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Poesia e guerra: ação e melancolia em Vallejo e Drummond1 1 Este ensaio é um desdobramento da palestra que proferi, ao lado de Alfredo Bosi, em 2015, no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, num evento de comemoração dos 70 anos de publicação de A rosa do povo, promovido pela Princeton University e pela Universidade de São Paulo. Em certo sentido, ele é também a continuação da conversa que havíamos entretido - vários colegas da USP e de universidades estrangeiras - em Princeton, algumas semanas antes. Agradeço a Vagner Camilo pela parceria na organização do evento, e especialmente a Alfredo Bosi (in memoriam), cujas lições de poesia tanto nos faltam, hoje. Lembro finalmente de minha alegria quando me dei conta de que a palestra de Bosi, no evento supracitado, seria sobre “Visão 1944”, poema também fundamental para a reflexão que eu proporia logo em seguida, sobre Drummond e Vallejo.

RESUMO

A relação entre poesia e guerra é longeva e aponta para os arcanos do gênero, da gesta clássica à falência moderna do herói. Contrapondo A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, aos poemas de España, aparta de mí este cáliz, de César Vallejo, pretende-se compreender como, enquanto intelectual, o poeta se situa entre a saída melancólica e a sustentação viril da voz, entre o retraimento do ser pelo horror e pela impotência, e o êxtase que preside à ação. Tendo a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Civil Espanhola como referentes, as duas poéticas revelariam formas diversas de atenção ao momento histórico, bem como de lealdade a suas vítimas.

PALAVRAS-CHAVE:
Poesia e guerra; Crise do herói; Segunda Guerra Mundial; Guerra Civil Espanhola; Carlos Drummond de Andrade; César Vallejo

ABSTRACT

The relationship between poetry and war is a long-standing one and betokens the arcana of the genre, from the classical poetic diction to the hero’s failure in modernity. By contrasting Carlos Drummond de Andrade’s A Rosa do Povo to César Vallejo’s España, aparta de mí este cáliz, my aim is to understand how, as intellectuals, poets position themselves between melancholy and a virile voice, between the being’s waning from horror and impotence, and the ecstasy that presides over action. With the Second World War and the Spanish Civil War as backgrounds, the two poetics may reveal diverse forms of attention to the historical moment, and different forms of loyalty to its victims.

KEYWORDS:
Poetry and war; Crisis of the hero; Second World War; Spanish Civil War; Carlos Drummond de Andrade; César Vallejo

Quem de nós já não teve a experiência de que os acontecimentos nunca se mantêm iguais depois de serem ditos? A palavra altera nossa lembrança do fato, ora tornando-o mais grave, ora aliviando-o de seu fardo molesto quando não trágico. O absurdo que ronda tantas vezes o cotidiano precisa da palavra para dar-lhe algum sentido ou, no limite, manifestar a estranheza pela sua falta de sentido.

(Alfredo Bosi, “A poesia é ainda necessária?”)

Num livro publicado logo após a Segunda Guerra Mundial, Paul Bénichou cunhou uma fórmula poderosa para a compreensão da falência, na França de Luís XIV, do ideal de uma aristocracia guerreira. Para Béni-

chou, o herói clássico, em quem valentia e nobreza se compunham, ia cedendo às instâncias de uma sociedade em que a ciência ganhava voz, e o fazia ao deslindar o funcionamento do mundo em termos progressivamente laicos. Em complemento, a moral não era mais discutida a partir de valores extraordinários. Era o milagre - o milagre da matéria incompreensível, assim como o milagre do sujeito extraordinário - que então se tornava, pouco a pouco, uma alta improbalidade, senão mesmo uma impossibilidade.

Não é que o foco da literatura ou da filosofia fosse recair, necessariamente, sobre o indivíduo comum. Na verdade, era o indivíduo excepcional que podia, enfim, ser visto com as mesmas lentes usadas para enxergar qualquer pessoa. Tratava-se de uma questão nova, que Bénichou identifica a partir da crise dos heróis desenhados por Corneille. Em formulação precisa, o crítico franco-argelino chamaria tal crise de “demolição do herói” (Bénichou, 1988, p.128-48).

No quadrante ibérico, há o caso evidente de Cervantes, cujo herói é vítima da crença já anacrônica nas narrativas cavelheirescas. O Quixote é “quixotesco” porque acredita, ainda, no que os velhos livros lhe contam. Fora do círculo mágico em que o herói resiste ainda à sua própria demolição, a máquina do mundo se esvaziava de sentido, mas seguia a trabalhar, sem norte algum. Numa clave moderna, cujo princípio é o poder de esclarecimento da ciência, trata-se daquilo a que eventualmente chamamos o “desencantamento do mundo” (Weber, 2004WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Trad. José Carlos Mariani de Macedo. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.).

Quando Max Weber formulou o conceito, que se tornaria especialmente conhecido a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, a secularização e o avanço da burocracia eram a face mais visível do esvaziamento da crença nos desígnios do além. Talvez se possa dizer que a crise da transcendência domina a metafísica ocidental, mas é aí, no embate moderno com a Guerra (com letra maiúscula), quando todas as fichas são apostadas na resolução final do impasse civilizatório, que tal crise se torna mais tangível e legível.

A pergunta que pode servir de mote a uma investigação sobre poesia e guerra é o que fazer do sujeito impotente para quem o heroísmo é um ideal distante, talvez completamente inacessível. Afinal, não raro, recai sobre o herói a expectativa de encontro das chaves para a solução do conflito. Enquanto tal chave permanece oculta, a coletividade agoniza, incapaz de suspender a espiral de sua própria destruição.

O esclarecimento, aprendemos a pensar, quebra o feitiço do pensamento, mas segue enfeitiçado pela unidade do mundo, e pela explicação final buscada por aqueles que acreditam no poder de iluminação da ciência, rendendo-se ao mito moderno do progresso.

Neste agudo comentário sobre a civilização após a guerra que é a Dialética do esclarecimento, lemos que “o que não se pode desvanecer em números, e, em última análise, numa unidade, reduz-se, para o iluminismo, a aparência e é desterrado, pelo positivismo moderno, para o domínio da poesia” (Horkheimer; Adorno, 1975HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. Conceito de Iluminismo. In: Os Pensadores, v.XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p.93-124., p.100). Mais tarde, num texto central para a compreensão da lírica diante da barbárie das guerras, Adorno jogaria, como sempre, com as noções de indivíduo e coletividade. É o que lemos em sua “Conferência sobre lírica e sociedade”: “só entende o que diz o poema aquele que divisa na solidão deste a voz da humanidade” (Adorno, 1975, p.202).

Poderíamos seguir, com a filosofia crítica, a pensar no papel da linguagem poética como arma contraideológica: um brilho frágil, “complemento ao mundo desencantado de que se subtrai” (Adorno, 1975ADORNO, T. Conferência sobre lírica e sociedade. In: Os Pensadores, v.XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p.201-14., p.207). Para além da miragem de Adorno com uma linguagem em que o sujeito, “sem resto de matéria pura, soe na [própria] linguagem”, salta às vistas, aqui, o papel da poesia como signo da carência de sentido. Uma carência que dói, exatamente porque advém da necessidade de suprir aquilo que foi roubado: a unidade do mundo, cuja restituição, insista-se, seria tarefa do herói.

O roubo de uma unidade sonhada dispara o sentimento de injustiça, e tal furto, precisamente, condiciona a reação do herói, cuja força se expande numa lealdade profunda às vítimas da quebra do funcionamento idealmente justo do mundo.

Mas, afinal, o herói se entrega à guerra porque tem a opção de entregar-se, ou porque não tem outra opção, senão entregar-se? O sujeito cívico se entrega à boa batalha, à redenção e ao elogio dos justos, porque assim o quis? Ou talvez aquele sentimento de injustiça seja tão forte que termina por raptá-lo? É possível calar-se, diante do fim iminente de toda e qualquer justiça?

Como bem pode sugerir a gesta clássica, a potência do herói resultaria de uma ira que lhe é exterior, mais forte que ele mesmo. Mas o sentimento de justiça seria então, como no mundo antigo, um vento que passa e leva consigo o sujeito? E o que faz o sujeito, diante desse sopro arrebatador: entrega-se, mergulhando na ação da batalha, deixando-se moldar pelo senso restaurador da justiça? Ou se afasta, temeroso e impotente, capaz quando muito de cantar o que se perde?

Em suma, que potências enfrenta o sujeito poético moderno diante da Guerra? Deve ele entregar-se à ação para nela encontrar a poesia, ou seja, deveria ele fazer, da própria guerra, poesia? Ou, de fato, a esse sujeito diminuto não resta mais que retrair-se, conter-se e abaixar a cabeça, lasso diante da potência irresistível da máquina bélica?

E quem é esse sujeito? Será o Vallejo que canta loas aos voluntários da Guerra Civil Espanhola? Àqueles voluntários de todo o mundo que obedecem a um estranho e irrecusável “tambor” com seus “adágios”? (“¡qué jamás tan efímero, tu espalda!/ ¡qué siempre tan cambiante, tu perfil!”) (Vallejo, 1996, p.453). Ou será o Drummond melancólico, que “em vão percorre [...] volumes” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.23), que “abraça as coisas, sem reduzi-las”, que recomeça sempre, recompondo inutilmente aquele entorno enorme dos olhos, a parte “mais fluida e permanente,/ alheia a toda fraude” (Andrade, 2012, p.81)? Drummond, lembremos, capaz, quando muito, de ensaiar um “nós” meio tímido, isto é, o “nós” empenhado imaginariamente em reconstruir a cidade perdida: “Pedra por pedra reconstruiremos a cidade” (ibidem, p.131).

* * *

Tendo como esquema o embate entre a inação de um sujeito pasmado e a ação enérgica de quem mergulha no campo de batalha, penso em alguns fragmentos dos poemas de España, aparta de mí este cáliz, do poeta peruano César Vallejo (1892-1938), que têm a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) como tema e cenário. Proponho lê-los contra o pano de fundo da melancolia difusa de A rosa do povo, do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), para quem a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é algo distante e próximo, isto é, algo sentido profundamente, embora sempre a distância.

Nos dois casos, como bem demonstrou Murilo Marcondes de Moura (2016MOURA, M. M. O mundo sitiado: a poesia brasileira e a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Editora 34, 2016.), trata-se de guerras que marcaram gerações e que catalizaram, como soem fazer algumas guerras, todo um feixe existencial e ideológico, polarizando sentimentos - de justiça, compaixão, escândalo e terror - cuja força não encontra contornos nítidos senão na própria poesia.

A despeito desse eixo que une os poetas e postula um sujeito convocado pelas urgências das guerras, proponho aqui uma contraposição, quase mesmo uma tipologia: de um lado, o poeta que se rende ao poder da ação, produzindo uma poesia abundante e exclamativa que ainda sonha com o herói, embora o saiba moribundo; de outro (ou do outro lado do oceano), o poeta que se retrai, transido pelo sentimento de desesperança, e que no entanto resiste, mas não porque as armas e os varões devam ser novamente assinalados, senão porque algo, talvez, possa ainda ser recobrado, no “centro do mundo oprimido” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.164).

* * *

Comecemos por Vallejo.

O poema inicial de España, aparta de mi este cáliz - livro produzido postumamente, em 1939, pelos soldados republicanos do Ejército del Este na abadia de Montserrat, na Catalunha - se chama “Himno a los voluntarios de la República”, e traz, em seus princípios, uma exortação ao “miliciano/ de huesos fidedignos”, aquele que possui um coração que “marcha a morir” (Vallejo, 1996VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996., p.449).

Desde esse momento, inaugural e reverencial, o espectro da morte, que atravessa o poemario, é convocado como dispositivo a um só tempo poético e político: reaparecendo em momentos cruciais, o corpo será o signo de uma redenção desejada. Não o portador neutro de um valor ideológico, mas o testemunho de um desejo solidário, ameaçado e consumido pelo tempo implacável da injustiça. Trata-se do cadáver que se vê, mais de uma vez nesse extraordinário conjunto de poemas, rodeado de expectativas.

A poesia de Vallejo vela os mortos, mas não os honra abstratamente. As palavras necessitam do corpo: é em torno dos restos exangues do soldado que elas se organizam e ganham sentido. A poesia se torna, por momentos, a recuperação precária e delicada daquele alento que abandonou o corpo. Trata-se, em suma, da recuperação do último sopro, como se só a poesia garantisse a derradeira possibilidade de senti-lo. No poema intitulado “Masa”, o povo, aos milhares, reúne-se em torno do corpo já morto e pede que ele não se entregue, que não morra, porque ele é amado. Eis o verso que então se lê: “Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo” (Vallejo, 1996, p.475).

É notável que a morte, por natureza instantânea, converta-se aqui num tempo estendido. O cadáver não seguiu morto (siguió muerto), mas seguiu morrendo (siguió muriendo). A prolongação dramática da passagem da vida à morte, evitando o particípio que selaria o tempo passado, é o que permite, no plano agônico aberto por esse estranho gerúndio (muriendo), que o herói seja velado, e que a comunidade se aglomere diante de um corpo que se equilibra na linha indefinível que nos separa da morte. Manter o corpo ali, fazendo-nos imaginar uma morte interminável assistida por todo o povo, é tarefa solene da poesia. Mas o que faz o povo, no horizonte poético de Vallejo?

O povo, não mais milhares, mas agora milhões, conclama: “¡Quédate, hermano!” Nesse momento, quando o grito da multidão ainda não é suficiente, e quando o gerúndio marca todavia o tempo da vida suspensa sobre o abismo da morte (“Pero el cadáver ¡ay! siguió muriendo”, é na verdade um estribilho) - nesse exato momento, o povo não é mais um número, mas agora um sem-número. Aí se dá o milagre, que é também o milagre do verbo, operado pela “massa” que dá título ao poema. Não mais um, nem mil, nem um milhão, mas aquela estranha comunhão que só quem sabe ler o poema é capaz de identificar. Nas palavras de Adorno, que aqui repito, “só entende o que diz o poema aquele que divisa na solidão deste a voz da humanidade”.

Leio a última estrofe de “Masa”, datado de 10 de novembro de 1937, tão próximo aliás da morte do próprio Vallejo (Vallejo, 1996VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996., p.475):

Entonces, todos los hombres de la tierra le rodearon; les vio el cadáver triste, emocionado; incorporóse lentamente, abrazó al primer hombre; echóse a andar… [Então, todos os homens da terra o rodearam; os viu o cadáver triste, emocionado; incorporou-se lentamente, abraçou o primeiro homem; e se pôs a andar…]

A vitória da vida se realiza no momento em que, no horizonte da ressurreição, a morte pode ser chamada de sono. No evangelho de João, depois de uma pequena discussão com os discípulos, Jesus despertará Lázaro. Mas a dúvida de quem o acompanha é se o corpo, que fora dado por morto, apenas dormia. Ao que o Cristo responde, “Lázaro morreu” (João 11, 14).

A fé e a salvação dependem da morte que será vencida, num momento místico em que vida e ressureição são o mesmo, confundindo-se diante dos olhos de uma multidão que se aglomera (João 11) (Bíblia Sagrada, 1989, p.1170).

Mais à frente, quando Paulo prega aos coríntios, a equação se fecha: se o Cristo não ressuscitara, então a fé era inútil. Na grande batalha paulina, a fé é capaz de fazer despertar do sono eterno, num ato que prenuncia a vitória diante do último inimigo a ser aniquilado: a Morte (1 Cor 15) (Bíblia Sagrada, 1989, p.1260-1262). Trata-se da mesma conclamação que subjaz à poesia de Vallejo, banhada que está numa esperança redentora.

O sentimento religioso que atravessa a poesia é tema controverso, mas incontornável. Em 1944, em Cuba, Cintio Vitier (1981VITIER, Cintio. La religiosidad. César Vallejo. In: ORTEGA, J. (Org.) César Vallejo: el escritor y la crítica. Madrid: Taurus Ediciones, 1981. p.383-9., p.386-7) lembrava o que então lhe parecia o fundo cristão contra o qual se agitaria a poesia de língua espanhola, e julgava que o “quemadísimo” [moreníssimo] Vallejo, a despeito do indigenismo em seus escritos, portava um sentimento trágico que dava, a muitos de seus poemas, um aspecto sálmico. Era a poesia como “cruz”, tensionada, no caso do poeta peruano, por uma “raça” poética que fazia dele um “hermano violentísimo de Unamuno y de Martí”.

É recorrente na crítica o paralelo com Quevedo, graças àquelas coisas que parecem “arder en el lenguaje, con una lucidez apasionada” (Ortega, 1996ORTEGA, J. La hermenéutica vallejiana y el habla materno. In: VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996. p.606-20., p.609). Não menos importante é o paralelo com Neruda, embora Vallejo subverta o sujeito autônomo e consciente que tornaria o poeta um vate do socialismo (Franco, 1996_______. La temática: de Los Heraldos Negros a los ‘Poemas Póstumos’. In: VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996. p.575-605., p.605).

É verdade que, como no caso do célebre “Alturas de Macchu Picchu”, de Neruda, os sobreviventes, no caso do Vallejo de España, aparta de mí este cáliz, incorporam a fala dos mortos, abrindo-se para uma voz supraindividual, numa inspiração que o poeta peruano teria buscado no discurso do escritor católico José Bergamín no Congresso para a Defesa da Cultura que aconteceu em 1937, entre Valencia e Madri. Vallejo esteve ali como delegado de seu país, assim como Neruda representou o Chile, Nicolás Guillén esteve em nome de Cuba, enquanto a França mandou uma delegação que tinha nomes como Malraux, Benda e Tzara (Franco, 1976FRANCO, J. César Vallejo: The Dialectics of Poetry and Silence. Cambridge: Cambridge University Press, 1976., p.228-39).

Em suma, não se compreende a poesia do período sem a grande onda socialista que resistia ao avanço do totalitarismo na Europa. Trata-se de um tempo, como lembrou Alfredo Bosi, em que a noção de “Resistência” foi pensada e formulada amplamente, “quando numerosos intelectuais se engajaram no combate ao fascismo, ao nazismo e às suas formas aparentadas, o franquismo e o salazarismo” (Bosi, 2002, p.125).

Se a “coralidade” da poesia é uma abertura ao futuro, resta pensar que o discurso poético é também utópico, “comunitário, comunicante, comunista”, como sugeriu o mesmo Bosi, referindo-se ainda à fala de Neruda, a qual “parece mais forte ou mais clara do que o gemido da criatura opressa”, justamente porque “desta, e só desta, recebeu o fôlego para gritar” (Bosi, 1993, p.181-2).

Jean Franco (1996_______. La temática: de Los Heraldos Negros a los ‘Poemas Póstumos’. In: VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996. p.575-605., p.604-5) não chega a comentar diretamente o aspecto coral da poesia de Neruda, em contraposição à de Vallejo, mas termina por sugerir o caminho para pensar na tensão entre, de um lado, uma poesia que aposta fundo na dissolução da voz individual e, de outro, aquela que ainda vive da angústia de um sujeito cindido, que reconhece a arbitrariedade da relação entre os signos, embora jamais se distancie do chamado ético de uma solidariedade internacional.

O herói podia resistir, de muitas formas, à própria demolição. No entanto, descobria-se cada vez mais cindido e amargurado, no seio da guerra, ou nas suas margens, que se estendiam ao mundo todo.

* * *

Voltemos ao primeiro poema do livro, “Himno a los voluntarios de la República”, misto de homenagem e interpelação às brigadas internacionais que engrossaram os exércitos republicanos: voluntário italiano, voluntário soviético, voluntário do sul, do norte, do oriente, e o ocidental.

Escutado o poema, acorrerão todos, porque “están llamando/ a matar, voluntarios de la vida!” (Vallejo, 1996VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996., p.453). Em agonia, o poeta lembra que em Espanha estão a matar, e é a essa morte, ou contra ela, que se empenhará o voluntário. Noto que se trata de um sujeito masculino, o guerreiro dos campos de batalha, de sendas redentoras (ibidem, p.454):

¡Voluntarios, por la vida, por los buenos, matad a la muerte, matad a los malos! ¡Hacedlo por la libertad de todos, del explotado, del explotador, por la paz indolora - la sospecho cuando duermo al pie de mi frente y más cuando circulo dando voces - y hacedlo, voy diciendo, por el analfabeto a quien escribo, por el genio descalzo y su cordero, por los camaradas caídos, sus cenizas abrazadas al cadáver de un camino! [Voluntários, pela vida, pelos bons, matai a morte, matai os maus! Fazei-o pela liberdade de todos, do explorado, do explorador, pela paz indolor - sinto-a quando durmo ao pé de mim e mais quando circulo suplicando - e fazei-o, vou dizendo, pelo analfabeto a quem escrevo, pelo gênio descalço e seu cordeiro, pelos camaradas caídos, suas cinzas abraçadas ao cadáver dum caminho.]

A “paz indolor” é um repto, uma recompensa reservada àqueles que vierem a vencer o império da Morte. O cadáver ressurge, como corpo caído à beira do caminho, calcinado pela distância daquele mundo sem dor. Trata-se de um cadáver condoído, a que se agarram todos os caídos, formando um corpo incomensurável, em que a comunidade se reencontra misticamente: cenizas abrazadas al cadáver de un camino. Já não se sabe de que outro caminho se trata, senão o do encontro com a Morte.

Entretanto, diante do desaparecimento, a comunidade recebe os voluntários como adição providencial ao corpo místico (Vallejo, 1996VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996., p.454):

Para que vosotros, voluntarios de España y del mundo, vinierais, soñé que era yo bueno, y era para ver vuestra sangre, voluntarios... [Para que vós, voluntários de Espanha e do mundo, viésseis, sonhei que eu era bom, e era para ver vosso sangue, voluntários...]

Aqui, parece-me, surge uma pergunta difícil. O canto de Vallejo é da vida, ou da morte? Será a dimensão sacrificial tão tremenda, que a morte já não é apenas um espectro indesejado? Será a morte uma marca necessária dessa poesia de exclamações e conclamações? Haveria poesia, neste caso, sem que a morte espreite e se realize? Diante da guerra, que forças, vitais e letais, a poesia é chamada a cantar? Que contracantos à Morte pode oferecer quem escreve versos?

* * *

É difícil responder a tais perguntas. Mas é possível pensar que, em A rosa do povo, livro publicado em 1945, quando já findava a Segunda Guerra Mundial, Carlos Drummond de Andrade terá resistido ao encanto do sacrifício, sem que saibamos, ao fim, se sua resistência é uma incapacidade, ou uma opção.

Haveria, em Drummond, uma “recusa” diante do ímpeto que preside à ação guerreira? O retraimento do ser, que se sente tantas vezes em A rosa do povo, seria uma resposta possível à sombra da guerra que tomava o globo? Diante do mundo entregue à escuridão, que forças o “obstáculo” é capaz de disparar, ao constituir-se, porventura, no motor da poética drummondiana (Bischof, 2005BISCHOF, B. Razão da recusa: um estudo da poesia de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Nankin, 2005.)? Que balanço fundamental é esse entre afastamento e aproximação, capaz de fundar um “risco” que é a um só tempo compromisso ético e exercício metalinguístico, desembocando talvez na consciência profunda da crise da própria poesia (Simon, 1978SIMON, I. M. Drummond: uma poética do risco. São Paulo: Ática, 1978.)? Mas como a militância se enlaça ao éthos lírico, e como este infunde àquela suas “inquietudes” (Talarico, 2011TALARICO, F. B. F. História e poesia em Drummond: A rosa do povo. Bauru: Edusc, 2011., p.326)? Como evitar uma noção dura de “contexto”, na compreensão de um poemário assombrado pela guerra (Bosi, 2017_______. Três leituras: Machado, Drummond, Carpeaux. São Paulo: Editora 34, 2017., p.37)?

Seja como for, a poesia drummondiana, por vezes tão crepuscular, pode talvez ser compreendida como uma rejeição da vertigem mística e voluntariosa do herói, ainda tão forte no Vallejo dos poemas da Guerra Civil Espanhola. Estaríamos, com o autor de A rosa do povo, diante da definitiva “demolição do herói”?

O sujeito lírico em questão fala das ruínas de um tempo em que a ação prometia, ainda, a recomposição justa do mundo. O retraimento é a marca de quem leva consigo uma coisa indescritível, que não foi escolhida, nem perscrutada, como se lê em “Carrego comigo” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.15-18). Trata-se, em todo o caso, do fado de um sujeito avesso à iluminação da ação vingativa, ou redentora.

Se, como antigamente, o herói ainda guarda um segredo, ele é agora opaco ao próprio sujeito que o porta. Que drama íntimo e profundo, saber-se portador, e não saber mais de quê! Carregar consigo um segredo que se fechou, uma mensagem que se apagou e ninguém mais pode ler, nem mesmo aquele que a carrega.

É verdade que o poeta não está sozinho, porque canta também o povo. É o povo, afinal, que defende a cidade ameaçada: o povo de Stalingrado, o povo de Charlie Chaplin, ou o povo que figura como significante nesse título tão poderoso, em que se juntam os nomes da rosa e do povo. Repetindo em clave dupla a pergunta fundamental de Abelardo: e quando não houver mais rosas, que será do nome da rosa? (Abelardo, 1994ABELARDO, P. Lógica para principiantes. Trad. Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento. Petrópolis: Vozes, 1994., p.76) E quando não houver mais povo?

Se o canto de Drummond pode também ser coral, nele o corpo surge numa modulação nova, tímido, à beira de um poço ermo e quedo, como na balada do “Anoitecer” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.19), que aliás já não há como ouvir sem a bela melodia que lhe emprestou José Miguel Wisnik.2 2 A canção se encontra no álbum Pérolas aos poucos (Wisnik, 2003). Recomendo ainda a “conversa musical” que entretive com Wisnik no início da pandemia, e que se inicia, no contexto do lançamento do projeto multidisciplinar MinasMundo, com “Anoitecer”, ao piano, em meio a uma reflexão sobre a presença dos sinos em Drummond (Wisnik; Meira Monteiro, 2020). Ver também Wisnik (2018, p.27-35). Sobre o sujeito “esmagado”, e uma subjetividade “confinada ao estribilho” em “Anoitecer”, ver Otsuka (2006). No entanto, “o medo” que o poeta sente, e que o então jovem Antonio Candido lhe dera por mote (Andrade, 2012, p.20-2), transforma-se no grande baile estrelar que nos move, como a verdade cósmica de um sujeito que se sabe minúsculo, insignificante e aterrado.

E como poderia nascer o herói, nesse estranho tempo de homens partidos?

Em “Nosso tempo”, poema que Marlene de Castro Correia (2015CORREIA, M. C. Drummond: jogo e confissão. Org. Eucanaã Ferraz. São Paulo: IMS, 2015., p.232) coloca no mesmo patamar que “A máquina do mundo”, as coisas são indiferentes, recusando-se a funcionar como signos reveladores. Assim como não há mais heróis, não há revelação, e nenhum caminho leva à “cidade” ideal, em que os homens seriam “completos”. Diante do mundo fraturado de “Nosso tempo”, quando o sujeito visita os “fatos” e nada encontra, três versos soam como um trinado (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.23):

Calo-me, espero, decifro. As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas!

Não sabemos se as coisas são fortes porque resistem e permanecem, ou se são fortes na sua muda indiferença. “Talvez” (“as coisas talvez melhorem”) é o signo de um futuro fraturado e indecidido, nem sombrio, nem escatológico. Uma pergunta rasga então a alma do leitor: como agir, diante desse “talvez” que afasta o sujeito da ação? Que possível atitude reponta num universo que passa indiferente diante dos olhos de quem se “cala, espera e decifra”? Não se forma aí, pouco a pouco, a imagem do melancólico? Aquele que, lasso, observa o arruinamento e nada promove contra o poder estuante do tempo? Trata-se do sujeito que, diante de um universo enigmático, apenas observa e se sente atado ao chão, incapaz de qualquer voo, como na clássica alegoria de Dürer (Rufinoni, 2013RUFINONI, S. A imagem da melancolia: Carlos Drummond de Andrade e Albrecht Dürer. ELyra: Revista da Rede Internacional Lyracompoetics, n.2, p.57-71, 2013.).

No entanto, num rompante que não é de potência, mas é de pura impotência, lemos os versos seguintes, logo após termos escutado o trinado da dúvida:

Mas eu não sou as coisas e me revolto. Tenho palavras em mim buscando canal, são roucas e duras, irritadas, enérgicas, comprimidas há tanto tempo, perderam o sentido, apenas querem explodir.

Mais uma vez o sujeito porta aquilo que desconhece, ou que já não diz mais nada. Palavras sem sentido, re-primidas, cuja potência original (a irritação, a energia) foi consumida pelo tempo. Os vocábulos agora são pedras que passam, roucas e duras, procurando um “canal” pelo sujeito. A imagem é estranha, mas é o corpo, aqui, que produz sons sem sentido, na forma de palavras duras que, já descoladas de seu significado, escoam rudemente.

A “luta com a realidade” conduz a um desfecho que é a “luta com as palavras”, nos termos de Eduardo Sterzi recuperados por Clara Rowland em sua análise de outro poema de A rosa do povo. Importaria entender que o sentido comum das palavras vai sendo torcido, mas é só no poema que isso se dá, exatamente quando a “referencialidade primeira” cede, deixando que se instaure o jogo de sentidos, que Rowland (2019, p.90-103) identifica na centralidade que teria a catacrese na poesia de Drummond. A palavra tem e não tem um fim, sendo o poema o lugar onde ela tenta encontrar seu próprio destino.

Em “nosso tempo”, diante de um mundo em que os “fatos” não guardam mais nenhum segredo, o corpo expele pedras brutas. Eis aqui Drummond em plena “mineração” (Wisnik, 2018_______. Maquinação do mundo: Drummond e a mineração. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.). Para o poeta, a alma é um canal pedregoso de que saem sons “roucos” - expressão que o perseguiria, como bem sabem seus leitores. O sujeito, em suma, é reduzido a sua mineralidade, mergulhado no mundo inanimado das coisas, num tópico que se abre aqui e que ganharia pleno desenvolvimento em Claro enigma, de 1951.

No ensaio clássico de Alfredo Bosi sobre “A máquina do mundo”, que aliás agradaria ao próprio Drummond (Massi et al., 2018MASSI, A. et al. (Org.) Reflexão como resistência: homenagem a Alfredo Bosi. São Paulo: Cia. das Letras; Edições Sesc, 2018., p.36), a condição miserável do sujeito marca o “intervalo entre a máquina do mundo e o seu espectador”, abrindo um oco tão fundo que “só o silêncio pode significá-lo” (Bosi, 1988, p.89). A recusa desencantada do segredo do mundo, ofertado ao sujeito caminhante do poema, converte-se num “canto chão” marcado pela “perplexidade” (ibidem, p.95).

Mas um dia, talvez (apenas talvez), as coisas possam readquirir o seu encanto, e a alma seja finalmente devolvida às palavras. Entretanto, no momento em que ainda grassava a guerra, provavelmente não. Isso explica, a meu ver, que o vocativo em Drummond, tão diversamente daquilo que vimos em Vallejo, se dirija às pessoas e às coisas indiferentes, nelas encontrando o silêncio.

Ainda em “Nosso tempo” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.27):

Ó conta, velha preta, ó jornalista, poeta, pequeno historiador urbano, Ó surdo-mudo, depositário de meus desfalecimentos, abre-te e conta, moça presa na memória, velho aleijado, baratas dos arquivos, portas rangentes, solidão e asco, pessoas e coisas enigmáticas, contai; capa de poeira dos pianos desmantelados, contai; velhos selos do imperador, aparelhos de porcelana partidos, contai; ossos na rua, fragmentos de jornal, colchetes no chão da costureira, luto no braço, pombas, cães errantes, animais caçados, contai. Tudo tão difícil depois que vos calastes… E muitos de vós nunca se abriram.

O desencantamento do mundo poucas vezes terá ganhado um quadro tão eloquente quanto o que este poema nos oferece. O mundo do negócio, das coisas que se abstêm dos valores humanos, é feito de homens e mulheres que vêm e vão, como aquela espessa mancha humana que impregna o chão, ainda em “Anoitecer” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.19). Os corpos rangem, se enlaçam e refluem, errantes numa cidade sem alma, até que possam abafar a dor no sono.

Novamente, “Nosso tempo” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.27):

Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino, passeio na praia, o corpo ao lado do corpo, afinal distendido, com as calças despido o incômodo pensamento de escravo, escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir, errar em objetos remotos e, sob eles soterrado sem dor, confiar-se ao que bem me importa do sono.

Como lembra um crítico que se deteve sobre o “trem do corpo” na poesia de Drummond, Marx já alertara que o trabalho civilizado produz sempre a “escravidão do corpo” (Santos, 2006SANTOS, V. A. O trem do corpo: estudo da poesia de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Nankin Editorial, 2006., p.158). Nesse caso, que restaria ao poeta senão declinar de toda responsabilidade? Cantar o esvaziamento, reparando naqueles que se entregam ao sono profundo de quem se cansou de tudo? Dizer que o encanto se esvai, e que a matéria é duvidosa no seu sentido, atada que está a algo que a esmaga?

Mas, se de tudo fica um pouco, sabemos que não há como definir se o que restará é o rato ou o botão, de acordo com o final de “Resíduo” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.73). De toda maneira, em ambos os casos o encontro do objeto é casual, ou seja, não foi causado pelo sujeito. Tudo se esvai numa espécie de confluência ruinosa das coisas, naquele instante em que as palavras mesmas arriscam perder sua significação, soltas diante do próprio poeta, oferecendo-se como pedras brutas a serem sopesadas.

* * *

Reduzir A rosa do povo a um quadro melancólico, ou sobrevoar seus poemas em busca de uma linha temática, é exercício vão e necessariamente insuficiente. Mas nem por isso parece impossível detectar a tonalidade existencial de uma poesia feita de recusas e dúvidas, como aliás mostra amplamente a crítica.

A contraposição entre Drummond e Vallejo pode parecer esquemática, e o é, porque sem dúvida peca pela generalização. Ainda assim, espero que um exercício como este ajude a iluminar a relação complexa que se estabelece, para o sujeito poético, entre poesia e guerra.

* * *

Ao sugerir os caminhos distintos tomados pelos dois poetas, penso imediatamente na bela imagem que Nietzsche forjou da música, num dos fragmentos da Gaia Ciência, de 1882, ano aliás em que se fundou a Tríplice Aliança, cuja sombra se estenderia até a Primeira Guerra Mundial, pelo menos.

A poesia, diz o filósofo, tem “uma grande utilidade”: ao deixar o ritmo permear o discurso, torna mais próximos os deuses. A mecânica dessa aproximação é relativamente simples: a oração ritmada, como um tiquetaque, chega mais longe e pode atingir os ouvidos divinos (Nietzsche, 2001NIETZSCHE, F. A gaia ciência. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2001., p.112). A Nietzsche interessa devolver a potência ao sujeito, mostrando-lhe que ela existe na distância que o separa dos deuses.

O ritmo é uma coação, porque enlaça o corpo e o faz dançar, queiramos ou não. Não há como resistir.

Mas e se nós mesmos produzíssemos o ritmo, voltando-o em direção às forças que nos coagem? Os pés e as almas seguem o compasso, como se lê na Gaia Ciência, e os deuses tampouco resistem ao poder encantatório da música. Na aurora da poesia, segundo a imagem de Nietzsche, as pessoas concluíram que podiam coagir os próprios deuses “mediante o ritmo, exercendo um poder sobre eles: jogaram-lhes a poesia como um laço mágico” (Nietzsche, 2001, p.112). Devolve-se, à força que nos governa, o canto que governa.3 3 Desenvolvo aqui tema trabalhado anteriormente em “O além do laço: de Nietzsche a Lady Day, passando por poetas e buracos” (Meira Monteiro, 2022, p.41-44).

Os homens de Vallejo se fortalecem em cenas coletivas, próximos do impossível, prestes a realizar aquilo que só os entes divinizados realizaram até ali. Já os homens de Drummond, fugidios que só eles, “vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor”, como se lê em “Canto ao homem do povo Charlie Chaplin”. Sua tarefa é menos heroica, mais submissa. Neles, o laço a que se refere Nietzsche soltou-se, e a febre da ação cede à contemplação de um espetáculo em tom menor, de onde brota o trabalho, quando muito, “caprichoso,/ mas benigno”, sina diária do ofício dos homens, no “salão desmemoriado no centro do mundo oprimido” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.157-164 ). Daí surgirá, no melhor dos casos, o amigo; não o inimigo, nem o soldado.

O laço foi afrouxado, e as potências descansam no além, intocadas.

* * *

Terminemos com uma série de perguntas e seus ecos, que se encontram, creio, nos dois poetas e na crítica que tenta compreendê-los: que lealdade move os sujeitos poéticos de Drummond e de Vallejo? Quem eles protegem e cantam, ao atirar o laço ora teso ora frouxo da poesia? Quem pretendem acolher? E o que colhem, ao final? O que pensam trazer de volta, como testemunho da dor e do sofrimento?

Reitero que a poesia engajada de Vallejo, como a de tantos outros artistas-intelectuais, aproxima-se da guerra para descobrir nela a força empenhada contra a morte. Mas este é apenas um Vallejo, certamente não aquele eu-lírico também melancólico que, num dos poemas de Trilce (1922), regressa à velha casa da infância e, ao fim, apenas ouve o seu próprio cavalo que relincha diante das ruínas da residência, “fatigado por cabecear” (Vallejo, 1996, p.246). Diante da aproximação aqui proposta, é impossível não notar a coincidência, lembrando as retinas fatigadas de drummondiana memória...

Ou então, recordo os dois primeiros versos de outro poema de Trilce, o de número XXVIII, onde se lê: “He almorzado solo ahora, y no he tenido/ madre, ni súplica, ni sírvete, ni agua […]” [Almocei só agora, e não tive/ mãe, nem súplica, nem sirva-se, nem água] (Vallejo, 1996VALLEJO, C. Obra poética. Org. Américo Ferrari. Madrid: ALLCA XX (Colección Archivos), 1996., p.201). Neles, a ausência é acentuada pela falta dos gestos e das pequenas ordens carinhosas que o sujeito vê sumirem no labirinto da vida, e que a memória traz à tona de forma dolorosa, como que aprofundando o vazio que o separa inevitavelmente da mãe. Trata-se de um Vallejo diverso, portanto, como diversa é sua poesia.

E Drummond, diante do esfacelamento da guerra? Sabemos que, a partir de A rosa do povo, o engajamento aos poucos se converte em exercício de cristalina desconfiança diante dos marcos ideológicos, no contexto daquela “guinada classicizante” que Vagner Camilo esmiuçou e historicizou, em diálogo com a fortuna crítica do poeta (Camilo, 2001CAMILO, V. Da Rosa do Povo à Rosa das Trevas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.). Vale lembrar que, num de seus últimos textos, já referido aqui, Alfredo Bosi voltou à questão desse Drummond progressivamente menos engajado, para sugerir que seria unilateral “a hipótese de uma divisão de sua obra em uma fase de empenho público e uma fase de retração existencial permeada de ceticismo com acentos de pessismismo metafísico, que se abriria com Claro engima e continuaria em poemas dos anos 1950” (Bosi, 2017, p.51).

Mesmo que escapemos de uma explicação unilateral - em que um Drummond engajado se opõe a outro, retraído -, o fato é que, em A rosa do povo, podemos flagrar um poeta em diálogo profundo com o momento internacional, embora o vejamos atento, igualmente, ao campo literário e aos meandros da política doméstica, num momento em que o equilíbrio instável do pacto varguista ia se rompendo. Mesmo não concordando com a fôrma sociológica com a qual por vezes se procura compreendê-lo, parece-me importante lembrar que, ao lançar A rosa do povo, Drummond já navegara com extremo cuidado o terreno privilegiado que o posto governamental lhe dava, naquilo que Sergio Miceli provocadoramente chama de “protetorado Capanema” (Miceli, 2022MICELI, S. Lira mensageira: Drummond e o grupo modernista mineiro. São Paulo: Todavia, 2022., p.93).

Como alternativa às rudezas de um esquema sociológico que tem o Estado como eixo para a compreensão da maior ou menor “cooptação” de seus intelectuais, talvez valha a pena, com Roberto Said, pensar numa espécie de “texto” coletivo que esses intelectuais teriam ajudado a escrever, cartografando “as linhas da subjetividade moderna e os traços daquilo que convencionou-se chamar de identidade nacional”. Nesse jogo, nem tudo é ação, nem tudo pura contemplação, mas o certo é que qualquer gesto significativo estará incontornavelmente envolto na angústia, como se a própria impossibilidade de alterar o mundo disparasse a melancolia (Said, 2005, p.100-5).

Voltando à questão da voz poética que se molda diante da guerra, lembro ainda do que propôs Alcides Villaça, talvez evocando inconscientemente a imagem que Augusto Meyer cunhou de Machado de Assis. Num de seus textos críticos mais felizes, Meyer (2008MEYER, A. Machado de Assis, 1935-1958. Rio de Janeiro: José Olympio; ABL, 2008., p.105) vê Machado como um autor que, à maneira dos moralistas clássicos, dorme na pontaria, prestes a romper o tecido da consciência com uma daquelas flechas potentes que só as formas breves conseguem atirar. Talvez bebendo dessa mesma fonte, que vê os autores como caçadores e observadores atentos, encontra-se, na análise que Villaça (2006, p.75) propõe de “O elefante”, a ideia de que “no horizonte dos melhores poemas de A rosa do povo não há certezas políticas, mas alvos custosos da esperança de um atirador meio sem pontaria e nada triunfal, que avalia a dificuldade da mira e o alcance do gesto tímido e personalista”.

Aí, porventura, se condensa o problema. Diante da guerra, o sujeito sabe ser imperioso atirar. Mas o que enxerga o poeta moderno, quando se vê - no plano simbólico que Drummond labora com maestria - com as armas na mão? Atira a esmo? Vence a miopia congênita do gauche? Desempenha o papel impossível do herói? Ou se retrai, simplesmente, pressentindo não haver nada de “triunfal” ao seu alcance?

Vale a pena relembrar “Visão 1944”, um dos poemas finais de A rosa do povo, em que os “olhos” são sempre “pequenos para ver”. O verso “Meus olhos são pequenos para ver” é o ritornello que acompanha a descrição minudente e agônica das agruras da guerra: o desabastecimento, a cegueira, a velhice e a infância desassistidas, o medo, a destruição do corpo, o deserto de após as batalhas, os judeus de roupa negra, em fila, “toda essa força aguda e martelante,/ a rebentar do chão e das vidraças,/ ou do ar, das ruas cheias e dos becos” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.137).

No entanto, como se trata de Drummond, uma flor brota, desta vez um “nelumbo”, ou um lótus, em meio à sujeira e ao sangue. E os olhos, como se lê no verso final, “veem, pasmam, baixam deslumbrados” (ibidem, p.138), anunciando ademais que a máquina do mundo, tremenda, de fato já se erguia no horizonte do sujeito poético que haveria de recusá-la.

Reparo aqui, com Alfredo Bosi (2017_______. Três leituras: Machado, Drummond, Carpeaux. São Paulo: Editora 34, 2017., p.50), que “nelumbo é afim, como rima interna toante, a mundo, que os olhos pequenos do poeta veem, pasmam e baixam deslumbrados; este adjetivo participial, por sua vez, traz no bojo os mesmos fonemas (um - b) que integram o centro do nome da flor”. A importância do som é patente e, no “intérmino jogo de suplências” da poesia, os fonemas são flexíveis: as “conotações não transparecem em cada som isolado, mas precisam ser reativadas pela pronúncia e pela entoação, que fazem o papel de gestos vocais” (Bosi, 1993, p.58).

De toda forma, importa notar que o espetáculo, no caso, não levou o poeta a armar-se nem a posicionar-se marcialmente. Nem por isso se trata de uma recusa covarde, mas sim do retraimento dubitativo, isto é, do esgotamento e da fadiga de quem passou muito tempo acordado, a olhar uma cena insuportável. A avaliação do alcance e da mira, no caso, tem um resultado claro e negativo, diferente da precisão e da rapidez das formas breves clássicas. O poeta é impotente diante do que vê, e o seu canto será tão mais poderoso quanto mais seja capaz de aquilatar aquilo que perdeu. Perdeu, porque o laço de sua poesia não traz nada de volta: nem deuses, nem demônios.

Não se trata da cegueira do guerreiro tomado pela ira, mas sim da miopia do sujeito moderno, egresso do horror inenarrável e testemunha de mortos que já não têm mais quem os cante. Mortos que uns poetas velam à distância, enquanto outros decidem encarar, imaginando-os vivos novamente, como vimos acontecer em Vallejo. No caso de Drummond, não será demais dizer que a lâmina que corta e o tiro a desfechar-se são uma iminência nunca cumprida. Como se na última hora - a hora do poema - se desistisse do gesto que anuncia a restauração do mundo.

Convém lembrar, por fim, que uma sensação funda, a partir de A rosa do povo, é a de que o mundo se recompõe a despeito do sujeito. Nossa sina, então, resume-se a ajustar as lentes, meio trôpegos, sem saber se o contorno do mundo será outro, no instante seguinte.

O futuro é um tempo incerto que, diante da guerra, nem mesmo o poeta ousa ou quer divisar. Este nosso poeta, ao menos, parece recusar-se a abrir as portas de um outro tempo. Assim, ele delega às palavras uma pergunta infernal, a que, qual herói em processo de demolição, ele próprio não saberá responder: “Trouxeste a chave?” (Andrade, 2012ANDRADE, C. D. de. A rosa do povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012., p.12)

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    » https://youtu.be/OhmrFM-v4yk

Notas

  • 1
    Este ensaio é um desdobramento da palestra que proferi, ao lado de Alfredo Bosi, em 2015, no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, num evento de comemoração dos 70 anos de publicação de A rosa do povo, promovido pela Princeton University e pela Universidade de São Paulo. Em certo sentido, ele é também a continuação da conversa que havíamos entretido - vários colegas da USP e de universidades estrangeiras - em Princeton, algumas semanas antes. Agradeço a Vagner Camilo pela parceria na organização do evento, e especialmente a Alfredo Bosi (in memoriam), cujas lições de poesia tanto nos faltam, hoje. Lembro finalmente de minha alegria quando me dei conta de que a palestra de Bosi, no evento supracitado, seria sobre “Visão 1944”, poema também fundamental para a reflexão que eu proporia logo em seguida, sobre Drummond e Vallejo.
  • 2
    A canção se encontra no álbum Pérolas aos poucos (Wisnik, 2003). Recomendo ainda a “conversa musical” que entretive com Wisnik no início da pandemia, e que se inicia, no contexto do lançamento do projeto multidisciplinar MinasMundo, com “Anoitecer”, ao piano, em meio a uma reflexão sobre a presença dos sinos em Drummond (Wisnik; Meira Monteiro, 2020). Ver também Wisnik (2018, p.27-35). Sobre o sujeito “esmagado”, e uma subjetividade “confinada ao estribilho” em “Anoitecer”, ver Otsuka (2006).
  • 3
    Desenvolvo aqui tema trabalhado anteriormente em “O além do laço: de Nietzsche a Lady Day, passando por poetas e buracos” (Meira Monteiro, 2022, p.41-44).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2023
  • Aceito
    04 Maio 2023
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