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Aquisição de acento de palavra do inglês por falantes de português brasileiro

The acquisition of English word stress by native speakers of Brazilian Portuguese

RESUMO

Este artigo trata da aquisição do acento primário do inglês por falantes de português brasileiro. O objetivo é observar se falantes não nativos conseguem modificar a noção de sílaba pesada do português (equivalente a sílaba com rima ramificada) para a do inglês (equivalente a núcleo ramificado). Os resultados indicaram que o nível de proficiência é significante, mas que o segmento da sílaba final e a possibilidade de epêntese afetam ainda mais os resultados. Os resultados nos permitem defender que, apesar da grande influência da L1 nos níveis de proficiência iniciais, a reparametrização (nos moldes de Chomsky 1982Chomsky, N. (1982). Principles and parameters in syntactic theory. In N. Hornstein, & D. Lightfoot (Eds.), Explanation in linguistics: The logical problem of language acquisition. (pp. 32-75). Longman.) é possível.

Palavras-chave:
acento primário; sílaba; aquisição fonológica; segunda língua

ABSTRACT

This article looks at the acquisition of English primary stress by Brazilian Portuguese speakers. The aim is to see if non-native speakers can change the notion of heavy syllable in Portuguese, which is equivalent to a branched rhyme, to that of English, which is equivalent to a branched nucleus. The results indicated that the proficiency level is significant, but the segment of the final syllable and the possibility of epenthesis affect the results even more. Our findings allow us to argue that despite the influence of the first language at the beginning of the learning process, reparametrization is possible.

Keywords:
word stress; syllable; phonological acquisition; second language

1. Introdução

A fonologia é dos aspectos que mais chamam a atenção em um falante de segunda língua. O enraizamento fonológico da primeira língua deixa marcas - o sotaque - que são, muitas vezes, permanentes. No caso de falantes brasileiros de inglês como segunda língua, por exemplo, é comum o acréscimo de uma epêntese no final de palavras terminadas em oclusiva (como em cab [‘kæ bi]) e a não realização da distinção entre vogais longas e curtas (como em leave [li:v] vs. live [lɪv]), o que não só afeta a estrutura silábica da língua-alvo, mas também traz consequências para a posição do acento de palavra. Este artigo busca investigar se essas características podem ser, em algum momento, adquiridas no processo de aquisição de língua estrangeira e, mais especificamente, se os resultados encontrados podem ser usados como evidência de que a marcação paramétrica pode ser modificada.

2. A aquisição de L2 por reparametrização

Dentro do modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1986Chomsky, N. (1986) Knowledge of language: Its origin, nature and use. Praeger.), várias questões se colocam sobre a aquisição de segunda língua (L2) (Klein & Marohardjorno, 1999Klein, E. & Martohardjono, G. (1999). Investigating second language grammars: Some conceptual and methodological issues in generative SLA research. In E. Klein, & G. Martohardjono (Eds.), The development of second language grammars: A generative approach (pp.3-36). John Benjamins. https://doi.org/10.1075/lald.18.02kle.
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): os princípios da gramática universal restringem a aquisição de L2? A remarcação paramétrica é possível? A aquisição de L2 parte da gramática universal ou da seleção já marcada da língua materna (L1)?

A Gramática Universal (GU) é proposta como um sistema inato de princípios universais, o que justifica as semelhanças entre as línguas. Para justificar as diferenças entre elas, Chomsky (1982Chomsky, N. (1982). Principles and parameters in syntactic theory. In N. Hornstein, & D. Lightfoot (Eds.), Explanation in linguistics: The logical problem of language acquisition. (pp. 32-75). Longman.) propõe que esses princípios universais estariam relacionados a parâmetros, que variam entre as línguas e ocasionam tanto diferença entre as línguas quanto mudança em uma mesma língua. Nessa visão, o valor de um determinado parâmetro é marcado através da evidência linguística a que a criança tem acesso e, assim, a gramática é “construída” conforme os valores dos parâmetros são fixados no processo de aquisição, os quais geralmente têm caráter binário. Os parâmetros fonológicos mais discutidos até o momento são os parâmetros métricos (ou parâmetros do acento). De acordo com Hayes (1995Hayes, B. (1995). Metrical stress theory: Principles and case studies. The University of Chicago Press.), há princípios relacionados ao tamanho da unidade (pé) que recebe o acento; à posição do acento no pé; à sensibilidade por sílabas com determinadas estruturas (conhecidas por sílabas pesadas) - e neste caso, qual a estrutura dessas sílabas. Línguas como o inglês, por exemplo, consideram sílabas com núcleo ramificado como pesadas, enquanto sílabas com núcleo simples são consideradas leves.

Segundo White (2003White, L. (2003). Second language acquisition and universal grammar. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511815065.
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), a aquisição de propriedades complexas e abstratas da gramática que não estão explícitas no input da L2 são uma evidência de que a GU continua operante na aquisição de L2. Essa evidência, contudo, não seria suficiente, já que o aprendiz poderia estar utilizando a gramática da L1 como base para a aquisição. Assim, os casos em que o aprendiz consegue adquirir propriedades que não poderiam ser adquiridas nem somente pelo input e nem a partir da gramática da L1 seriam a maior evidência a favor do funcionamento da GU na aquisição de L2.

Assumindo que a aquisição de L2 é influenciada não só pela L1, mas também pela GU, uma série de estudos utilizam a teoria de princípios e parâmetros para investigar a aquisição fonológica de segunda língua. Archibald (1992Archibald, J. (1992). Transfer of L1 parameter settings: Some empirical evidence from Polish metrics. Canadian Journal of Linguistics 37, 301-340. https://doi.org/10.1017/S0008413100019903.
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, 1993aArchibald, J. (1993a). Language learnability and L2 phonology: The acquisition of metrical parameters. Kluwer.,bArchibald, J. (1993b). The learnability of English metrical parameters by adult Spanish speakers. International Review of Applied Linguistics 31, 129-42. https://www.proquest.com/openview/ed9f288003e55cf5429b65ce91fabd21/1?pq-origsite=gscholar&cbl=1816531 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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), por exemplo, analisou a aquisição do acento do inglês por falantes de polonês, espanhol e húngaro, através de tarefas de percepção e de produção. Os resultados apontaram que os aprendizes, de modo geral, apresentaram uma boa taxa de acertos nas tarefas de atribuição do acento em palavras do inglês, apesar de também apresentarem influência de suas respectivas línguas maternas. O autor então conclui que a gramática desses aprendizes de L2 reflete princípios da GU, marcação correta de parâmetros e marcação incorreta dos parâmetros na L1 na L2 (resultado de transferência). Em suma, o autor defende que a gramática de aprendizes de L2 adultos não viola os princípios métricos universais e, ainda, que os adultos são capazes de modificar os valores dos parâmetros da sua L1 através do input da L2 (Archibald, 2014Archibald, J. (2014) (Ed). Phonological acquisition and phonological theory. Psychology Press.).

3. A relação entre sílaba e acento

A sílaba é considerada por muitos teóricos (e.g. Selkirk, 1982Selkirk, E. (1982). The syllable. In H. van der Hulst, & N. Smith (Eds.), The structure of phonological representations - part II (pp. 337-383). Foris Publication.; Nespor & Vogel, 1986Nespor, M., & Vogel, I. (1986). Prosodic phonology. Foris Publications. ) como o constituinte mais baixo na hierarquia prosódica. Uma sílaba consiste em um ataque e uma rima, que é formada por um núcleo e uma coda. Qualquer desses nós pode ser vazio, exceto o núcleo. Assumimos aqui a organização silábica proposta por Selkirk (1982Selkirk, E. (1982). The syllable. In H. van der Hulst, & N. Smith (Eds.), The structure of phonological representations - part II (pp. 337-383). Foris Publication.) - cf. Figura 1. 3 3 Para análises alternativas, cf. Itô 1986, Bisol 1989, Zec 1995, Collishonn 1996.

Em uma palavra como cat, por exemplo, a consoante [k] seria o onset, a vogal [æ] o núcleo e o [t] a coda. Embora haja diferenças de preenchimento devidas a especificidades linguísticas, há também aspectos mais universais. Observa-se, por exemplo, que a estrutura silábica obedece a condição de sequência de sonoridade, segundo a qual o elemento mais sonoro sempre constituirá o núcleo da sílaba e será precedido/seguido por elementos com sonoridade crescente em direção ao núcleo e decrescente em direção à coda (Clements, 1990Clements, G. (1990). The role of the sonority cycle in core syllabification. In J. Kingston, & M. Beckman (Eds.), Papers in laboratory phonology (pp. 283-333). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511627736.017.
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).

Figura 1
Estrutura silábica

Goldstein, Chitoran & Selkirk (2007Goldstein, L., Chitoran, I., & Selkirk, E. (2007). Syllable structure as coupled oscillator modes: Evidence from Georgian vs. Tashlhiyt Berber. Proceedings of the XVIth international congress of phonetic sciences 16, 2153-2156. https://sail.usc.edu/~lgoldste/ArtPhon/Papers/Week%2011/TB-G_rev_all_jun11.pdf (acesso 14 de dezembro, 2021).
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), ao discutirem propriedades universais em relação à sílaba, afirmam que (1) sílabas CV são as únicas encontradas universalmente; (2) ataques podem se combinar de modo relativamente livre com o núcleo, enquanto a combinação é mais restrita entre ataques, entre codas e entre núcleos e codas; (3) consoantes em coda são em geral moraicas (pesadas) e podem influenciar o padrão métrico, enquanto consoantes no ataque raramente são consideradas para o peso silábico. Em diversas línguas o peso silábico está diretamente relacionado às regras de atribuição de acento.

Sílaba e acento no Português Brasileiro

Os padrões silábicos do português são (Collischonn 1996Collischonn, G. (1996). A Sílaba em português. In L. Bisol (Ed.), Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro (pp. 91-123). EDIPUCRS. ): V, VC, VCC, CV, CVC, CVCC, CCV, CCVC, CCVCC, VV, CVV, CCVV, CCVVC. Segundo a autora, há duas propostas de representação da sílaba do PB para dar conta dos quinze padrões silábicos apresentados: o molde CCVVCC, defendido por Câmara Jr. (1977Câmara Jr, J. M. (1977). Princípios de linguística geral. 5ª ed. Padrão.), e o molde CCVCC, defendido por Bisol (1989Bisol, L. (1989). O ditongo na perspectiva da fonologia atual. D.E.L.T.A, 5(2), 185-224.).

Essas duas propostas concordam em que os verdadeiros ditongos no PB são os decrescentes, já que os crescentes apresentam variação com o hiato (ex: suar [su.’ar] ~ [swar])4 4 Exceto [kw, gw] seguidos de a/o (ex: qual [´kwaw] ~ [*ku.’aw]), em que a sequência consoante velar + glide posterior é marcada no léxico como uma unidade monofonemática /kw/ e /gw/ (cf. Collishonn 1996). , mas diferem por permitirem ou não a ocorrência de núcleos ramificados VV no caso de ditongos decrescentes. Câmara Jr. (1977Câmara Jr, J. M. (1977). Princípios de linguística geral. 5ª ed. Padrão.) defende que ditongos VV decrescentes constituem um núcleo ramificado, já que apresentam características diferentes das observadas em sílabas VC. Bisol (1989Bisol, L. (1989). O ditongo na perspectiva da fonologia atual. D.E.L.T.A, 5(2), 185-224.), por outro lado, argumenta que formas subjacentes VV se tornam codas VC durante a silabificação.

Com relação à coda, é consenso na literatura que o PB permite as consoantes líquidas /R/ e /l/, a nasal /N/, que se realiza através do traço de nasalidade na vogal precedente, e a fricativa coronal /S/. No caso de coda ramificada, as combinações possíveis são /lS/ (ex: sols.tí.cio), /RS/ (ex: pers.pi.caz) e /NS/ (ex: mons.tro).5 5 Em palavras como compacto, apto, psicólogo e advogado, é comum a inserção de uma vogal epentética para desfazer essas sequências no PB (ex: /psi.'kɔ.lo.go/ → [pi.si.'kɔ.lo.gʊ]; /kõ.'pak.to/ → [kõ.'pa.ki.tʊ]) (cf. Câmara Jr., 1972; Collishonn, 2003).

No que diz respeito ao ataque, Câmara Jr. (1977Câmara Jr, J. M. (1977). Princípios de linguística geral. 5ª ed. Padrão.) e Bisol (1989Bisol, L. (1989). O ditongo na perspectiva da fonologia atual. D.E.L.T.A, 5(2), 185-224.) concordam com a existência de três padrões no PB: ataque vazio (ØV), quando não há o preenchimento desta posição; ataque simples (CV), com apenas uma consoante; e ataque ramificado (CCV), composto por duas consoantes. Nesses casos, a única combinação aceita no PB é a de uma consoante obstruinte + uma consoante líquida (/r/, /l/) (ex.: prato, flora).

Uma sílaba em PB pode conter no máximo cinco segmentos, não havendo ao mesmo tempo um núcleo e uma coda ramificadas (Collischonn 1996Collischonn, G. (1996). A Sílaba em português. In L. Bisol (Ed.), Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro (pp. 91-123). EDIPUCRS. ). Assim, assumindo que os nós em (1) possam ser ramificados, a estrutura proposta por Selkirk (1982Selkirk, E. (1982). The syllable. In H. van der Hulst, & N. Smith (Eds.), The structure of phonological representations - part II (pp. 337-383). Foris Publication.) claramente acomoda os tipos silábicos do português.

Em termos paramétricos, assume-se que o PB tem as seguintes marcações em (1):

(1) a. Ataque vazio: permitido (ex: [a]taque)

b. Ataque ramificado: permitido (ex: [pla]ca)

c. Núcleo ramificado: permitido (ex: ([mãw])

d. Coda ramificada: permitido (ex: [pers]pectiva)

O acento do PB é relativamente previsível: só pode recair em uma das três últimas sílabas, o que impede a existência de palavras como ÉScandalo e CÁtastrofe (Collischonn 1996Collischonn, G. (1996). A Sílaba em português. In L. Bisol (Ed.), Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro (pp. 91-123). EDIPUCRS. )6 6 As sílabas portadoras de acento primário serão destacadas em maiúscula neste artigo. . A grande maioria dos não-verbos (substantivos, adjetivos) no PB apresenta acento na penúltima sílaba (ex: traBAlho). O grupo das proparoxítonas é o mais reduzido na língua (ex.: aBÓbora). No caso de palavras terminadas em consoante final, há uma preferência na língua em acentuar a última sílaba. Segundo Bisol (2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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), 78% das palavras terminadas em consoante no Dicionário Delta Larousse são oxítonas (ex: palaDAR) e apenas 22% são paroxítonas (ex: aÇÚcar). No caso das oxítonas terminadas em vogais, a maioria das palavras são empréstimos (caFÉ, xanGÔ) e um grupo muito menor é constituído de palavras do português (aVÓ, boCÓ).

À luz da fonologia métrica, Bisol (2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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) propõe a seguinte regra para o acento primário do PB:

(2) Regra do acento primário segundo Bisol (2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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, p.307)

Domínio: a palavra lexical

i. Atribua um asterisco (*) à sílaba pesada final, i. e., de rima ramificada.

ii. Nos demais casos, forme um constituinte binário (não-iterativamente) com proeminência à esquerda, do tipo (* .), junto à borda direita da palavra.

A regra prevê que o acento do português é, portanto, sensível à sílaba pesada final, ou seja, quando a última sílaba for pesada o acento cairá preferencialmente sobre ela. Nos casos em que última sílaba não é pesada, o acento recai sobre a penúltima sílaba (ex.: meNIno). Em termos paramétricos, os parâmetros têm a marcação (cf. Santos 2001Santos, R. (2001). Aquisição do acento primário no português do Brasil. [Tese de doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. para adaptação de Bisol 2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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- manuscrito em 1992) como em (3):

(3) a. unidade de aplicação: pé com núcleo à esquerda (*.)

b. sensível à quantidade silábica: sim (ex: boNIto vs caPAZ)

c. peso silábico: rima ramificada (ex: caPAZ, irMÃO)

No entanto, há em português casos que não seguem esta regra geral. Há proparoxítonas, oxítonas leves e paroxítonas com sílabas finais pesadas. No caso das proparoxítonas, Bisol (2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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) propõe que a sílaba final é extramétrica (e.g. lápi<de>), o que permite a aplicação da regra geral apresentada em (2). Dado que a última sílaba é “invisível”, aplica-se o mesmo padrão trocaico que encontramos em paroxítonas terminadas em sílaba leve, previsto em (2-ii). No caso de palavras terminadas em sílaba pesada com acento não-final como a palavra móvel, o elemento extramétrico é a coda da sílaba final (e.g. móve<l>). Desse modo, o acento ocorrerá na penúltima sílaba, já que a sílaba final não é considerada pesada. Por fim, no caso de oxítonas terminadas em sílaba leve (ex: café),Bisol (2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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, p.314) propõe uma coda final abstrata, que torna a sílaba final pesada e atrai o acento através da regra em (2-i) (e.g. caféC). A autora assume a existência dessa consoante abstrata com base em formas derivadas como cafeteira (*cafeeira), cafezinho (*cafeinho), nas quais essa consoante emerge e, por ressilabificação, passa para a posição de ataque e se manifesta na superfície. Observe-se que os casos em que a última sílaba for leve e a penúltima sílaba for pesada, a regra prevê corretamente que o acento nunca cairá sobre a antepenúltima sílaba (ex.: caDAStro), ou seja, não há proparoxítonas se a sílaba pós-tônica não final (penúltima) tiver rima ramificada (ex. camPEStre e não *CAMpestre).

Sendo assim, pode-se afirmar que, no PB, o acento é não-marcado em paroxítonas terminadas em sílaba leve (ex.: boNIto) e oxítonas terminadas em sílaba pesada (ex.: viGOR), e é marcado em paroxítonas terminadas em sílaba pesada (ex.: FÁcil), nas oxítonas terminadas em sílaba leve (ex.: caFÉ) e nas proparoxítonas (ex.: ÁRvore).7 7 Para uma análise alternativa, cf. Lee (1995), segundo a qual o PB não é sensível ao peso silábico. No entanto, a proposta de Lee não explica porque nunca encontramos uma palavra proparoxítona em que a penúltima sílaba é pesada. O Quadro 1 resume da relação entre sílaba e acento no PB: os casos não-marcados, resultado da regra geral proposta por Bisol (2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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); e os casos marcados, que fogem à regra e são explicados através da extrametricidade.

Quadro 1
Sílaba e acento no PB

Sílaba e acento no inglês

A fonotaxe do inglês permite os seguintes padrões silábicos (Hogg & McCully 1987Hogg, R., & McCully, C. B. (1987). Metrical phonology. Cambridge University Press.:35 apud Collischonn 1996Collischonn, G. (1996). A Sílaba em português. In L. Bisol (Ed.), Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro (pp. 91-123). EDIPUCRS. :105): VC, VV, CVC, VVC, CCVC, CVV, CVCC, CVVC, CCVCC, CVVCC, CCVVC, CCVVCC. Segundo a autora, a estrutura mínima é VC ou VV, e a estrutura máxima é CCVVCC, com seis segmentos. Yavas (2006Yavaʂ, M. (2006). Applied English phonology. Blackwell Publishers.:135), por sua vez, inclui os seguintes padrões: CCCVV (ex: spray [spɹej]), VCC (ex: act [ӕkt]), VCCC (ex: busts [bʌsts]), CVCCC (ex: text [tɛkst]), CCVCCC (ex. sphinx [sfɪnks]) CCCVCC (ex: sprint [spɹɪnt]) e demonstra a possibilidade de mais estruturas silábicas possíveis se os sufixos forem considerados: CCCVCCC (ex: sprints [spɹɪnts]), CVCCCC (ex. worlds [wɝldz]) e CCVCCCC (ex. twelfths [twƐlfθs]).

A estrutura silábica proposta por Selkirk (1982Selkirk, E. (1982). The syllable. In H. van der Hulst, & N. Smith (Eds.), The structure of phonological representations - part II (pp. 337-383). Foris Publication.) permite no máximo duas consoantes no ataque, duas vogais no núcleo e duas consoantes na coda (CCVVCC). Segundo Selkirk (1982Selkirk, E. (1982). The syllable. In H. van der Hulst, & N. Smith (Eds.), The structure of phonological representations - part II (pp. 337-383). Foris Publication.), casos com mais segmentos ocorrem apenas em posição inicial ou final de palavra e devem ser caracterizados como apêndices, ou violações da estrutura silábica (cf. Figura 2). Os apêndices podem conter uma consoante ou sequência de consoantes não permitidas em posição medial. Sendo assim, a sílaba de uma palavra como sprints (CCCVCCC) seria organizada da seguinte forma:

Figura 2
Estrutura silábica para o Inglês

Em inglês, a única consoante que não ocorre em posição de ataque é /ŋ/. O fonema /ʒ/ ocorre em início de palavra apenas em estrangeirismos como genre, mas pode ocorrer em ataque medial em palavras como vi[ʒ]ion.Yavas (2006Yavaʂ, M. (2006). Applied English phonology. Blackwell Publishers.:136) ressalta que a ocorrência do fonema /ð/ em ataque em início de palavra é restrita a palavras funcionais como the, this, then, etc. Em ataques ramificados com duas consoantes, as africadas são a única classe de consoantes que não aparece nessa posição. De maneira resumida, as possíveis combinações em ataque ramificado no inglês são /s/ + C (sendo C qualquer consoante que possa assumir a posição C2, exceto /ɹ/; /ʃ/ ocorre antes de /ɹ/), e obstruinte + aproximante, com algumas restrições. Em ataques ramificados com três consoantes, a única combinação possível é C1 = /s/, C2 = plosiva desvozeada, C3 = aproximante. Apesar de essa combinação gerar 12 possibilidades, apenas 7 ocorrem na língua (ex.: spring, splash, spew, string, scrap, scrape, squeeze8 8 Segundo Yavas (2006), semivogais que precedem vogais preenchem o ataque da sílaba. ) (Yavas 2006Yavaʂ, M. (2006). Applied English phonology. Blackwell Publishers.).

A rima, assim como no português, pode ser constituída por uma vogal (ex.: card) ou um ditongo (ex.: spray), sendo o núcleo ramificado no segundo caso (cf. Hayes 1980Hayes, B. (1980). A metrical theory of stress rules. [Tese de doutorado]. Massachussets Institute of Technology. http://hdl.handle.net/1721.1/16066 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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).

O único fonema que não ocorre em posição de coda no inglês é /h/. Em codas ramificadas com duas consoantes, as combinações possíveis podem ser generalizadas como em (4):

(4) a) C1 é uma nasal e C2 é uma das obstruintes /d, z, dʒ/.

b) C1 é /s/ e C2 é uma plosiva não vozeada.

c) C1 é uma líquida (/l, ɹ/) e C2 é uma consoante, exceto /z, ʒ, ð/, sendo que a sequência /lg/ também não existe.

d) C1 é uma plosiva não-alveolar não vozeada (/p, k/) e C2 é uma obstruinte alveolar não vozeada (/t, s/), sendo que a sequência /ft/ também é permitida.

(Yavas 2006Yavaʂ, M. (2006). Applied English phonology. Blackwell Publishers.:139)

Finalmente, em codas ramificadas com três consoantes, de maneira geral, todas as combinações consistem em uma líquida ou uma nasal seguida por duas obstruintes não vozeadas (ex.: sculpt, corpse), exceto quando C1 = plosiva, C2 = fricativa, C3 = plosiva (ex.: midst /dst/, next /kst/). Em termos paramétricos, a sílaba em inglês apresenta as seguintes marcações:

(5) a. Ataque vazio: permitido (ex: [a]genda)

b. Ataque ramificado: permitido (ex: [pla]gue)

c. Núcleo ramificado: permitido (ex: (pa[pay]a, ari[zo]na)

d. Coda ramificada: permitido (ex: [apt])

Segundo Yavas (2006Yavaʂ, M. (2006). Applied English phonology. Blackwell Publishers.: 153), mais de 80% dos substantivos e adjetivos dissilábicos no inglês apresentam acento na penúltima sílaba (ex.: Agent, BAlance). Como no português, sílabas pesadas atraem o acento no inglês. Entretanto, especificamente em posição final, o peso silábico corresponde ao núcleo ramificado, isto é, uma vogal longa ou um ditongo na sílaba final (ex: bamBOO, baZAAR), ou coda complexa (ex: abSURD, coRRUPT). Sendo assim, sílabas finais com vogal curta seguida de apenas uma consoante não atraem o acento no inglês (ex: meCHAnic). Hayes (1980Hayes, B. (1980). A metrical theory of stress rules. [Tese de doutorado]. Massachussets Institute of Technology. http://hdl.handle.net/1721.1/16066 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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, 1982Hayes, B. (1982). Extrametricality and English Stress. Linguistic Inquiry 13, 227-276. https://linguistics.ucla.edu/people/hayes/papers/Hayes1982ExtrametricalityAndEnglishStress.pdf (acesso 14 de dezembro, 2021).
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), à luz da fonologia métrica, faz as previsões em (6) para o acento de substantivos:

(6) i) Se a penúltima sílaba for pesada (isto é, contém uma vogal longa9 9 Para a atribuição do acento, vogais tensas contam como longas (cf. Zsiga, 2013). ou uma consoante em posição de coda), o acento cairá sobre esta sílaba (ex: ariZOna, paPAYa, neBRASka, aGENda)

ii) Se a penúltima sílaba for leve, o acento recai sobre a antepenúltima sílaba (ex: aMErica, CAmera, CInema, CApital).

Segundo o autor, o acento do inglês segue o padrão trocaico na borda direita da palavra e, nos substantivos que seguem o padrão regular, o acento jamais cairá sobre a última sílaba porque ela é extramétrica. Assim, dependendo do padrão da penúltima sílaba, a palavra será paroxítona ou proparoxítona, conforme as previsões apontadas em (6). No caso dos dissílabos, o acento geralmente cairá sobre a penúltima sílaba, independentemente do peso da última (ex: CHAnnel, TEXtile). No caso de dissílabos como caNAL e giRAFFE, e empréstimos do Francês que fogem à regra, o acento é marcado no léxico. Em termos paramétricos, os parâmetros para atribuição de acento em não-verbos têm a seguinte marcação:

(7) a. unidade de aplicação: pé com núcleo à esquerda ( * .)

b. sensível à quantidade silábica: sim (ex: BASket vs bamBOO)

c. peso silábico: núcleo ou coda ramificados (ex: bamBOO, coRRUPT)

d. extrametricidade: sim - nomes: sílaba final

Em resumo, tanto no PB quanto no inglês, sílabas finais pesadas atraem o acento (cf. Bisol 2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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; Hayes 1980Hayes, B. (1980). A metrical theory of stress rules. [Tese de doutorado]. Massachussets Institute of Technology. http://hdl.handle.net/1721.1/16066 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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, 1982Hayes, B. (1982). Extrametricality and English Stress. Linguistic Inquiry 13, 227-276. https://linguistics.ucla.edu/people/hayes/papers/Hayes1982ExtrametricalityAndEnglishStress.pdf (acesso 14 de dezembro, 2021).
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). Entretanto, enquanto no PB o peso equivale à rima ramificada (ex: poMAR), no inglês sílabas finais com apenas uma consoante em coda não atraem o acento (ex: meCHAnic), já que o peso equivale a uma vogal longa (ex: fricaSSEE), o que constitui o núcleo ramificado, ou a duas consoantes em posição de coda (ex: abSURD). O Quadro 2 resume as semelhanças e diferenças entre o acento no inglês e no PB que interessam a esta pesquisa:

Quadro 2
Diferenças e semelhanças no acento do PB e do inglês

3. Sílaba e Acento do inglês por falantes brasileiros

A partir da descrição da estrutura silábica das duas línguas, pôde-se observar que o inglês, que permite a ocorrência de até 7 segmentos em cerca de 18 combinações de vogais e consoantes em uma mesma sílaba, apresenta estruturas muito mais complexas do que as do PB, que permite até 5 segmentos em 13 possíveis combinações. Essa diferença faz com que aprendizes brasileiros de inglês como L2 adaptem estruturas não existentes na língua materna, como na palavra breakfast. Como o PB não permite a sequência /st/ em coda, o aprendiz tende a aplicar um processo que repare a sequência para uma estrutura no PB, neste caso, a epêntese, que leva à ressilabificação. A partir dessa ressilabificação, o acento tende a recair sobre a penúltima sílaba, pois é o acento não-marcado na língua (cf. (8)):

(8) BREAK.fast ⟶ brea.ki.FAS.ti (café da manhã)

Além dos casos de epêntese, observam-se, também, casos de supergeneralização das regularidades que ocorrem no input da L2. Devido à supergeneralização da regra de acento na penúltima sílaba em substantivos no inglês, por exemplo, muitos aprendizes brasileiros acentuam a penúltima sílaba de palavras como hotel, ao invés da última, ainda que o padrão acentual para essa palavra em português seja exatamente o mesmo em inglês.

Poucos são os estudos sobre a aquisição do acento primário do inglês por falantes brasileiros. Dentre eles, destacamos Post (2010Post, A. (2010). Estratégias de reparo na atribuição do acento primário do inglês por falantes nativos de PB. [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Santa Maria. http://repositorio.ufsm.br/handle/1/9826 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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), que investigou a aquisição do acento em palavras sufixadas e não-sufixadas do inglês, assim como a investigação proposta na presente pesquisa.10 10 Trabalhos como Stander (2007) e Garcia (2012) também investigaram a aquisição do acento do inglês por falantes brasileiros, mas, diferentemente de Post (2010), se dedicaram exclusivamente à aquisição do acento em palavras sufixadas. À luz da Teoria da Otimidade, a autora investigou as estratégias de reparo aplicadas por falantes brasileiros ao padrão de acento primário do inglês durante o processo de aquisição da L2, analisando por oitiva dados de leitura de 135 palavras. No grupo de palavras não-sufixadas foram incluídos substantivos (ex: Iron), advérbios (ex: beLOW) e verbos (ex: deTEST), totalizando 27 palavras, todas compostas de duas ou três sílabas e terminadas em sílaba fechada CVC ou CVCC. Os substantivos deste grupo apresentam padrão oxítono (ex: deSSERT), paroxítono (ex: NAture) ou proparoxítono (ex: LAbyrinth). Os verbos, por sua vez, apresentam acento na última (ex: proCLAIM) ou na penúltima sílaba (ex: NURture). O único advérbio incluído no experimento foi below, o qual apresenta o padrão oxítono. Dentre as palavras sufixadas, foram incluídas palavras terminadas em vogal longa com sufixos que atraem o acento para a última sílaba (palavras terminadas em -oon, -eer, -ee, -ette, -esque, -ese, -ique, -et, - aire, -euse e -eur). A pesquisa investigou, ainda, palavras em que o sufixo não atrai e nem modifica o acento da palavra primitiva (ex: CAREless), palavras em que o sufixo modifica o acento da palavra primitiva (ex: curiOsity) e verbos e substantivos diferenciados pelo acento (ex: REcord vs. reCORD). Seus resultados apontaram que o padrão paroxítono foi empregado em 48,2% dos casos de erro no padrão acentual do Inglês, tanto em palavras sufixadas quanto não sufixadas, seguido do padrão proparoxítono (24,3% dos casos) e, por último, do padrão oxítono (21,4% dos casos). Sendo o padrão paroxítono o predominante na língua portuguesa (cf. Bisol, 2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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), a preferência desse padrão como estratégia de reparo pode, segundo a autora, ser um indicativo da influência do padrão acentual da L1 sobre a L2. A autora constatou, também, que as palavras que apresentaram o menor percentual de acertos foram aquelas em que os sufixos atraem o acento primário para a última sílaba (ex: employEE, anTIQUE), com 50% de acertos. Nessas palavras, predominou o padrão acentual paroxítono como estratégia de reparo tanto nos casos em que houve inserção de epêntese (ex: antique: /æn.'ti:k/ ⟶ [æn.'tɪ.kɪ]) quanto nos casos em que não houve (ex: /æn.'ti:k/ ⟶ ['æn.tɪk]). Não, há, até onde sabemos, uma discussão sobre a questão da parametrização e da influência da GU vs. L1 na aquisição do inglês por falantes do PB.

4. Metodologia

Para verificar se os falantes de inglês como L2 se baseiam na noção de peso silábico do PB (rima ramificada) ou do inglês (núcleo ramificado), desenvolvemos um experimento com 124 palavras divididas em duas categorias: 60 palavras com posição de coda complexa preenchida pelas plosivas [p, t, k, d] na sílaba final e 64 palavras com núcleo ramificado (vogal longa ou ditongo) na sílaba final.11 11 Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - CAAE 46139815.1.0000.5561.

O primeiro grupo de palavras nos permite observar se há uma ressilabificação por meio de epêntese (já que consoantes plosivas [p, t, k, d] não ocorrem em posição de coda silábica no PB). Consequentemente, o acento da palavra poderia ser alterado (ex: carrot - ['kæ.rət] ⟶ [kæ.'ro.tʃi). Do total de 60 palavras, 30 são palavras existentes na língua inglesa (ex: hornet, market, lizard) e 30 são logatomas terminados em rima complexa finalizadas por [p, t, k] com características de palavras existentes na língua inglesa (ex: peTAnip, semelhante a meCHAnic).

O segundo grupo é formado de 64 palavras com núcleo ramificado na sílaba final: 30 são palavras oxítonas existentes na língua inglesa (ex: thirTEEN) e 34 são logatomas com o mesmo padrão acentual esperado (ex: tanLEEN). Todas as palavras neste grupo apresentam sílaba final com núcleo ramificado, isto é, vogal longa (ex: thirTEEN). Nesses casos, é possível que os participantes produzam uma vogal curta em vez de uma vogal longa na sílaba final e, consequentemente, alterem o acento da palavra (ex: thirTEEN à THIRteen). O Quadro 3 a seguir apresenta as palavras utilizadas no experimento.

Quadro 3
Palavras para avaliação da relação entre sílaba e acento

A coleta dos dados foi realizada a partir da leitura dessas palavras isoladamente. Para a classificação dos dados, o acento de cada palavra foi verificado perceptualmente pela pesquisadora e por outra avaliadora, também brasileira, e nos casos de discordância as palavras eram ouvidas novamente até que se chegasse a um consenso.

Para a análise, foram investigadas as variáveis apresentadas no Quadro 4. A variável dependente, neste caso, é o acerto, o qual está diretamente relacionado a duas variáveis independentes: Padrão Acentual Esperado e Padrão Acentual Empregado. No caso da palavra magazine, por exemplo, como o padrão esperado é o oxítono (magaZINE), considerou-se um “acerto” quando o informante aplicou o padrão oxítono e um “erro” quando o informante aplicou o padrão paroxítono (maGAzine) ou o padrão proparoxítono (MAgazine).

Quadro 4
Variáveis Controladas - Sílaba e Acento12 12 Também se controlou o Informante, mas a variável não se mostrou relevante.

Os fatores para a variável Padrão Acentual Esperado permitem-nos avaliar mudanças em grupos específicos de padrão acentual. O grupo de oxítonas inclui palavras com núcleo ramificado na sílaba final (ex: thirTEEN, magaZINE, bamBOO). Como vimos, é possível que os participantes produzam vogais curtas em vez de longas na sílaba final e, consequentemente, alterem o acento da palavra (ex: employEE ⟶ emPLOYee). No grupo de palavras com padrão paroxítono (ex: MARket, CArrot) e proparoxítono (ex: COconut, LOllipop), foram incluídas palavras terminadas em núcleo simples com as plosivas /p, t, k/ em posição de coda. Nesses casos, os informantes poderiam aplicar a epêntese na última sílaba, o que leva à ressilabificação à modificação da posição do acento da palavra (ex: LO.lli.poplo.lli.PO.pi), sobretudo nos níveis básico e intermediário.

A variável Tipo de Palavra permite verificar se os informantes aplicariam a mesma regra de acento ao se depararem com palavras conhecidas e com palavras desconhecidas, mas supostamente pertencentes à língua inglesa. Essa variável minimiza o fato de a acentuação decorrer de palavras muito utilizadas em português (ex: trainee) ou palavras muito parecidas (ex: bamboo). Com a variável Epêntese espera-se observar se a proporção de acertos seria influenciada pelos nos casos de inserção de vogal epentética (ex: aw.kwardaw.kwar.[ʤ]i).

A variável Segmento na Sílaba Final foi incluída para verificar a influência do padrão da sílaba final sobre a atribuição do acento. Nos casos de palavra cujo padrão acentuado esperado era oxítono, os fatores foram: vogal longa, vogal longa seguida de [n], [p], [r], [s] ou [t]. Já nos casos de palavra cujo padrão acentual esperado era paroxítono ou proparoxítono, os fatores foram: [d], [k], [p] (ex: LOllipop) e [t] - que ocorrem com vogais curtas. Por fim, a variável Padrão da Sílaba Final foi incluída com o objetivo de verificar a proporção de acertos de acordo com o padrão silábico da última sílaba. Os fatores desta variável são Núcleo Ramificado, cujo padrão acentual esperado é o oxítono, e Núcleo Simples, cujo padrão acentual esperado é o paroxítono ou o proparoxítono.

A verificação estatística dos dados foi feita através do programa GoldVarb-X. A variável dependente na análise tem caráter binário (acerto/erro) e, portanto, é condizente com o tipo de teste estatístico oferecido pelo programa. O experimento contou com 30 falantes brasileiros (não nativos para inglês) e 7 falantes nativos de inglês. Os nativos deveriam ter vivido a maior parte da vida em seus países de origem.13 13 Dois são ingleses e vivem no Brasil há cerca de 15 anos, dois são australianos e vivem no Brasil há cerca de 8 anos e três são estadunidenses e nunca estiveram no Brasil Até onde sabemos, para o estudo do fenômeno em questão, as diferentes variantes da língua inglesa não apresentam qualquer tipo de influência. Os não nativos não deveriam ter morado em país anglófono por mais de um mês, deveriam ser filhos de pais brasileiros monolíngues, e não deveriam falar nenhuma outra língua estrangeira além do inglês. A amostra analisada é do tipo aleatória estratificada, em que a população é dividida em subgrupos (estratos) e uma subamostra é selecionada a partir de cada estrato da população (Levin & Fox, 2004Levin, J., & Foz, J. A. (2004). Estatística para ciências humanas. 9ª ed. Pearson/Prentice Hall.).

Os informantes não-nativos foram divididos em três grupos (básico, intermediário e avançado) a partir de um teste realizado com base no Common European Framework of Reference for Languages, documento elaborado pelo Conselho Europeu que permite a avaliação do conhecimento linguístico de aprendizes de qualquer idioma (COUNCIL OF EUROPE, 2001Council of Europe (2001). Common European Framework of Reference for Languages: learning, teaching, assessment. Cambridge University Press. https://www.coe.int/en/web/common-european-framework-reference-languages (acesso 14 de dezembro, 2021).
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). O nivelamento ocorreu em duas etapas. Um teste online baseado em 25 questões de múltipla escolha que indicou, automaticamente, uma estimativa do nível do participante, e um teste oral que avaliou aspectos como a habilidade interagir com o examinador, a pronúncia e o vocabulário do aprendiz.

5. Resultados

Foram obtidos 4.551 dados, excluídos 37 casos em que os informantes - sobretudo do nível básico - não conseguiram produzir as palavras do experimento (ex: awkward). Os falantes nativos aplicaram o padrão acentual esperado (acerto) em 92,2% dos casos (800/868) e um padrão acentual diferente do esperado (erro) em apenas 7,8% dos casos (68/868). A análise estatística apontou que a única variável significativa para a atribuição do acento foi Padrão Acentual Esperado. As variáveis Padrão da Sílaba Final, Tipo de Palavra e Segmento na Sílaba Final não foram, portanto, consideradas estatisticamente relevantes para a aplicação do acento pelos falantes nativos. A variável Epêntese não foi incluída nesta rodada estatística porque, conforme o esperado, não foi registrado nenhum caso de epêntese nos dados dos nativos.

A Tabela 1 apresenta os resultados referentes à variável Padrão Acentual Esperado. A porcentagem de acertos foi alta nos três padrões analisados e os pesos relativos indicam que os padrões proparoxítono e paroxítono favoreceram o acerto, enquanto o padrão oxítono desfavoreceu.

Tabela 1
Acertos por Padrão Acentual Esperado - Nativo

Mesmo não tendo sido selecionadas, vejamos a distribuição das demais variáveis, para compará-las com os resultados dos falantes não nativos. A variável Tipo de Palavra indicou que houve mais acertos nos casos de palavras reais - cf. Tabela 2:

Tabela 2
Acertos por Tipo de Palavra - Nativos

A Tabela 3 mostra a proporção de acertos por padrão acentual esperado em logatomas e palavras reais. Percebe-se que, nos três padrões acentuais, a taxa de acertos foi maior em palavras reais do que em logatomas.

Tabela 3
Acertos por Padrão Acentual Esperado e Tipo de Palavra - Nativos

A taxa de acertos pelo padrão da sílaba final é apresentada na Tabela 4. Percebe-se que a taxa de acertos foi um pouco mais alta em palavras terminadas em sílaba com núcleo ramificado, cujo padrão acentual esperado era o oxítono, do que em palavras terminadas em sílaba com núcleo simples, cujo padrão acentual esperado era o paroxítono ou o proparoxítono.

Tabela 4
Acertos por Padrão da Sílaba Final - Nativos

A Tabela 5 traz os resultados referentes à variável Segmento da Sílaba Final. Observa-se que as menores taxas de acertos ocorreram em palavras terminadas em vogal longa e palavras terminadas em [p].

Tabela 5
Acertos por Segmento na Sílaba Final - Nativos

Vejamos agora o que ocorre entre os falantes de inglês como L2. Os falantes brasileiros aplicaram o padrão acentual esperado (acerto) em 72,2% dos casos (2658/3683) e um padrão acentual diferente do esperado (erro) em 27,8% dos casos (1025/3683). O programa estatístico selecionou cinco das sete variáveis testadas como estatisticamente significativas, nesta ordem: Segmento na Sílaba Final, Epêntese, Nível de Proficiência, Tipo de Palavra e Padrão Acentual Esperado. Dentre as variáveis testadas, Padrão da Sílaba Final não se mostrou estatisticamente significativa. Os resultados a seguir não são apresentados na ordem de seleção do programa.

A Tabela 6 mostra a taxa de acertos por padrão acentual esperado. Percebe-se que o acerto foi favorecido em palavras cujo acento esperado era o paroxítono (valor-P 0,63; 82,9% de acerto). Nas palavras cujo padrão acentual esperado era o oxítono ou proparoxítono, o peso relativo foi próximo ao ponto neutro. Os informantes acertaram o acento oxítono em 62,8% dos casos e o proparoxítono em 72,6% dos casos.

Tabela 6
Acertos por Padrão Acentual Esperado - Inglês como L2

Os resultados referentes à variável Tipo de Palavra, indicou que, assim como nos dados dos falantes nativos, houve mais acertos em palavras reais - cf Tabela 7:

Tabela 7
Acertos por Tipo de Palavra: Inglês como L2

A Tabela 8 apresenta o cruzamento entre as variáveis Padrão Acentual Esperado e Tipo de Palavra. Percebe-se que a taxa de acertos mais alta ocorreu em palavras reais cujo padrão esperado era o paroxítono, e a mais baixa em logatomas cujo padrão acentual esperado era o oxítono. Curiosamente, no caso de palavras cujo padrão esperado era o proparoxítono, constatou-se mais acertos em logatomas do que em palavras reais.

Tabela 8
Proporção de Acertos por Tipo de Palavra: Inglês como L2

A Tabela 9 apresenta os resultados referentes à variável Segmento Final. Os resultados mostraram que os acertos foram favorecidos em palavras terminadas nas plosivas [t] e [d], ambos casos em que o padrão esperado era o paroxítono. Por outro lado, palavras terminadas por [p] foram as que apresentaram o peso relativo mais baixo. A única palavra real terminada em [p] era lollipop, cujo padrão esperado era o proparoxítono; as outras palavras eram logatomas como crastip, turnip e sankep, cujo padrão acentual esperado era o paroxítono.

Tabela 9
Acertos por Segmento na Sílaba Final: Não Nativos

Vejamos os resultados nos casos de inserção de epêntese (ex: ca.rrot ⟶ ca.rro.[tʃi]). Foram registrados apenas 79 casos de epêntese: 66 no nível básico, em palavras reais como accountant e complete e em logatomas como anicot e garment; 12 no nível intermediário, somente nos logatomas calonese, lanese, poloose e paneep; e apenas um caso no nível avançado, no logatoma poloose, cuja produção esperada era po[‘lu:s] e a produção foi po[‘lu.sɪ]. Observou-se, também, que dos 79 casos de aplicação de epêntese, 29 ocorreram em palavras reais (ex: RA.bbit ⟶ RA.bbi.[tʃi]) e 50 em logatomas (ex: A.ni.cot ⟶ a.ni.CO.[tʃi]]).

A Tabela 10 apresenta a proporção de acertos nos casos de inserção de vogal epentética. Conforme o esperado, a taxa de acertos foi mais baixa em casos de epêntese. Os 4 acertos registrados ocorreram especificamente nas palavras aCCOUNtant e RAbbit, que mantiveram o acento nas sílabas -ccoun- e ra- mesmo após a inserção da vogal.

Tabela 10
Acertos em casos de Epêntese: Inglês como L2

A Tabela 11 apresenta o cruzamento entre Epêntese e Segmento na Sílaba Final, que possibilita observar em que tipo de palavra a epêntese foi aplicada. Observa-se que a epêntese foi aplicada 24 vezes em palavras terminadas em [t]. Como se observa, a inserção de epêntese ocorre com todas as obstruentes, independentemente da vogal anterior. Curiosamente também houve vários casos de inserção de epêntese com palavras terminadas em [s], consoante permitida em posição final no PB.

Tabela 11
Acertos por segmento final em casos de Epêntese: Inglês como L2

A Tabela 12 apresenta a proporção de acertos de acordo com o Padrão da Sílaba Final, a única variável linguística que não foi considerada estatisticamente significativa. Observa-se que a taxa de acertos foi mais alta em palavras terminadas em núcleo simples, cujo padrão acentual esperado era o paroxítono ou o proparoxítono, do que em palavras terminadas em núcleo ramificado, nas quais o padrão acentual esperado era o oxítono.

Tabela 12
Acento e Padrão da Sílaba Final - Inglês como L2

Consideremos, por fim, os resultados referentes ao Nível de Proficiência, segunda variável selecionada como significativa na verificação estatística. Observa-se na Tabela 13 que a taxa de acerto cresce com o nível de proficiência dos informantes.

Tabela 13
Proporção de Acertos por Nível de Proficiência

Em suma, os resultados referentes à verificação perceptual da relação entre sílaba e acento pelos falantes de inglês como L2 indicaram que a taxa de acertos foi maior em palavras terminadas em sílaba com núcleo simples, nas quais o padrão acentual esperado era o paroxítono. Observou-se, também, que a proporção de acertos foi maior em palavras reais do que em logatomas e que, conforme o esperado, os casos de inserção de epêntese influenciaram na aplicação do acento correto. Além disso, os resultados mostraram que a taxa de acertos cresce à medida que o nível de proficiência aumenta.

6. Discussão e considerações finais

Os resultados de taxa de acertos pelos falantes nativos foram, de maneira geral, bastante alto, tanto para palavras reais quanto para logatomas - o que indica que as palavras inventadas nesta pesquisa realmente apresentam características de palavras existentes na língua inglesa. Os resultados indicaram, também, que a proporção de acertos foi um pouco mais alta em palavras terminadas em núcleo ramificado, nas quais o padrão acentual esperado era o oxítono, do que em palavras terminadas em núcleo simples, nas quais o padrão esperado era o paroxítono ou o proparoxítono, inclusive em logatomas, o que mostra o quanto é clara a questão da duração no inglês.

Além disso, os resultados mostraram que, diferentemente dos falantes nativos, que apresentaram uma taxa de acerto um pouco maior em palavras terminadas em núcleo ramificado, nas quais o acento esperado era o oxítono, os falantes brasileiros apresentaram taxas de acerto mais altas em palavras terminadas em núcleo simples, nas quais o acento esperado era o paroxítono ou o proparoxítono. Dentre os três padrões acentuais controlados nesta pesquisa, a maior taxa de acertos foi registrada em palavras paroxítonas, com 82,9% de acerto, e a mais baixa em palavras oxítonas, com 62,8% de acertos. Os resultados mostraram, ainda, que as maiores taxas de acerto foram registradas em palavras reais cujo padrão acentual era o paroxítono (ex: RAbbit, CArrot) e as mais baixas em logatomas cujo padrão acentual esperado era o oxítono (ex: solOOP, lanDOO).

Resultados semelhantes foram encontrados por Post (2010Post, A. (2010). Estratégias de reparo na atribuição do acento primário do inglês por falantes nativos de PB. [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Santa Maria. http://repositorio.ufsm.br/handle/1/9826 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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), que registrou muito mais erros em palavras oxítonas do que em paroxítonas. Assim como a autora, acreditamos que esse resultado seja uma indicação de que os falantes brasileiros tendem a recorrer ao padrão acentual menos marcado na língua materna, que, no caso do português, é o paroxítono (cf. BISOL, 2013Bisol, L. (2013). O acento: duas alternativas de análise. Organon, 28(54), 281-321 https://doi.org/10.22456/2238-8915.41192.
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).

Para verificar se o padrão oxítono passa a ser aplicado corretamente com mais frequência no nível avançado, realizamos o cruzamento entre as variáveis Padrão Acentual Esperado e Nível de Proficiência. O Gráfico 1 mostra que, nos três níveis de proficiência, o padrão paroxítono apresenta uma proporção de acertos significativamente mais alta do que o padrão oxítono. Observa-se que, no nível avançado, diferentemente dos outros dois níveis, a taxa de acertos em proparoxítonas é um pouco mais alta do que em paroxítonas, e as proparoxítonas, ainda que tenham tido um progresso olhando-se para o nível de fluência, ainda são as com menor taxa de acerto.

Gráfico 1
Acertos por Acento Esperado e Nível de Proficiência

Como a influência da L1 sobre a L2 é geralmente observada nos níveis iniciais, o fato de os falantes de nível avançado terem aplicado mais acertos em palavras paroxítonas do que em oxítonas poderia ser justificado pelo fato o padrão paroxítono também ser o default na língua inglesa, e que esses falantes estariam, portanto, recorrendo ao padrão predominante na própria L2. Entretanto, conforme salienta Post (2010Post, A. (2010). Estratégias de reparo na atribuição do acento primário do inglês por falantes nativos de PB. [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Santa Maria. http://repositorio.ufsm.br/handle/1/9826 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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), o padrão paroxítono não ocorre em palavras terminadas em sílaba pesada, isto é, terminadas em vogal longa ou ditongo. Desse modo, o favorecimento do acerto pelo padrão paroxítono neste trabalho, assim como as estratégias de reparo apontadas em Post (2010Post, A. (2010). Estratégias de reparo na atribuição do acento primário do inglês por falantes nativos de PB. [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Santa Maria. http://repositorio.ufsm.br/handle/1/9826 (acesso 14 de dezembro, 2021).
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), pode ser evidência de que, mesmo no nível avançado, há uma certa influência do padrão acentual da língua materna sobre a língua-alvo.

Os resultados também indicaram que o segmento da sílaba final foi estatisticamente significativo e que o acerto foi favorecido por palavras terminadas em [t], [d] e [k], nas quais o padrão esperado era o paroxítono. Sendo assim, apesar de a variável Padrão da Sílaba Final, cujos fatores eram núcleo simples ou núcleo ramificado, não ter sido estatisticamente relevante, fica claro que o acerto foi favorecido por palavras terminadas em núcleo simples, nas quais o padrão acentual era o paroxítono.

Interessantemente, a inserção de epêntese foi baixa nos dados (79 de 3683 casos), ocorrendo principalmente no nível básico. Percebeu-se que nas palavras lanese e calonese, criadas a partir do padrão fonológico encontrado em palavras como police e Japanese, os informantes não reconheceram no padrão da escrita um padrão que remetesse às palavras reais que inspiraram a criação desses logatomas, e acabaram produzindo [la.'nɛ.zi] e [ka.lo.'nɛ.zi] em vez de [lə.'ni:s] e [ka.lo.'ni:s].

Os resultados indicaram que o nível de proficiência é um fator bastante relevante para a aplicação do acerto e que os falantes de nível avançado, que representam o estágio final da aquisição, apresentaram uma taxa de acertos bastante aproximada à dos falantes nativos. O Gráfico 2 a seguir compara a taxa de aplicação pelos três níveis de proficiência e pelos falantes nativos.

Gráfico 2
Sílaba e acento - acertos por Nível de Proficiência

Esse resultado evidencia, primeiramente, que os falantes aprenderam parte da regra de acentuação do inglês, pois, desde o nível básico, entenderam que sílaba com rima ramificada (CVC) em posição final não atrai o acento no inglês. Outro ponto a ser destacado é a preferência pelo padrão paroxítono, o mais comum no PB. Mesmo nos casos em que houve aplicação de epêntese, nos quais era esperado que o padrão acentual fosse alterado, o padrão paroxítono da palavra foi mantido, ainda que na sílaba errada, na maioria dos casos. No caso de palavras terminadas em núcleo ramificado, a taxa de acertos foi mais baixa nos três níveis de proficiência. Isso indica que, apesar de os informantes, em sua maioria, terem compreendido que sílaba CVC não atrai o acento, acabaram errando com mais frequência os padrões CVV e CVVC, que constituem sílabas pesadas no inglês. Observamos que este fato aconteceu quando havia vogais longas envolvidas (em comparação com casos em que o núcleo era preenchido por um ditongo), e nossa hipótese é de que os falantes não eram capazes de distinguir vogais longas de vogais breves. Consequentemente, houve uma tendência de aplicação do acento paroxítono em palavras que deveriam ser produzidas com acento oxítono, inclusive naquelas que se assemelham a vocábulos existentes no português (ex: bamBOO → BAMboo). Esse resultado indica que a taxa de acertos pode ter sido influenciada por algum tipo de transferência da L1, já que o padrão paroxítono, que apresentou a maior taxa de acertos nos dados dos brasileiros, é o predominante no PB.

Sendo assim, observa-se a influência do PB na aquisição do acento desde o nível básico até o nível avançado, uma evidência de que a gramática da L2 é construída a partir da gramática da língua materna. Nossos resultados também apontaram que os informantes de nível avançado foram capazes de mudar o conceito de peso das sílabas finais, que no PB é caracterizado pela rima ramificada e no inglês pelo núcleo ramificado. Isso é uma evidência de que, apesar de o estado inicial da aquisição de L2 ser caracterizado pela gramática da L1, a GU permite a marcação de parâmetros da língua-alvo no decorrer do processo de aquisição, inclusive no caso de aprendizes adultos. Esses resultados vão ao encontro de pesquisas como de Archibald (1992Archibald, J. (1992). Transfer of L1 parameter settings: Some empirical evidence from Polish metrics. Canadian Journal of Linguistics 37, 301-340. https://doi.org/10.1017/S0008413100019903.
https://doi.org/10.1017/S000841310001990...
, 1993aArchibald, J. (1993a). Language learnability and L2 phonology: The acquisition of metrical parameters. Kluwer.,bArchibald, J. (1993b). The learnability of English metrical parameters by adult Spanish speakers. International Review of Applied Linguistics 31, 129-42. https://www.proquest.com/openview/ed9f288003e55cf5429b65ce91fabd21/1?pq-origsite=gscholar&cbl=1816531 (acesso 14 de dezembro, 2021).
https://www.proquest.com/openview/ed9f28...
), as quais indicaram que falantes de polonês, de espanhol e de húngaro foram capazes de marcar o parâmetro do acento do inglês, apesar de também terem apresentado influência de suas respectivas línguas maternas.

Agradecimentos

Parte dos resultados aqui apresentados foi defendida em Fragozo (2017Fragozo, C. (2017). Aquisição de regras fonológicas do inglês por falantes de português brasileiro. [Tese de doutorado]. Universidade de São Paulo. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8139/tde-21122017-124449/publico/2017_CarinaSilvaFragozo_VCorr.pdf (acesso 14 de dezembro, 2021).
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
). Agradecemos aos participantes da banca de doutorado, participantes de eventos onde esse trabalho foi apresentado e aos pareceristas anônimos pelos comentários e discussão do texto. Os eventuais problemas remanescentes são de nossa única responsabilidade. A primeira autora agradece o auxílio em forma de bolsa FAPESP 2018/01291-2 e a segunda autora agradece o auxílio em forma de bolsa de Doutorado do Programa em Semiótica e Linguística Geral da FFLCH/USP (CAPES Proex 2013-2017).

Referências

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  • 3
    Para análises alternativas, cf. Itô 1986Itô, J. (1986). Syllable theory in prosodic phonology. [Tese de doutorado]. University of Massachussetts. https://scholarworks.umass.edu/dissertations/AAI8701171/ (acesso 14 de dezembro, 2021).
    https://scholarworks.umass.edu/dissertat...
    , Bisol 1989Bisol, L. (1989). O ditongo na perspectiva da fonologia atual. D.E.L.T.A, 5(2), 185-224., Zec 1995Zec, D. (1995). Sonority constraints on syllable structure. Phonology 12, 85-129. http://www.jstor.org/stable/4420068 (acesso 14 de dezembro, 2021).
    http://www.jstor.org/stable/4420068...
    , Collishonn 1996Collischonn, G. (1996). A Sílaba em português. In L. Bisol (Ed.), Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro (pp. 91-123). EDIPUCRS. .
  • 4
    Exceto [kw, gw] seguidos de a/o (ex: qual [´kwaw] ~ [*ku.’aw]), em que a sequência consoante velar + glide posterior é marcada no léxico como uma unidade monofonemática /kw/ e /gw/ (cf. Collishonn 1996Collischonn, G. (1996). A Sílaba em português. In L. Bisol (Ed.), Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro (pp. 91-123). EDIPUCRS. ).
  • 5
    Em palavras como compacto, apto, psicólogo e advogado, é comum a inserção de uma vogal epentética para desfazer essas sequências no PB (ex: /psi.'kɔ.lo.go/ → [pi.si.'kɔ.lo.gʊ]; /kõ.'pak.to/ → [kõ.'pa.ki.tʊ]) (cf. Câmara Jr., 1972Câmara Jr., J. M. (1972). Estrutura da língua portuguesa. Vozes.; Collishonn, 2003Collischonn, G. (2003). A epêntese vocálica no português do sul do Brasil. In L. Bisol, & C. Brescancini (Eds.), Fonologia e variação: Recortes do português brasileiro (pp. 285-297). EDIPUCRS.http://dx.doi.org/10.5380/rel.v61i0.2892.
    http://dx.doi.org/10.5380/rel.v61i0.2892...
    ).
  • 6
    As sílabas portadoras de acento primário serão destacadas em maiúscula neste artigo.
  • 7
    Para uma análise alternativa, cf. Lee (1995Lee, S. H. (1995). Morfologia e fonologia lexical do português brasileiro. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/270890 (acesso 14 de dezembro, 2021).
    http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
    ), segundo a qual o PB não é sensível ao peso silábico. No entanto, a proposta de Lee não explica porque nunca encontramos uma palavra proparoxítona em que a penúltima sílaba é pesada.
  • 8
    Segundo Yavas (2006Yavaʂ, M. (2006). Applied English phonology. Blackwell Publishers.), semivogais que precedem vogais preenchem o ataque da sílaba.
  • 9
    Para a atribuição do acento, vogais tensas contam como longas (cf. Zsiga, 2013Zsiga, E. C. (2013). The sounds of language: An introduction to phonetics and phonology.1a ed. Blackwell Publishing Ltda. ).
  • 10
    Trabalhos como Stander (2007Stander, L. (2007). A aquisição do acento primário em inglês como LE: o caso das palavras sufixadas à luz da Teoria da Otimidade. [Dissertação de mestrado]. Universidade Católica de Pelotas. ) e Garcia (2012Garcia, G. (2012). Aquisição de acento primário em inglês por falantes de português: uma análise de derivações com sufixos não neutros via algoritmo de aprendizagem gradual - GLA. [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. http://hdl.handle.net/10183/56026 (acesso 14 de dezembro, 2021).
    http://hdl.handle.net/10183/56026...
    ) também investigaram a aquisição do acento do inglês por falantes brasileiros, mas, diferentemente de Post (2010Post, A. (2010). Estratégias de reparo na atribuição do acento primário do inglês por falantes nativos de PB. [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal de Santa Maria. http://repositorio.ufsm.br/handle/1/9826 (acesso 14 de dezembro, 2021).
    http://repositorio.ufsm.br/handle/1/9826...
    ), se dedicaram exclusivamente à aquisição do acento em palavras sufixadas.
  • 11
    Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - CAAE 46139815.1.0000.5561.
  • 12
    Também se controlou o Informante, mas a variável não se mostrou relevante.
  • 13
    Dois são ingleses e vivem no Brasil há cerca de 15 anos, dois são australianos e vivem no Brasil há cerca de 8 anos e três são estadunidenses e nunca estiveram no Brasil Até onde sabemos, para o estudo do fenômeno em questão, as diferentes variantes da língua inglesa não apresentam qualquer tipo de influência.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2018
  • Aceito
    14 Dez 2021
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