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Qualidade do sono de mulheres portadoras de câncer ginecológico e mamário

Resumos

A qualidade de sono referida pelo próprio indivíduo é reconhecida atualmente como um indicador de saúde e de qualidade de vida. Este estudo exploratório e descritivo teve por objetivo descrever a qualidade habitual do sono de mulheres com câncer ginecológico e mamário e compará-la à qualidade do sono das mesmas na hospitalização. Participaram 25 mulheres hospitalizadas para tratamento clínico do câncer que responderam ao Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (PSQI) até 72 horas após a admissão e quando prevista a alta hospitalar. Verificou-se que 52% das mulheres apresentavam má qualidade de sono habitual e que, na hospitalização, esse percentual elevou-se para 80%. Como causas mais freqüentes de perturbação do sono na hospitalização destacaram-se: necessidade de usar o banheiro; despertar precoce; cuidados prestados pela equipe de enfermagem. Os resultados apontam para a necessidade de cuidados oncológicos que englobem a qualidade de sono destes pacientes, sobretudo na hospitalização.

sono; neoplasias; enfermagem; hospitalização


Subjective sleep quality has been recognized as a valuable indicator of health and quality of life. This exploratory and descriptive study aimed at describing habitual sleep quality of women suffering from gynecological and breast cancer and comparing habitual versus sleep quality during hospitalization. Twenty-five women admitted in hospital for clinical treatment of cancer completed the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI) within 72 hours after admission and again just before discharge. Fifty-two percent of subjects reported habitual bad sleep quality, and this proportion increased to 80% of subjects during hospital stay. Subjects indicated the following most frequent causes of night sleep disturbance: need to go to the toilet, waking up early and receiving nursing care during the night. Results point to the importance of including careful assessment of sleep quality and environment in nursing care planning for oncology patients, mainly during hospitalization.

sleep; neoplasms; nursing; hospitalization


Actualmente, la calidad de sueño referida por el propio individuo es reconocida como un indicador de salud y calidad de vida. Esto estudio exploratorio y descriptivo describe la calidad habitual del sueño de mujeres con cáncer ginecológico y mamario y la confronta con la hospitalización. Se desarrolló con 25 mujeres hospitalizadas para tratamiento clínico del cáncer ginecológico. Se colectaron informaciones mediante el Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI) y se verifico que el 52% de los sujetos poseía mala calidad del sueño habitualmente, mientras el 80% hubiera mala calidad en la hospitalización. Las orígenes de las perturbaciones del sueño nocturno apuntadas más frecuentemente fueron: usar el baño, despertarse temprano y ser cuidado por las enfermeras durante la noche. Los resultados muestran la necesidad de que el planeamiento de cuidados de enfermería para mujeres con cáncer ginecólogo incluya la evaluación de la calidad del sueño de las pacientes, inclusive en la hospitalización.

sueño; neoplasmas; enfermería; hospitalización


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade do sono de mulheres portadoras de câncer ginecológico e mamário1 1 Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado

Renata FurlaniI; Maria Filomena CeolimII

IMestre em Enfermagem, e-mail: re_furla@yahoo.com.br

IIProfessor Doutor, e-mail: fceolim@fcm.unicamp.br. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

RESUMO

A qualidade de sono referida pelo próprio indivíduo é reconhecida atualmente como indicador de saúde e de qualidade de vida. Este estudo exploratório e descritivo teve por objetivo descrever a qualidade habitual do sono de mulheres com câncer ginecológico e mamário e compará-la à qualidade do sono das mesmas na hospitalização. Participaram 25 mulheres hospitalizadas para tratamento clínico do câncer que responderam ao Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (PSQI) até 72 horas após a admissão e quando prevista a alta hospitalar. Verificou-se que 52% das mulheres apresentavam má qualidade de sono habitual e que, na hospitalização, esse percentual elevou-se para 80%. Como causas mais freqüentes de perturbação do sono na hospitalização destacaram-se: necessidade de usar o banheiro; despertar precoce; cuidados prestados pela equipe de enfermagem. Os resultados apontam para a necessidade de cuidados oncológicos que englobem a qualidade de sono desses pacientes, sobretudo na hospitalização.

Descritores: sono; neoplasias; enfermagem; hospitalização

INTRODUÇÃO

A qualidade de sono referida pelo próprio indivíduo e seu impacto na vida diária de pessoas saudáveis ou doentes tornou-se um dos principais focos de atenção dos pesquisadores, por ser o sono um processo fisiológico e comportamental essencial para o funcionamento adequado do organismo. O conhecimento da qualidade de sono passou a ser considerado um artifício clínico importante para a identificação de problemas de saúde(1), uma vez que aos distúrbios de sono podem se associar quadros de fadiga, alterações de humor e redução da tolerância à dor(2).

As pessoas acometidas por problemas oncológicos estão especialmente sujeitas a enfrentar distúrbios do sono, sobretudo quando é necessária a permanência em ambiente hospitalar para o tratamento da doença(3). Acredita-se que esses indivíduos apresentem maior dificuldade para adormecer e permanecer dormindo do que outros pacientes clínicos ou cirúrgicos, devido aos sintomas associados à doença ou à terapêutica muitas vezes agressiva empreendida no tratamento das neoplasias(2). Portanto, a hospitalização e outras mudanças realizadas no local de dormir podem precipitar os distúrbios do sono entre esses pacientes(3) e exacerbar os prejuízos causados pelas doenças crônicas.

Dentre as afecções neoplásicas, o diagnóstico de neoplasia ginecológica e mamária representa ameaça real à vida de inúmeras mulheres, repercutindo negativamente em sua qualidade de vida. Apesar dos distúrbios de sono constituírem tema importante para os pacientes acometidos por neoplasias, acredita-se que seu manejo ainda permaneça inadequado dentro do campo de cuidados oncológicos(4).

Embora haja poucos estudos que abordem aspectos relacionados ao sono de pacientes acometidos por neoplasia ginecológica, recomenda-se que a equipe de saúde priorize a qualidade do tratamento oncológico específico, tanto quanto o impacto provocado pela doença e seu tratamento na qualidade de vida do paciente(5), da qual subentende-se como constituinte a qualidade de sono.

Como as mulheres com neoplasia ginecológica e mamária estão sujeitas a enfrentar problemas das mais diversas naturezas, é interessante que o ambiente hospitalar seja capaz de propiciar sono restaurador. Assim, este artigo tem por objetivo descrever a qualidade habitual do sono de mulheres portadoras de câncer ginecológico e mamário e compará-la à qualidade do sono na hospitalização, com a finalidade de subsidiar o planejamento da assistência de enfermagem que vise a promoção de boa qualidade de sono para essas mulheres, em especial durante esse período.

SUJEITOS E MÉTODOS

Trata-se de estudo do tipo exploratório e descritivo, com abordagem quantitativa, desenvolvido de março a agosto de 2004, na Enfermaria de Oncologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, SP (Unicamp).

Os sujeitos do estudo foram 25 mulheres portadoras de câncer ginecológico ou mamário, com idade variando entre 25,9 e 77,8 anos (média de 51,1±12,7 anos, mediana de 47,4 anos), que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: hospitalização para tratamento clínico no período da coleta de dados; se submetida à hospitalização anterior, que tivesse recebido alta há 15 dias ou mais* * A exclusão dos sujeitos com hospitalização anterior inferior a 15 dias deveu-se ao fato de que a pesquisa inclui comparações entre o período anterior à hospitalização e durante a mesma que não seriam possíveis sem tal ressalva. ; maior de 18 anos; interesse e participação voluntária no estudo; capaz e em condições físicas e emocionais de responder aos instrumentos de pesquisa.

Foram adotados critérios para descontinuar a participação do sujeito no estudo: má evolução do quadro clínico, impossibilitando a participação na coleta de dados; submissão a tratamento cirúrgico, ou similar, que exigisse uso de medicamento anestésico de ação geral que interferisse nos ciclos e na qualidade de sono; recusa do sujeito em dar continuidade à sua participação.

Os dados foram coletados com os instrumentos: Ficha de Identificação (FI), elaborada para o estudo; Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (PSQI)(1) na versão utilizada por outros autores no Brasil(6). Ambos foram preenchidos pela pesquisadora, que registrou as respostas dos sujeitos.

A FI teve por finalidade o registro de dados sociodemográficos, características de moradia e fatores relacionados à doença e aos tratamentos realizados anteriormente e durante a hospitalização atual. Foi aplicada até 72 horas após a admissão dos sujeitos no hospital.

O PSQI foi empregado com a finalidade de avaliar a qualidade subjetiva do sono, os hábitos de sono relacionados à qualidade e a ocorrência de distúrbios do sono. O instrumento é integrado por sete componentes (qualidade subjetiva, latência, duração, eficiência e distúrbios do sono, uso de medicação para dormir e sonolência diurna) que resultam em um escore correspondente à qualidade subjetiva global do sono. A obtenção de até cinco pontos, inclusive, indica boa qualidade de sono e, quando superior a cinco, má qualidade de sono(1). Os dados coletados com o PSQI foram retrospectivos, correspondendo a intervalo de tempo anterior à data do seu preenchimento. Neste estudo, cada sujeito respondeu duas vezes ao instrumento: até 72 horas após a hospitalização, para fornecer dados referentes à qualidade do sono nos quinze dias anteriores, portanto, enquanto se encontravam em seu lar (referida neste trabalho como qualidade do sono habitual); e, assim que prevista a alta hospitalar, para fornecer dados referentes à qualidade de sono durante a hospitalização (referida neste trabalho como qualidade do sono na hospitalização). O coeficiente alfa de Cronbach foi utilizado para avaliar a consistência interna do instrumento, observando-se consistência intermediária com coeficiente alfa de 0,60 para a avaliação da qualidade do sono habitual, e de 0,69 para a avaliação da qualidade do sono na hospitalização.

Os dados foram submetidos à análise descritiva. A seguir, os dados do PSQI de todos os sujeitos foram comparados entre as duas fases do estudo. Os sujeitos foram agrupados segundo a qualidade de sono (boa ou má), comparando-se os grupos em cada uma das fases do estudo. Os sujeitos foram, ainda, agrupados segundo a evolução clínica da doença, em duas categorias: sujeitos com manutenção do estado clínico e sujeitos com piora do estado clínico, segundo dados coletados em outubro de 2004. Esses grupos foram comparados entre si de acordo com a classificação da qualidade de sono nas duas fases do estudo. Foram utilizados testes estatísticos não-paramétricos para a comparação entre as fases (McNemar e Wilcoxon) e entre os grupos (Mann-Whitney, qui-quadrado e exato de Fisher) adotando-se o nível crítico de 5%.

A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Pesquisa do CAISM e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/Unicamp. Os sujeitos que atendiam aos critérios de inclusão assinaram termo de consentimento livre e esclarecido elaborado de acordo com as normas da Resolução 196/96 do CNS.

RESULTADOS

Dos 25 sujeitos que participaram do estudo, 48% apresentaram boa qualidade de sono habitual e 52%, má qualidade de sono habitual. Durante a hospitalização, aumentou a proporção de sujeitos com má qualidade de sono, passando a 80% do total.

Observou-se que 12 sujeitos foram classificados com boa qualidade de sono habitual, três dos quais mantiveram essa classificação para a qualidade do sono na hospitalização. Entretanto, nove desses 12 sujeitos passaram a apresentar má qualidade de sono na hospitalização. Dentre 13 sujeitos classificados com má qualidade de sono habitual, 11 mantiveram a classificação na hospitalização, enquanto dois sujeitos passaram a apresentar boa qualidade de sono nessa fase. Portanto, na hospitalização, 20 sujeitos apresentaram má qualidade de sono e cinco, boa qualidade. A proporção de sujeitos que passou a apresentar má qualidade de sono na hospitalização, dentre aqueles que haviam apresentado boa qualidade de sono habitual mostrou-se estatisticamente significativa (p=0,04 ao teste de McNemar).

Os sujeitos com boa e má qualidade do sono habitual distribuíram-se de forma homogênea nas diferentes faixas etárias estudadas, com predomínio da faixa etária de 41 a 60 anos (66,7% dos sujeitos com boa qualidade de sono e 61,5% daqueles com má qualidade de sono habitual). A escolaridade foi semelhante entre sujeitos com boa e má qualidade de sono habitual (mediana de 4,5 e 5 anos, respectivamente), bem como a renda familiar, predominando a faixa de um a cinco salários mínimos (91,7% daqueles com boa qualidade de sono habitual e 84,6% daqueles com má qualidade de sono habitual).

A mediana do tempo de diagnóstico da doença entre os sujeitos com boa e má qualidade de sono habitual foi semelhante, variando entre zero e oito anos (mediana de 4 anos) e entre zero e 16 anos (mediana de 4,5 anos), respectivamente.

A Tabela 1 mostra a distribuição dos sujeitos quanto ao motivo da hospitalização e a qualidade de sono habitual.

A Tabela 2 mostra a distribuição dos sujeitos quanto às características da doença (localização do tumor primário, presença ou ausência da metástase, estadiamento da doença) e a qualidade de sono habitual.

Sujeitos com boa qualidade de sono habitual que haviam sido hospitalizados anteriormente na Enfermaria de Oncologia tinham registros de que esse evento ocorrera em média há 19,5(±31,9) meses, enquanto para aqueles com má qualidade de sono, há 15,3(±28,9) meses.

Os padrões de sono implicados na qualidade do sono habitual (latência, duração e eficiência do sono noturno) são apresentados na Tabela 3.

Vinte e cinco por cento dos sujeitos com boa qualidade de sono habitual e 46,2% daqueles com má qualidade de sono habitual referiram indisposição moderada ou intensa para o desenvolvimento de suas atividades diárias. A sonolência diurna e o uso de medicamentos para dormir foram referidos com maior freqüência por sujeitos com má qualidade de sono (46,2 e 23,1%, respectivamente) em comparação àqueles com boa qualidade de sono (25 e 16,7%, respectivamente).

As principais causas de perturbação do sono noturno habitual, citada por sujeitos com boa qualidade de sono, foram a necessidade de ir ao banheiro (75%) e a ocorrência de dor (41,7%). Entre os sujeitos com má qualidade de sono habitual destacaram-se o despertar precoce (92%) e a necessidade de ir ao banheiro (92%), seguidos pelos episódios de dor (69,3%) e sensação de calor durante a noite (46,2%).

Os padrões de sono implicados na qualidade do sono na hospitalização (latência, duração e eficiência do sono noturno) encontram-se na Tabela 4.

Quarenta por cento dos sujeitos com boa qualidade de sono na hospitalização e 30% daqueles com má qualidade de sono na hospitalização referiram indisposição moderada ou intensa para o desenvolvimento de suas atividades diárias. A sonolência diurna intensa foi referida por 40% dos sujeitos com boa qualidade de sono e 55% daqueles com má qualidade de sono, na hospitalização. Nenhum sujeito com boa qualidade de sono na hospitalização fez uso de medicamentos para dormir, enquanto 50% daqueles com má qualidade de sono na hospitalização utilizaram esse tipo de medicamento, entre uma e três vezes por semana, ou mais, durante a permanência no hospital.

As causas de perturbação do sono noturno que se destacaram na hospitalização foram: a necessidade de ir ao banheiro, apontada por 60% dos sujeitos com boa qualidade de sono e 65% daqueles com má qualidade de sono; os cuidados prestados pela equipe de enfermagem, citados por 60% dos sujeitos com boa qualidade de sono e 55% daqueles com má qualidade de sono. O barulho na enfermaria foi citado por 8,3% dos pacientes com boa qualidade de sono e 10% dos pacientes com má qualidade de sono na hospitalização. Dos sujeitos com boa qualidade de sono na hospitalização, 8,3% referiram-se à iluminação excessiva na enfermaria como fator de perturbação do sono noturno. Dos sujeitos com má qualidade de sono na hospitalização, 75% referiram-se ao despertar precoce como fator de perturbação do sono noturno; 45%, à ocorrência de episódios de dor; 30%, ao calor durante a noite e 20%, às perturbações de sono provocadas por outros pacientes hospitalizados em mau estado geral, ou agitados, na enfermaria.

Até outubro de 2004, 64% dos sujeitos estudados mantinham acompanhamento ambulatorial no CAISM sem apresentar piora do quadro clínico, sendo que 24% compareceram a consultas periódicas e 40% para tratamento quimioterápico ou radioterápico. Dentre os demais, 20% necessitaram de nova internação devido à piora do quadro clínico compatível com a evolução da doença e 8% foram a óbito. Oito por cento dos sujeitos não retornaram ao serviço até a data em apreço, e não foram considerados na análise apresentada a seguir.

Embora ambos os grupos apresentassem sono de má qualidade, verificou-se que os sujeitos com piora do quadro clínico (28%, incluindo-se os que foram a óbito) haviam apresentado pontuação global no PSQI sugestiva de pior qualidade de sono habitual (10,3±3,8 pontos, mediana 11 pontos), comparados àqueles (64%) que mantiveram sua condição clínica (7,2±4,4 pontos, mediana 7 pontos). Esses resultados mostraram tendência à diferença estatisticamente significativa (p=0,06 ao teste de Mann-Whitney).

Com relação à pontuação do PSQI na hospitalização, verificou-se o mesmo comportamento dos dados: os sujeitos com pior evolução clínica apresentaram pontuação indicativa de pior qualidade de sono (11,3±4,8 pontos, mediana 14 pontos), em comparação àqueles que mantiveram sua condição clínica (8,7±4,5 pontos, mediana de 8 pontos). Não foi verificada diferença estatisticamente significativa à comparação dos grupos nessa etapa do estudo.

DISCUSSÃO

A presença da neoplasia pode acarretar profundas alterações no modo de viver habitual dos indivíduos. Como parte integrante e fundamental dessa rotina de vida, encontram-se os hábitos de sono e a qualidade de sono(3). A má qualidade de sono foi predominante entre as mulheres que participaram deste estudo tanto antes quanto durante a hospitalização, o que destaca a importância de caracterizar a qualidade de sono habitual desses sujeitos, a fim de, por um lado, não atribuir as alterações encontradas somente aos eventos ligados à hospitalização e, por outro, não minimizar os efeitos da internação hospitalar sobre a qualidade do sono. Ressalta-se que a proporção de mulheres que passaram a apresentar pior qualidade de sono na hospitalização foi estatisticamente significativa, o que parece indicar que a permanência no hospital tenha contribuído para o decréscimo da qualidade de sono das mesmas.

A hospitalização ou outras mudanças no ambiente habitual dos indivíduos pode precipitar a ocorrência de distúrbios de sono(3), talvez por envolver a adaptação a um novo ambiente e o rompimento de rotinas habituais de sono(7). Permanecer hospitalizado implica em longos períodos de repouso no leito. Assim, o desenvolvimento restrito de atividades durante o dia e a menor exposição à iluminação natural podem resultar em alterações na regularidade dos ritmos do organismo o que pode afetar negativamente a qualidade de sono noturno(8). Apesar dessas considerações, algumas participantes com má qualidade de sono habitual passaram a apresentar boa qualidade de sono na hospitalização, talvez pelo controle de algumas complicações relacionadas à doença neoplásica.

Durante a hospitalização, o maior número das participantes permaneceu em tratamento quimioterápico. Segundo a literatura, pacientes que receberam nos últimos seis meses tratamentos específicos para o câncer estão mais sujeitos a enfrentar problemas de sonolência excessiva e fadiga(7). A fadiga, por sua vez, parece estar relacionada à menor duração de sono(4). Verificou-se, entre as participantes com má qualidade de sono, níveis mais elevados de sonolência e indisposição durante o dia em comparação àquelas com boa qualidade de sono habitual.

Achados de outro estudo apontam que pacientes acometidos por neoplasias de mama e de pulmão eram os que mais vivenciavam distúrbios de sono, em relação a outros tipos de câncer, como o ginecológico e o câncer de pele(7). Neste estudo, não foi identificado o predomínio significativo de distúrbios de sono em pacientes com um determinado tipo de neoplasia.

Verificou-se maior incidência de metástases ósseas difusas entre as participantes classificadas com má qualidade de sono habitual, corroborando com outro estudo(4), quando aponta que pacientes com esse tipo de metástase apresentam menor duração do sono noturno, possivelmente devido à interferência de quadros de dor.

O tempo decorrido entre a hospitalização anterior e a atual foi menor entre os sujeitos com má qualidade de sono, sugerindo que essas participantes podem ter necessidade de serem hospitalizadas com maior freqüência do que aquelas com boa qualidade de sono.

Quanto aos padrões de sono habituais, verificou-se que as participantes com má qualidade de sono tendiam a apresentar maior latência para o início do sono noturno, o qual apresentava também menor eficiência e duração, em relação às mulheres com boa qualidade de sono habitual. Em outro estudo, os autores apontam que a dificuldade para adormecer e a menor eficiência do sono noturno são encontradas em pacientes com câncer(9).

Acordar várias vezes durante a noite é o tipo mais comum de insônia identificada por pacientes acometidos por neoplasia(2,7). Achados semelhantes foram observados neste estudo, em que o despertar precoce foi referido, juntamente com a necessidade de usar o banheiro, como causas mais incidentes de perturbação do sono noturno pelas mulheres com má qualidade de sono habitual. Aquelas com boa qualidade de sono habitual, entretanto, citaram principalmente a necessidade de usar o banheiro e a presença de dor.

A necessidade de usar o banheiro durante a noite aparece como o fator de perturbação de sono noturno mais incidente entre as participantes com boa e má qualidade de sono nas duas etapas do estudo. Estudo realizado com mulheres portadoras de câncer de colo de útero demonstrou que elas apresentam alterações urodinâmicas, tais como redução da capacidade de armazenamento e de esvaziamento vesical e incontinência urinária, após tratamento cirúrgico (histerectomia) e radioterápico(10). A presença de dor durante a noite pode provocar despertares noturnos, embora a dificuldade para adormecer novamente possa estar relacionada ao modo como o indivíduo lida com este evento(2). Entretanto, a avaliação da dor oncológica é um aspecto importante do planejamento do cuidado desses sujeitos(11).

A sensação de calor como fator de perturbação do sono também adquiriu destaque entre as participantes com má qualidade de sono. A ocorrência de ondas de calor, durante o sono noturno, é uma queixa que atinge mulheres portadoras de câncer de mama e pode ser conseqüência do fenômeno natural do climatério; resultado do recomendado abandono da terapia de reposição hormonal ou, ainda, do tratamento adjuvante empreendido na terapêutica da neoplasia(12).

É substancial o número de pacientes com câncer que fazem uso de medicações para dormir(7). Entre as participantes do estudo, verificou-se que a proporção daquelas que faziam uso desse tipo de medicação foi semelhante àquela encontrada na literatura e com predomínio nos sujeitos com má qualidade de sono habitual.

Os hábitos de sono na hospitalização seguiram a mesma tendência verificada antes da hospitalização. Entretanto, verificou-se diferença estatisticamente significativa entre os sujeitos com boa e má qualidade de sono na hospitalização para a duração e a eficiência de sono, menor entre sujeitos com má qualidade de sono. O fato de estar doente é fator estressante, sobretudo se a hospitalização se faz necessária. Acredita-se que o predomínio de parâmetros de sono de má qualidade na hospitalização, em detrimento de estágios do sono noturno, conduzem à recuperação inadequada dos sujeitos hospitalizados(13).

Durante a hospitalização, destacou-se como origem das perturbações do sono noturno a necessidade de utilizar o banheiro e o recebimento de cuidados prestados pela equipe de saúde, tanto para pacientes com boa quanto má qualidade de sono. O controle da dor para redução das interrupções do sono noturno, o controle dos níveis de iluminação para manter um ciclo de claro e escuro próximo do habitual dos sujeitos e a implementação de cuidados compatíveis com a promoção do sono noturno são algumas práticas que precisam ser consolidadas para a obtenção de noites de sono de melhor qualidade. Foi encontrado um estudo no qual os pesquisadores identificaram correlação negativa entre a qualidade de sono e o número de distúrbios, o tempo total gasto no quarto do paciente e o nível de participação do paciente no seu cuidado(14). A fragmentação do sono decorrente de tais intervenções parece afetar negativamente a percepção do sujeito quanto à sua qualidade de sono, o que reforça a necessidade do planejamento da assistência prestada durante a noite para que também possam ser atendidas as necessidades de repouso noturno. O planejamento e implementação de assistência de enfermagem com tal intuito pode ser objeto de estudos futuros.

As perturbações de sono provocadas por outros pacientes em mau estado geral ou agitados, foram apontadas por 20% das mulheres com má qualidade do sono, neste estudo. Ressalta-se que dividir o quarto com outras pessoas no ambiente hospitalar pode representar fator de prejuízo à qualidade do sono. O controle da iluminação do quarto e a definição do horário de dormir dependem do consenso de outras pessoas; os hábitos de sono, horários de dormir e despertar podem ser diferentes, a necessidade de cuidados da equipe de saúde provavelmente varia entre esses sujeitos. As variações entre sujeitos que dividem o mesmo quarto poderiam contribuir para o aumento da latência de sono e redução de sua duração na hospitalização.

A sonolência diurna foi mais freqüente entre as mulheres com má qualidade de sono, e o uso de medicamentos para dormir foi identificado em metade dos sujeitos com má qualidade de sono na hospitalização. Acredita-se que os sujeitos com má qualidade de sono concentrem fatores que corroborem para os distúrbios do sono que, com a hospitalização, culminam na necessidade do uso de medicações para dormir. As participantes com má qualidade de sono destacaram, ainda, o despertar precoce e a sensação de calor como fatores de perturbação do sono noturno.

A análise da qualidade do sono das participantes, quando agrupadas, segundo a evolução clínica da doença, mostrou que os sujeitos, cujo quadro clínico se deteriorou, haviam apresentado pontuação indicativa de pior qualidade de sono no PSQI, em ambas as fases do estudo, do que aqueles que mantiveram seu estado clínico inalterado. Acredita-se que as condições do sono noturno interfiram nas sensações dos indivíduos ao longo do dia, o que destaca a importância de que pacientes enfermos tenham noites de sono de boa qualidade para que possam se sentir dispostos durante o dia e restabelecerem-se dos efeitos lesivos da doença, do tratamento empreendido ou mesmo de algumas situações ocorridas na hospitalização. Destaca-se, entretanto, que os sujeitos podem não mencionar seus distúrbios de sono na hospitalização o que, portanto, torna essencial que os enfermeiros os questionem sobre tais dificuldades e conheçam seus padrões de sono habituais.

A má condição clínica em que algumas mulheres são hospitalizadas ou, ainda, a rápida evolução da doença, impede o desenvolvimento de estudos de maior duração e com maior número de sujeitos acometidos pelo câncer. Tal dificuldade consistiu na principal limitação deste estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pessoas acometidas pelo câncer podem estar vulneráveis e dependentes de apoio dos familiares, ou companheiros, nos diversos estágios de enfrentamento da doença. Durante a hospitalização, a equipe de enfermagem é uma das responsáveis por esse suporte ao paciente no seu convívio com a doença.

Embora a assistência de enfermagem em oncologia tenha evoluído muito desde seu aparecimento(15), os achados deste estudo apontam para a necessidade de cuidados oncológicos que englobem aspectos relacionados à qualidade de sono dos pacientes, sobretudo durante a hospitalização. O conhecimento fundamentado é essencial para que o enfermeiro, como responsável pela assistência prestada ao paciente, possa subsidiar suas ações assistenciais e orientar a equipe de enfermagem quanto à importância de propiciar noites de sono agradáveis aos pacientes inclusive durante a hospitalização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 5.8.2005

Aprovado em: 20.6.2006

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    Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado
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    A exclusão dos sujeitos com hospitalização anterior inferior a 15 dias deveu-se ao fato de que a pesquisa inclui comparações entre o período anterior à hospitalização e durante a mesma que não seriam possíveis sem tal ressalva.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      20 Jun 2006
    • Recebido
      05 Ago 2005
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