Acessibilidade / Reportar erro

Infância e educação infantil: aspectos inconscientes das relações educativas

Infancia y educación infantil: aspectos inconscientes de las relaciones educativas

Resumos

Este estudo teve como objetivo discutir a presença do inconsciente nas relações e práticas educativo-pedagógicas constituídas entre professor e criança na Educação Infantil a partir do referencial teórico psicanalítico. Propõe-se a problematização sobre a importância do outro humano, mais propriamente o professor, no processo formativo da criança. A complexidade da experiência educativa coloca em questão, de um lado, o reconhecimento de que professor e criança são sujeitos desejantes, e, de outro, o reconhecimento de que o professor, como outro humano significativo para a criança, é corresponsável pelo processo de humanização do aluno.

pré-escolares; professores de pré-escola; educação; psicanálise


La finalidad de este estudio es discutir la presencia del Inconsciente en las relaciones y prácticas educativo-pedagógicas establecidas entre el profesor y el niño, en la Educación Infantil, partiendo del aporte teórico de la Psicoanálisis. Se propone el cuestionamiento sobre la importancia del otro humano, sobretodo del profesor, para el proceso de formación del niño. La complejidad de la experiencia educativa pone en discusión, a un lado, el reconocimiento de que el profesor y el niño son sujetos que desean y, de otro lado, el reconocimiento de que el profesor, como un otro humano significativo para el niño, es co-responsable por el proceso de humanización del alumno.

pre escolares; profesores pre escolares; educación; psicoanálisis


Based on the theoretical framework of psychoanalysis, this study presents a discussion concerning the presence of the unconscious in educational and pedagogical relationships and practices established between a teacher and a child in early childhood education. We propose to discuss the importance of another human being, specifically the teacher, to the child's formative process. The complexity of the educational experience brings into question the recognition that teacher and child are both desiring subjects and also the recognition that the teacher, being a significant human being to the child, is co-responsible for his/her humanization process.

preschool students; preschool teachers; education; psychoanalysis


ARTIGO

Infância e educação infantil: aspectos inconscientes das relações educativas

Infancia y educación infantil: aspectos inconscientes de las relaciones educativas

Aline Sommerhalder; Fernando Donizete Alves

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Aline Sommerhalder. Rua Ray Wesley Herrick, 1601, casa 185. Condomínio Residencial Village Damha II. CEP 13.562-090. São Carlos-SP, Brasil. E-mail: sommeraline@hotmail.com

RESUMO

Este estudo teve como objetivo discutir a presença do inconsciente nas relações e práticas educativo-pedagógicas constituídas entre professor e criança na Educação Infantil a partir do referencial teórico psicanalítico. Propõe-se a problematização sobre a importância do outro humano, mais propriamente o professor, no processo formativo da criança. A complexidade da experiência educativa coloca em questão, de um lado, o reconhecimento de que professor e criança são sujeitos desejantes, e, de outro, o reconhecimento de que o professor, como outro humano significativo para a criança, é corresponsável pelo processo de humanização do aluno.

Palavras-chave: pré-escolares, professores de pré-escola, educação, psicanálise

RESUMEN

La finalidad de este estudio es discutir la presencia del Inconsciente en las relaciones y prácticas educativo-pedagógicas establecidas entre el profesor y el niño, en la Educación Infantil, partiendo del aporte teórico de la Psicoanálisis. Se propone el cuestionamiento sobre la importancia del otro humano, sobretodo del profesor, para el proceso de formación del niño. La complejidad de la experiencia educativa pone en discusión, a un lado, el reconocimiento de que el profesor y el niño son sujetos que desean y, de otro lado, el reconocimiento de que el profesor, como un otro humano significativo para el niño, es co-responsable por el proceso de humanización del alumno.

Palabras clave: pre escolares, profesores pre escolares, educación, psicoanálisis

É notório que educar implica necessariamente o trabalho com e entre pessoas. Trata-se de uma atividade relacional, interativa, em que estão presentes desejos, interesses, necessidades do outro, isto é, o filho, a criança, o aluno. Nesse sentido, a educação escolar e, especialmente a Educação Infantil, repousa basicamente sobre as interações cotidianas entre professores e crianças, sem as quais a escola não é nada mais do que uma concha vazia (Tardif & Lessard, 2007), sem vida, sem movimento e sem ação.

Diferentemente de outras profissões em que o objeto de trabalho é inerte e responde prontamente à ação do trabalhador, na educação estão implicados elementos que dizem respeito ao humano, sendo estes da ordem do social, do cognitivo e do psíquico, os quais não são controláveis na mesma medida que a matéria inerte. Em outras palavras, o professor exerce sua ação direta sobre outro humano, a criança, na perspectiva de formá-lo para a vida em sociedade. Isso implica incorporar valores, comportamentos, conceitos, enfim, saberes que possibilitem à criança constituir-se como sujeito no interior de um determinado contexto sociocultural.

O contraponto reside no fato de que a criança não é matéria inerte, ou seja, ela reage à ação do professor, colocando em cena desejos e demandas que podem se chocar com os desejos e demandas do professor. A criança pode apresentar empatia ou antipatia às ações e à própria figura do professor, considerando que ele é suporte de investimento afetivo daquela. O trabalho educativo pressupõe situações de negociação, controle, persuasão, sedução e promessa.

Na mesma medida, pode-se dizer que o professor também é afetado pela criança, pelo simples fato de que o trabalho sobre e com seres humanos faz retornar sobre si a humanidade de seu objeto. O professor se vê diante de sua própria humanidade espelhada na criança que está à sua frente. Uma suposta neutralidade do professor sobre as relações e as práticas educativo-pedagógicas desmonta-se diante da incontornável realidade de sua humanidade.

Considerando-se que "ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos e para seres humanos", pode-se dizer que o "objeto humano" está no centro do trabalho docente (Tardif & Lessard, 2007, p. 31). Assim, diante da magnitude de tal afirmação, este estudo teve como objetivo discutir a presença do inconsciente nas relações e práticas educativo-pedagógicas constituídas entre professor e criança, na Educação Infantil, a partir do referencial teórico psicanalítico.

A revolução freudiana inverte o valor absoluto da razão e inaugura um tempo no qual a razão e a consciência são reduções do inconsciente. O eu, por conseguinte, tem poder relativo e não mais absoluto. A Psicanálise demonstra o funcionamento do inconsciente como atividade central das produções humanas.

O legado freudiano nos conduz à descoberta dos modos de funcionamento do inconsciente, dos modos de expressão e inscrição da vida e da morte no corpo e no fazer humanos. Nessa direção, Freud mostrou que a vida racional é uma conquista, um acordo com as paixões, com as pulsões, e não sua exclusão.

Tal quadro pressupõe o reconhecimento de que a educação é um "processo que não se limita à intencionalidade consciente" (Oliveira, 2006a, p. 13). Significa reconhecer e considerar a impossibilidade de separar a educação "de seu sentido inconsciente", uma vez que esse "é coagente e coprodutor dos fazeres humanos" (Alves, 2009, p. 71), os quais são codeterminados pelo desejo, pelo infantil e pela fantasia. Considerando-se que o ser humano é "um ser do desejo, mais do que da necessidade", é imprescindível reconhecer que "educar, pensar e aprender são atividades investidas de fantasia" (Oliveira, 2006b, p. 86).

Vale ressaltar que a educação, sustentada pelos conhecimentos acumulados pela Psicanálise, desde Freud, faz-se para além daquilo que é objetivamente percebido, para além do conhecimento objetivo que compõe o conjunto de conteúdos escolares transmitidos às crianças. Antes, ela se faz por aquilo que o outro, o professor, representa para o sujeito em constituição, a criança, de modo que se faz no reconhecimento de que o humano é um ser que deseja e se faz na relação amorosa que se estabelece entre professor e criança.

O Professor: Objeto de Desejo da Criança

Em Sobre a Psicologia do escolar, Freud (1914/1955a) discorre sobre a importância do professor nas relações e práticas educativas, uma vez que vale muito mais aquilo que ele é e representa para a criança do que propriamente o legado de conhecimento que ele transmite. Ao falar de seu reencontro com um velho professor da escola, Freud argumenta ser difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre ele e seus colegas (de escola) foi o interesse pelas ciências que lhes eram ensinadas ou a personalidade de seus professores.

Por outro lado, Freud afirma que a preocupação com a personalidade dos professores constituía uma corrente oculta e constante nele e em seus colegas, de modo que, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas por meio de seus professores. Trata-se daquilo que o professor representa do ponto de vista inconsciente para a criança e vice-versa.

Assim, diz Freud:

Nós os cortejávamos ou lhes virávamos as costas; imaginávamos neles simpatias e antipatias que provavelmente não existiam; estudávamos seus caracteres e sobre estes formávamos ou deformávamos os nossos. Eles provocavam nossa mais enérgica oposição e forçavam-nos a uma submissão completa; bisbilhotávamos suas pequenas fraquezas e orgulhávamo-nos de sua excelência, seu conhecimento e sua justiça. No fundo, sentíamos grande afeição por eles, se nos davam algum fundamento para ela (...) Estávamos, desde o princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los (Freud, 1914/1955a, p. 242, tradução nossa).

As ideias de Freud (1914/1955a), pontuadas nesse texto, levam a pensar sobre os motivos que fazem a criança apaixonar-se pelo conhecimento. Certamente estão além do conhecimento propriamente dito. Este é a consequência do emprego amoroso da sexualidade em alvos/objetos não sexuais, a passagem do prazer autoerótico para o prazer sublimado.

Entretanto, a paixão que leva a criança a trilhar esse caminho está associada à figura do professor, seu objeto de desejo. A criança confia ao professor seu amor e desejo, pois acredita que ele pode ajudá-la a encontrar as respostas para seus enigmas. Cabe ao professor acolher o desejo da criança e o amor a ele direcionado, fazendo-se suporte das pulsões e ajudando-a a suportar as tentativas malsucedidas de inserção no mundo civilizado.

Barone (1995) aponta o caráter problemático da transmissão de um saber, seja aquele que perpassa a relação entre mãe e filho ou aquele entre professor e criança, já que aquilo que se transmite está sempre aquém ou além do discurso proferido, da intenção do locutor. A autora ressalta que a relação que o professor estabelece com a criança é uma relação de desigualdade, demarcando uma diferença de experiência. O professor está na posição daquele que deve exercer sobre a criança uma ação educativa, conduzindo-a em direção à autonomia e corroborando para que ela se reconheça como unidade no interior de uma coletividade com a qual deverá saber conviver.

O conhecimento de seus desejos e a integração egoica são elementos fundamentais ao professor para o trabalho com a criança. Este conhecimento de si marca a diferença entre o professor que se posiciona como mediador entre a criança e as produções culturais e aquele que, identificando-se com o saber que porta, assume uma postura autoritária e dogmática e recusa as produções culturais e as ideias de seus alunos, quando diferentes das suas (Barone, 1995).

Por outro lado, há aqueles professores que, como pontua Barone (1995), forjam uma "igualdade mentirosa", negando a evidente e clara diferença existente entre eles e a criança, tão perniciosa quanto a substantivação da diferença, uma vez que incentiva o uso disfarçado da autoridade. A acentuação da diferença em relação à criança, assim como a tentativa de se igualar a ela, por parte do professor, são posturas que buscam manter a criança dependente, ao mesmo tempo em que mantém o professor em sua ilusória posição de onipotência, satisfazendo suas tendências narcisistas.

A questão aqui, ao menos nas proposições de Barone, é dar à criança a possibilidade de ser autônoma, de libertar-se do amor opressivo, neste caso, do professor. Em outras palavras, o que parece ser difícil ao professor é deixar que a criança se expresse, se liberte, tenha ideias próprias, muitas vezes contrárias às dele. Usando do termo apropriado por Winnicott (1971/1975, 1964/1997), o que parece difícil é o "desmame" da criança por parte do professor: a criança deseja a autonomia, o professor a dificulta.

Segundo Barone (1995), a aprendizagem - e, num sentido mais amplo, a prática educativa - passa por uma fase de identificação, mas que deveria ir além. Na relação entre professor e criança, assim como em todas as relações humanas, entram em jogo as identificações que organizam as relações do sujeito com as várias instâncias que constituem o aparelho psíquico.

A mais remota expressão de uma identificação, diz Freud (1921/1955b) em Psicologia das massas, é o laço emocional vivido pela criança em relação às figuras parentais e que, posteriormente, é transferido a outras pessoas com as quais a criança se relaciona, desde que representativas para ela. Essas pessoas serão para a criança "figuras substitutas desses primeiros objetos de seus sentimentos (...) e as ordenará em séries que partem, todas, das denominadas imagens do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs, etc." (Freud, 1914/1955a, p. 243, tradução nossa).

É esse, também, o caso do professor, tomado como modelo pela criança, porque é tomado (inconscientemente) como substituto dos seus pais. Para Freud (1914/1955a, p. 244), "estes homens, nem todos pais na realidade, tornaram-se nossos pais substitutos" de modo que "transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância, de maneira que começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais" (tradução nossa).

Por isso, a criança investe o professor como ideal - ideal do ego - tal como investia (ou investe) seus pais. Dizem as crianças: "quando eu crescer, quero ser igual ao meu pai", "ao meu professor" e assim por diante. É um ideal de perfeição colocado sobre os pais e outros adultos representativos para elas que, aos poucos, vai sendo minado pelo real: eles não são tão perfeitos assim. No entanto, tais identificações permitem que o sujeito se constitua e se diferencie (Laplanche & Pontalis, 1982/2001), tornando-o independente.

A questão é que o professor tende a suportar somente a primeira fase, ou seja, a da identificação, rejeitando a segunda, que remeteria à autonomia, ressalta Barone (1995). A criança, ao tomar o professor como modelo, gratifica-o narcisicamente, o que a torna suportável, ao passo que o movimento de autonomia dessa criança pode ser percebido pelo professor como ataque ou desautorização de seu papel, comprometendo sua autoimagem. Nesse caso, o professor tende a ser autoritário, desqualificando a criança e suas produções culturais. Beneficiando-se do poder que lhe confere sua posição, tende a dificultar ou impedir a autonomia de pensamento da criança (Barone, 1995).

É evidente que a relação do adulto (professor) com a criança é de desigualdade. Contudo, isso não significa que o professor não possa acolher aquilo que a criança produz e que pode ser valioso e enriquecedor nas relações e práticas educativo-pedagógicas. Nas palavras de Barone (1995, p. 63), apoiada em Ferenczi (1932/1992): "trata-se da importância de ouvir a criança para soltar-lhe a língua e poder aprender com ela".

Lajonquière (1999) diz que o ato de educar significa transmitir marcas simbólicas que possibilitem à criança conquistar para si um lugar na história, onde lhe seja permitido o usufruto do desejo. Assim, Lajonquière (1992) argumenta que educar está para além dos métodos pedagógicos, sendo que o segredo, se assim se pode dizer, do ato de educar, está no Outro. Segundo esse autor, nenhuma produção subjetiva ou produto da atividade humana podem ser pensados como acontecendo fora do campo do Outro. A aprendizagem e a reconstrução do conhecimento socialmente compartilhado tornam-se possíveis no interior desse campo.

Lajonquière (1999 ) argumenta que aquilo que "toca" a criança não é o conhecimento em si, mas aquele que se dirige a ela, o professor, tal como pontua Freud (1914/1955a) em Sobre a Psicologia do escolar. Assim, diz Lajonquière (1999, p. 123) que:

Quando ensinamos algo a uma criança, colocamos, por um lado, em ato nossa fantasmática, isto é, a iniciativa do ato cai na conta do desejo do adulto em função educativa. Por outro lado, transmitimos uma lógica operativa que transcende o campo fantasmático no interior do qual estamos singularmente tomados como sujeitos desejantes, uma vez que se trata de um pedaço da cultura, um universal, um fragmento de liame social. Em suma, à medida que a criança 'apre(e)nde', a amostra de laço transmitida faz um laço que sujeita a criança.

Enquanto a criança constrói um laço social, tem a possibilidade de se reconhecer no Outro, de reconhecer que o Outro porta marcas semelhantes às suas, na medida em que se filia a uma tradição existencial, a fragmentos da cultura. Trata-se de uma passagem entre o ser e o ter, entre a posição de objeto de desejo e a de sujeito que deseja. Todo ato educativo transmite cultura/conhecimento, bem como um conjunto de saberes existenciais, aponta Lajonquière (1999). Quando uma criança apre(e)nde um conhecimento mediado pelo professor, carrega consigo uma dose de existência, uma cota de saber fazer com a vida, traço identificatório capturado de seu "mestre".

Nesse contexto, Lajonquière (1992) coloca em questão a relação entre a cultura/conhecimento e o saber (sobre o desejo), apontando que a Ordem do saber ou do desejo é determinante, isto é, a relação do desejo com a cultura/conhecimento é uma relação de determinação do primeiro sobre o segundo. De qualquer forma, estas duas Ordens são irredutíveis uma à outra: a inteligência produz conhecimento, e o desejo produz saber. Ambos, juntos, formam o pensamento. Em outras palavras, o pensamento é o produto do entrelaçamento entre a inteligência e o desejo, entre conhecimento e saber. Portanto, segundo Lajonquière, pensar a reconstrução do conhecimento somente sob a ótica cognitivista, ou seja, da inteligência, é incorrer em um equívoco.

No interior da leitura de Lajonquière sobre as vicissitudes da aprendizagem, apresenta-se a seguinte discussão: a reconstrução do conhecimento do ponto de vista psicanalítico se dá em função da posição subjetiva da criança em relação à castração e não em função dos dados empíricos aportados pelos sentidos. Consequentemente, a aprendizagem também se coloca nos termos de sua posição, em função da castração. Para esse autor, "as aprendizagens resultam possíveis graças à presença dum outro" (Lajonquière, 1992, p. 183). E os dois operadores envolvidos nessa trama são o estádio de espelho e o complexo de Édipo, os quais possibilitam ao sujeito se constituir e se reconhecer como Um.

A castração, possível pela entrada do pai em cena na trama edipiana, corta o vínculo incestuoso da criança com a mãe, deslocando-a da posição fálica - objeto de desejo da mãe - e tornando-a sujeito do desejo (Bacha, 2003). Criança e mãe assumem, por força da castração, sua condição de sujeitos em falta. Desfaz-se, com isso, a identificação da criança com o falo e instaura-se uma diferença (que se faz reconhecer) entre ela Ser o falo e Ter aquilo que, imaginariamente, pode suprir a falta: "em vez de desejar 'ser' o falo, desejará 'ter' dinheiro, presentes, etc." (Bacha, 2003, p. 136). A castração separa também Ser e Parecer: instaura uma diferença "lá onde o sujeito acreditava ser quando apenas o parecia" (Lajonquière, 1992, pp. 214-215).

E se a presença de um Outro é imprescindível para a aprendizagem, como afirma Lajonquière (1992), parece razoável pensar que o desencadeamento ou a inibição da reconstrução do conhecimento dependem, em primeira instância, da posição assumida pelo professor diante da criança e, consequentemente, do desejo que o anima no ato de educar. Segundo o autor, a demanda educativa que é dirigida ao professor deveria deixar um lugar "vazio" - pela via da castração - que possibilitasse a produção de um sintoma de estrutura - a própria aprendizagem - e não exigir da criança a encarnação dos ideais que animam o ato como, por exemplo, aqueles ditados pela demanda escolar, fazendo da criança vítima "de um certo trator pedagógico que pode condená-la à inibição intelectual ou à repetição (...) de conteúdos escolares" (Lajonquière, 1999, pp. 23-24).

Sobre a Paixão de Educar

Assis e Oliveira (2003) ressaltam que o professor educa pelo que ele é e apesar do que ele é, fortalecendo a ideia de que a aprendizagem se faz com o Outro, para além dos métodos e técnicas de ensino tão valorizados pelos professores e pelos cursos de formação inicial e continuada. Apesar da importância que esses métodos e técnicas assumem para o processo de ensino e de aprendizagem, não se pode reduzir o processo educativo a eles, uma vez que aquele é fruto de inter-relações que promovem conhecimento e autoconhecimento.

Partindo desse princípio, a educação é distanciada de uma técnica de ensino ou método pedagógico passível de universalização, oferecida a todas as crianças de forma abrangente e igual. A educação é postulada na esfera da relação humana, com um caráter artesanal, haja vista que se trata de uma técnica humana, um ofício que, segundo Freud (1932/1964), contempla o reconhecimento da individualidade constitucional da criança e a consequente necessidade de se inferir, a partir de pequenos indícios, o que está se passando com ela, dando-lhe amor, ao mesmo tempo em que se mantém uma autoridade.

Em relação à educação da primeira infância, pode-se dizer, então, que esta não se encontra no terreno das metodologias ou das técnicas de ensino, muitas vezes reeditadas na atualidade, mas sempre com características universalizantes. O seu ponto nodal ancora-se no reconhecimento da operatividade do inconsciente e na psicossexualidade como motor do desenvolvimento humano (Sommerhalder, 2010).

Decorre da lógica transferencial o anúncio feito por Freud em relação ao papel do professor como outro humano na relação educativa. O professor, por se constituir como Outro nesta relação intersubjetiva, assinala seu fundamental papel no processo educativo da criança, papel que é estabelecido pelos incontáveis modos de lidar com a libido e transformá-la. A libido é definida na obra freudiana como a própria sexualidade, Eros ou a energia ativa do aparelho psíquico, manifesta desde a infância. Ela, a libido, é o suporte para fazer com que as pulsões se inscrevam no universo da simbolização. Por isso, trata-se de um processo de afetar e ser afetado pela criança.

Educar não é, nessa dinâmica, dar liberdade plena para a satisfação das pulsões, como também não é reprimi-las em sua totalidade, buscando a (impossível) extinção ou a não manifestação das mesmas, mas, sim, promover o deslocamento da libido, reordenando-a para fins criativos, investigativos e de produção de saber, aproveitando da energia de Eros para promover experiências criativas. Nesse terreno, educar é ajudar a criança a aprender a dominar seus instintos e a sublimá-los ou reconduzi-los para fins de valor cultural, por meio da sua inserção e vivência na cultura. Consiste em promover modos de endereçamentos da libido, reorientando-a para fins mais valorativos. É a arte humana de transformar Eros em processo criativo e Thanatos em processo construtivo. Isso marca a Educação Infantil como prática singularizada e não universalizante, como propõe o arsenal de metodologias de ensino.

Essa leitura da relação educativa admite a magnitude da existência da subjetividade na educação escolarizada da criança, que se desdobra, por exemplo, nos diversos modos como a criança se apropria do saber ou reage diante dele, cabendo, assim, ao professor, não trabalhar a partir de discursos universais, como "todas as crianças gostam de..." ou "todas as crianças precisam...", mas reconhecer a existência e a manifestação da vida psíquica em cada criança, singularizando esta relação educativa.

Para Oliveira (2006a), o trabalho educativo é um processo de construção do humano e consiste em tomar as pulsões como potencialidades de construir ou destruir, substituindo ou transformando essas pulsões, não em descargas eróticas ou agressivas, mas em construções significativas para a vida individual e coletiva. Essa constatação alude a um papel preponderante do professor na relação educativa.

A aprendizagem e o amor (Eros) encontram-se implicados: a aprendizagem se funda em Eros e, como ligação ou construção, serve à pulsão de vida. O amor, na compreensão de Freud, é a força motora principal da educação, em razão da demanda de amor que a criança direciona aos pais e, posteriormente, aos professores. Kupfer (2008) demonstra que, além da transferência do aluno para o professor, ou seja, a reedição das experiências vividas com os pais, que são reatualizadas pela criança na relação professor-criança, há a transferência do professor para a criança. Segundo a autora, essa formulação precisa ser feita em decorrência de que aquele que fala é também quem transfere.

O professor, quando fala livremente, está sujeito às formações do inconsciente, ao aparecimento abrupto do desejo, isto é, estão presentes os fenômenos da transferência na relação educativa com a criança. Assim como a criança, quando se põe, por exemplo, a falar ou a escrever, tem como base o fenômeno transferencial. Sobre essa relação transferencial, Kupfer afirma: "(...) o fato de haver uma relação de um sujeito com outro em certas condições, isto é que garantirá o aprender" (p. 45). A autora esclarece ainda que, quando um sujeito fala com o outro, seja o professor com a criança, ou outra situação, há sempre uma relação imaginária, mais preponderante, e uma relação simbólica. A relação imaginária é aquela que tem como padrão a relação primitiva do bebê com a mãe, é dual e narcísica, pois supõe uma relação de sedução a dois e posiciona o Outro no lugar de uma falta, como aquele que completará tal ausência.

A falta é a responsável pela instauração do desejo, mas é irremovível, por isso é uma relação marcada também pela ilusão. Com isso, o bebê tem de lidar com a situação de que não completa sua mãe, pois um terceiro se insere nesse campo, como o pai, o trabalho, o estudo ou outro símbolo que promova uma separação entre o bebê e a mãe. Essa situação gera uma angústia e, ao mesmo tempo, uma ilusão de que a relação dual é de completude, sendo que, por isso, é uma relação de sedução. Para Kupfer (2008, p. 45), "outro nome para esse tipo de relação é relação amorosa; (...) um protótipo daquilo que serão as relações amorosas futuras (...)". A relação amorosa que se inicia entre o bebê e a mãe será também a responsável pela construção da subjetividade no bebê, que se consolida pelo pedido de reconhecimento nesta relação com o Outro.

Essa primeira relação amorosa vai ser a baliza para as demais que se apresentam no cotidiano, como a relação professor-criança que solicita primeiramente ao Outro que a complete, sendo o amor a estrutura da relação com o Outro. Mas na relação educativa, a interdição se estabelece pelo desejo de saber, que é o terceiro na relação entre o professor e a criança. O desejo de saber se desdobra no modo como o professor se relaciona com o conhecimento, na maneira especial como o objeto do conhecimento vem completar a sua falta. O professor está ensinando não o conhecimento, "(...) mas o modo como o humano se relaciona com o conhecimento, e o lugar que ele tem, que o conhecimento tem na economia libidinal de cada um" (Kupfer, 2008, p. 58). Assim, a partir da maneira como esse objeto do conhecimento foi apresentado à criança pelo professor, do modo desejante com que o professor se relaciona com ele, a criança é cativada a também se relacionar com esse conhecimento e a imbricá-lo, à sua maneira, com outros, com as suas experiências, construindo um novo conhecimento, com um estilo próprio.

É preciso que a criança aprenda a tomar o objeto do conhecimento como objeto de desejo, e o modo como o professor se relaciona com esse conhecimento, como o apresenta, é fundamental na aprendizagem. A relação educativa precisa incluir o desejo (inconsciente) que desloca e que mobiliza a criança para o conhecimento, o que estabelece a ordem do aprender (Kupfer, 2008). Eros é o companheiro inseparável do conhecimento (Oliveira, 2006a). Ao tentar deserotizar a aprendizagem, a educação escolarizada se ilude, acreditando em uma suposta natureza asséptica de domínio de conhecimentos.

Silva (1994, 2003), ao pesquisar "a paixão de formar" em professores bem-sucedidos e satisfeitos com o seu ofício, depara-se com o professor apaixonado. Para essa autora, a paixão de formar caracteriza-se por um movimento psíquico que se mantém internamente, apesar das vicissitudes externas, e que possibilita a eficácia da transmissão e produção da cultura, a construção do conhecimento e o desenvolvimento do outro humano (a criança). Trata-se de uma relação de entrega, oferecendo à criança tudo o que ele tem de melhor, entregando-lhe seu conhecimento e possibilitando o nascimento de uma relação amorosa para compartilhamento desses conhecimentos.

Silva (1994) esclarece que é nessa relação amorosa entre professor e criança que se dá a paixão de formar. A paixão é concebida como produto de desejos infantis que se atualizam racional e amorosamente no momento da aula; "é uma paixão viva e elaborada que se torna manifesta ao dar aula" (p. 109), produzindo uma prática educativa altamente criativa tanto para o professor quanto para o aluno.

Os professores apaixonados criam para si, cada um ao seu modo, uma pedagogia livre e criativa, distante de amarras metodológicas e modeladoras. Trata-se de um encontro apaixonante em que estar e manter-se apaixonado consiste em um estado psíquico de enamoramento que, mesmo diante de todas as vicissitudes externas, permanece vivo, realizando o compartilhamento dos conhecimentos e dos desejos.

Para Silva (1994, p. 110):

o professor apaixonado é aquele que é capaz de fazer a renúncia ao aluno e perdê-lo no crescimento de suas próprias ideias e pensamentos (do aluno). É aquele que pode sentir prazer nas diferenças, nas divergências de ideias e pode conviver com estas, amá-las e transformar-se. Viver uma relação de reciprocidade. (...) É aquele capaz de amar o outro na diferença própria do outro, é capaz de perdê-lo como discípulo e como extensão de si próprio, mas ganhá-lo como colega pensante e independente. E, ao mesmo tempo, é capaz de reconhecer a dependência da relação formativa, que se dá na medida em que o outro é importante para haver o diálogo, o conhecimento, para se articular ideias, sendo um o interlocutor do outro.

Jerusalinsky (1994) aponta que o professor tem de transmitir a demanda social, propiciando balizas para além do seu desejo, pois não há como conhecer as repercussões inconscientes dos ensinamentos do professor, bem como de seu estilo pessoal, que afetam as crianças. Isso evoca a seguinte constatação: as crianças aprendem não apenas a partir de sua interação com os objetos da cultura que lhe são apresentados pelo professor, mas também em função do que é potencializado pelas questões inconscientes que escapam ao alcance e ao controle do professor. Sob essa dinâmica, os métodos de ensino ou as técnicas pedagógicas representam apenas um complemento, como um tipo de remate na vestimenta.

Apoiando-se em Melanie Klein, Silva (1994) diz que a paixão de formar é desencadeada por um mecanismo de reparação, ou seja, de restauração e recriação do objeto amado, introjetado e atacado pelas pulsões destrutivas. Supõe a vitória das pulsões de vida sobre as pulsões de morte. O desejo de restaurar e de recriar é a base da sublimação e da criatividade. Desse modo, a prática educativo-pedagógica do professor seria uma atividade de reparação contínua e, ao mesmo tempo, de criação, em que o ódio ficaria mitigado pelo amor (Silva, 1994).

Silva (1994) supõe que o movimento psíquico que mobiliza a paixão de formar é, portanto, "o de buscar uma tentativa de reparação infinita": o professor apaixonado é aquele capaz de "realizar a restauração dos objetos internos, numa riqueza inesgotável, em que as culpas e a destruição figuram na outra face", ou seja, a face da vida, do amor (p. 112).

Segundo Silva (2003), os professores que participaram de sua pesquisa sobre as origens da paixão de formar diziam-se mediadores e/ou facilitadores do processo de formar, dando uma relevância maior à relação que se estabelece no processo formativo, em comparação ao conteúdo transmitido:

Com formas diferentes de linguagem, mas com o mesmo significado, afirma que formar é levar o aluno a achar seu próprio caminho, a transformar-se, a evoluir, a refletir, a mover-se, a relacionar-se. Nesse processo, colocam-se como alguém também se formando, movimentando-se, transformando-se, evoluindo, relacionando-se com trocas enriquecedoras e significativas (Silva, 2003, p. 102).

Sob essa mesma perspectiva, Silva observa no trabalho pedagógico desses professores seu caráter de constante transformação, e o componente de criatividade como parte dos recursos por eles utilizados a cada aula. As aulas são dinâmicas, em constante movimento de mudança o qual "(...) é caracterizado como um movimento que dá passagem, que abre caminho" (2003, p. 103).

Pode-se dizer que, no professor apaixonado, a capacidade de mobilizar fantasias, de criar e de inventar é que alimenta o ato educativo e que permite mobilizar o Outro (a criança) para essa espécie de "espaço transicional" (Winnicott, 1971/1975) que se configura na relação dele (professor) com a criança e que produz conhecimento. Aqui está o segredo do colorido das relações e práticas educativo-pedagógicas, pois estas se transformam em uma espécie de jogo ou teatro, um momento lúdico, criativo no sentido de transformar-se e transformar a criança. É um momento instigante, desafiador e questionador que movimenta o pensar criativo e construtivo.

Silva (2003), corroborando as ideias de Winnicott (1971/1975), afirma que é no momento da prática educativo-pedagógica com a criança que o professor encontra dentro dele a fonte de brincar; esta fonte é inerente a ele mesmo e se, por um lado, independe do Outro, é no encontro com a criança que esta fonte vai se apresentar. É na relação educativo-pedagógica que o professor se confronta com a sua necessidade de mobilizar esta criança. É aí que o professor pode, ou não, ter recursos para fazer dessa situação algo apaixonante. E, quando essa atmosfera é alcançada pelo professor, será transmitida para a criança que se envolverá, talvez, identificando-se na "pulsão de saber" (Silva, 2003).

Segundo as elaborações de Silva, o brincar representa a capacidade de mobilizar as fantasias que movem o sujeito a compartilhá-las com o Outro, de modo que se permita a produção de saberes significativos. Portanto, a paixão de formar pode ser descrita como a realização de desejos infantis inconscientes, em que elementos agressivos e amorosos se combinam, de forma a produzir e permitir a emergência de criações e saberes significativos (Oliveira, 2006a).

O professor poderá ajudar a formação da criança, facilitando, deixando surgir e desenvolvendo a potencialidade para o exercício do pensar criativo. Pensar criativamente, mais que dominar o inconsciente, é dominar o que resiste à objetivação, diz Oliveira (2006a). Por isso, a importância de que a educação, na infância, seja tomada como processo, "técnica humana de permeabilidade entre o psíquico e a realidade material", transformando o que resiste do adversário (o inconsciente) em aliado (Oliveira, 2006a, p. 97).

Bacha (2003) pontua, a partir das proposições winnicottianas, que ser criativo é ter a capacidade de usar objetos, de usar criativamente aquilo que a cultura oferece, inclusive o professor. Sugere que o professor, mais do que proponente de brincadeiras, deixe-se usar como um objeto, "prestando-se, ele próprio (isto é, seus ensinamentos) ao papel de brinquedo, de objeto de uso, do mesmo modo que a 'mãe suficientemente boa' permite a criação desse espaço que une e separa" (pp. 197-198).

Oliveira (2006a) ressalta que o professor, assim como a "mãe suficientemente boa", tal como propõe Winnicott (1971/1975), também pode proporcionar à criança a noção de quem é, deixando-a manifestar o gosto pelo conhecer(-se). A educação, nessa perspectiva, significa construção de conhecimento e autoconhecimento, per via de levare, ou seja, "a tarefa da educação - por analogia à da Psicanálise - pode ser pensada como um trabalho de escultor", como aquele que "dá forma, busca-a e a faz emergir" (Oliveira, 2006a, p. 93). Emerique (2004) sugere, nesse sentido, que o professor deveria permitir-se vivenciar o lúdico, interagir com as crianças, viajar com elas na sua imaginação, perguntar do que desejam brincar, permitindo a produção da cultura pela criança, resgatando, assim, a dimensão erótica e fecundante que emerge no brincar.

Considerações Finais

"Educa-se uma criança?". É com esta pergunta que Calligaris (1994) intitula uma de suas publicações. Mas o que motiva a formulação de tal pergunta? Esta pode ser arquitetada a partir dos rumores que ecoam dos corredores das instituições escolares infantis, os quais desembocam em um ideal educativo (e pedagógico) proposto às crianças, cunhado sob a lógica do racional.

Assis e Oliveira (2003) pontuam que vivemos um período de crise que oscila entre a transmissão cega de padrões antigos e a ruptura drástica das tradições, como uma fragmentação. É sob esse contorno que a sociedade contemporânea corre em busca de uma satisfação imediata, em que há a exacerbação da competitividade, o bombardeio de transformações tecnológicas, a desvalorização da pessoa e o caráter descartável e consumista dos vínculos sociais.

Schlesener (2011) pontua, a partir da reflexão em torno de escritos de Walter Benjamin, que tentar entender a experiência infantil exige questionar justamente estas formas de educação da criança que se fundam no individualismo e na estrutura do modo de produção capitalista. Benjamin fortalece a ideia de que a sociedade (capitalista) reconhece a criança como objeto e desconsidera sua condição de sujeito pensante, além de que determina que é preciso adaptá-la ao mundo adulto. Mas, enquanto a criança conhece o mundo com a sensibilidade, com a atividade da fantasia, o adulto racionaliza, ordena e controla. Em meio a essa confusão de línguas, a escola, imersa numa sociedade capitalista que valoriza o produto, busca transformar a criança em sujeito epistêmico e racional, isolando as pulsões, numa tentativa de torná-la razão (Bacha, 2002).

Na medida em que se desconhece que a educação envolve essencialmente identificações inconscientes, desconsidera-se o valor da fantasia para a aprendizagem e construção de conhecimentos; desconsidera-se o valor da fantasia para os processos do pensamento (curiosidade investigativa, desejo de saber, criatividade), principalmente quando se trata da educação da criança em instituições como creches e pré-escolas.

Como pontuado ao longo deste estudo, a educação (escolarizada ou não) é sempre um processo mediado e atravessado pelo outro humano. Por isso, o simples ato de trocar fraldas, aquecer ou alimentar o bebê e a criança não é neutro ou asséptico, apesar de o estatuto do discurso higienista ter-se feito presente por várias décadas na educação escolarizada da primeira infância. O professor, compreendido como outro humano, tem papel fundamental na formação da criança, pois, ao limpar, alimentar ou aquecer o bebê e a criança, está promovendo também investimentos endereçados a ela, que são fundamentais para o seu processo de amadurecimento emocional. Os objetos da cultura ou o que se oferece à criança são recebidos a partir do lugar e da forma como o Outro os oferece (Lajonquière, 1995).

O professor inscreve a criança na cultura e no laço social e a situa em relação aos códigos e à lei, que organizam o social, posicionando-se como um parceiro nessa empreitada de humanização da criança. É uma pessoa de influência para a criança, e esta deve sentir-se influenciada pelas coisas que lhe são apresentadas. Trata-se da mobilização de experiências humanizadoras, colaborando, assim, com o processo de amadurecimento emocional e com a consequente conquista, por parte da criança, da sua própria independência.

O professor será, sob essa perspectiva, provedor de uma base para que a criança se sinta segura para estabelecer os contatos com o mundo. Precisa, ainda, saber lidar com a flutuação de momentos de dependência e independência da criança, propiciando-lhe a riqueza das relações entre a realidade externa e interna e, assim, com a cultura. Estas considerações solicitam uma ressignificação da própria compreensão de educação/cuidado, entendendo-a a partir do pano de fundo da relação amorosa.

Sendo uma pessoa de referência, o professor marca uma posição subjetiva em relação à criança, ao reconhecer que as aprendizagens resultam possíveis graças ao outro humano, pois este é o fundador do sujeito (Oliveira, 2006a). A natureza intersubjetiva do processo educativo convoca uma reflexão em torno da necessidade de valorização da função do professor de Educação Infantil. Não se trata simplesmente de um professor organizador das condições e situações sociais adequadas para que a criança interaja com as pessoas, com a cultura e seus objetos do conhecimento. Na educação escolarizada da primeira infância, o modo como esse profissional alimenta, aceita, recusa, investe ou negligencia as vicissitudes que o bebê e a criança enfrentam e descrevem, sob as diversas formas e linguagens, fortalece ou enfraquece a construção e a preservação do eu. Mais do que arrolar orientações sobre o comportamento do professor, é preciso discutir e considerar o valor da educação/cuidado como pertencente a um espaço que inaugura a constituição do sujeito, esta intersubjetividade e, por consequência, o desenvolvimento emocional do humano.

O fato de se compreender que a prática docente não está neutralizada pelo dinamismo psíquico não implica tornar a profissão do professor mais complicada e mais difícil. Conforme Oliveira (2008, p. 9): "trata-se de acolher a complexidade da experiência educativa abrindo espaço para a presença da vida desejante, tratando da dor e da delícia de ser educador, esse ofício implicado na formação do outro e de uma cultura".

A complexidade do processo formativo e a especificidade da Educação Infantil exigem uma reconsideração da prática educativa, reconhecendo a presença, nesse processo, da subjetividade dos sujeitos implicados (professor e crianças). Uma compreensão mais ampla do processo formativo na Educação Infantil indica que o encaminhamento das situações cotidianas depende do binômio formação-identidade profissional do professor, assim como o reconhecimento do valor e das implicações das ações docentes na construção da subjetividade da criança. Um desafio que se estabelece nesse percurso da docência é o de possibilitar ao professor a autoria do seu fazer docente, construindo um caminho autêntico, animado muito mais por sua sensibilidade e por sua alma, do que pelas certezas pedagógicas já consolidadas e postas sobre ele.

Recebido: 30/04/2010

1ª Reformulação: 19/01/2011

2ª Reformulação: 14/03/2011

Aprovado: 23/05/2011

Aline Sommerhalder é Professora Adjunta do Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas da Universidade Federal de São Carlos, campus São Carlos-SP.

Fernando Donizete Alves é Professor Adjunto do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da Universidade Federal de São Carlos, campus São Carlos-SP.

  • Alves, F. D. (2009). O lúdico e a educação escolarizada da criança. In M. L. Oliveira (Org.), Impertinências da educação: O trabalho educativo em pesquisa (pp. 45-72). São Paulo: Cultura Acadêmica.
  • Assis, M. B. A. C., & Oliveira, M. L. (2003). A psicologia do educador: A criança e o adolescente na atualidade. In M. L. Oliveira (Org.), Educação e psicanálise: História, atualidade e perspectivas (pp. 239-254). São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Bacha, M. N. (2002). A arte de formar: O feminino, o infantil e o epistemológico Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Bacha, M. N. (2003). Psicanálise e educação: Laços refeitos (2a ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Barone, L. M. C. (1995). Da transmissão do saber: Uma inspiração ferencziana. IDE, (25), 56-64.
  • Calligaris, C. (Org.). (1994). Educa-se uma criança? Porto Alegre: Artes e Ofícios.
  • Emerique, P. S. (2004). Aprender e ensinar por meio do lúdico In G. M. Schwartz (Org.), Dinâmica lúdica: Novos olhares (pp. 1-17). Barueri, SP: Manole.
  • Ferenczi, S. (1992). Confusão de língua entre os adultos e a criança. In Obras Completas de Sandor Ferenczi (Vol. 4). São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1932)
  • Freud, S. (1955a). Some reflections on schoolboy psychology. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (J. Strachey, Trad., Vol. XIII, pp. 239-244). London, England: The Hogarth Press. (Original publicado em 1914)
  • Freud, S. (1955b). Group psychology and the analysis of the ego. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (J. Strachey, Trad., Vol. XVIII, pp. 65-144). London, England: The Hogarth Press. (Original publicado em 1921)
  • Freud, S. (1964). New introductory lectures on psycho-analysis. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (J. Strachey, Trad., Vol. XXII, pp. 1-182). London, England: The Hogarth Press. (Original publicado em 1932)
  • Jerusalinsky, A. (1994). Apesar de você, amanhã há de ser outro dia. In C. Calligaris (Org.), Educa-se uma criança? (pp. 13-23). Porto Alegre: Artes e Ofícios.
  • Kupfer, M. C. M. (2008). Amor e desejo na relação educativa. In M. L. Oliveira (Org.), O acolhimento do desejo na educação: Um desafio para educadores (pp. 41- 84). São Paulo: Cultura Acadêmica.
  • Lajonquière, L. (1992). De Piaget a Freud: Para repensar as aprendizagens: A (psico)pedagogia entre o conhecimento e o saber (14a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Lajonquière, L. (1995). Freud, a educação e as ilusões (psico)pedagógicas. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, (16), 27-38.
  • Lajonquière, L. (1999). Infância e ilusão (psico)pedagógica: Escritos de psicanálise e educação Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Laplanche, J., & Pontalis, J. B. (2001). Vocabulário de psicanálise (P. Tamen, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1982)
  • Oliveira, M. L. (2006a). Escola não é lugar de brincar? In V. A. Arantes (Org.), Humor e alegria na educação (pp. 75-102). São Paulo: Summus.
  • Oliveira, M. L. (2006b). Notas introdutórias. In M. L. Oliveira (Org.), Pesquisa em educação e psicanálise (pp. 13-22). Araraquara, SP: FCL/Unesp Laboratório Editorial. São Paulo: Cultura Acadêmica.
  • Oliveira, M. L. (2008). Apresentação. In M. L. Oliveira (Org.), O acolhimento do desejo na educação: Um desafio para educadores (pp. 7-10). São Paulo: Cultura Acadêmica.
  • Schlesener, A. H. (2011). Educação e infância em alguns escritos de Walter Benjamin. Paidéia, 21(48), 129-135. doi:10.1590/S0103-863X2011000100015
  • Silva, M. C. P. (1994). A paixão de formar: Da psicanálise à educação Porto Alegre: Artes Médicas.
  • Silva, M. C. P. (2003). Da paixão de formar: Uma contribuição psicanalítica à formação de educadores. In M. L. Oliveira (Org.), Educação e psicanálise: História, atualidade e perspectivas (pp. 79-123). São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Sommerhalder, A. (2010). A educação e o cuidado da criança: O que advogam os documentos políticos do Ministério da Educação para a Educação Infantil? Tese de doutorado não publicada. Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP
  • Tardif, M., & Lessard, C. (2007). O trabalho docente (J. B. Kreuch, Trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade (J. O. A. Abreu & V. Nobre, Trads.). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1971)
  • Winnicott, D. W. (1997). A criança e o seu mundo (A. Cabral, Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Original publicado em 1964)
  • Endereço para correspondência:
    Aline Sommerhalder.
    Rua Ray Wesley Herrick, 1601, casa 185.
    Condomínio Residencial Village Damha II.
    CEP 13.562-090. São Carlos-SP, Brasil.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      30 Abr 2010
    • Aceito
      23 Maio 2011
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: paideia@usp.br