Acessibilidade / Reportar erro

Fraturas transtrocantéricas - Avaliação dos dados da admissão à alta hospitalar Trabalho desenvolvido no Grupo de Trauma do Hospital do Trabalhador e no Serviço de Ortopedia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

avaliar os dados obtidos de pacientes com fratura transtrocantérica atendidos em um hospital de referência terciária de trauma, desde a admissão até a alta hospitalar, coletados prospectivamente por meio do Sinpe(c) .

MÉTODOS:

foram avaliados 109 pacientes consecutivos admitidos de abril de 2011 até janeiro de 2012. Usou-se uma base eletrônica de armazenamento e análise de dados, o software Sinpe(c) . A coleta dos dados deu-se de maneira prospectiva e informações sobre dados pessoais do paciente, anamnese, classificação das fraturas (Evans-Jensen, AO/OTA e Tronzo), tratamento e alta foram avaliadas.

RESULTADOS:

a amostra foi composta por 43 homens e 66 mulheres. A idade variou de 20 a 105 anos, com média de 69. A queda foi o mecanismo de trauma em 92 pacientes e os acidentes de trânsito foram em 17. As doenças crônicas mais prevalentes foram a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus. Pela classificação AO/OTA, o tipo mais comum de fratura foi a 31 A1. Pela classificação de Tronzo, a tipo III foi a mais comum. A fratura foi fixada com haste cefalomedular em 64 casos e com placa-parafuso deslizante em 44 casos. Uma fratura foi fixada com placa-parafuso 95 . Sete pacientes apresentaram alguma complicação clínica e três foram a óbito durante o internamento. Todos os pacientes que receberam alta foram orientados a fazer apoio parcial.

CONCLUSÃO:

por meio do Sinpe(c) foi possível avaliar as informações relacionadas a dados pessoais, anamnese, classificação, tratamento e alta de pacientes com fratura transtrocantérica desde a admissão até a alta hospitalar.

Fraturas do quadril/etiologia; Fraturas do quadril/epidemiologia; Coleta de dados


OBJECTIVE:

to evaluate the data obtained from patients with transtrochanteric fractures who were attended at a tertiary-level trauma referral hospital, between admission and discharge, gathered prospectively by means of the SINPE(c) software.

METHODS:

109 consecutive patients who were admitted between April 2011 and January 2012 were evaluated using an electronic storage and analysis database in SINPE(c) . The data were gathered prospectively, including evaluations on personal information about the patients, history-taking, fracture classification (Evans-Jensen, AO/OTA and Tronzo), treatment and discharge.

RESULTS:

the sample was composed of 43 men and 66 women. Their ages ranged from 20 to 105 years, with a mean of 69 years. Falling was the trauma mechanism for 92 patients and traffic accidents for 17. The most prevalent chronic diseases were systemic arterial hypertension and diabetes mellitus. According to the AO/OTA classification, the commonest fracture type was 31 A1. According to the Tronzo classification, type III was commonest. The fracture was fixed by means of a cephalomedullary nail in 64 cases and a sliding screw-plate in 44 cases. One fracture was fixed with a 95 screw-plate. Seven patients presented some form of clinical complication and three died during the hospital stay. All the patients who were discharged were instructed to only partially bear weight on the repair.

CONCLUSION:

through SINPE(c) , it was possible to evaluate the personal information, history-taking, classification, treatment and discharge of patients with transtrochanteric fractures, from hospital admission to discharge.

Hip fractures/etiology; Hip fractures/epidemiology; Data gathering


Introdução

A incidência das fraturas do fêmur proximal tem aumentado significativamente e, por causa da maior expectativa de vida da população, espera-se que venha a dobrar nos próximos 25 anos.11. Gulberg B, Duppe H, Nilsson B. Incidence of hip fractures in Malmo. Sweden (1950-1991). Bone. 1993;14 Suppl. 1: 23-9.

2. Kannus P, Parkkari J, Sievänen H, Heinonen A, Vuori I, Järvinen M. Epidemiology of hip fractures. Bone. 1996;18 Suppl. 1:57-63.
- 33. Zuckerman JD, Koval KJ, Aharonoff GB, Hiebert R, Skovron ML. A functional recovery score for elderly hip fracture patients: I. Development. J Orthop Trauma. 2000;14(1):20-5. Os resultados funcionais após o tratamento ainda são insatisfatórios, porque um número significativo de pacientes não retoma o status funcional prévio à fratura.44. Kuzyk PR, Lobo J, Whelan D, Zdero R, McKee MD, Schemitsch EH. Biomechanical evaluation of extramedullary versus intramedullary fixation for reverse obliquity intertrochanteric fractures. J Orthop Trauma. 2009;23(1):31-8. Essas fraturas implicam impactos sociais e financeiros à população e ao Estado.55. Haidukewych GJ. Intertrochanteric fractures: ten tips to improve results. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(3): 712-9.

Dentre as fraturas do fêmur proximal, as transtrocantéricas representam um importante grupo, já que são comuns e incidem geralmente em pacientes debilitados por comorbidades e com idade cronológica avançada.66. Hungria Neto JS, Dias CR, Almeida JDB. Características epidemiológicas e causas da fratura do terço proximal do fêmur em idosos. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):660-7. , 77. Rocha MA, Carvalho WS, Zanqueta C, Lemos SC. Estudo epidemiolo(_) gico retrospectivo das fraturas do fêmur proximal tratados no Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro. Rev Bras Ortop. 2001;36(8):311-6.

A coleta adequada dos dados com relação à incidência das fraturas transtrocantéricas, e ao perfil do grupo suscetível a elas, pode auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas de prevenção e tratamento e também na elaboração de trabalhos científicos, principalmente se ela acontecer sem falhas e for obtida de arquivos eletrônicos atualizados que forneçam dados com relevância estatística.88. Shah J, Rajgor D, Pradham S, McCready M, Zaveri A, Pietrobon R. Electronic data capture for registries and clinical trials in orthopaedic surgery. Clin Orthop Relat Res. 2010;(468):2664-71.

Na área da informática médica, foi criado o software Sinpe(c) (Sistema Integrado de Protocolos Eletrônicos), que permite o registro de dados baseados em protocolos eletrônicos. O Sinpe(c) é uma ferramenta usada por várias especialidades médicas com a finalidade de coleta, aplicação e validação de dados relacionados às doenças.99. Yabumoto S. Base eletrônica de dados clínicos e cirúrgicos sem tromboembolismo venoso [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011.

10. Mottin CC. Protocolo eletrônico multiprofissional de coleta de dados clínicos e cirúrgicos em insuficiência venosa crônica [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011.
- 1111. Berger CAS. Coleta de dados eletrônicos para análise de manobras cirúrgicas em pacientes submetidos a rinoplastia [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011.

Objetivo

O presente estudo tem como objetivo avaliar os dados obtidos de pacientes com fratura transtrocantérica atendidos em um hospital de referência terciária de trauma, desde a admissão até a alta hospitalar, coletados prospectivamente por meio do Sinpe(c) .

Materiais e métodos

Este trabalho foi devidamente submetido ao e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição e está registrado sob o protocolo CEP-SESA/HT no 294/2011.

Os dados foram coletados pelo primeiro autor e usou-se o softwareSinpe(c) para o armazenamento eletrônico das informações. A análise dos dados para validação dos resultados foi feita por meio da ferramenta Sinpe Analisador(c) , que faz parte do softwareSinpe(c) .1212. Pinto JSP. Interface de viabilização de informações para o Sistema Integrado de Protocolos Eletrônicos. [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2005.

Os dados foram coletados de 18 de abril de 2011 até 30 de janeiro de 2012. Todos os pacientes incluídos foram admitidos e tratados em um hospital de referência terciária em trauma, na cidade de Curitiba. A coleta deu-se de maneira prospectiva e foram avaliados 109 pacientes consecutivos admitidos no hospital com fratura transtrocantérica do fêmur.

A tabela 1 mostra os dados avaliados nesta pesquisa.

Tabela 1
Relação dos dados avaliados para cada paciente com fratura transtrocantérica: dados do paciente, anamnese, classificação da fratura, condições do tratamento e alta

Os dados dos pacientes foram coletados por meio de entrevista com o próprio indivíduo, com seus parentes e/ou com a equipe de resgate.

Entre os dados da anamnese, a intensidade da dor foi avaliada pela escala numérica e pela verbal. Na escala numé rica o paciente era estimulado a quantificar sua dor entre zero e 10. Foi considerada zero a ausência de dor e 10 a pior já experimentada pelo paciente. Na escala verbal ele era solicitado a classificar sua dor entre cinco categorias: insuportável/intolerável, forte, moderada, leve e ausência.1313. Epps CD. Recognizing pain in the institutionalized elder with dementia. Geriatr Nurs. 2001;22(2):71-9. , 1414. Caumo W, Schmidt AP, Schneider CN, Bergmann J, Iwamoto CW, Adamatti LC, et al. Preoperative predictors of moderate to intense acute postoperative pain in patients undergoing abdominal surgery. Acta Anaesthesiol Scand. 2002;46(10):1265-71. O mecanismo pelo qual o indivíduo sofreu o trauma foi informado tanto pelo paciente como pela equipe de resgate pré-hospitalar. Esse item foi subdivido em "acidente de trânsito", "queda", "agressão física" e "ferimento por arma de fogo". O nível da queda foi dividido em "queda de mesmo nível"e "queda de nível". No caso de queda de nível, ainda se avaliou a altura da queda, em metros. Na anamnese os pacientes também foram perguntados quanto à presença de doenças crônicas conhecidas por eles, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e doenças cerebrovasculares.

As fraturas foram classificadas pelo primeiro autor, com base na análise radiográfica. Foram usados os sistemas de classificação de Evans-Jensen,1515. Evans EM. The treatment of trochanteric fractures of the femur. J Bone Joint Surg Br. 1949;31(2):190-203. AO/OTA1616. Muller ME, Allgower M, Shneider R. The comprehensive classification of fractures of long bones. In: Muller ME, Allgower M, editors. Manual of internal fixation: techniques recommended by the AO-ASIF group. 3rd ed. Berlin: Springer- Verlag; 1991. p. 118. e Tronzo.1717. Tronzo RG, editor. Surgery of the hip joint. Philadelphia: Lea & Febiger; 1973.

Quanto ao tratamento, em todos os casos foi usada a mesa de tração para redução da fratura. Somente nos casos em que a redução na mesa de tração foi insatisfatória optou-se pela redução por abordagem direta da fratura. Para a estabilização da fratura, três acessos cirúrgicos foram feitos: o lateral subvasto foi usado nos casos de fixação com placa e parafuso deslizante; o lateral minimamente invasivo proximal ao trocanter maior foi usado nos casos de fixação com haste cefalomedular; e nos casos em que foi necessária a redução direta, o acesso previamente programado foi estendido até a exposição do foco da fratura, independentemente do tipo de implante usado. Os implantes usados para a fixação das fraturas foram: placa-parafuso deslizante (DHS), haste cefalomedular (HCM) curta ou longa e placa-parafuso 95 (DCS). As complicações clínicas e ortopédicas e os óbitos apresentados durante o internamento foram registrados.

Figura 1
Distribuição por sexo, etnia e faixa etária nos 109 pacientes da amostra.

Figura 2
Representação da intensidade da dor relatada pelos pacientes na admissão, pela escala numérica da dor.

Figura 3
Representação da intensidade da dor relatada pelos pacientes na admissão, pela escala verbal da dor.

Na ocasião da alta hospitalar, foram coletados dados em relação ao tipo de apoio permitido ao paciente - parcial, total ou sem apoio.

Resultados

A amostra foi composta por 43 homens (39,45%) e 66 mulheres (60,55%). A idade variou de 20 a 105 anos, com média de 69. A média entre os homens foi de 64,3 (20-105) anos, menor do que a das mulheres, de 70,3 (20-104). Dos 109 pacientes da amostra, 90 (82,5%) apresentavam-se com mais de 54 anos na ocasião da fratura. De acordo com a etnia, 100 pacientes eram brancos, dois negros, dois pardos e cinco foram classificados como indeterminados (fig. 1).

A escala numérica evidenciou que a maior parte dos pacientes referiu dor nível 10 (30,28%), seguida de dor nível 9 (26,61%) e dor nível 8 (22,94%) (fig. 2).

A escala verbal demonstrou que a maioria dos pacientes classificou a dor como "forte" (53,21%), seguidos pelos que consideraram a dor como "insuportável" (30,28%) (fig. 3).

A queda foi o mecanismo de trauma mais prevalente e ocorreu em 92 pacientes (84,40%), seguida de acidente de trânsito em 17(15,6%) (tabela 2).

Tabela 2
Mecanismo do trauma que gerou a fratura, subdivido em "queda", "acidente de trânsito", "agressão física" e "ferimento por arma de fogo"

Tabela 3
Distribuição da amostra por nível da queda que gerou a fratura

Entre os pacientes que sofreram queda, 85 (92,39%) foram vítimas de queda de mesmo nível contra sete (7,60%) vítimas de queda de outro nível (tabela 3).

Hipertensão arterial sistêmica foi a doença crônica de maior prevalência na amostra, relatada por 55 pacientes (50,45%). O diabetes mellitus foi a segunda doença mais prevalente da amostra, afetando 21 pacientes (19,26%).

Tabela 4
Distribuição das doenças crônicas apresentadas pelos pacientes da amostra

Figura 4
Distribuição percentual das fraturas pela classificação Evans-Jensen.

Outras doenças relatadas foram a cerebrovascular, cardiopatia, doença pulmonar obstrutiva crônica e doença renal crônica. A tabela 4 mostra a prevalência das doenças e não leva em conta o fato de alguns pacientes apresentarem mais de uma comorbidade.

Em relação à classificação de Evans-Jensen, 60 pacientes (55%) apresentaram fratura tipo I, seguidos pela fratura tipo II em 35 pacientes (32%) e pela fratura tipo III, em 14 pacientes (13%) (fig. 4).

Pela classificação AO/OTA, o tipo mais comum foi o 31 A1, encontrado em 45 pacientes (41%), seguidos pelo tipo 31 A2, em 40 (36%), e pelo tipo III, em 24 (22%) (fig. 5).

Quanto à classificação de Tronzo, o tipo III foi mais comum e acometeu 48 pacientes (44%). O segundo foi o tipo II, em 23 (21,1%) (fig. 6).

Figura 5
Distribuição percentual das fraturas pela classificação AO/OTA.

Figura 6
Distribuição percentual das fraturas pela classificação de Tronzo.

Tabela 5
Distribuição de cada acesso usado para a fixação da fratura

Quanto à abordagem cirúrgica, o acesso limitado minimamente invasivo proximal ao trocanter maior foi o mais usado (56,88%), seguido pelo acesso lateral subvasto (40,36%) (tabela 5).

Os implantes usados para fixação da fratura foram o DHS em 44 casos (40%), a haste cefalomedular curta em 43 (40%), a haste cefalomedular longa em 21 (19%) e o DCS em um (1%) (fig. 7).

De todos os 109 pacientes estudados, 82 (75%) não apresentaram qualquer tipo de complicação durante o internamento. Entre os 20 (18%) que apresentaram complicações locais, 16 (15%) evoluíram com infecção superficial, três (3%) evoluíram com infecção profunda e um (1%) apresentou uma fratura da cortical lateral do fêmur no transoperatório. Nesse caso, em que a fixação com DHS havia sido planejada, o cirurgião optou pela mudança do plano e fixação com DCS. Mais sete pacientes (7%) apresentaram intercorrências clínicas durante o internamento (fig. 8).

Figura 7
Distribuição percentual dos implantes usados para fixação das fraturas.

Figura 8
Incidência percentual das complicações apresentadas pelos pacientes durante o internamento.

Figura 9
Relação entre óbitos durante o internamento e pacientes que receberam alta.

Durante o internamento, três pacientes (2,75%) evoluíram a óbito e 106 (97,25%) receberam alta hospitalar (fig. 9).

Recomendou-se a todos os 106 pacientes (97,25%) que receberam alta hospitalar que fizessem apoio parcial do membro (fig. 10).

Figura 10
Demonstração de que os 106 pacientes que receberam alta foram orientados a fazer apoio parcial do membro fraturado.

Discussão

O presente estudo usou como base de armazenamento dos dados o sistema Sinpe(c) , que permite o seu registro de forma segura e proporciona a análise estatística a partir do módulo analisador Sinpe(c) . Outros estudos que dão suporte ao uso do prontuário médico de forma informatizada, em diversas áreas da medicina, também usaram o Sinpe(c) e corroboram a eficácia e o funcionamento desse sistema.99. Yabumoto S. Base eletrônica de dados clínicos e cirúrgicos sem tromboembolismo venoso [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011. , 1010. Mottin CC. Protocolo eletrônico multiprofissional de coleta de dados clínicos e cirúrgicos em insuficiência venosa crônica [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011. Como no presente estudo, em outras ocasiões em que o Sinpe(c) foi usado, primeiramente se desenvolveu uma base de dados com suporte bibliográfico e depois ela foi incorporada eletronicamente ao protocolo.

A coleta eletrônica tem inúmeras vantagens em relação à manual. Para citar algumas, os dados coletados de forma manual geralmente não são estruturados ou padronizados, de maneira que podem apresentar falhas no momento da sua interpretação. O protocolo usado nesta pesquisa dispõe os dados de maneira estruturada e hierárquica. As informações foram coletadas de maneira prospectiva, com inserção direta no software por meio de um laptop de uso pessoal. Esse método de coleta permite que as informações sejam padronizadas e validadas com alto poder estatístico no momento das avaliações epidemiológicas.88. Shah J, Rajgor D, Pradham S, McCready M, Zaveri A, Pietrobon R. Electronic data capture for registries and clinical trials in orthopaedic surgery. Clin Orthop Relat Res. 2010;(468):2664-71.

O protocolo que foi desenvolvido e aplicado neste estudo permite a coleta de mais de 18 mil informações de cada paciente com fratura transtrocantérica. Esse montante de informação que pode ser extraído de cada caso permite ao pesquisador inúmeras possibilidades de cruzamento de dados, que podem gerar um amplo espectro de análises estatisticamente relevantes.

Apesar da alta qualidade em termos estatísticos dos dados coletados, o protocolo aplicado apresenta algumas falhas. Algumas informações que são consideradas relevantes no meio ortopédico, como planejamento pré-operatório, data da cirurgia e alta, tempo entre internamento e cirurgia e admissão e alta em unidade de terapia intensiva, não puderam ser coletadas porque o protocolo não permite a entrada delas. Porém, essa foi a primeira vez em que esse protocolo foi aplicado na área da ortopedia e espera-se que ainda seja submetido a correções e atualizações para dar suporte a outros estudos no futuro. Outro aspecto que pode ser uma desvantagem é que a coleta muitas vezes é bastante extensa e torna-se cansativa para o paciente.

Os dados demográficos de predileção por sexo e idade demonstraram que a população feminina e com idade maior do que 50 anos foi a mais prevalente da amostra. Estudos previamente publicados também evidenciaram essa predileção por sexo e idade para fraturas do fêmur proximal.66. Hungria Neto JS, Dias CR, Almeida JDB. Características epidemiológicas e causas da fratura do terço proximal do fêmur em idosos. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):660-7. , 77. Rocha MA, Carvalho WS, Zanqueta C, Lemos SC. Estudo epidemiolo(_) gico retrospectivo das fraturas do fêmur proximal tratados no Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro. Rev Bras Ortop. 2001;36(8):311-6. Porém, encontramos uma proporção de 3:2 entre pacientes do sexo feminino e masculino. A literatura em geral aponta uma proporção de 2:1. Esse achado pode ser interpretado pelo fato de que a maioria dos estudos relacionados à fratura do fêmur proximal aborda pacientes idosos, acima de 65 anos. Quando houve a inclusão de pacientes mais jovens na amostra, a predileção pelo sexo feminino se inverteu, já que os pacientes mais jovens sofrem trauma de alta energia e a população masculina é mais suscetível a acidentes de trânsito ou quedas de nível. Entre as 24 vítimas de trauma de alta energia, encontramos 16 pacientes do sexo masculino (66,66%).

Em relação à intensidade da dor que o paciente apresenta após uma fratura transtrocantérica, poucos são os dados encontrados na literatura. A maioria dos estudos aborda a dor pós-operatória. Os textos citam que a dor geralmente é forte, mas pode ser fraca no caso de a fratura não apresentar desvio.1818. Koval K. Intertrochanteric fractures. In: Rockwood and Green's fracture in adults. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2006. p. 1794-825. Os dados analisados corroboram que a maioria dos pacientes experimenta episódios de dor de forte intensidade. Curiosamente, os dois pacientes que relataram a menor intensidade de dor (0 e 4 na escala numérica) eram portadores de fratura desviada e cominuta. Comparando-se os dois sistemas de medição da intensidade da dor, percebe-se que não houve uma correlação entre elas, já que na escala numérica a maioria dos pacientes relatou dor nível 9 ou 10 e na escala verbal a maioria relatou dor "forte", e não "insuportável/intolerável", que seria o termo correspondente a "9" e "10". Esse fato evidencia a dificuldade de se medir objetivamente uma queixa subjetiva, como a dor. Outro aspecto a ser analisado é que os pacientes podem ter mais facilidade de traduzir a dor em palavras, como "forte" ou "fraca", do que em números de 0 a 10.

Morrison et al. apontaram que as quedas de baixa energia são responsáveis por 86% a 95% das fraturas do osso osteoporótico.1919. Morrison A, Fan T, Sen SS, Weisenfluh L. Epidemiology of falls and osteoporotic fractures: a systematic review. Clinicoecon Outcomes Res. 2013;5:9-18. Em nossa casuística, o mecanismo de trauma mais comum foi a queda de mesmo nível e, em concordância com a literatura, representou 84,4% dos casos. Em nosso meio, Pereira et al. fizeram um estudo que incluiu 246 pacientes acima de 65 anos vítimas de fratura do fêmur proximal. Naquele estudo, a população feminina correspondeu a 72,7% da amostra.2020. Pereira SR, Puts MT, Portela MC, Sayeg MA. The impact of prefracture and hip fracture characteristics on mortality in older persons in Brazil. Clin Orthop Relat Res. 2010;468(7):1869-83. No presente estudo, quando se cruzaram os dados de queda de mesmo nível com o sexo, encontramos que 78,8% dos pacientes eram do sexo feminino, o que representa uma proporção de aproximadamente 4:1.

Entre os 24 pacientes vítimas de trauma de alta energia, a média de idade foi de 50 anos, 14 (58,33%) tinham idade menor do que 65 anos e 16 eram do sexo masculino (66,66%), o que confirma o perfil epidemiológico bimodal dos pacientes com fratura transtrocantérica.

Gerber et al.,2121. Gerber Y, Melton 3rd LJ, McNallan SM, Jiang R, Weston SA, Roger VL. Cardiovascular and noncardiovascular disease associations with hip fractures. Am J Med. 2013;126(2):169.e19-26. em um estudo que incluiu 1.904 pacientes vítimas de fratura, levantaram dados em relação à associação entre fraturas do fêmur proximal em idosos e presença de comorbidades. Encontraram que a doença mais prevalente foi a hipertensão arterial sistêmica (HAS) (66%), seguida pelas doenças cerebrovasculares (33%) e pelo diabetes mellitus (16%). Em nossa amostra, a doença mais prevalente também foi a HAS (50,45%), porém a segunda mais prevalente foi o diabetes mellitus (19,26%), seguido pelas doenças cerebrovasculares (14,64%).

As fraturas foram classificadas pelo primeiro autor em três sistemas consagrados na literatura.1515. Evans EM. The treatment of trochanteric fractures of the femur. J Bone Joint Surg Br. 1949;31(2):190-203.

16. Muller ME, Allgower M, Shneider R. The comprehensive classification of fractures of long bones. In: Muller ME, Allgower M, editors. Manual of internal fixation: techniques recommended by the AO-ASIF group. 3rd ed. Berlin: Springer- Verlag; 1991. p. 118.
- 1717. Tronzo RG, editor. Surgery of the hip joint. Philadelphia: Lea & Febiger; 1973. Como o protocolo pode ser usado de maneira multicêntrica, o software permite que o pesquisador classifique as fraturas em sete sistemas diferentes. Quando se compararam as incidências dos tipos de fraturas AO 31 A3, Tronzo V e Evan-Jensen III deste estudo com os artigos que descreveram esses sistemas de classificação, percebeu-se que houve um aumento da prevalência desses tipos mais graves de fraturas. Esse fato demonstra a tendência nos dias atuais de que os traumas são produzidos por mecanismos de maior energia, como acidentes de trânsito.

Em relação aos implantes usados para fixação, a literatura sugere que para uma fratura transtrocantérica estável a fixação cirúrgica com DHS provê resultados similares aos da fixação com hastes cefalomedulares.2222. Little NJ, Verma V, Fernando C, Elliott DS, Khaleel A. A prospective trial comparing the Holland nail with the dynamic hip screw in the treatment of intertrochanteric fractures of the hip. J Bone Joint Surg Br. 2008;90(8):1073-8.

23. Liu M, Yang Z, Pei F, Huang F, Chen S, Xiang Z. A meta- analysis of the Gamma nail and dynamic hip screw in treating peritrochanteric fractures. Int Orthop. 2010;34(3): 323-8.
- 2424. Bhandari M, Schemitsch E, Jönsson A, Zlowodzki M, Haidukewych GJ. Gamma nails revisited: gamma nails versus compression hip screws in the management of intertrochanteric fractures of the hip: a meta- analysis. J Orthop Trauma. 2009;23(6):460-4. Já para as fraturas instáveis, recomenda-se a fixação com hastes ou DCS.2525. Sadowski C, Lübbeke A, Saudan M, Riand N, Stern R, Hoffmeyer P. Treatment of reverse oblique and transverse intertrochanteric fractures with use of an intramedullary nail or a 95 degrees screw-plate: a prospective, randomized study. J Bone Joint Surg Am. 2002;84(3):372-81. Neste estudo houve predileção pela fixação com HCM, já que 59% das fraturas foram fixadas dessa maneira. Provavelmente a disponibilidade e o fácil acesso às hastes que encontramos em nossa instituição sejam a explicação para que algumas fraturas estáveis também tenham sido fixadas com hastes. Todas as fraturas instáveis ou com extensão para diáfise foram fixadas com hastes cefalomedulares ou DCS.

A taxa de infecção profunda encontrada foi de 3%, o que está dentro dos parâmetros esperados em hospitais de referência em trauma. Harrison et al. estudaram 6.905 casos de fratura do quadril e encontraram uma taxa de infecção profunda de 0,7%.2626. Harrison T, Robinson P, Cook A, Parker MJ. Factors affecting the incidence of deep wound infection after hip fracture surgery. J Bone Joint Surg Br. 2012;94(2):237-40. Os relatos da literatura demonstram que a taxa de infecção profunda após uma fratura transtrocantérica varia de 0,15% a 15%.2727. Intertrochanteric hip fractures.Baumgaertner MR, Browner BD, Jupiter JB, Levine AM, Trafton PG, editors. Skeletal trauma. Philadelphia: Elsevier; 2007. p. 1776-816. A taxa de mortalidade na literatura é alta, varia entre 12% e 41% nos primeiros seis meses pós-operatórios.2828. Dahl E, Mortality. life expectancy after hip fractures. Acta Orthop Scand. 1980;51(1):163-70. , 2929. Perez JV, Warwick DJ, Case CP, Bannister GC. Death after proximal femoral fracture - an autopsy study. Injury. 1995;26(4):237-40. Em nossa casuística, ocorreram três óbitos durante o internamento, todos decorrentes de complicações clínicas. Os três pacientes eram tabagistas, etilistas e apresentavam comorbidades.

Enquanto internados, os pacientes fizeram sessões diárias de fisioterapia, quando eram estimulados a sair precocemente do leito e trocar passos com auxílio de andador. Como um dos objetivos da cirurgia é o retorno ao nível prévio de atividade física, na ocasião da alta hospitalar todos os pacientes foram orientados a fazer apoio parcial do membro operado.

Conclusão

Por meio do Sinpe(c) foi possível avaliar as informações relacionadas a dados pessoais, anamnese, classificação, tratamento e alta de pacientes com fratura transtrocantérica desde a admissão até a alta hospitalar.

REFERENCES

  • 1
    Gulberg B, Duppe H, Nilsson B. Incidence of hip fractures in Malmo. Sweden (1950-1991). Bone. 1993;14 Suppl. 1: 23-9.
  • 2
    Kannus P, Parkkari J, Sievänen H, Heinonen A, Vuori I, Järvinen M. Epidemiology of hip fractures. Bone. 1996;18 Suppl. 1:57-63.
  • 3
    Zuckerman JD, Koval KJ, Aharonoff GB, Hiebert R, Skovron ML. A functional recovery score for elderly hip fracture patients: I. Development. J Orthop Trauma. 2000;14(1):20-5.
  • 4
    Kuzyk PR, Lobo J, Whelan D, Zdero R, McKee MD, Schemitsch EH. Biomechanical evaluation of extramedullary versus intramedullary fixation for reverse obliquity intertrochanteric fractures. J Orthop Trauma. 2009;23(1):31-8.
  • 5
    Haidukewych GJ. Intertrochanteric fractures: ten tips to improve results. J Bone Joint Surg Am. 2009;91(3): 712-9.
  • 6
    Hungria Neto JS, Dias CR, Almeida JDB. Características epidemiológicas e causas da fratura do terço proximal do fêmur em idosos. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):660-7.
  • 7
    Rocha MA, Carvalho WS, Zanqueta C, Lemos SC. Estudo epidemiolo(_) gico retrospectivo das fraturas do fêmur proximal tratados no Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro. Rev Bras Ortop. 2001;36(8):311-6.
  • 8
    Shah J, Rajgor D, Pradham S, McCready M, Zaveri A, Pietrobon R. Electronic data capture for registries and clinical trials in orthopaedic surgery. Clin Orthop Relat Res. 2010;(468):2664-71.
  • 9
    Yabumoto S. Base eletrônica de dados clínicos e cirúrgicos sem tromboembolismo venoso [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011.
  • 10
    Mottin CC. Protocolo eletrônico multiprofissional de coleta de dados clínicos e cirúrgicos em insuficiência venosa crônica [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011.
  • 11
    Berger CAS. Coleta de dados eletrônicos para análise de manobras cirúrgicas em pacientes submetidos a rinoplastia [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2011.
  • 12
    Pinto JSP. Interface de viabilização de informações para o Sistema Integrado de Protocolos Eletrônicos. [tese]. Paraná: Universidade Federal do Paraná; 2005.
  • 13
    Epps CD. Recognizing pain in the institutionalized elder with dementia. Geriatr Nurs. 2001;22(2):71-9.
  • 14
    Caumo W, Schmidt AP, Schneider CN, Bergmann J, Iwamoto CW, Adamatti LC, et al. Preoperative predictors of moderate to intense acute postoperative pain in patients undergoing abdominal surgery. Acta Anaesthesiol Scand. 2002;46(10):1265-71.
  • 15
    Evans EM. The treatment of trochanteric fractures of the femur. J Bone Joint Surg Br. 1949;31(2):190-203.
  • 16
    Muller ME, Allgower M, Shneider R. The comprehensive classification of fractures of long bones. In: Muller ME, Allgower M, editors. Manual of internal fixation: techniques recommended by the AO-ASIF group. 3rd ed. Berlin: Springer- Verlag; 1991. p. 118.
  • 17
    Tronzo RG, editor. Surgery of the hip joint. Philadelphia: Lea & Febiger; 1973.
  • 18
    Koval K. Intertrochanteric fractures. In: Rockwood and Green's fracture in adults. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2006. p. 1794-825.
  • 19
    Morrison A, Fan T, Sen SS, Weisenfluh L. Epidemiology of falls and osteoporotic fractures: a systematic review. Clinicoecon Outcomes Res. 2013;5:9-18.
  • 20
    Pereira SR, Puts MT, Portela MC, Sayeg MA. The impact of prefracture and hip fracture characteristics on mortality in older persons in Brazil. Clin Orthop Relat Res. 2010;468(7):1869-83.
  • 21
    Gerber Y, Melton 3rd LJ, McNallan SM, Jiang R, Weston SA, Roger VL. Cardiovascular and noncardiovascular disease associations with hip fractures. Am J Med. 2013;126(2):169.e19-26.
  • 22
    Little NJ, Verma V, Fernando C, Elliott DS, Khaleel A. A prospective trial comparing the Holland nail with the dynamic hip screw in the treatment of intertrochanteric fractures of the hip. J Bone Joint Surg Br. 2008;90(8):1073-8.
  • 23
    Liu M, Yang Z, Pei F, Huang F, Chen S, Xiang Z. A meta- analysis of the Gamma nail and dynamic hip screw in treating peritrochanteric fractures. Int Orthop. 2010;34(3): 323-8.
  • 24
    Bhandari M, Schemitsch E, Jönsson A, Zlowodzki M, Haidukewych GJ. Gamma nails revisited: gamma nails versus compression hip screws in the management of intertrochanteric fractures of the hip: a meta- analysis. J Orthop Trauma. 2009;23(6):460-4.
  • 25
    Sadowski C, Lübbeke A, Saudan M, Riand N, Stern R, Hoffmeyer P. Treatment of reverse oblique and transverse intertrochanteric fractures with use of an intramedullary nail or a 95 degrees screw-plate: a prospective, randomized study. J Bone Joint Surg Am. 2002;84(3):372-81.
  • 26
    Harrison T, Robinson P, Cook A, Parker MJ. Factors affecting the incidence of deep wound infection after hip fracture surgery. J Bone Joint Surg Br. 2012;94(2):237-40.
  • 27
    Intertrochanteric hip fractures.Baumgaertner MR, Browner BD, Jupiter JB, Levine AM, Trafton PG, editors. Skeletal trauma. Philadelphia: Elsevier; 2007. p. 1776-816.
  • 28
    Dahl E, Mortality. life expectancy after hip fractures. Acta Orthop Scand. 1980;51(1):163-70.
  • 29
    Perez JV, Warwick DJ, Case CP, Bannister GC. Death after proximal femoral fracture - an autopsy study. Injury. 1995;26(4):237-40.
  • Trabalho desenvolvido no Grupo de Trauma do Hospital do Trabalhador e no Serviço de Ortopedia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2013
  • Aceito
    15 Maio 2013
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br