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Imperativos pretéritos no português brasileiro

Past Imperatives in Brazilian Portuguese

RESUMO

Neste artigo, descrevemos as propriedades de sentenças do português brasileiro, formadas a partir do subjuntivo pretérito em contexto matriz, sem elementos licenciadores. Argumentamos que essa construção se trata de um tipo de imperativo pretérito, caracterizado pelo traço [contrafactivo]. Discutimos a relação entre as construções imperativas e o tempo gramatical (principalmente, dentro do arcabouço teórico da Gramática Gerativa) e comparamos as propriedades sintáticas e pragmáticas dessa estrutura com as de outros tipos sentenciais que também são descritos como imperativos direcionados ao passado no francês, inglês, holandês e espanhol.

Palavras-chave:
sentenças imperativas; imperativos pretéritos; português brasileiro; interface sintaxe-semântica

ABSTRACT

In this paper, we describe the properties of Brazilian Portuguese sentences formed with past subjunctive verbs in matrix sentences without any licensing elements. We argue that those sentences are a type of past imperative, characterized by the feature [counterfactual]. We discuss a relationship between imperative sentences and grammatical tense (mainly within the theoretical framework of Generative Grammar) and also compare this structure with other sentential types from French, English, Dutch, and Spanish, which have also been described as imperatives directed to the past.

Keywords:
imperative sentences; past imperatives; Brazilian Portuguese; syntax-semantics interface

1. Introdução

Os objetivos deste artigo são dois: (i) defender a existência de um tipo de construção sintática no português brasileiro (PB) que pode ser considerada como uma forma de imperativo passado3 3 Agradecemos ao professor Heitor Reis de Oliveira por nos apontar a existência desse tipo de dados. ; (ii) e descrever propriedades sintáticas e semânticas dessa construção.

A estrutura em questão pode ser exemplificada pelos dados abaixo em (1). Imaginem os seguintes contextos para essas frases: em (1a), a mãe sai e encarrega a filha de preparar o almoço, mas, ao retornar, percebe que nada foi feito, o que a leva a enunciar a sentença em questão; em um (1b), o falante faz uma réplica a alguém que está dizendo que não o encontrou em casa no dia anterior; em (1c), uma réplica a alguém que está reclamando por ter levado uma multa por excesso de velocidade; em (1d), o falante se dirige a uma pessoa que está se lamentando por ter sido enganada por uma terceira pessoa em quem não deveria ter confiado4 4 É possível que exista uma variação dialetal no Brasil quanto à aceitabilidade dessa construção, especialmente considerando que há regiões em que o subjuntivo é frequentemente substituído pelo indicativo. Falantes nordestinos consultados julgaram dados desse tipo aceitáveis e bastante naturais. Uma falante gaúcha também não apenas julgou a construção como aceitável como reconheceu que a utilizava em alguns contextos. Mas não houve, para este trabalho, uma investigação sistemática da aceitabilidade e distribuição contextual em vários dialetos. A maior parte dos julgamentos se refere aos dialetos dos autores: da capital e do interior da Bahia. Um parecerista anônimo, entretanto, julgou parte dos dados como agramaticais. A comparação de julgamentos de dialetos diferentes do PB seria um prosseguimento natural da pesquisa. . Em comum nesses exemplos, há a dependência contextual e a função de reprimenda a algum comportamento ou fala do ouvinte.

(1) a. Poxa, filha, fizesse o almoço!

b. Ligasse antes (de vir)!

c. Não corresse (tanto)!

d. Não fosse tão idiota!5 5 O parecerista citado na nota anterior apontou que só considera (1d) aceitável se houver uma continuação do seguinte tipo: “(se) não fosse tão idiota, teria suspeitado da carta”. Nesse caso, a sentença subjuntiva se torna uma condicional com o “se” apagado. Tratamos das diferenças entre as sentenças em (1) e as condicionais na seção 4.2, mas, quanto ao exemplo sugerido, em nosso próprio julgamento, há uma diferença grande em relação a (1d) não só no contexto de uso, mas também na entonação.

A tese principal defendida neste artigo é que essa estrutura corresponde a uma forma de imperativo pretérito. Mas, independentemente do status imperativo ou não-imperativo de sentenças desse tipo, elas constituem uma construção sintática específica, com propriedades sistemáticas, cuja descrição não tem atraído a atenção na literatura linguística. Por exemplo, elas são sentenças matrizes, mas ocorrem necessariamente com o verbo na forma subjuntiva e não há nas frases nenhum elemento licenciador do subjuntivo6 6 Um advérbio como talvez é capaz de licenciar um subjuntivo numa sentença matriz, mas, nos dados em questão, esse advérbio não pode ocorrer sem alterar o significado e a função discursiva das frases. . Trata-se de uma propriedade inusitada, pois o subjuntivo está associado fortemente a contextos subordinados, sendo bloqueado em contextos matrizes. Uma das poucas exceções a isso (não apenas no PB, mas também em outras línguas românicas) são justamente os casos dos chamados imperativos supletivos (cf. seção 2.1), em que formas subjuntivas podem ser usadas em sentenças matrizes em substituição às formas flexionais do imperativo.

Portanto, a descrição e a análise das propriedades desse tipo de sentença são relevantes em si mesmas para o conhecimento da estrutura do PB e das línguas humanas de um modo geral. Já a discussão da hipótese de que tal estrutura seria um tipo de imperativo pretérito contribui para um entendimento mais adequado das propriedades dos imperativos em geral, qualquer que seja a posição final a respeito do tema.

Na literatura linguística, a existência de imperativos pretéritos é um tema pouco explorado. Ainda assim, é possível encontrar várias posturas distintas sobre o tema. Há autores como Beukema e Coopmans (1989), Zanuttini (1991ZANUTTINI, Raffaela. 1991. Syntactic Properties of Sentential negation: a Comparative Study of Romance Languages. Tese de Doutorado. University of Pennsylvania., 1996ZANUTTINI, Raffaela. 1996. On the relevance of tense for sentential negation. In: BELLETTI, Adriana; RIZZI, Luigi. Parameters and Functional Heads: Essays in Comparative Syntax. Oxford University Press. p. 181-207.) e Platzack e Rosengren (1998PLATZACK, Christer; ROSENGREN, Inger. 1998. On the subject of imperatives: a Minimalist account of the imperative clause. Journal of Comparative Germanic Linguistics, v. 3, p. 177-224.), que defendem que as sentenças imperativas não possuem categorias funcionais de tempo (TP) e/ou de finitude (FinP), sendo, portanto, incapazes de realizar distinções temporais. Uma variação dessa posição é a de autores como Sapir (1912SAPIR, Edward. 1912. The Takelma Language of Southwestern Oregon. Washington: Government Printing Office.) e Palmer (1986PALMER, Frank R. 2001. Mood and Modality. Cambridge: Cambridge University Press . : 111, 108), que reconhecem a existência de distinções entre imperativos presentes e futuros, e a de Rooryck (1995ROORYCK, Johan. 1995. Restricting relativized minimality: the case of Romance clitics. In: AMASTAE, Jon; GOODALL, Grant; MONTALBETTI, M.; PHINNEY, M. (org.) Contemporary Research in Romance Linguistics: papers from the XXII Linguistic Symposium on Romance Languages. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 333-354.), que também admite a possibilidade de distinções temporais ligadas ao presente e ao futuro, mas mantém que os imperativos nunca poderiam ter interpretação de tempo passado, por expressarem inerentemente estados potenciais.

Por outro lado, há autores como Grevisse e Goosse (2008GREVISSE, Maurice; GOOSSE, André. 2008. Le bon usage: grammaire française. Bruxelas: De Boeck & Larcier.) e Rigel, Pellat e Rioul (2018RIGEL, Martin; PELLAT, Jean-Christofe; RIOUL, René. 2018. Grammaire méthodique du français. Paris: Presses Universitaires France.), que utilizam o termo “imperativo pretérito” para se referir a um tipo de construção imperativa que existiria em francês em paralelo com o tradicional imperativo presente. Veremos, porém, que o uso do rótulo “imperativo passado” nesse caso é bastante questionável, pois o fenômeno não está associado a momentos anteriores ao da enunciação. Há também autores como Davies (1986DAVIES, Eirlys. 1986. The English Imperative. Beckenham: Croom Helm.) e Jary e Kissine (2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.), que admitem que determinados imperativos podem ter tanto uma interpretação relacionada ao momento anterior à fala quanto uma morfologia associada a tempos pretéritos. Os dados apresentados por eles são importantes, pois estabelecem a possibilidade de interpretação pretérita de imperativos. Veremos, entretanto, que esses casos ainda diferem do fenômeno do PB apresentado em (1). Por fim, Duinhover (1995DUINHOVER, A. M. 1995. Had gebeld! De irreële imperatief. Tijdschrift voor Nederlandse Taal en Letterkunde [Jornal de Língua e Literatura Holandesas], v. 111, p. 346-364.) argumenta que o holandês possui um tipo de imperativo passado, com uma função discursiva especializada, que parece bastante semelhante aos dados do PB discutidos no presente texto.

O artigo está organizado da seguinte forma. Na seção 2, fazemos uma revisão da literatura quanto à compatibilidade entre imperativos e o tempo passado nas línguas humanas. Discutiremos brevemente as posições esboçadas acima, apresentando o comportamento de línguas diferentes, mas também trataremos de casos em que o imperativo (presente/futuro) é expresso através de morfologia emprestada de formas verbais no pretérito. Na seção 3, voltaremos ao fenômeno principal deste trabalho, descrevendo várias propriedades dos imperativos pretéritos do PB. Mostraremos tanto propriedades que essas sentenças compartilham com os imperativos presentes quanto características específicas que as distinguem. Apontaremos também diferenças com relação às sentenças condicionais, para demonstrar que os dados em (1) não seriam apenas casos de sentenças condicionais reduzidas. Na seção 4, discutimos o status desse tipo de sentença em uma tipologia dos modos sentenciais, defendendo a ideia de que devem ser consideradas como um subtipo especializado de sentença imperativa. E, na seção 5, concluímos o texto.

2. Imperativos e o tempo passado na literatura linguística

Nesta seção, tratamos da relação entre o modo imperativo e o tempo nas línguas naturais como aparece na literatura linguística sobre os imperativos, mas, antes disso, falaremos sobre o status dos imperativos como modo verbal ou modo sentencial.

2.1. Imperativos como um modo sentencial

Antes de discutir a relação entre imperativos e tempo verbal, precisamos compreender a natureza dos imperativos como modo sentencial. Os imperativos podem ser compreendidos ou como um modo verbal ou um modo/tipo sentencial. Como um modo verbal, o imperativo se oporia ao indicativo e ao subjuntivo e seria caracterizado pela existência de uma morfologia flexional específica. Esta é a visão da tradição gramatical, por exemplo, mas também assumida por alguns linguistas como Câmara Jr (1970CÂMARA JR, Joaquim Mattoso. 1970. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes.).7 7 Câmara Jr. adota a posição ainda mais peculiar de considerar o imperativo como uma subdivisão do subjuntivo, que ele chama de “subjuntivo não subordinado”, afirmando que “o imperativo, como já vimos, não é mais que um subjuntivo sem o elo da subordinação sintática” (CÂMARA JR, 1970, p. 101).

No português europeu, por exemplo, o verbo imperativo (na segunda pessoa do singular) se distingue da forma indicativa (para a mesma pessoa) pela queda do morfema -s, enquanto o subjuntivo se caracteriza pela mudança da vogal temática. Assim, um verbo da primeira conjugação como cantar tem, como forma da segunda pessoa singular, (tu) cantas para indicativo, (que tu) cantes para o subjuntivo e canta (tu) para o imperativo, com cada uma das três formas sendo morfologicamente distinta das demais.

Mas nem todas as línguas possuem formas morfológicas exclusivas para o imperativo. Um exemplo é o inglês, em que a forma imperativa é idêntica à forma infinitiva (sem a partícula to) e também às formas finitas da primeira e segunda pessoa (singular e plural) e da terceira pessoa (plural) do indicativo: por exemplo, open serve tanto para o infinitivo to open quanto para I open, you open, we open e they open, além de servir para expressar o imperativo em Open the door!8 8 No caso do verbo to be, a coincidência de formas é apenas com o infinitivo (sem o to) e o subjuntivo be usado em poucos contextos, já que as formas do indicativo são am e are. .

Outro exemplo é o PB, em que a entrada do item você no sistema pronominal e a perda da morfologia de segunda pessoa associada a tu eliminaram qualquer distinção entre as formas indicativas, subjuntivas e imperativas de segunda pessoa. Hoje, no PB, diferentemente do português europeu, o imperativo de segunda pessoa pode ser expresso ou pelo uso da própria forma indicativa (ex: canta!) ou pela forma subjuntiva (ex: cante!), ambas já sem o -s.

Na literatura sobre o tema, quando uma língua possui uma forma morfológica dedicada especificamente ao imperativo, esta forma é chamada de imperativo verdadeiro (RIVERO, 1994; HAN, 1999HAN, Chung-Hye. 1999. Cross-linguistic Variation in the Compatibility of Negation and Imperatives. Proceedings of the 17th West Coast Conference on Formal Linguistics, v. 17, p. 265-279., 2001HAN, Chung-Hye. 2001. Force, Negation and Imperatives. The Linguistic Review, v. 18, p. 289-325.). Quando a língua utiliza uma forma não exclusiva, derivada de outro modo verbal, esta é chamada de imperativo supletivo. O inglês e o PB possuem, então, apenas imperativos supletivos. Já o português europeu (além de outras línguas) possui um imperativo verdadeiro, mas também possui formas supletivas, pois, por exemplo, o imperativo negativo não é expresso pela negação da forma especializada, mas pelo uso do subjuntivo.

Isso mostra que, mesmo na ausência de formas flexionais específicas para o imperativo, ainda é possível identificar nas línguas sentenças que possuem outras características que as qualificam como imperativas. Nesse caso, o imperativo é visto não como um modo verbal, mas sim como um modo ou tipo sentencial, que se opõe aos tipos declarativo, interrogativo e exclamativo. Como tal, as sentenças imperativas possuem características que as diferenciam desses outros modos, mesmo na ausência de uma forma morfológica específica (vide JARY; KISSINE, 2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press. para uma extensa introdução à questão).

Os imperativos possuem translinguisticamente uma forte tendência a possuir sujeitos nulos, mesmo em línguas que exigem o sujeito realizado nos demais tipos sentenciais. Costumam envolver algum tipo de alteração na ordem sentencial em relação à ordem das declarativas ou interrogativas. Por exemplo, quando o sujeito ocorre na sentença, este costuma ficar em posição pós-verbal mesmo quando o padrão da língua é pré-verbal; em muitas línguas, os clíticos verbais são proclíticos nas declarativas e interrogativas, mas passam a enclíticos nas imperativas. Os imperativos possuem também uma forte relação com a segunda pessoa do discurso, no sentido de que esta não é apenas o destinatário da enunciação, mas é necessariamente o agente do predicado expresso pelo imperativo. Lyons (1977LYONS, John. 1977. Semantics: vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press.: 747), dentre outros autores, considera que o imperativo é restrito à segunda pessoa. Com relação aos chamados imperativos de terceira, Palmer (2001PALMER, Frank R. 2001. Mood and Modality. Cambridge: Cambridge University Press . : 80-81) aponta que estes são muitas vezes classificados como pertencentes a um modo distinto do imperativo, o jussivo. Jary e Kissine (2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.: 26-27) apontam que, além de jussivo, o termo hortativo também é utilizado por alguns autores para essas formas. Mas Jary e Kissine apontam que até mesmo as formas imperativas/jussivas/hortativas em que o agente é de terceira ou de primeira pessoa ainda têm uma ligação com a segunda pessoa, pois esta seria, de algum modo, mediador ou responsável por fazer ou permitir ao agente realizar a ação expressa pelo comando, como no exemplo de imperativo de terceira pessoa em (2a), dito para um comandante de pelotão durante uma batalha, e no de primeira pessoa em (2b), em que o falante pede por permissão aos ouvintes.

(2) a. Your men guard the front while we creep round to the back.

(JARY; KISSINE, 2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.: 36)

b. Let me be technical for while.

(DAVIES, 1986DAVIES, Eirlys. 1986. The English Imperative. Beckenham: Croom Helm.: 140)

Consideramos, portanto, neste trabalho, os imperativos como um modo sentencial, não como um modo verbal. Isso significa que definir algo como um imperativo não dependerá apenas da morfologia verbal, mas de outras características discursivas e sintáticas que distingam a construção de outras estruturas da língua.9 9 Mas isso também significa que o uso de outros tipos sentenciais para fazer pedidos ou ordens de modo indireto (por exemplo, “Pode me passar o sal?” e “Você não vai atender o telefone?”) não serão consideradas imperativas, pois pertencem formalmente ao tipo sentencial interrogativo. Dito isso, passemos à discussão sobre a relação entre imperativos e tempos verbais na literatura prévia.

2.2. Imperativos como desprovidos de distinções de Tempo

Uma tendência existente em diversas línguas (embora não universal) é que as formas verbais imperativas sejam morfologicamente mais pobres em comparação com as formas não-imperativas. O filósofo Eugen Rosenstock-Huessy (1981ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. 1981. The Origin of Speech. Norwich: Argo Books.: 51), em uma obra publicada em 1981 (mas que começou a ser escrita na década de 1940), já apontava que, de uma amostra de mais de 50 línguas que ele havia examinado, a forma imperativa era a mais curta e a mais simples da conjugação.10 10 As línguas examinadas pelo autor abrangem “Gótico, latim, grego, lituano, russo, polonês, tcheco, servo, céltico, armênio, persa, sânscrito, islandês, sueco, dinamarquês, holandês, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol, português e todas as demais línguas indo-europeias, bem como todas as línguas semíticas, hebreu, sírio, árabe, egípcio, quinze línguas uralo-altaicas e vinte línguas africanas” (ROSENSTOCK-HUESSY, 1981, p. 51).

Essa pobreza morfológica dos imperativos em muitas línguas, somada a outras propriedades, levou muitos autores a considerar que as sentenças imperativas seriam desprovidas de várias categorias gramaticais.

No quadro teórico da gramática gerativista, Beukema e Coopmans (1989) defendem que, nos imperativos, a categoria funcional de INFL (= IP) seria marcada como [-Tense]. Eles baseiam essa análise na ausência de distinção temporal nas sentenças imperativas, o que eles exemplificam com a impossibilidade de se usar a morfologia do pretérito (do indicativo) para expressar imperativos passados em inglês, como nos dados em (3).

(3) a. *Went to London, please.

b. *Behaved yourselves, for God’s sake.

Davies (1986DAVIES, Eirlys. 1986. The English Imperative. Beckenham: Croom Helm.: 165), numa abordagem descritivista, aponta a mesma impossibilidade de imperativos passados em dados como (4). A diferença entre os dados é que os exemplos de Beukema e Coopmans (1989) trazem uma morfologia ligada ao passado, enquanto o de Davies (1986DAVIES, Eirlys. 1986. The English Imperative. Beckenham: Croom Helm.) não tem a marcação temporal no próprio verbo, mas sim em um adjunto com valor pretérito.

(4) *Turn up yesterday.

No modelo de Beukema e Coopmans (1989), a ausência de traços de Tempo no IP seria responsável por outras propriedades dos imperativos do inglês, como a omissão dos sujeitos. (Veremos, porém, na seção 2.4 que mesmo o inglês pode utilizar morfologia de passado em imperativos.)

Zanuttini (1991ZANUTTINI, Raffaela. 1991. Syntactic Properties of Sentential negation: a Comparative Study of Romance Languages. Tese de Doutorado. University of Pennsylvania., 1996ZANUTTINI, Raffaela. 1996. On the relevance of tense for sentential negation. In: BELLETTI, Adriana; RIZZI, Luigi. Parameters and Functional Heads: Essays in Comparative Syntax. Oxford University Press. p. 181-207.) também defende que as sentenças imperativas não possuem a categoria de Tempo, mas, na análise (gerativista) adotada por ela, isso se traduziria na completa ausência da projeção funcional TP. A autora baseia essa ideia na identificação de dois tipos de marcadores negativos em línguas românicas, um tipo que ocorre sempre em posição imediatamente pré-verbal e que seria o núcleo de uma categoria funcional dedicada à negação sentencial (o NegP), e outro tipo sempre pós-verbal, que corresponderia a um elemento adverbial. Segundo ela, o NegP seleciona necessariamente o TP como seu complemento, enquanto os marcadores de caráter adverbial seriam gerados em posições mais baixas da sentença, por exemplo, em adjunção ao VP. Zanuttini tenta explicar a incompatibilidade entre o imperativo verdadeiro e a negação pré-verbal (cf. seção 2.1) a partir da ideia de que as sentenças imperativas, sendo morfologicamente mais pobres, não possuiriam TP, o que impediria a ocorrência de NegP. Assim, as sentenças imperativas negativas (com formas verbais supletivas) sempre seriam construídas a partir de sentenças não-imperativas, usadas de modo derivado.

Zanuttini não explica como, na ausência do TP, os imperativos têm a interpretação típica associada ao futuro (imediato ou distante), mas a sua proposta faz a previsão de que o imperativo terá uma grande limitação na expressão de valores temporais distintos. Imperativos pretéritos seriam, assim, impossibilitados. Entretanto, uma vez que as construções do PB discutidas no presente artigo trazem formas verbais do subjuntivo (pretérito), constituindo um caso de forma supletiva, a princípio não haveria uma impossibilidade de existência de imperativos pretéritos com formas supletivas, uma vez que a autora assume que formas supletivas possuem TP e são compatíveis com NegP.

Platzack e Rosengren (1998PLATZACK, Christer; ROSENGREN, Inger. 1998. On the subject of imperatives: a Minimalist account of the imperative clause. Journal of Comparative Germanic Linguistics, v. 3, p. 177-224.), no quadro minimalista da gramática gerativa, também assumem que as sentenças imperativas não têm a categoria de Tempo. Mais especificamente, os autores propõem que sentenças imperativas não possuem a categoria FinP, responsável pela finitude no sistema de CP cindido defendido a partir de Rizzi (1997RIZZI, Luigi. 1997. The fine structure of the left periphery. In: HAEGEMAN, Liliane. (org.). Elements of grammar: handbook in generative syntax. Dordrechet / Boston / London: Kluwer Academic.). A ausência de FinP nas sentenças imperativas seria resultado do fato de o verbo imperativo ser morfologicamente pobre e não possuir TP e MoodP. A ausência dessas categorias tornaria o verbo imperativo incompatível com estruturas com FinP. Na proposta dos autores, a ausência de FinP e das categorias associadas a ele explicaria o comportamento excepcional do sujeito dos imperativos, pois, no modelo deles, o FinP é a projeção responsável por estabelecer uma relação de predicação entre o sujeito e o predicado (entendido pelos autores como o IP) além de ancorar a proposição no tempo e no espaço.

A consequência da proposta de Platzack e Rosengren (1998PLATZACK, Christer; ROSENGREN, Inger. 1998. On the subject of imperatives: a Minimalist account of the imperative clause. Journal of Comparative Germanic Linguistics, v. 3, p. 177-224.) é que imperativos não seriam capazes de marcar diferenças de tempo. Eles chegam a reconhecer que, em algumas línguas, as formas verbais imperativas possuem morfemas de futuro, mas não consideram que isso seja uma contraevidência a sua análise, pois, segundo eles, não haveria nenhuma língua com oposição entre tempos diferentes no imperativo (um ponto em que, como veremos, os autores estão equivocados).

Outros autores, entretanto, assumem a existência de uma categoria IP ou TP na estrutura de sentenças imperativas. Rivero (1994) e Han (1999HAN, Chung-Hye. 1999. Cross-linguistic Variation in the Compatibility of Negation and Imperatives. Proceedings of the 17th West Coast Conference on Formal Linguistics, v. 17, p. 265-279., 2001HAN, Chung-Hye. 2001. Force, Negation and Imperatives. The Linguistic Review, v. 18, p. 289-325.), também no quadro gerativista, tratam da mesma incompatibilidade entre imperativos verdadeiros e negação pré-verbal em termos de restrições (sintáticas, para a primeira autora; semânticas, para a segunda) ao movimento do verbo do TP/IP para o CP, onde estaria hospedado algum tipo de traço imperativo que precisa ser licenciado ou checado pelo verbo. As autoras, entretanto, não entram no mérito da interpretação temporal dos imperativos.

Ainda no quadro gerativista, Rooryck (1995ROORYCK, Johan. 1995. Restricting relativized minimality: the case of Romance clitics. In: AMASTAE, Jon; GOODALL, Grant; MONTALBETTI, M.; PHINNEY, M. (org.) Contemporary Research in Romance Linguistics: papers from the XXII Linguistic Symposium on Romance Languages. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 333-354.: 340-341), por outro lado, opõe-se claramente à ideia de que imperativos não teriam traços de Tempo. Rooryck rejeita explicitamente a análise de Beukema e Coopmans (1989) de que imperativos seriam caracterizados pela ausência de Tempo da mesma forma que os infinitivos. O autor aponta que o latim possui distinção morfológica entre imperativo presente e imperativo futuro, como nos exemplos abaixo fornecidos por ele. Esse fato também enfraquece a posição de Platzack e Rosengren (1998PLATZACK, Christer; ROSENGREN, Inger. 1998. On the subject of imperatives: a Minimalist account of the imperative clause. Journal of Comparative Germanic Linguistics, v. 3, p. 177-224.).

(5) a. ama b. amato

‘love.IMP.PRES.2pers.sg’ ‘love.IMP.FUT.2pers.sg’

c. amate d. amatote

‘love.IMP.PRES.2pers.pl’ ‘love.IMP.FUT.2pers.pl’

(ROORYCK, 1995ROORYCK, Johan. 1995. Restricting relativized minimality: the case of Romance clitics. In: AMASTAE, Jon; GOODALL, Grant; MONTALBETTI, M.; PHINNEY, M. (org.) Contemporary Research in Romance Linguistics: papers from the XXII Linguistic Symposium on Romance Languages. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 333-354.: 340)

Em sua tese de doutorado de 1909, Sapir (1912SAPIR, Edward. 1912. The Takelma Language of Southwestern Oregon. Washington: Government Printing Office.) já apontava a existência de uma distinção entre um imperativo presente (para ordens a serem executadas imediatamente) e um imperativo futuro (relacionado a um tempo mais afastado do momento da enunciação) na língua indígena takelma, falada no Oregon11 11 Palmer (2001: 151, 157-158, 180) e Mithun (1999: 153-154) também discutem esse fato. .

Entretanto, apesar de admitir distinções entre imperativos presentes e futuros, Rooryck (1995ROORYCK, Johan. 1995. Restricting relativized minimality: the case of Romance clitics. In: AMASTAE, Jon; GOODALL, Grant; MONTALBETTI, M.; PHINNEY, M. (org.) Contemporary Research in Romance Linguistics: papers from the XXII Linguistic Symposium on Romance Languages. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 333-354.: 340) ainda assume que imperativos passados seriam impossíveis: “It is more accurate to say that the tense of imperatives is restricted to non past tense ” (negritos nossos)12 12 “É mais preciso dizer que o tempo dos imperativos é restrito ao tempo não-passado” (tradução nossa). . Ele toma como um fato a inexistência de “past imperative morphology” nas línguas humanas. A partir disso, sugere a caracterização do valor temporal (ou modal) dos imperativos como [-realized]. Esse traço seria compatível como a interpretação futura, mas não com a interpretação passada. Rooryck baseia essa análise na proposta de Stowell (1982) para a diferença entre sentenças infinitivas (com sujeito nulo controlado), de um lado, e sentenças gerundivas13 13 Sentenças infinitivas com marcação excepcional de Caso se comportariam como as gerundivas. , por outro lado. Na análise de Stowell (1982), sentenças gerundivas carecem inteiramente de Tempo, mas as infinitivas apenas não têm o traço [±Past], mas ainda assim possuem um operador de Tempo, que teria o valor [-realized], compatível com a interpretação de futuro. No sistema de Stowell, essa distinção entre infinitivas e gerundivas estaria relacionada à existência ou inexistência da categoria CP, não TP, por alguma exigência de que, em algum dos níveis de representação da sentença, o operador de Tempo estivesse presente no CP: gerundivas não possuiriam CP, infinitivas possuiriam.

Como veremos na seção 3, a ideia de que os imperativos têm o traço [-realized] não exclui a possibilidade de imperativos pretéritos. Ao menos os dados do PB de subjuntivos pretéritos matrizes como imperativos se encaixam na propriedade [-realized].

2.3. O “impératif passé”

Na contramão da tendência geral de se considerar que os imperativos não possuem distinções temporais, encontramos em gramáticas de referência do francês (GREVISSE; GOOSSE, 2008GREVISSE, Maurice; GOOSSE, André. 2008. Le bon usage: grammaire française. Bruxelas: De Boeck & Larcier.: 892; RIGEL; PELLAT; RIOUL, 2018RIGEL, Martin; PELLAT, Jean-Christofe; RIOUL, René. 2018. Grammaire méthodique du français. Paris: Presses Universitaires France.: 330-331) a indicação explícita da existência de imperativos presentes e de imperativos passados (impératif passé).

As duas categorias se referem à distinção entre o imperativo expresso através de formas simples, como chante (‘cante!’), ou de formas compostas com o uso do auxiliar avoir (‘ter’) ou être (‘ser’) no presente do subjuntivo e o principal no particípio, como em aie chanti (‘tenha cantado!’) e em soyez rentrés (‘seja/esteja retornado’ = ‘esteja de volta’), exemplificados em (6).

(6) Imperativos simples (imperfectivos) do francês

a. Rentre à six heures!

retornar.imp.2sg às seis horas

(‘Retorne às seis horas’)

Imperativos “passados” (perfectivos) do francês

b. Sois rentré avant six heures!

ser.subj.2sg retornados antes seis horas

(‘Seja retornado antes das seis horas’ = ‘Esteja de volta antes das seis horas’)

Apesar de a expressão impératif passé ser amplamente utilizada para se referir a essa construção em francês, trata-se de um rótulo enganador, como inclusive reconhecem Rigel, Pellat e Rioul (2018RIGEL, Martin; PELLAT, Jean-Christofe; RIOUL, René. 2018. Grammaire méthodique du français. Paris: Presses Universitaires France.). Essas formas não se referem a momentos anteriores ao momento da enunciação, mas sim anteriores a um ponto de referência no futuro. Por isso mesmo, Grevisse e Goosse (2008GREVISSE, Maurice; GOOSSE, André. 2008. Le bon usage: grammaire française. Bruxelas: De Boeck & Larcier.) salientam que esses casos envolvem necessariamente a presença de algum sintagma adjunto expressando o tempo futuro.

A oposição apresentada por esses exemplos, na verdade, não corresponde a uma distinção temporal, mas sim aspectual. O imperativo simples expressa um aspecto imperfectivo, enquanto o imperativo composto expressa um aspecto perfectivo, ambos em relação a um momento no futuro (implícito ou explícito). Os termos mais apropriados para os dois fenômenos seriam, então, imperativo imperfectivo e imperativo perfectivo.

É importante perceber que esse sentido perfectivo do imperativo também pode ser expresso em outras línguas. Em inglês, por exemplo, é possível usar uma perífrase verbal, acompanhada por um adjunto de tempo, para expressar uma ordem que deve ser cumprida no futuro, mas em um momento que seja anterior ao tempo expresso pelo adjunto, como no exemplo (7) abaixo, que é de Jary e Kissine (2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.: 262).

(7) Have finished your homework before dinner time!”

Nesse caso, temos uma construção feita com uma perífrase do presente perfeito, mas que tem uma interpretação futura (em relação ao momento de fala) decorrente diretamente da presença do adjunto. Na próxima seção, veremos que, curiosamente, esse tipo de estrutura também pode ter uma interpretação relacionada ao tempo anterior ao momento de fala.

No PB, um futuro perfeito através de perífrases verbais é possível em declarativas, com o modo indicativo, como em (8), mas a expressão de um imperativo perfeito de forma equivalente parece inaceitável ou marginal, como em (9)14 14 Um parecerista anônimo afirma que considera que os dados em (9) se tornam aceitáveis em um contexto apropriado. De fato, não exploramos em mais detalhes as possibilidades dessa construção, que foge ao escopo desse artigo. .

(8) Futuro perfeito do indicativo com perífrase

a. No domingo, eu já terei/vou ter corrigido o relatório.

b. Em 10 de julho, o semestre já terá/vai ter terminado.

c. No fim do mês, ele já terá/vai ter entrado de férias.

(9) Futuro perfeito imperativo com perífrase

a. #No domingo, (já) tem/tenha corrigido o relatório!

b. #Quando eu voltar, (já) tem/tenha limpado toda a casa!

c. #No fim do mês, (já) tenha pedido demissão!

Mas a demarcação de um momento no futuro antes do qual o comando imperativo já deve ter sido executado pode ser feita através da combinação do verbo imperativo presente (inerentemente imperfeito) com um adjunto de tempo, desde que a relação de anterioridade esteja explicitada, como se pode ver nos contrastes em (10).

(10) a. Corrija o relatório no domingo! (leitura imperfectiva)

b. Corrija o relatório antes do domingo! (leitura perfectiva)

c. Peça demissão no fim do mês! (leitura imperfectiva)

d. Peça demissão até o fim do mês! (leitura perfectiva)

Em todo o caso, esses dados de imperativos perfectivos compostos do francês e do inglês, bem como os de usos perfectivos do imperativo imperfectivo simples do PB, não correspondem a verdadeiros casos de imperativos com interpretação direcionada para o pretérito. Também não correspondem ao tipo de estrutura ou de uso discursivo que encontramos nos dados do PB apresentados no início do artigo em (1).

Na próxima seção, mostraremos casos de uso explícito de morfologia verbal associada ao passado para a expressão de imperativos.

2.4. Morfologia do pretérito em sentenças imperativas

O que vimos até aqui é compatível com a ideia de que o modo imperativo é inerentemente incompatível com o tempo passado - ou por não ser possível fazer distinções temporais neste tipo sentencial ou por o imperativo ser inerentemente direcionado ao futuro. Nesta seção, porém, veremos casos em que morfologias relacionadas ao pretérito são utilizadas em dados de sentenças imperativas nas línguas.

Em algumas línguas, as formas verbais utilizadas para o modo imperativo não são derivadas a partir de formas do presente, mas de formas relacionadas ao passado. Esse é o caso do grego antigo, em que o imperativo é formado a partir do aoristo.

O aoristo é um tempo verbal compartilhado por algumas línguas indo-europeias antigas, tais como o grego e o sânscrito. Além do imperativo presente, formado a partir da raiz dos verbos no presente, há o imperativo aoristo. Segundo Peter Jones (2007JONES, Peter. 2007. Learn Ancient Greek. New York: Barnes & Noble.: 190), a diferença entre o imperativo presente e o aoristo não é de natureza temporal, mas de aspecto.

Outra língua em que formas verbais do passado podem ser usadas para expressar imperativos presentes é o russo. Nessa língua, ao lado das formas de imperativo presente, existe também a possibilidade de usar o verbo no pretérito do indicativo para expressar ordens e comandos imediatos, presentes. Nesse caso, o uso do pretérito confere ao imperativo um tom rude, autoritário.

Nesses casos, entretanto, apesar do uso de morfologia do tempo passado, o imperativo formado ainda corresponde ao presente. Mas há outros casos em que é possível acrescentar uma morfologia do passado a imperativos que passam realmente a se referir a estados anteriores ao da enunciação. Vimos na seção 2.2 que Beukema e Coopmans (1989) e Davies (1986DAVIES, Eirlys. 1986. The English Imperative. Beckenham: Croom Helm.: 165) apontavam a impossibilidade de sentenças como (16) abaixo.

(16) a. *Went to London, please.

b. *Behaved yourselves, for God’s sake.

c. *Turn up yesterday.

Porém, Davies aponta que (16c) se torna aceitável em estruturas de coordenação entre um imperativo e uma declarativa, em que esta última expresse uma consequência possível da execução da ação expressa pelo imperativo, como em (17). Nesse caso, entretanto, o verbo permanece na forma não-marcada do imperativo presente, compartilhada pelo infinitivo sem o to, sem nenhuma morfologia do pretérito em si, com o passado marcado apenas no adjunto. Além disso, nesses casos, o imperativo aparece sem força diretiva, expressando apenas uma possibilidade sobre o passado. É importante apontar que tal exemplo não é incompatível com o traço [-realized] com o qual Rooryck

(17) Turn up yesterday and you’d have got a real shock.

Jary e Kissine (2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.), citando Schmerling (1982SCHMERLING, Susan F. 1982. How imperatives are different, and how they aren’t. In: SCHNEIDER, Robinson; TUITE, Kevin; CHAMELTZY, Robert. (Org.). Chicago Linguistic Society: Parasession on Nondeclaratives. p. 202-218.), apontam que imperativos podem ser ligados ao tempo anterior à enunciação, exibindo morfologia do passado, como nos exemplos em (18), em que ocorre o particípio passado numa perífrase de presente perfeito (que abrange necessariamente o passado).

(18) a. Please, don’t have made things worse. (p. 71)

b. Please, don’t have said anything rude! (p. 142)

Jary e Kissine (2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.) apontam que esse tipo de uso do imperativo difere do imperativo presente quanto ao estado do mundo a que ambos se referem. Nos imperativos presentes, assume-se que o evento expresso não foi realizado, ou seja, que o valor de verdade da sentença declarativa correspondente é necessariamente igual a falso (o que equivale ao [-realized] de Rooryck), mas que o imperativo aponta que o valor de verdade deveria passar a verdadeiro. Já em sentenças como (18a-b), o imperativo não tem como afetar o estado do mundo. A veracidade ou falsidade de declarativa correspondente já foi determinada. O que licencia tais usos é que, para o falante, o valor de verdade não é conhecido ainda. As sentenças em (18) não seriam adequadas em contextos em que o falante já soubesse que o ouvinte “já tornou as coisas piores” ou “já falou algo rude”, mas também não seriam adequadas no contexto em que o falante soubesse que o ouvinte não fez nada que “tornasse as coisas piores” e “não disse nada rude”.

Nesse sentido, é possível considerar que tais imperativos pretéritos (em que se usa o present perfect) fogem da caracterização de Rooryck de imperativos como necessariamente [-realized].

As sentenças do PB que consideramos como imperativos pretéritos diferem de dados como (18) nesse ponto. Elas não são adequadas nos mesmos contextos de (18), em que o falante não sabe qual é o valor de verdade de uma situação já definida. Ao contrário, elas requerem necessariamente a não realização do estado de mundo expresso pela declarativa correspondente e o conhecimento do falante quanto a essa não realização. Assim, os imperativos pretéritos do PB se aproximam mais dos imperativos presente/futuros do que os casos de imperativos presentes direcionados ao passado em (18).

2.5. “Imperativos irreais” no holandês

Outro tipo de construção que pode ser vista como um imperativo direcionado ao pretérito é discutido por Duinhover (1995DUINHOVER, A. M. 1995. Had gebeld! De irreële imperatief. Tijdschrift voor Nederlandse Taal en Letterkunde [Jornal de Língua e Literatura Holandesas], v. 111, p. 346-364.) sob o rótulo de “imperativos irreais” (De irreële imperatief) ao analisar dados do holandês como os de (19), formados com o uso do auxiliar had (pretérito de hebben, ‘ter’) ou was (pretérito de zijn, ‘ser, estar’) seguido pelo verbo principal no particípio passado. Duinhover (1995DUINHOVER, A. M. 1995. Had gebeld! De irreële imperatief. Tijdschrift voor Nederlandse Taal en Letterkunde [Jornal de Língua e Literatura Holandesas], v. 111, p. 346-364.) aponta que essas frases podem ser vistas como paralelas a sentenças declarativas no pretérito composto como em (20).

(19) Irreële imperatief holandês

a. Had gebeld!

(literalmente: ‘Tinha chamado/ligadol!”)

b. Was gekomen!

(literalmente: ‘Estava/era lavado!’)

(20) Declarativas no pretérito composto (holandês)

Je had me gebeld. (negritos nossos)

(‘Você tinha me ligado’).

Segundo Duinhover, sentenças como (19) devem ser compreendidas como um comando, mas um comando sem sucesso, uma vez que o momento da execução já passou. O autor aponta que são formas usadas para marcar uma reprovação ou repreensão diante de um desejo não realizado. Duinhover também aponta que outros autores também descreveram esse tipo de construção do holandês em termos semelhantes a esses (embora sem necessariamente se comprometer com o status realmente imperativo). Segundo Overdiep e Van Es (1949OVERDIEP, Gerrit Siebe; van ES, Gustaaf Amandus. 1949. Stilistische grammatica van het moderne Nederlandsch. Zwolle: Tjeenk Willink.: 506, apud DUINHOVER, 1995DUINHOVER, A. M. 1995. Had gebeld! De irreële imperatief. Tijdschrift voor Nederlandse Taal en Letterkunde [Jornal de Língua e Literatura Holandesas], v. 111, p. 346-364.: 347) “Um dos sentidos da forma imperativa também pode estabelecer uma relação com o pretérito: sua função, no entanto, não é uma ordem, mas uma censura, direcionada ao interlocutor, quanto a uma omissão” (tradução nossa)15 15 No original: “Een zin van imperatieven vorm kàn ook betrekking hebben op den verleden tijd: zijn functie is dan echter niet een bevel, maar een verwijt over een verzuim, gericht tot de aangesproken persoon” (OVERDIEP; van ES, 1949: 506). . E, de acordo com Van Es (1966van ES, Gustaaf Amandus. 1966. Nederlandse syntaxis in klein bestek. Zwolle: Tjeenk Willink .: 149, apud DUINHOVER, 1995DUINHOVER, A. M. 1995. Had gebeld! De irreële imperatief. Tijdschrift voor Nederlandse Taal en Letterkunde [Jornal de Língua e Literatura Holandesas], v. 111, p. 346-364.: 347). “A função não é mais imperativa, mas a expressão modal de uma reprovação” (tradução nossa).16 16 No original: “De functie [is] niet meer imperativisch, doch de modale uitdrukking van een verwijt’ (van ES, 1966: 149). De Vooys e Schönfeld (1967De VOOYS, Cornelis G. N.; SCHÖNFELD, M. 1967. Nederlandse spraakkunst. 7 ed. Groningen: Wolters.: 158) apontam que a ausência de sujeitos nesse tipo de sentença lembra a construção imperativa. Duinhover (1995DUINHOVER, A. M. 1995. Had gebeld! De irreële imperatief. Tijdschrift voor Nederlandse Taal en Letterkunde [Jornal de Língua e Literatura Holandesas], v. 111, p. 346-364.) aponta que esse tipo de sentença é recente na história do holandês, tendo sido documentada há não mais do que cem anos.

A função discursiva desse tipo de sentença do holandês difere dos dados de imperativos “present perfect” direcionados ao passado do inglês, vistos na seção anterior, e se assemelha bastante ao uso dos imperativos pretéritos do PB apresentados em (1)17 17 Possivelmente, também são semelhantes ao dado de Davies (1986) de imperativo presente em (17), que recebe interpretação pretérita ao ser coordenado com uma declarativa. (17) não é usado como reprimenda, mas ainda assim é um tipo de comando cuja execução falha, por se referir a um momento anterior à fala. . Inclusive, a melhor tradução ao português para os exemplos dados em (19) seria através do uso do subjuntivo pretérito matriz, como em (21).

(21) a. Ligasse!

b. Lavasse!

Um aspecto curioso, porém, é que o holandês faz uso de um tempo perfeito neste tipo de sentença, ao ponto de Duinhover dizer que esses dados seriam uma espécie de “imperativo mais-que-perfeito” (imperatief van het plusquamperfectum, em suas próprias palavras). Já as sentenças com função equivalente no PB possuem um tempo verbal que é subjuntivo, não indicativo. Mais do que isso, envolvem o pretérito do subjuntivo, que é considerado um tempo imperfectivo.

3. Subjuntivos pretéritos matrizes do PB como imperativos passados

Depois de vermos um panorama sobre a relação entre imperativos e o tempo pretérito em diversas línguas, voltamos agora aos dados do PB. Como apontamos antes, há no PB um tipo de sentença em que o pretérito do subjuntivo ocorre em orações matrizes para expressar uma espécie de comando direcionado ao passado, como em (1) e (21).

Pela própria impossibilidade de se dar uma ordem que retroaja ao passado, esse tipo de sentença não tem a interpretação de uma ordem a ser executada, mas de uma reclamação ou censura em relação a um comportamento que não foi seguido pelo ouvinte.

Assim como os imperativos presentes, os imperativos pretéritos têm uma tendência a ocorrerem com o sujeito nulo, apesar de o sujeito nulo ser cada vez menos frequente em sentenças declarativas e interrogativas do PB. A presença do sujeito tende a ser inadequada nas sentenças em discussão, a não ser em contextos que possibilitem a leitura de sujeito contrastivo. Nesse caso, o sujeito tende a ocorrer em posição pós-verbal, como em (22), como também ocorre em imperativos presentes com sujeito contrastivo (cf. CAVALCANTE; SIMIONI, 2015CAVALCANTE, Rerisson; SIMIONI, Leonor. 2015. A ordem VS em sentenças imperativas do português brasileiro. Revista Letrônica, Porto Alegre, v. 8, n. 2, julho-dezembro de 2015, p. 304-315.).

(22) A: Poxa, Maria, fizesse o almoço!

B: Fizesse o almoço você! (Eu não sou sua empregada...)

Como comentamos antes, esses dados não se comportam como os imperativos passados formados a partir do present perfect do inglês. Os dados do inglês, como apontam Jary e Kissine (2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.), só podem ser usados em situações em que o falante não sabe ainda qual é o estado do mundo no que diz respeito à situação expressa no imperativo. Nos dados do PB, o falante necessariamente sabe que a declarativa correspondente ao imperativo pretérito tem valor de verdade falso. Ou seja, (1b), repetida aqui em (23), só é adequada em um contexto em que o falante saiba ou acredite que (23b) é o caso. Da mesma forma, uma sentença como (1c), repetida aqui em (24a), só é adequada em um contexto em que o falante saiba ou acredite que (24b) é o caso.

(23) a. Ligasse antes (de vir)!

b. Você não ligou antes (de vir).

(24) a. Não corresse (tanto)!

b. Você correu/corre muito.

Nessa característica, os subjuntivos pretéritos matrizes se encaixam perfeitamente na caracterização de Rooryck (1995ROORYCK, Johan. 1995. Restricting relativized minimality: the case of Romance clitics. In: AMASTAE, Jon; GOODALL, Grant; MONTALBETTI, M.; PHINNEY, M. (org.) Contemporary Research in Romance Linguistics: papers from the XXII Linguistic Symposium on Romance Languages. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 333-354.) de imperativos como [-realized], o que mostra que a análise de Rooryck, na verdade, não exclui a possibilidade de haver imperativos passados nas línguas.

Por outro lado, imperativos presentes tendem também a ser usados em contextos em que o estado do mundo é oposto ao do conteúdo do imperativo, mas exceções a isso são possíveis. Por exemplo, um imperativo presente negativo como “Não abra a porta!” pode ser enunciado em uma situação em que “você abriu a porta” é falsa, situação oposta ao que ocorre em (24). Já “Não abrisse a porta!” é necessariamente uma reclamação a alguém que tenha, de fato, aberto a porta.

Esse quadro mostra que os imperativos presentes são irrealis, ao passo que os imperativos pretéritos são contrafactivos.

Outra característica dos imperativos pretéritos é que eles são sensíveis à distinção dinâmico-estativo. Predicados estativos assumem uma interpretação dinâmica, agentiva, como mostra (1d), repetido aqui em (25a). Isso pode ser visto no fato de que (25a) pode ser parafraseada por (25b), com o verbo agentivo agir substituindo ser. Nesse ponto, os imperativos pretéritos também se comportam como os imperativos presentes, que também tendem a ser incompatíveis com predicados puramente estativos.18 18 As exceções a isso, como os good wishes, são citadas na seção 4.1.

(25) a. Não fosse tão idiota!

b. Não agisse como idiota!

Um ponto, porém, em que imperativos pretéritos diferem dos imperativos presentes é na aceitabilidade com o advérbio nunca. Imperativos presentes aceitam facilmente a negação através de nunca, como em (26), com a característica curiosa de que, nesses casos, há uma forte tendência ao uso da forma subjuntiva (presente) ao invés da indicativa (cf. CAVALCANTE, 2011CAVALCANTE, Rerisson. 2011. Negative Imperatives in Portuguese and Other Romance Languages. In: HERSCHENSOHN, Julia (org.). Romance Linguistics 2010: Selected papers from the 40th Linguistic Symposium on Romance Linguistics (LSRL), Seattle, Washington, March 2010.).19 19 Já quando a negação do imperativo ocorre com o não, as duas formas supletivas, a derivada do indicativo e a do subjuntivo, são aceitas no PB. Isso difere da situação do PE, em que qualquer negação de imperativos exige a forma subjuntiva. (i) Não faz/faça isso! / Nunca faça isso! / #Nunca faz isso! (PB) (ii) Não/nunca faças isso! / *Não/nunca faz isso! (PE) O leitor deve lembrar que o PE não forma imperativos supletivos com o indicativo. Ao invés disso, possui imperativos verdadeiros, morfologicamente distintos, como vimos na seção 2.1. Sobre a diferença de comportamento entre o PB e o PE quanto ao não e ao nunca, vide Cavalcante (2011). Os imperativos pretéritos, por outro lado, mesmo sendo formados com o subjuntivo, são inaceitáveis com o advérbio nunca, como em (27). O que faz com que os imperativos presentes, quando negados por nunca, exijam o subjuntivo, mas os imperativos pretéritos subjuntivos não aceitem o nunca? Cremos que esse comportamento distinto deriva do fato de que os imperativos pretéritos são necessariamente contrafactivos, embora esse ponto precise ser mais bem desenvolvido.

(26) a. Nunca corra muito na estrada!

b. Nunca ligue para mim!

(27) a. #Nunca corresse tanto!

b. #Nunca ligasse antes de vir!

Quanto ao caráter contrafactivo dos imperativos pretéritos do PB, Bosque (1980BOSQUE, Ignacio. 1980. Retrospective imperatives. Linguistic Inquiry, v. 11: 415-19.) aponta que, em espanhol, a forma infinitiva do verbo também pode ser usada como um tipo de imperativo contrafactivo direcionado ao passado, que o autor chama de retrospective imperatives, que curiosamente também servem para expressar reprimendas, como exemplificado em (28).

(28) A: Siento mucho llegar tan tarde.

B: Haber salido antes de casa.

(BOSQUE, 1980BOSQUE, Ignacio. 1980. Retrospective imperatives. Linguistic Inquiry, v. 11: 415-19., p. 417)

Todos os dados do espanhol apresentados por Bosque possuem uma perífrase verbal com um verbo auxiliar haber no infinitivo e o verbo principal no particípio passado. Nisso, os dados do PB (e os do holandês) diferem dos de Bosque por serem sentenças claramente finitas.

Diante desses fatos, a pergunta que fica é se as sentenças subjuntivas pretéritas matrizes devem realmente ser consideradas como imperativas ou se devem ser vistas como pertencentes a outro tipo sentencial.

Na seção 4, tentaremos responder a essa dúvida, analisando possíveis contra-argumentos à nossa hipótese e apresentando mais características dessa construção do português,

4. Os subjuntivos pretéritos matrizes são realmente imperativos pretéritos?

Na seção anterior, fizemos uma descrição das propriedades formais e pragmáticas das sentenças matrizes com o pretérito do subjuntivo no PB. Entretanto, o reconhecimento de propriedades específicas desse tipo de sentença não indica necessariamente que elas seriam, de fato, construções imperativas como estamos propondo. Nesta seção, discutiremos alguns possíveis contra-argumentos à nossa hipótese e mostraremos que outras opções de análise falham em capturar as propriedades dessa construção.

4.1. Primeira objeção: (im)possibilidade de direcionar ordens ao passado

A primeira objeção possível à nossa hipótese (de que os subjuntivos pretéritos matrizes seriam sentenças imperativas) é a ideia tradicional de que é impossível dar ordens sobre o passado. Imperativos seriam tipos sentenciais intrinsecamente direcionados ao futuro, pois são comandos, e comandos só podem ser executados depois de serem enunciados.

Por trás dessa objeção se encontra o equívoco de se assumir que a única função dos imperativos é dar ordens ou comandos. Apesar de essa ser a sua função mais proeminente, os imperativos executam vários outros tipos de atos de fala. Dentre estes atos de fala, estão incluídos aqueles que não são ordens em si, mas que têm uma relação muito clara com estas, como pedidos e permissões, como em (29).

(29) a. Me passe o sal, por favor.

b. Se você não gostar do presente, me avise, tá?

c. Let me explain what happened (...) (JARY; KISSINI, 2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.: 61)

d. Deixe eu te contar uma coisa!

Mas os imperativos também expressam funções que não têm nenhum valor diretivo sobre o ouvinte, ou seja, situações em que o ouvinte/sujeito do imperativo não tem controle sobre a ação expressa pelo predicado, como nos casos em que o falante expressa votos positivos ou negativos em relação ao ouvinte, como em (30) e em (31).

(30) a. Have a nice day!

b. Durma bem!

c. Tenha bons sonhos!

d. Vá/fica com Deus!

(31) a. Vá para a PQP/o inferno!

b. Dane-se!

c. Fuck off and die!

Outro caso relevante é o uso de imperativos em instruções de propagandas ou anúncios, como em (32), em que, mesmo havendo algum convite implícito ou explícito à ação, o comportamento a ser executado pelo ouvinte/leitor não corresponde àquele expresso pelo imperativo, que, na verdade, contém uma ação ou resultado que não está sob o controle dos interlocutores.

(32) a. Ganhe um milhão investindo apenas 99 reais!

b. Speak a new language after as little as eight weeks.

(JARY; KISSINE, 2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.: 61)

c. Receba seus produtos em casa sem pagar nada a mais por isso!

d. Viaje pelo mundo através dos nossos documentários!

Jary e Kissine (2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.) também apresentam casos de imperativos sem nenhum valor diretivo em imperativos usados em estruturas condicionais, como em (33), em que o ouvinte não tem qualquer controle sobre o estado expresso pelo imperativo. Note-se que, nos exemplos em (33a) e (33b), a situação expressa pelo imperativo não é sequer desejável nem por parte do falante nem do ouvinte.

(33) a. Catch a cold and you won’t be able to train for a week’

b. Catch a cold and you could end up with pneumonia.

c. Be rich or you won’t be respected.

d. Be tall or you won’t make it to the basketball team.

(JARY; KISSINE, 2014JARY, Mary; KISSINE, Ritchie Mikhail. 2014. Imperatives. Cambridge University Press.: 3, 111, 155)

Esses dados mostram que, apesar de os imperativos estarem ligados tipicamente ao contexto de ordens ou comandos, há vários usos dos imperativos que não se enquadram muito bem nessa caracterização. No caso dos imperativos pretéritos discutidos neste artigo, o uso deles equivale a uma função de repreensão. O ouvinte é repreendido por alguma ação ou comportamento que deveria ter adotado, mas que não adotou. Consideramos que essa função é relacionada à função prototípica de ordem ou comando. Se um comando é estabelecido em relação ao tempo anterior à enunciação, a única interpretação é de que isso seja uma reclamação pelo não-cumprimento do comando, uma vez que o ouvinte não pode voltar no tempo para executá-lo.

Defendemos que, qualquer que seja a semântica básica das sentenças imperativas, ela tem que ser compatível com o fato de que, quando direcionados ao passado, os imperativos se tornam repreensões sobre comportamentos que deveriam ter sido seguidos/adotados, mas não foram.

4.2. Segunda objeção: imperativos pretéritos como sentenças condicionais reduzidas

Outro contra-argumento que podemos imaginar à nossa hipótese é que tais construções, na verdade, seriam apenas casos de sentenças condicionais reduzidas, em que a conjunção se é omitida e em que o sujeito é nulo (provavelmente, do tipo pro). Uma sentença como (34a) seria, nessa visão, apenas uma redução da sentença condicional em (34b), como mostrado em (34c).

(34) a. Fizesse o almoço, filha!

b. Se você fizesse o almoço, filha, a gente teria o que comer agora.

c. Se pro fizesse o almoço (...)

Entretanto, a análise de (34a) como um tipo de sentença condicional reduzida apresenta vários problemas. Em primeiro lugar, seria preciso explicitar uma motivação para o apagamento da conjunção, especialmente considerando que o PB não tem apagamentos de conjunções em subordinadas em outros contextos.

Em segundo lugar, é preciso considerar a diferença de status entre os dois tipos de construções. As condicionais funcionam como sentenças subordinadas, claramente dependentes de outra oração, que funciona como a principal. Os imperativos pretéritos, por outro lado, não são dependentes de outras sentenças, ocorrendo facilmente como única oração. Os imperativos pretéritos, ao contrário, são fortemente dependentes do contexto comunicativo imediato, algo que as condicionais não são.

Além disso, quando se introduz outra oração expressando as consequências possíveis da ação (que toma a forma indicativa), esta aparece sob a forma de coordenação ao imperativo pretérito, não de subordinação, como mostram os dados em (35), em que o elemento coordenador é “e”.

(35) a. Fizesse o almoço e a gente não estaria com fome agora!

b. Ligasse antes e eu lhe avisava que não estava em casa!

c. Não corresse tanto e você não levaria a multa!

d. Não fosse tão idiota e isso não teria acontecido!

Note-se que esse tipo de coordenação entre a condicional e a consequente não é possível nas sentenças condicionais com a conjunção se.

(36) a. *Se você fizesse o almoço e a gente não estaria com fome agora!

b. *Se você ligasse antes e eu lhe avisava que não estava em casa!

c. *Se você não corresse tanto e você não levaria a multa!

d. *Se você não fosse tão idiota e isso não teria acontecido!

Em terceiro lugar, os imperativos pretéritos também permitem a coordenação de sentenças explicativas, como em (37) e (38), o que reforça o status da construção como sentenças realmente matrizes.

(37) Ligasse antes de vir...

a. que eu lhe avisava que eu tinha saído!

b. porque às vezes eu trabalho à noite!

c. já que na outra vez a gente já tinha se desencontrado!

(38) Não corresse tanto...

a. que você não levaria multa!

b. porque tem muito radar naquela pista!

c. pois é perigoso / você já tem muitos pontos na carteira!

As sentenças condicionais introduzidas por se não permitem esse tipo de coordenação, como mostram os dados em (39) e (40).

(39) Se você ligasse antes de vir...

a. * que eu lhe avisava que eu tinha saído!

b. * porque às vezes eu trabalho à noite!

c. * já que na outra vez a gente já tinha se desencontrado!

(40) Se você não corresse tanto...

a. * que você não levaria multa!

b. * porque tem muito radar naquela pista!

c. * pois é perigoso / você já tem muitos pontos na carteira!

Além disso, esse comportamento dos imperativos pretéritos com a coordenação é paralelo ao comportamento dos imperativos presentes, como em (41) e (42), que também podem ser coordenados com declarativas (cf. também (17)).

(41) Ligue/liga antes de vir...

a. e eu lhe aviso!

b. que eu lhe avisava!

c. porque às vezes eu trabalho à noite!

d. já que na outra vez a gente se desencontrou!

(42) Não corra tanto...

a. e você não leva multa!

b. que você não levaria multa!

c. porque tem muito radar nessa pista!

d. pois é perigoso/ você já tem muitos pontos na carteira!

Além disso, considerar os subjuntivos pretéritos matrizes como condicionais reduzidas também não explica a restrição que ocorre com predicados estativos, algo típico de sentenças imperativas e que simplesmente não ocorre com condicionais.

Por causa dessas diferenças de comportamento, consideramos que os subjuntivos pretéritos matrizes não podem ser analisados como casos de condicionais reduzidas, mas devem ser considerados como imperativos pretéritos.

Todavia, consideramos a hipótese de que esses imperativos pretéritos podem ter se desenvolvido diacronicamente a partir das sentenças condicionais com o pretérito do subjuntivo (mas sem manter o status de condicionais), tendo assumido propriedades de sentenças matrizes independentes. Esse seria um possível ponto a se explorar em pesquisas futuras sobre o tema. Voltaremos a esse ponto na conclusão.

4.3. Terceira objeção: imperativos pretéritos como sentenças subjuntivas

Um terceiro contra-argumento possível à nossa hipótese está relacionado com o argumento anterior. Trata-se da objeção de que esses dados não poderiam ser considerados imperativos, pois não são formas exclusivas para a expressão desse modo, mas emprestadas diretamente do subjuntivo e de um tempo pretérito. Ou seja, essas sentenças seriam simplesmente subjuntivas e não impera­tivas.

Esse contra-argumento parte do pressuposto de que o imperativo é um modo verbal e não um modo sentencial. Como vimos anteriormente (seção 2.1), há, de fato, diversas línguas em que o verbo imperativo tem uma forma morfológica que se opõe à forma do verbo indicativo e subjuntivo, mas o imperativo como modo ou tipo sentencial não se define por oposição às formas verbais indicativas e subjuntivas, e sim aos tipos sentenciais declarativo, interrogativo e exclamativo.

Em outras palavras, assim como um verbo no indicativo pode ocorrer em sentenças declarativas, interrogativas, exclamativas e imperativas, também um verbo no subjuntivo pode, em princípio, ocorrer em declarativas, interrogativas, exclamativas e imperativas, sem negar o status morfológico nem o tipo sentencial.

Há também diversas línguas que não possuem formas verbais dedicadas exclusivamente ao imperativo, mas nas quais ainda assim é possível reconhecer o imperativo como um tipo sentencial próprio, com base em outras propriedades sintáticas que este exibe, como mudança de ordem de constituintes, omissão do sujeito, sensibilidade a outros tipos de morfemas ou constituintes.

Adicionalmente, é preciso lembrar que o próprio verbo imperativo presente no PB não constitui mais uma forma exclusiva, como era em fases anteriores da língua e como ainda o é no português europeu. O PB faz sentenças imperativas por formas supletivas, emprestadas ou do indicativo ou do subjuntivo, como mostram os exemplos em (43), com grande variação dialetal na forma preferencial (subjuntivo mais produtivo no Nordeste; indicativo mais produtivo no Sul e Sudeste, por exemplo). No caso de alguns verbos irregulares, como ser e estar, a forma subjuntiva é a única possível no PB para expressar o imperativo, como mostram os dados em (43d-e).

(43) a. Fale/fala alto!

b. Abra/abre a porta!

c. Saia/sai daqui!

d. Seja homem!

e. Esteja lá às dez horas!

Se o próprio imperativo presente no PB é expresso por verbos no subjuntivo (presente), o uso do subjuntivo pretérito nos dados em debate não é um contra-argumento ao seu status imperativo. Ao contrário, isso pode ser visto como um argumento a favor da análise, uma vez que o subjuntivo resiste a ocorrer em contextos matrizes, sendo as sentenças imperativas justamente um dos poucos contextos (senão o único) de exceção a essa restrição.

5. Conclusão

Como estabelecido na introdução, nossos dois objetivos neste artigo foram (i) descrever as propriedades de uma construção do PB que envolve o uso do pretérito do subjuntivo em contextos matrizes sem a presença de licenciadores e (ii) defender que esse tipo de estrutura corresponde a um imperativo pretérito. Nesta seção final, queremos tocar em dois aspectos relacionados ao status dessas sentenças como imperativas.

O primeiro ponto diz respeito ao desenvolvimento dessa estrutura. Claramente, ainda que imperativos com leituras pretéritas pareçam possíveis à luz dos dados apresentados sobre o inglês, o holandês, o espanhol e o PB, estes não são tão produtivos quanto os imperativos presentes. Uma pergunta possível, portanto, é como essa estrutura se desenvolveu no PB. Na seção 4.2, mostramos que os imperativos pretéritos possuem várias propriedades que os distinguem das sentenças condicionais, apesar do uso do subjuntivo, mas cogitamos a hipótese de que as primeiras tenham surgido a partir das segundas. Queremos agora detalhar um pouco mais essa hipótese.

Consideramos que os imperativos pretéritos descritos neste artigo podem ter se desenvolvido a partir de sentenças condicionais que envolvessem o movimento do verbo encaixado finito para o núcleo Cº, passando por sobre o sujeito. Nessa posição, o verbo dispensa a realização da conjunção se, como em (44).

(44) a. Tivesse ele se esforçado mais, teria conseguido.

b. [CPCPtivesse[TPele[T'tivesse[vPele[VPse esforçado mais...

Sentenças como (44a) ainda não possuem as mesmas características dos imperativos pretéritos discutidos nesse artigo, mas já possuem o traço contrafactivo e o potencial de serem usadas para reprimendas. Por outro lado, frases desse tipo possuem um sabor arcaico para os falantes brasileiros atuais, devido à inversão entre sujeito e verbo, uma vez que o PB atual perdeu o movimento Iº para Cº. A hipótese de que os imperativos pretéritos tenham surgido a partir de sentenças como (44a) pressupõe que essa estrutura tenha passado por alguma reanálise em que o verbo foi reinterpretado como ocorrendo numa posição mais baixa do que o CP. Isso pode ter sido favorecido pela omissão do sujeito no contexto de segunda pessoa. Sem o sujeito, não há mais evidência suficiente para as novas gerações considerarem que essas sentenças envolvem movimento do verbo para CP.

O segundo ponto a considerar nessa conclusão é como os imperativos pretéritos poderiam ser encaixados em uma teoria mais geral sobre os imperativos, considerando que eles possuem uma característica inesperada para um tipo sentencial cuja função prototípica é a de expressar comandos.

Mais especificamente, como esses pretéritos poderiam ser incorporados a uma abordagem pragmática formal que descreva as sentenças imperativas em termos de contribuições à To Do List dos interlocutores? Nesse tipo abordagem, enquanto as declarativas denotariam proposições que, no andamento da conversação, são adicionadas ao Common Ground dos interlocutores, os imperativos denotariam propriedades. A contribuição de um imperativo (presente/futuro) à conversação seria adicionar uma propriedade ao To Do List do ouvinte.

Os imperativos pretéritos aqui descritos, a princípio, seriam estranhos a esse modelo, pois esse tipo de sentença não expressa um comando ou ordem a ser executada pelo ouvinte, mas se refere a um comportamento que ele não adotou. Não faria sentido, portanto, considerá-los como elementos que adicionam propriedades à To Do List do ouvinte.

Porém, esses comportamentos anteriores não adotados (a que os imperativos pretéritos se referem) são tratados como comportamentos que deveriam ter sido adotados. É como se os imperativos pretéritos recuperassem elementos que já estavam incluídos anteriormente ao To Do List do ouvinte (ou que o falante, ao menos, trata como se estivessem incluídos). Diante disso, gostaríamos de sugerir que os imperativos pretéritos poderiam ser incorporados numa análise pragmática formal dos imperativos, se assumirmos que os imperativos não envolvem apenas adicionar propriedades à To Do List, mas abrangem qualquer tipo de manipulação de elementos do To Do List. O desenvolvimento deste ponto, entretanto, foge ao escopo deste artigo.

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  • 3
    Agradecemos ao professor Heitor Reis de Oliveira por nos apontar a existência desse tipo de dados.
  • 4
    É possível que exista uma variação dialetal no Brasil quanto à aceitabilidade dessa construção, especialmente considerando que há regiões em que o subjuntivo é frequentemente substituído pelo indicativo. Falantes nordestinos consultados julgaram dados desse tipo aceitáveis e bastante naturais. Uma falante gaúcha também não apenas julgou a construção como aceitável como reconheceu que a utilizava em alguns contextos. Mas não houve, para este trabalho, uma investigação sistemática da aceitabilidade e distribuição contextual em vários dialetos. A maior parte dos julgamentos se refere aos dialetos dos autores: da capital e do interior da Bahia. Um parecerista anônimo, entretanto, julgou parte dos dados como agramaticais. A comparação de julgamentos de dialetos diferentes do PB seria um prosseguimento natural da pesquisa.
  • 5
    O parecerista citado na nota anterior apontou que só considera (1d) aceitável se houver uma continuação do seguinte tipo: “(se) não fosse tão idiota, teria suspeitado da carta”. Nesse caso, a sentença subjuntiva se torna uma condicional com o “se” apagado. Tratamos das diferenças entre as sentenças em (1) e as condicionais na seção 4.2, mas, quanto ao exemplo sugerido, em nosso próprio julgamento, há uma diferença grande em relação a (1d) não só no contexto de uso, mas também na entonação.
  • 6
    Um advérbio como talvez é capaz de licenciar um subjuntivo numa sentença matriz, mas, nos dados em questão, esse advérbio não pode ocorrer sem alterar o significado e a função discursiva das frases.
  • 7
    Câmara Jr. adota a posição ainda mais peculiar de considerar o imperativo como uma subdivisão do subjuntivo, que ele chama de “subjuntivo não subordinado”, afirmando que “o imperativo, como já vimos, não é mais que um subjuntivo sem o elo da subordinação sintática” (CÂMARA JR, 1970CÂMARA JR, Joaquim Mattoso. 1970. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes., p. 101).
  • 8
    No caso do verbo to be, a coincidência de formas é apenas com o infinitivo (sem o to) e o subjuntivo be usado em poucos contextos, já que as formas do indicativo são am e are.
  • 9
    Mas isso também significa que o uso de outros tipos sentenciais para fazer pedidos ou ordens de modo indireto (por exemplo, “Pode me passar o sal?” e “Você não vai atender o telefone?”) não serão consideradas imperativas, pois pertencem formalmente ao tipo sentencial interrogativo.
  • 10
    As línguas examinadas pelo autor abrangem “Gótico, latim, grego, lituano, russo, polonês, tcheco, servo, céltico, armênio, persa, sânscrito, islandês, sueco, dinamarquês, holandês, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol, português e todas as demais línguas indo-europeias, bem como todas as línguas semíticas, hebreu, sírio, árabe, egípcio, quinze línguas uralo-altaicas e vinte línguas africanas” (ROSENSTOCK-HUESSY, 1981ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. 1981. The Origin of Speech. Norwich: Argo Books., p. 51).
  • 11
    Palmer (2001PALMER, Frank R. 2001. Mood and Modality. Cambridge: Cambridge University Press . : 151, 157-158, 180) e Mithun (1999: 153-154) também discutem esse fato.
  • 12
    É mais preciso dizer que o tempo dos imperativos é restrito ao tempo não-passado” (tradução nossa).
  • 13
    Sentenças infinitivas com marcação excepcional de Caso se comportariam como as gerundivas.
  • 14
    Um parecerista anônimo afirma que considera que os dados em (9) se tornam aceitáveis em um contexto apropriado. De fato, não exploramos em mais detalhes as possibilidades dessa construção, que foge ao escopo desse artigo.
  • 15
    No original: “Een zin van imperatieven vorm kàn ook betrekking hebben op den verleden tijd: zijn functie is dan echter niet een bevel, maar een verwijt over een verzuim, gericht tot de aangesproken persoon” (OVERDIEP; van ES, 1949OVERDIEP, Gerrit Siebe; van ES, Gustaaf Amandus. 1949. Stilistische grammatica van het moderne Nederlandsch. Zwolle: Tjeenk Willink.: 506).
  • 16
    No original: “De functie [is] niet meer imperativisch, doch de modale uitdrukking van een verwijt’ (van ES, 1966van ES, Gustaaf Amandus. 1966. Nederlandse syntaxis in klein bestek. Zwolle: Tjeenk Willink .: 149).
  • 17
    Possivelmente, também são semelhantes ao dado de Davies (1986DAVIES, Eirlys. 1986. The English Imperative. Beckenham: Croom Helm.) de imperativo presente em (17), que recebe interpretação pretérita ao ser coordenado com uma declarativa. (17) não é usado como reprimenda, mas ainda assim é um tipo de comando cuja execução falha, por se referir a um momento anterior à fala.
  • 18
    As exceções a isso, como os good wishes, são citadas na seção 4.1.
  • 19
    Já quando a negação do imperativo ocorre com o não, as duas formas supletivas, a derivada do indicativo e a do subjuntivo, são aceitas no PB. Isso difere da situação do PE, em que qualquer negação de imperativos exige a forma subjuntiva.
    (i) Não faz/faça isso! / Nunca faça isso! / #Nunca faz isso! (PB)
    (ii) Não/nunca faças isso! / *Não/nunca faz isso! (PE)
    O leitor deve lembrar que o PE não forma imperativos supletivos com o indicativo. Ao invés disso, possui imperativos verdadeiros, morfologicamente distintos, como vimos na seção 2.1. Sobre a diferença de comportamento entre o PB e o PE quanto ao não e ao nunca, vide Cavalcante (2011CAVALCANTE, Rerisson. 2011. Negative Imperatives in Portuguese and Other Romance Languages. In: HERSCHENSOHN, Julia (org.). Romance Linguistics 2010: Selected papers from the 40th Linguistic Symposium on Romance Linguistics (LSRL), Seattle, Washington, March 2010.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2019
  • Aceito
    05 Mar 2020
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