. As variáveis utilizadas foram sexo, idade, tipo de sangue e causa de morte encefálica. De um total de 976 doadores, 69% eram do sexo masculino e a idade média dos doadores era de 16 a 35 anos. As duas principais causas de mortes encefálicas foram traumatismo cranioencefálico (56,7%) e acidente vascular cerebral (33,1%). Ressaltaram que os acidentes de trânsito, principalmente envolvendo motocicletas, e a violência urbana foram as principais causas desses traumatismos. Freitas et al. (2015), em pesquisa descritiva para o município de Maringá e Região Metropolitana, no estado do Paraná, analisaram os múltiplos aspectos da doação de órgãos após mortalidade por causas relacionadas ao trauma, em 2012. A amostra utilizada foi 1.864 indivíduos do cadastro de óbitos e prontuários clínicos de vítimas fatais de lesões externas. As variáveis utilizadas foram idade, sexo, causa da morte, endereço, hospital de atendimento, decisão familiar sobre a doação, contraindicações médicas, problemas de logística e infraestrutura. Os resultados mostraram que 134 pacientes morreram devido a lesões por causas externas, dos quais 57% deles estavam envolvidos em acidentes de trânsito. Segundo os autores, 78% dos potenciais doadores não se tornaram efetivos e as principais causas que explicaram esse fato foram: recusa familiar por falhas na abordagem dos profissionais, problemas de logística e contraindicação médica. Eles concluíram que são necessárias medidas de treinamento constantes das equipes de transplantes e clareza na determinação de morte encefálica. Gois et al. (2017) verificaram a efetividade do processo de doação de órgãos para transplante no Paraná, no período de 2011 a 2016. Utilizaram informações de 2.600 potenciais doadores contidas no banco de dados do Sistema Estadual de Transplantes. Dentre as causas da não efetivação, destacaram a parada cardiorrespiratória, a sepse (infecção generalizada) e a recusa familiar. As falhas no gerenciamento de informações e na capacitação dos profissionais para identificação e manutenção desses doadores foram apontadas como sendo os principais problemas para não doação na área analisada. Por fim, Bertasi et al. (2019) analisaram o perfil dos potenciais e dos efetivos doadores de órgãos, além de fatores relacionados a não efetivação da doação em Campinas, São Paulo. Para isso, utilizaram informações de 1.772 pacientes (potenciais doadores) do Hospital de Clínica da Unicamp, do período de janeiro 2013 a abril 2018. A partir de uma análise descritiva, identificaram que a predominância de indivíduos foi do sexo masculino. A recusa familiar foi o ponto focal da não doação e as principais causas das mortes encefálicas foram os acidentes vasculares e os traumatismos cranioencefálicos. Outro fator correspondeu às dificuldades encontradas (falta de treinamento e infraestrutura inadequada) pelas equipes de transplantes para o manejo e manutenção dos potenciais doadores no local abordado na pesquisa. A partir do exposto, verificou-se que vários são os fatores que podem afetar a doação de órgãos para transplantes, principalmente, aspectos sociodemográficos e de gestão de um sistema, tais como idade dos doadores, nível de escolaridade, composição étnica, grau de urbanização, renda, status de registro, forma de abordagem e avaliação dos potenciais doadores, programas educacionais, campanha de mídia sobre o processo de doação, taxa de acidentes de trânsito, causa e forma de morte, tipo de legislação, fatores religiosos e culturais, pobreza, seguro saúde e região vizinha. Contudo, essa questão é complexa e merece atenção por parte dos gestores de saúde, pois não existe uma única causa que explicaria as diferenças na taxa de doação entre países e mesmo entre regiões e estados de um mesmo país. Nessa linha, estudos empíricos regionais se tornam relevantes na área de economia dos transplantes de órgãos para melhor compreensão desse processo. desse estudo. A coluna (2) apresenta os coeficientes das variáveis explicativas e a coluna (3), traz os coeficientes das variáveis explicativas espacialmente defasadas, além do coeficiente da variável dependente defasada espacialmente (valor do Rho). As outras colunas captam os efeitos direto (ED), indireto (EI) e total (ET), conforme exposto na metodologia. A escolha do modelo estimado, conforme já destacado, ocorreu a partir do teste de Hausman e dos critérios AIC e BIC; além disso, esses resultados foram robustos à heterocedasticidade.

Conforme resultados, o coeficiente da defasagem espacial da variável taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (Rho) foi significativo e com sinal negativo, indicando que essa variável dependente em cada UF brasileira se relacionou negativamente com a taxa dos seus vizinhos. Logo, no processo de doação realizado nessas áreas existem transbordamentos espaciais. Isso indica que existem padrões de crescimento dessa taxa em cada unidade de análise e, ainda, o comportamento dela pode ser afetado pelo desempenho das taxas nas unidades vizinhas, que apresentaram, em geral, padrões abaixo da média de doações desse tipo de órgãos.

Considerando os fatores sociodemográficos, verificou-se que a variável escolaridade defasada (IDHM Educação defasado) impactou de forma positiva a taxa de doações de órgãos na UF analisada. Em termos dos efeitos indireto e total, a escolaridade na unidade de análise impactou positivamente as doações nas unidades vizinhas, mostrando o transbordamento dessa variável. Essas evidências estão de acordo com os trabalhos de Barcellos, Araújo e Costa (2005)Barcellos, F. C., C. L. Araújo e J. D. Costa. 2005. “Organ donation: a population-based study”. Clinical Transplantation 19: 33-37. e Freire (2013)Freire, I. L. S. 2013. “Fatores associados à efetividade da doação de órgão e tecidos para transplantes”. Tese de Doutorado em Enfermagem, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. aplicados ao Brasil, os quais mostraram que quanto maior a escolaridade, mais alta é a probabilidade de ocorrer a doação de órgãos. A educação pode afetar as atitudes, os comportamentos e conhecimento da sociedade como um todo sobre o processo de doação-transplante. Ainda, Shah et al. (2018)Shah, M. B, V. Vilchez, A. Goble, M. F. Dily, J. C. Berger, R. Gedaly e D. A. Dubay. 2018. “Socioeconomic factors as predictors of organ donation”. Journal of Surgical Research 221: 88-94. para os EUA e Page, Higgs e Lanfgord (2018)Page, N., G. Higgs e M. Lanfgord. 2018. “An exploratory analysis of spatial variations in organ donation registration rates in Wales prior to the implementation of the Human Transplantation (Wales) Act 2013”. Health & Place 52: 18-24. para o País de Gales, também evidenciaram que altos níveis de educação estão positivamente relacionados às taxas de doações e registros de doadores.

Tabela 3 -
Resultados do modelo de painel de dados espaciais SDM com efeitos fixos (em logaritmo natural – ln), UF’s do Brasil, 2012 a 2017

Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2019)Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). 2019. “Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado”. Registro Brasileiro de Transplantes. São Paulo 25, n. 4., a doação de órgãos sólidos no Brasil está crescendo, mas uma das principais barreiras atuais é o não consentimento ou resposta negativa da população em relação ao tema. Dúvidas sobre mercado de órgãos, mutilação do corpo humano, aspectos religiosos e culturais são fatores que interferem na decisão das famílias. Assim, a escolaridade se torna um condicionante social relevante no esclarecimento sobre a ética desse processo (Andrade e Goldim 2018Andrade, D. A. P. e J. R. Goldim. 2018. “Percepção da população em geral e dos profissionais de saúde sobre a forma de obtenção de órgãos para transplante: a perspectiva mercadológica”. Jornal Brasileiro de Transplantes 21 (1).).

O fator densidade populacional e sua defasagem afetaram positivamente a taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s do Brasil, com destaque para o efeito de transbordamento da vizinhança (efeito local). Essas evidências estão em consonância com as pesquisas de Gomes (2007)Gomes, F. B. C. 2007. “Ameaças à equidade na distribuição de órgãos para transplante no Brasil: uma análise dos critérios legais de acesso”. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Serviço Social, Brasília. e Soares et al. (2020)Soares, L. S. S., E. S. Brito, L. Magedanz, F. A. França, W. N. Araújo e D. Galato. 2020. “Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro, 2001-2017”. Epidemiol Serviço de Saúde 29.. Esses autores indicaram que a maior oferta de órgãos sólidos e transplantes realizados ocorreu, principalmente, em regiões do Brasil com concentração populacional e esse fato gerou desigualdades regionais na distribuição dessas doações. Já Wongboonsin, Jindahra e Teerakapibal (2017)Wongboonsin, K., P. Jindahra e S. Teerakapibal. 2017. “The Influence of Neighbor Effect and Urbanization Toward Organ Donation in Thailand”. Progress in Transplantation 28 (1): 49-55., em pesquisa realizada para a Tailândia, em 2004, também trabalhou com a hipótese da associação positiva desse condicionante sobre tal variável dependente; contudo, o coeficiente estimado não foi significativo.

Os resultados deste estudo mostraram relação positiva entre a taxa de envelhecimento populacional e as doações efetivas de órgãos sólidos nas UF’s brasileiras, contudo ela não foi significativa. Por sua vez, o aumento de idosos nas regiões vizinhas (variável explicativa defasada) pode diminuir essas doações na unidade de análise. O efeito indireto e total mostrou que um aumento da taxa de envelhecimento de uma determinada UF impacta negativamente essas doações nas UF’s vizinhas. Cabe destacar que, no Brasil, os principais doadores efetivos de órgãos ainda são os jovens. Este público está mais vulnerável a ter um traumatismo craniano por acidentes de transporte terrestre do que por AVC, como é o caso dos idosos (Silva et al. 2014Silva, S. F. R., S. L. Silva, A. C. Nascimento, M. M. Parente, C. A. Albuquerque, A. A. Rodrigues, H. H. Campos et al. 2014. “Profile of Organ Donors in Ceará, Northeastern Brazil, From 1998 to 2012”. Transplantation Proceedings 46: 1692-1694.). Segundo Gomes, Barbosa e Passos (2020)Gomes, A. N. H., L. M. C. P. Barbosa e L. N. M. Passos. 2020. “Perfil epidemiológico de notificações de morte encefálica”. Research, Society and Development 9 (7)., o principal motivo de mortes em decorrência de cranioencefálicos está relacionado a esse tipo de causa externa. Além disso, Cuende et al. (2007)Cuende, N., J. I. Cuende, J. Fajardo, K. Huet e M. Alonso. 2007. “Effect of population aging on the international organ donations rates and the effectiveness of the donation process”. American Journal of Transplantation 7: 1526-1535. afirmam que doações após os 65 anos, principalmente para fígado e rim, podem não ocorrer, devido às doenças crônicas que afetam a saúde desse público (Mello e Lima 2020Melo, L. A. e K. C. Lima. 2020. “Fatores associados as multimorbidades mais frequentes em idosos brasileiros”. Ciência e Saúde Coletiva 10 (25): 3879-3888.). Contudo, é um processo que está em transição e em crescimento no contexto mundial.

No que se refere à composição étnica, observou-se que a proporção de não brancos de uma determinada UF se relaciona negativamente com a taxa de doação de órgãos sólidos da mesma unidade espacial, o que foi confirmado pelo efeito direto. Ao se considerar essa variável defasada, expandindo-se a proporção de não brancos nas regiões vizinhas, pode ocorrer um aumento nas doações da UF de análise. De forma indireta, a expansão na proporção de não brancos na unidade de análise afeta de forma positiva a taxa de doações nas regiões vizinhas, captando o efeito de transbordamento dessa variável explicativa.

A composição étnica de uma população pode influenciar as taxas de doações de órgãos sólidos, conforme evidenciado nas pesquisas de Higgns e Fishman (2006)Higgns, R. S. D. e J. A. Fishman. 2006. “Disparities in Solid Organ Transplantation for Ethnic Minorities: Facts and Solutions”. American Journal of Transplantation 6: 2556-2562., Bratton, Chavin e Baliga (2011)Bratton, C., K. Chavin e P. Baliga. 2011. “Racial disparities in organ donation and why”. Current Opinion in Organ Transplantation 16 (2): 243-249., Marinho, Cardoso e Almeida (2012)———. 2012. “Desigualdades por sexo e por Raça e o Direito aos Transplantes de Órgãos no Brasil”. Revista de Direito Sanitário 12 (3): 38-53., Bongiovanni et al. (2020)Bongiovanni, T., J. E. Rawlings J. A. Trompeta e M. Nunez-Smith. 2020. Cultural influences on willingness to donate organs among urban native Americans”. Clin Transplant. 34 (3): e13804. e Park et al. (2022)Park, C., M. -M. Jones, S. Kaplan, F. L. Koller, J. M. Wilders, L. E. Boulware e L. M. McElroy. 2022. “A scoping review of inequities in access to organ transplant in the United States”. International Journal for Equity in Health 21 (22).. Esses autores mostraram que indivíduos não brancos (pretos, pardos, indígenas, entre outros), podem apresentar baixa propensão ou até mesmo se recusar a doar seus órgãos em virtude dos seguintes motivos: a) insuficiência de doadores com potenciais compatibilidade, devido as diferenças biológicas nas diversas populações étnicas, b) falta de confiança no sistema de saúde; c) desinformação sobre o processo de doação, principalmente, em relação ao sistema de alocação e a vivência de um receptor de transplante; d) discriminação por gênero e etnia; e) (des)confiança na comunidade médica, em especial, a questão dos cuidados médicos preventivos limitados, f) crenças espirituais; g) baixo nível escolaridade e renda (preocupações financeiras); e h) desproporção em lista de espera para transplante de órgãos, entre outros.

Com relação aos fatores de gestão em saúde, verificou-se que a taxa de respiradores de emergência de uma determinada UF impactou de forma positiva a variável dependente nessa unidade espacial. Na análise do efeito direto e total, houve a predominância também desse sinal. Essas evidências são relevantes, pois confirmam a importância desses equipamentos para diagnóstico de morte encefálica, manutenção e preservação do corpo do potencial doador falecido. Logo, esses resultados estão em conformidade com as pesquisas de Cavalcante (2014)Cavalcante, L. P. 2014. “Cuidado do enfermeiro ao potencial doador de órgãos: implicações no processo doação-transplante”. Dissertação de Mestrado em Enfermagem, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. e Garcia et al. (2015)Garcia, V. D., A. P. Barboza, G. Dallagnese, I. C. Stensmann, J. Loppi, L. R. Trasel, e L. C. Facin. 2015. “Importância do processo doação-transplante”. In: Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos, editado por C. D. Garcia, J. D. Pereira e V. D. Garcia. São Paulo: Segmento Farma..

Gois et al. (2017)Gois, R. S. S., M. J. Q. Galdino, P. S. C. Pissinati, R. R. S. Pimentel, M. D. B. Carvalho e M. C. F. L. Haddad. 2017. “Efetividade do processo de doação de órgãos para transplantes”. Acta Paulista de Enfermagem 30: 621-627., Gómez, Jungmann e Lima (2018)Gómez, E. J., S. Jungmann e A. S. Lima. 2018. “Resource allocations and disparities in the Brazilian health care system: insights from organ transplantation services”. BMC Health Services Research 18 (90): 1-23. e Bertasi et al. (2019)Bertasi, R. A. O., T. G. O. Bertas, C. P. H Reigada, E. Ricetto, K. O. Bonfim, L. A. Santos, M. V. O. Athayde et al. 2019. “Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos”. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 46 (3). complementam afirmando que as unidades hospitalares de um país devem apresentar infraestrutura (equipamentos, leitos, UTI’s, entre outros) e recursos humanos adequados para que o processo de captação, doação e transplantes de órgãos ocorra de maneira efetiva e eficaz. Esse fato pode reduzir as diferenças regionais na disponibilidade dos órgãos e no número de pacientes em lista de espera por um transplante.

Os resultados dessa pesquisa mostraram que a taxa de leitos em UTI nas UF’s vizinhas (fator explicativo defasado) exerceu impacto negativo sobre as taxas de doações de órgãos sólidos na unidade em análise. E ainda, que um aumento dessa taxa em determinada UF reduziu as doações nas áreas vizinhas, pelo efeito indireto e total. Esse resultado não esperado pode estar relacionado a capacidade de atendimento hospitalar da alta complexidade nas diferentes regiões do Brasil. Destaca-se que a disponibilidade de leitos em UTI’s em cada hospital credenciado ao SNT contribui para a qualidade da assistência aos doadores (potenciais e efetivos) e a recuperação dos pacientes pós-transplantes (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2020———. 2020. “Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado”. Registro Brasileiro de Transplantes. São Paulo 26, n. 4.). Nesta linha, é de extrema importância que os gestores regionais e locais desse sistema fiscalizem e avaliem melhor a infraestrutura ofertada, o funcionamento desses hospitais nos serviços realizados, além da eficiência deles no processo de doação-transplante de órgãos.

O efeito da taxa de equipes transplantadoras de órgãos de uma determinada UF foi negativo sobre a taxa de doações de órgãos sólidos dessa mesma unidade espacial. Esse resultado foi confirmado pelo efeito direto. Ao considerar a sua defasagem, identificou-se que um aumento desta taxa nas unidades federativas vizinhas pode expandir as doações na unidade de análise. Esse resultado pode estar relacionado a forma como a alocação das equipes está sendo organizada e otimizada em cada UF, o que gera disparidades no processo. O transbordamento espacial foi captado pelo efeito indireto ao mostrar que uma expansão na taxa de equipes de uma determinada UF gera uma expansão nas doações de órgãos nas unidades vizinhas. Costa, Balbinotto e Neto (2014Costa, C. K. F., G. Balbinoto Neto e L. M. B. Sampaio. 2014. “Eficiência dos estados brasileiros e do Distrito Federal no sistema público de transplante renal: uma análise usando método DEA (Análise Envoltória de Dados) e Índice de Malmquist”. Cadernos de Saúde Pública 30: 1667-1679., 2016)———. 2016. “Análise dos incentivos contratuais de transplantes de rins no Brasil pelo modelo agente-principal”. Cadernos de Saúde Pública 32 (8): 1-13. destacam que é importante a atuação coordenada e regional dessas equipes na captação e doação de órgãos, bem como na efetivação do número órgãos ofertados, contribuindo para o funcionamento eficiente do SNT.

A taxa de mortes por causas neurológicas de uma determinada UF impactou positivamente a taxas de doações de órgãos sólidos da mesma UF, o que foi confirmado pelo efeito local. Por sua vez, essas mortes ocorridas nas unidades federativas vizinhas, ao longo do tempo, reduziram as taxas de doações de órgãos sólidos na unidade de análise. Em termos do efeito indireto, o sinal foi negativo. Esses resultados podem estar relacionados aos problemas de concentração de serviços neurológicos, falta de infraestrutura hospitalar e de registros efetivos sobre a evolução do quadro clínico dos pacientes (Freire 2013Freire, I. L. S. 2013. “Fatores associados à efetividade da doação de órgão e tecidos para transplantes”. Tese de Doutorado em Enfermagem, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.; Freitas et al. 2015Freitas, R. A., C. M. Dell’agnolo, E. F. Alves, E. A. Benguella, S. M. Pelloso e M. D. B. Carvalho. 2015. “Organ and Tissue Donation for Transplantation from Fatal Trauma Victims”. Transplantation Proceedings 47: 874-878.). Nessa linha, Kananeh et al. (2020)Kananeh, M. F., P. D. Brady, C. B. Mehta, L. P. Louchart, M. F. Rehman, L. R. Schultz, A. Lewis, e P. N. Varelas. 2020. “Factors that affect consent rate for organ donation after brain death: A 12- year registry”. Journal of the Neurological Sciences 416. destacam que, além da identificação correta da morte encefálica, é importante uma abordagem adequada dos familiares para que a autorização ocorra e a doação seja efetivada.

O efeito positivo da dummy referente às OPO’s indicou que a criação e implementação dessa política pública no Brasil foi importante para incentivar as taxas de doações efetivas de órgãos sólidos nas UF’s. Essas organizações apresentam papel fundamental no processo de doação-transplante e são formadas por profissionais (enfermeiros, médicos e assistentes sociais) capacitados e treinados para organizar, apoiar e realizar a busca de órgãos (Brasil 2009b———. 2009b. “Portaria nº 2.601 de 21 de outubro de 2009”. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2601_21_10_2009.html. Acesso em: 14 jun. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). Destaca-se que essas equipes, até 2017, foram responsáveis (implicitamente) por toda organização, comunicação e funcionamento da captação e doação de órgãos em nível estadual e regional no país (Brasil 2009a———. 2009a. “Portaria nº 2.600 de 21 de outubro de 2009”. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2600_21_10_2009.html. Acesso em: 14 jun. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). Após esse ano, continuaram a atuar no sistema, mas nas organizações de rede de procura e doação de órgãos, estrutura de preservação e rede de auxílio do processo.

Segundo Silva et al. (2020)Silva, A. L. B., M. N. P. Silva, R. S Santana, I. A. P. Ribeiro, M. O. Rocha, D. C. L. Cunha, M. B. Cunha et al. 2020. “Nurses’ view of their duties in the organ procurement organization sector Opinión de las enfermeras sobre sus funciones en el sector de la organización de adquisición de órganos”. Research, Society and Development 9 (8)., a atuação dos profissionais da área médica e de enfermagem das OPO’s é de crucial importância para o aumento no número de doadores efetivos, pois qualquer atuação não eficaz dessas equipes pode prejudicar todo o funcionamento e organização do SNT em nível municipal, estadual e federal. Manyalich et al. (2003)Manyalich, M., C. Cabrer, R. Valero, D. Paredes, A. Navarro, E. Trias, A. Vilarrodona et. al. 2003. “Transplant Procurement Management: a model for organ and tissue shortage”. Transplantation Proceedings 35: 25332538. ‑ e Farrell (2010)Farrell, A. 2010. “Adding Value? EU Governance of Organ Donation and Transplantation”. European Journal of Health Law 17: 51-79. destacam, ainda, que as estruturas organizacionais de procura de órgãos, com coordenações regionais, contribuem para a expansão da disponibilidade de órgãos em um país. Padela et al. (2010)Padela, A. I., S. Rasheed, G. J. W. Warren, H. Choi, e A. K. Mathur. 2010. “Factors associated with positive attitudes toward organ donation in Arab Americans”. Clinical Transplantation 25: 800-808., em estudo realizado na cidade de Detroit nos EUA, mostraram que as organizações de procura de órgãos foram importantes, também, na sensibilização sobre a importância da doação. Desse modo, os resultados desse estudo captaram a atuação ímpar dessa política no SNT, mostrando que unidades da federação que apresentam OPO’s tendem a aumentar suas doações efetivas.

A dummy referente às CIHDOTT’s, outra política destinada à doação e transplantes de órgãos no Brasil, mostrou que a atuação dessas equipes nas unidades federativas vizinhas afetou positivamente a doação de órgãos sólidos na unidade de análise. O efeito indireto mostrou que a implantação dessa política em uma determinada UF contribuiu também para a expansão dessas doações nas unidades vizinhas. Esse resultado está em conformidade com o marco legal e institucional do SNT, que ressalta a importância delas para melhorar o desempenho e eficiência desse processo (Brasil 2009a———. 2009a. “Portaria nº 2.600 de 21 de outubro de 2009”. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2600_21_10_2009.html. Acesso em: 14 jun. 2020.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
, 2017b———. 2017b. “Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9175-18-outubro-2017-785591-publicacaooriginal-153999-pe.html. Acesso em: 17 mar. 2018.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
). Além disso, esse resultado mostrou que o comportamento dessas comissões é regionalizado no país e são necessárias ações efetivas para melhorar o desempenho delas, principalmente no âmbito estadual.

Outro ponto importante para o desempenho tanto das OPO’s quanto das CIHDOTT’S está relacionado à questão da abordagem familiar. Essas equipes assumem mais de uma atividade no contexto hospitalar e, em muitos casos, estão sobrecarregadas e não apresentam o treinamento adequado para exercerem tal função, o que pode levar a uma recusa da doação por parte dos familiares do potencial doador falecido (Gois et al. 2017Gois, R. S. S., M. J. Q. Galdino, P. S. C. Pissinati, R. R. S. Pimentel, M. D. B. Carvalho e M. C. F. L. Haddad. 2017. “Efetividade do processo de doação de órgãos para transplantes”. Acta Paulista de Enfermagem 30: 621-627.; Bertasi et al. 2019Bertasi, R. A. O., T. G. O. Bertas, C. P. H Reigada, E. Ricetto, K. O. Bonfim, L. A. Santos, M. V. O. Athayde et al. 2019. “Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos”. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 46 (3).). Nesse contexto, os profissionais que atuam nessas equipes, deveriam ser submetidos a constantes treinamentos e aperfeiçoamentos sobre o processo de doação-transplantes de órgãos. Torna-se relevante a implantação de melhores mecanismos de incentivos (institucionais e financeiros) a esses profissionais, bem como a necessidade de ações educacionais locais mais efetivas junto à população que enfatizem a importância da doação.

7. Considerações Finais

Este estudo analisou os fatores associados à taxa de doação efetiva de órgãos sólidos (coração, pulmões, rins, fígado e pâncreas) por morte encefálica nas UF’s do Brasil, entre 2012 e 2017. O método aplicado foi a AEDE e o modelo de Durbin Espacial com dados em painel, estimado via Máxima Verossimilhança (MV). De acordo com os resultados, constatou-se a existência de grandes diferenças geográficas nessa taxa, sendo que as unidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará apresentaram os maiores valores de doações em todo o período. Em contrapartida, Roraima, Amapá, Tocantins e Mato Grosso não registraram doações nesses anos, o que pode indicar sérios problemas alocativos (distribuição de médicos, enfermeiros e infraestrutura) e de eficiência (incentivos financeiros e políticas de fomento) no funcionamento e estruturação do SNT. Foram identificados agrupamentos do tipo alto-alto dessa taxa nas unidades do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Já o tipo baixo-baixo foi evidenciado em Tocantins, Amazonas, Pará, Maranhão e no Mato Grosso, confirmando, assim, a hipótese de disparidades regionais.

Com relação aos resultados do modelo econométrico espacial, foi observado um efeito positivo da densidade populacional sobre as taxas de doações efetivas de órgãos nas UF’s brasileiras. Houve também relação positiva desse condicionante na vizinhança com as taxas na unidade de análise. A variável educação defasada também mostrou esse impacto. Isso mostra que áreas mais povoadas e com alto nível de escolaridade têm mais chances de expandir essas taxas.

A relação entre a taxa de envelhecimento populacional e a taxa de doações de órgãos sólidos em uma determinada UF foi positiva. Já quanto mais idosa for a população nas regiões vizinhas, menor tende a ser as doações na unidade de análise (transbordamento espacial). Os efeitos indireto e total mostraram ainda que uma expansão dessa taxa em uma UF reduz tais doações na vizinha. Considerando que existe uma tendência de crescimento de idosos que podem se tornar doadores efetivos de órgãos (devido as mortes por AVC) no Brasil, ações mais eficazes de melhoria da qualidade de vida deles, monitoramento das doenças crônicas, incentivos as doações por parte dos familiares desse público e critérios médicos mais precisos com o potencial doador são relevantes para que esse fenômeno ocorra. Além disso, existe a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a relação entre doação de órgãos e envelhecimento.

A composição étnica, mensurada por meio da proporção de não brancos, mostrou que essa variável de determinada UF afetou de maneira negativa a taxa de doação de órgãos sólidos da mesma unidade espacial, o que foi confirmado pelo efeito direto. Por sua vez, aumentando-se a proporção de não brancos nas regiões vizinhas pode ocorrer uma elevação nas doações da UF de análise. De forma indireta, a expansão na proporção de não brancos na unidade de análise afeta de forma positiva a taxa de doações nas regiões vizinhas, captando o efeito de transbordamento dessa variável. Sabe-se que a propensão de ser doador de órgãos pode ser baixa nas unidades federativas ao se considerar tais populações no Brasil. Ações de redução da discriminação racial, além de conscientização dessas populações sobre o processo de doação-transplante devem ser mais efetivas no SNT. Cabe destacar que pesquisas nesse tema ainda são incipientes no país, abrindo uma lacuna para pesquisas abordando a questão das desigualdades de acesso pelos indivíduos não brancos ao SNT.

No que diz respeito aos fatores de gestão em saúde, constatou-se que a taxa de respiradores de emergência afetou positivamente e localmente a taxa de doação efetiva de órgãos. Esse resultado confirma a relevância desse tipo de equipamento no processo de doação-transplante, pois é responsável pela manutenção dos potenciais doadores e, sem ele, não há como preservar o doador até a retirada dos órgãos. Como esses equipamentos não são de uso exclusivo para transplantes no Brasil, é essencial que os gestores do SUS desenvolvam ações efetivas de melhor alocação desse material, evitando possíveis falhas administrativas no sistema.

No que diz respeito à questão da capacidade de atendimento hospitalar da alta complexidade, é importante se atentar ao fato que a defasagem da taxa de leitos em UTI exerceu efeito negativo sobre as taxas de doações de órgãos sólidos e os efeitos spillover (efeitos indireto e total) seguiram a mesma direção de impacto. Esse resultado não esperado mostra a importância de uma fiscalização por parte do SNT junto aos hospitais credenciados, para averiguar a qualidade de assistência ofertada aos doadores de órgãos, além da disponibilidade desses leitos em termos regionais e locais.

A taxa de equipes transplantadoras de órgãos afetou de forma negativa as taxas de doações na unidade de análise; no entanto, o efeito dos vizinhos foi positivo, observando-se relação positiva no efeito indireto e negativa no direto. Esses resultados mostram a necessidade de uma melhor alocação e organização dessas equipes no SNT, tanto em âmbito estadual e local. Elas são de extrema relevância para que o processo de doação-transplante ocorra de forma eficiente no país, reduzindo assim as suas disparidades.

A taxa de mortes por causas neurológicas de uma determinada UF impactou de maneira positiva as taxas de doações de órgãos na mesma unidade espacial, o que é mostrado também pelo efeito direto. Por sua vez, o efeito dessa variável defasada foi negativo e a mesma relação foi mostrada pelos efeitos indireto e direto. Cabe destacar que apesar da identificação da relação positiva dessa variável com a doação de órgãos, nem sempre todas as mortes neurológicas podem se tornar doações efetivas. Esse fato tende a ocorrer devido às falhas na identificação de morte encefálica, à concentração de profissionais da saúde em cidades de grande porte populacional e que são sobrecarregados de funções nos hospitais. Nesse contexto, tornam-se necessárias ações mais efetivas que criem mecanismos de melhoria na infraestrutura hospitalar para elevar o número de notificações de potenciais doadores, bem como incentivos (institucionais e financeiros) aos profissionais que trabalham diretamente no SNT. Além disso, é preciso desmistificar o processo de morte encefálica para as famílias dos potenciais doadores, criando um ambiente de confiança e de compreensão sobre a importância da doação de órgãos.

O resultado positivo da dummy OPO’s sobre a taxa de doação efetiva de órgãos sólidos nas UF’s brasileiras mostrou que essa ação pública do SNT tem sido importante, pois essas equipes têm papel fundamental na coordenação das atividades relacionadas ao procedimento de doação de órgãos, especialmente, na organização da logística de procura, assistência às famílias e articulação com as equipes médicas. Além disso, a atuação delas é crucial na sensibilização da população sobre a importância das doações.

A dummy referente às CIHDOTT’s (outra política específica do SNT) apresentou efeito positivo da vizinhança sobre as taxas de doações de órgãos na unidade de análise. Na análise local, teve significância positiva no efeito indireto e total. Esse resultado pode estar relacionado ao marco legal do SNT, o qual exige que os hospitais com mais de 80 leitos (em geral, localizados em grandes centros urbanos) tenham CIHDOTT’s. Outro fator é que esses profissionais podem exercer mais de uma função nas unidades hospitalares, não trabalham exclusivamente nessas comissões e, em muitos casos, não recebem o treinamento necessário, interferindo, assim, no desempenho deles no sistema. Diante disso, sugere-se melhor coordenação e avaliação desse processo por parte do SNT, principalmente, após as mudanças recentes na sua estrutura organizacional.

Concluiu-se que os fatores sociodemográficos e de gestão em saúde abordados neste estudo afetaram o comportamento geográfico e temporal das doações efetivas de órgãos sólidos nas UF’s brasileiras. Além disso, confirmou-se a existência de disparidades regionais nesse processo, indicando que áreas mais desenvolvidas (Sul e Sudeste) do país tendem a concentrar maiores taxas de doação. Cabe ressaltar o efeito das unidades federativas vizinhas sobre a oferta de órgãos nas unidades em análise, principalmente, ao se considerar os fatores escolaridade, densidade populacional, envelhecimento dos indivíduos, proporção de não brancos (composição étnica), taxa de leitos em UTI, taxa de equipes transplantadoras de órgãos, taxa de mortes por causas neurológicas, além das políticas públicas referente à OPO’s e as CIHDOTT’s. Assim, os gestores desse sistema devem considerar esses condicionantes em suas avaliações de melhorias e desempenho do processo de doação de órgãos no país, tornando-o mais equitativo e alocando melhor os recursos públicos nesse setor, de modo a reduzir as disparidades regionais em relação ao acesso à saúde.

Em termos de limitações da pesquisa, destaca-se a escassez ou não disponibilidade de informações longitudinais e em nível microrregional e/ou municipal sobre a infraestrutura e gestão dos hospitais envolvidos com o processo de doação, além de informações sobre a composição étnica de doadores e transplantados. Nessa linha, torna-se relevante o desenvolvimento de pesquisas sobre a estrutura institucional e a eficiência das políticas públicas destinadas à captação de órgãos, tendo em vista que os estudos econômicos nesse tema ainda são incipientes no Brasil.

Os autores agradecem os comentários dos pareceristas que contribuíram para um avanço e melhor entendimento do estudo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Código do Processo nº 312600/2018-6, modalidade Bolsa de Produtividade em Pesquisa à coautora Cássia Kely Favoretto.

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  • Weimer, D. L. 2010. Medical Governance, Values, Expertise, and Interest in Organ Transplantations. Washington: Georgetown University Press.
  • Weiss, J., M. Coslovsky, I. Keel, F. F. Immer, P. Juni e Comite National Du Don D’Organes. 2014. “Organ Donation in Switzerland”. An Analysis of Factors Associated with Consent Rate. Plos One 9.
  • Westphal, G. A., V. C. Veiga e C. A. Franke. 2019. “Determinação da morte encefálica no Brasil”. Revista Brasileira de Terapia Intensiva 31 (3): 403-409.
  • Wooldridge, J. M. 2006. Introdução à Econometria: uma abordagem moderna. São Paulo, Pioneira Thomson Learning.
  • Wongboonsin, K., P. Jindahra e S. Teerakapibal. 2017. “The Influence of Neighbor Effect and Urbanization Toward Organ Donation in Thailand”. Progress in Transplantation 28 (1): 49-55.
  • Os autores agradecem os comentários dos pareceristas que contribuíram para um avanço e melhor entendimento do estudo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Código do Processo nº 312600/2018-6, modalidade Bolsa de Produtividade em Pesquisa à coautora Cássia Kely Favoretto.
  • 1
    No processo de doação-transplante, além dos doadores falecidos, tem-se o doador vivo, que são os indivíduos que podem doar apenas um órgão ou parte dele, no caso, rim, fígado e pulmão, em vida (Bertasi et al. 2019Bertasi, R. A. O., T. G. O. Bertas, C. P. H Reigada, E. Ricetto, K. O. Bonfim, L. A. Santos, M. V. O. Athayde et al. 2019. “Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos”. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 46 (3).).
  • 2
    A morte encefálica de um indivíduo corresponde a perda completa das funções cerebrais, sendo os aspectos cardiorrespiratórios mantidos artificialmente por aparelhos e medicações. No Brasil, o seu diagnóstico deve ser realizado por meio de um protocolo médico, que tem como base as orientações da Resolução nº 2.173, de 23 de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina (Conselho Federal de Medicina 2017Conselho Federal de Medicina (CFM). 2017. “Resolução nº 2.173 de dezembro de 2017”. Disponível em: http://sctransplantes.saude.sc.gov.br/index.php/legislacao/resolucoes. Acesso em 10 set. 2020.
    http://sctransplantes.saude.sc.gov.br/in...
    ).
  • 3
    A doação de órgãos de pacientes falecidos era do tipo presumida - Lei Federal nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (Brasil 1997aBrasil. 1997a. “Decreto nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997”. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9434-4-fevereiro-1997-372347-normaatualizada-pl.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2018.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
    ). A partir da Lei Federal 10.211, de 23 de março de 2001, passou a ser consentida, em que os familiares são responsáveis por essa autorização - consentimento familiar (Brasil 2001).
  • 4
    A limitação do tempo de cada órgão sólido é a seguinte: para o rim, o tempo de retirada é de até 30 minutos pós-parada cardíaca (PC) e o tempo de preservação é de até 48 horas. Para coração e pulmão, a retirada deve ocorrer antes da PC e o tempo de preservação é de até 4 a 6 horas. Para fígado e pâncreas, a retirada também deve ser feita antes da PC e o tempo de preservação é de 12 a 24 horas (Brasil 2009a———. 2009a. “Portaria nº 2.600 de 21 de outubro de 2009”. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2600_21_10_2009.html. Acesso em: 14 jun. 2020.
    http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
    ).
  • 5
    As regras formais são as leis, Constituição, regulamentos, portarias, entre outros. Já as regras informais correspondem às normas de comportamento e de conduta, cultura, convenções, ou seja, aquelas não escritas, impostas pelo ser humano em seu relacionamento com os outros (North 2003North, D. C. 2003. The role of institutions in economic development. Geneva: UNECE.).
  • 6
    Destaca-se que a ABTO é uma sociedade médica, civil e sem fins lucrativos, a qual tem por objetivo estimular o desenvolvimento de todas as atividades relacionadas com a captação, doação e transplantes de órgãos e tecidos no Brasil. Essa instituição fornece dados da rede pública e privada sobre esse processo (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos 2022———. 2022. Quem somos. Disponível em: https://site.abto.org.br/quem-somos/. Acesso em: 20 out. 2022.
    https://site.abto.org.br/quem-somos/...
    ). Ela é referência nacional e internacional na disponibilidade de uma base completa de dados públicos sobre o sistema de transplante brasileiro, abordando aspectos geográficos (Brasil, regiões e unidades da federação), longitudinais (dados trimestrais e anuais), por tipo de órgão e tecido, por sexo, faixa etária, da fila de espera por um órgão, dos potenciais e efetivas doações, entre outros. Importante destacar que as informações da ABTO são confiáveis, pois são obtidas de todas as equipes de transplante de órgãos do Brasil e são confrontadas com as informações obtidas das Centrais Estaduais de Transplante, em cada trimestre. Essa base é utilizada por estudos na área da saúde e de economia, por exemplo, Medina-Pestana et al. (2011)Medina-Pestana, J. O., N. Z. Galante, H. T. Silva Junior, K. M. Harada, V. D. Garcia, M. Abbud-Filho, H. H. Campos e E. Sabbaga. 2011. “O contexto do transplante renal no Brasil e sua disparidade geográfica”. Brazilian Journal of Nephrology 33 (3)., Costa, Balbinotto Neto e Sampaio (2016)———. 2016. “Análise dos incentivos contratuais de transplantes de rins no Brasil pelo modelo agente-principal”. Cadernos de Saúde Pública 32 (8): 1-13. e Soares et al. (2020)Soares, L. S. S., E. S. Brito, L. Magedanz, F. A. França, W. N. Araújo e D. Galato. 2020. “Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro, 2001-2017”. Epidemiol Serviço de Saúde 29., entre outros.
  • 7
    Com base em Wooldridge (2006)Wooldridge, J. M. 2006. Introdução à Econometria: uma abordagem moderna. São Paulo, Pioneira Thomson Learning., foi realizado o Teste de WU-Hausman para identificar a questão da endogeneidade para a variável escolaridade, representada nesse estudo pelo IDHM-Educação. Os resultados mostraram que essa variável não foi endógena. Destaca-se que esse teste também foi aplicado na variável anos de estudo e se confirmou a não endogeneidade. Essa variável também foi testada nas estimativas econométricas; contudo, os resultados não foram parcimoniosos e o coeficiente de defasagem espacial da variável dependente (Rho) se tornou não significativo. Logo, optou-se por utilizar o IDHM-Educação como proxy da escolaridade.
  • 8
    O comando utilizado foi o xsmle – para maiores detalhes, veja Belotti, Hughes e Mortari (2013Belotti, F., G. Hughes e A. P. Mortari. 2013. “XSMLE-A Command to estimate spatial panel models in Stata”. Roma: CEIS, University of Rome Tor Vergat School of Economics, University of Edinburg., 2017———. 2017. “Spatial panel data models using Stata”. The Stata Journal 17 (1): 139-180.).
  • 9
    Por mais que possam existir outliers na amostra, eles não deixam de ser informações, e ainda são úteis, principalmente para os policymakers, que podem tomar essas unidades federativas como benchmarking para estudar e aplicar em suas áreas geográficas. Além disso, modelo de painel de efeitos fixos considera que as diferenças entre as regiões são detectadas nos diferentes interceptos. Esses efeitos ocorrem devido as heterogeneidades que não são observáveis, de forma que esse modelo é capaz de controlar e eliminar o viés das variáveis que são observadas relevantes e invariáveis no período de análise (Greene 2011Greene, W. H. 2011. Econometric Analysis. International Edition, 7 ed. New York: Pearson Education.). Seguindo Almeida (2012)Almeida, E. S. 2012. Econometria Espacial Aplicada. Campinas: Editora Alínea., o painel espacial possui a capacidade de acomodar a heterogeneidade espacial que não é observada nos parâmetros da regressão.
  • 10
    O critério AIC admite a existência de um modelo “real” que descreve os dados que são desconhecidos, e tenta escolher, dentre um grupo de modelos avaliados, o que minimiza a divergência de Kullback-Leibler (K-L). Destaca-se que ele se baseia no valor máximo da função de verossimilhança. Quanto menor o valor do AIC, melhor o modelo escolhido, sendo que: \begin{equation}AIC = - 2LIK + 2k\end{equation}, em que LIK = função de verossimilhança e k = número de parâmetros (Elhorst 2014———. 2014. Spatial Econometrics from Cross-Section Data to Spatial Panels. Springer.).
  • 11
    O critério BIC, representado pela equação \begin{equation}BIC = - 2LIK + kln(n)\ \end{equation}em que LIK = função de verossimilhança, k = número de parâmetros e n = amostra, é um critério de avaliação de modelos definido em termos de probabilidade a posteriori. Serve para comparar os modelos estimados e ajuda na identificação do modelo que gerou os dados (Schwarz 1978Schwarz, G. 1978. “Estimating the dimension of a model”. Annals of Statistics 6 (2): 461-464.; Almeida 2012Almeida, E. S. 2012. Econometria Espacial Aplicada. Campinas: Editora Alínea.).
  • 12
    Para mais informações sobre o Método de Máxima Verossimilhança, vide Lesage e Pace (2009)Lesage, J. P., e R. K. Pace. 2009. Introduction to Spatial Econometrics. Taylor & Francis. e Almeida (2012)Almeida, E. S. 2012. Econometria Espacial Aplicada. Campinas: Editora Alínea..
  • 13
    Segundo Lesage e Pace (2009)Lesage, J. P., e R. K. Pace. 2009. Introduction to Spatial Econometrics. Taylor & Francis., o ED é representado como o traço da diagonal principal de Sr (W): \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{direto} = n^{- 1}tr\left( S_{r}(W) \right)\end{equation}, sendo que \begin{equation}S_{r}(W) = {(I_{n} - \rho W)}^{- 1}I_{n}\beta_{r}\end{equation} , n é número de observações, \begin{equation}tr\end{equation} é o traço da matriz e \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{direto}\end{equation} é o efeito direto médio. O ET é expresso por: \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{total} = n^{- 1}{I^{'}}_{n}S_{r}(W)I_{n}\end{equation}, onde \begin{equation}I_{n}\end{equation} é o vetor coluna unitário e \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{total}\end{equation} é o efeito total médio. Já o EI é dado por: \begin{equation}\overline{M}{(r)}_{indireto} = \ \overline{M}{(r)}_{total} - \ \overline{M}(r)_{direto}\end{equation}.

Apêndice

Figura 1A -
Diagrama de dispersão de Moran da taxa de doações efetivas de órgãos sólidos (em logaritmo natural), UF’s do Brasil, 2012 a 2017

Editado por

Editor Responsável:

Dante Mendes Aldrighi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2021
  • Aceito
    28 Mar 2023
Departamento de Economia; Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - FEA 01 - Cid. Universitária, CEP: 05508-010 - São Paulo/SP - Brasil, Tel.: (55 11) 3091-5803/5947 - São Paulo - SP - Brazil
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