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ALPPS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO

A ressecção completa do tumor do fígado é a única chance para se obter sobrevida a longo prazo em pacientes com tumores hepáticos primários ou metastáticos. Em pacientes com grande carga tumoral no fígado, várias estratégias têm sido empregadas para melhorar a ressecção, especialmente quando é esperado um remanescente hepático pequeno. Hepatectomia estadiada em que o cirurgião realiza ressecção parcial de um lado do fígado e, após quatro a seis semanas, continua com a ressecção do outro lado do fígado, bem como estratégias para induzir hipertrofia do fígado remanescente, que inclui embolização percutânea da veia porta ou ligadura da veia porta durante a operação, têm também sido largamente empregadas por equipes especializadas em cirurgias hepáticas.

Hans Schlitt de Regensburg, Alemanha desenvolveu um novo procedimento, chamado bipartição hepática, por acaso pela primeira vez em 2007. Planejando realizar uma hepatectomia direita em um paciente com colangiocarcinoma peri-hilar, ele percebeu no intraoperatório que o futuro remanescente hepático colestático era muito pequeno para manter o paciente no pós-operatório e decidiu realizar apenas uma hepaticojejunostomia seletiva no sistema biliar esquerdo, dividindo o parênquima ao longo do ligamento falciforme, desvascularizando completamente o segmento IV. Finalmente ligou o ramo direito da veia porta para induzir hipertrofia do segmento 2 e 3. No 8º dia do período pós-operatório foi realizada uma tomografia computadorizada e observada uma grande hipertrofia do fígado remanescente. Mais recentemente Clavien e Santibanes22. de Santibanes E, Clavien PA. Playing Play-Doh to prevent postoperative liver failure: the "ALPPS" approach. Ann Surg 2012;255:415-7. propuseram o acrônimo ALPPS para "Associating Liver Partition and Portal Vein Ligation for Staged Hepatectomy". O procedimento ALPPS tem se tornado um avanço que representa uma importante ferramenta para induzir através de cirurgia, uma rápida hipertrofia do fígado.

Apesar do entusiasmo inicial em todo o mundo, a elevada taxa de mortalidade inicialmente registrada de 12% por Schnitzbauer et al.77. Schnitzbauer AA, Lang SA, Goessmann H, et al. Right portal vein ligation combined with in situ splitting induces rapid left lateral liver lobe hypertrophy enabling 2-staged extended right hepatic resection in small-for-size settings. Ann Surg 2012;255:405-14. e de 12,8% observada por Torres et al88. Torres OJ, Fernandes Ede S, Oliveira CV, Lima CX, Waechter FL, Moraes-Junior JM, Linhares MM, Pinto RD, Herman P, Machado MA. Associating liver partition and portal vein ligation for staged hepatectomy (ALPPS): the Brazilian experience. Arq Bras Cir Dig 2013; 26: 40-3., iniciou um debate intenso sobre a segurança do procedimento. Diversas modificações do trabalho original têm sido publicadas e a seleção cuidadosa dos pacientes tornou-se mandatória. A seleção criteriosa dos pacientes, não apenas relacionada à etiologia da doença, mas o estado geral do paciente e os aspectos técnicos, levaram alguns grupos a realizar ALPPS com baixa ou mesmo nenhuma mortalidade77. Schnitzbauer AA, Lang SA, Goessmann H, et al. Right portal vein ligation combined with in situ splitting induces rapid left lateral liver lobe hypertrophy enabling 2-staged extended right hepatic resection in small-for-size settings. Ann Surg 2012;255:405-14. 88. Torres OJ, Fernandes Ede S, Oliveira CV, Lima CX, Waechter FL, Moraes-Junior JM, Linhares MM, Pinto RD, Herman P, Machado MA. Associating liver partition and portal vein ligation for staged hepatectomy (ALPPS): the Brazilian experience. Arq Bras Cir Dig 2013; 26: 40-3..

ALPPS tornou-se um assunto controverso em cirurgia hepática, sendo objeto de debate em muitas reuniões entre cirurgiões de fígado. Em fevereiro passado, a primeira reunião internacional de consenso sobre ALPPS, organizada por Karl Oldhafer e Thomas Van Gulik, aconteceu em Hamburg, Alemanha. Cirurgiões de fígado de todo o mundo, com experiência em ALPPS bem como muitos críticos estiveram presentes. Cinco cirurgiões experientes com o procedimento ALPPS representaram o Brasil.

Nesta reunião, diferentes questões foram discutidas como indicações para realizar ALPPS, aspectos técnicos, hipertrofia, laparoscopia, morbidade, tumor de Klatskin, carcinoma hepatocelular, embolização da veia porta e hepatectomia em dois estágios. Ao final do encontro, pudemos observar algumas recomendações.

Todos os pacientes com indicação para a realização de ALPPS devem ser discutidos em reunião multidisciplinar. Os critérios de inclusão devem ser pacientes com metástase hepática de origem colo-retal bilobar, extensa, necessitando de ressecção ampliada, com possibilidade de ressecção R0, remanescente hepático futuro inferior a 30%, sem evidência de doença extra-hepática, com resposta completa ou parcial à quimioterapia sistêmica. O ALPPS deve ser indicado principalmente para pacientes que serão submetidos a triseccionectomia direita. Também pode ser indicado em pacientes selecionados com carcinoma hepatocelular e colangiocarcinoma, mas o procedimento apresenta mortalidade mais elevada que aqueles por metástase hepática de origem colo retal.

Outras indicações incluem os achados durante a exploração cirúrgica em que você tem que decidir no intraoperatório, em casos com extensão tumoral inesperada no remanescente futuro ou quando o remanescente hepático futuro é adequado, mas apresenta doença parenquimatosa macroscópica. Fracasso na embolização ou ligadura da veia porta, como cirurgia de resgate tem sido considerada uma das melhores indicações para ALPPS. O ALPPS é também uma alternativa para a hepatectomia convencional em dois tempos e, quando comparamos com embolização ou ligadura da veia porta, pode levar a um mais rápido e significante crescimento do remanescente hepático futuro. Pacientes com idade superior a 60 anos, presença de icterícia/colestase e a realização de procedimentos adicionais como duodenopancreatectomia estão associados com maior morbidade e mortalidade66. Schadde E, Aridles V, Robles-Campos R, et al. Early survival and safety of ALPPS: first report of the international ALPPS registry. Ann Surg. 2014;260:829-38..

O grupo responsável pelos aspectos técnicos do ALPPS recomenda que a artéria hepática média e a veia hepática média, se não envolvidas pelo tumor, devem ser preservadas durante a transecção do parênquima hepático para evitar lesão isquêmica e diminuir a congestão do segmento88. Torres OJ, Fernandes Ede S, Oliveira CV, Lima CX, Waechter FL, Moraes-Junior JM, Linhares MM, Pinto RD, Herman P, Machado MA. Associating liver partition and portal vein ligation for staged hepatectomy (ALPPS): the Brazilian experience. Arq Bras Cir Dig 2013; 26: 40-3.. Não há evidências que sustentam a proteção da superfície do fígado partido com a intenção de reduzir aderências ou evitar fístulas biliares. A ligadura da via biliar no fígado deportalizado durante o primeiro estágio, na tentativa de induzir hipertrofia do remanescente hepático futuro deve ser evitada, pois a morbidade do ALPPS é atribuída em muitos casos à fístula biliar e suas complicações sépticas. Ressecções atípicas de lesões adicionais (1-3) no remanescente hepático futuro devem ser realizadas no primeiro estágio. A utilização de fitas circundando as estruturas do hilo hepático e veias hepáticas durante o primeiro estágio, são úteis no segundo estágio do procedimento.

Um intervalo de 7-14 dias entre os procedimentos, em pacientes estáveis também tem sido recomendado. O curto intervalo para a reoperação no ALPPS e remoção precoce do volume tumoral melhora os resultados oncológicos, uma vez que o paciente completa o segundo estágio em mais de 90% dos casos em comparação com 70% na hepatectomia em dois tempos.

A transecção parcial do fígado durante o primeiro estágio, conhecido como ALPPS parcial (p-ALPPS) tem se tornado uma opção interessante para diminuir a morbidade após o primeiro estágio. Esta partição parcial durante o primeiro estágio requer maior transecção do parênquima hepático e maior mobilização do fígado durante o segundo estágio, tornando o procedimento mais complexo. O ALPPS parcial precisa ser explorado e comparado com o ALPPS clássico; não há recomendação até o momento.

A correlação entre o volume e a função hepática é difícil não apenas no ALPPS, mas para todas as ressecções hepáticas ampliadas. Testes funcionais após o primeiro estágio parecem ser mais úteis que estudos volumétricos. A cintilografia hepatobiliar parece promissora pela capacidade de proporcionar informações volumétricas e funcionais simultaneamente. Entretanto o valor da cintilografia hepatobiliar ainda aguarda uma avaliação clínica específica para ALPPS.

O ALPPS é um procedimento novo e desafiador, que precisa passar pelo teste do tempo. Necessita de experiência coletiva de centros especializados e um refinamento das indicações e da técnica afim de reduzir os índices de morbidade e mortalidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015
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