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Crenças atitudinais e normativas dos enfermeiros sobre o estudo hemodinâmico por meio do cateter de artéria pulmonar

Resumos

O objetivo deste estudo foi identificar, por meio da Teoria da Ação Racional/Teoria do Comportamento Planejado, as crenças de atitude e normativas que contribuem para a formação da intenção comportamental do enfermeiro em realizar o estudo hemodinâmico (EH) por meio do cateter de artéria pulmonar (CAP). A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semi-estruturada junto a 23 enfermeiros de unidades de terapia intensiva de três hospitais do município de Campinas, SP. Os dados foram analisados segundo metodologia qualitativa. Dentre as crenças de atitude destacaram-se as crenças afetivas e aquelas relativas às vantagens e desvantagens da realização do comportamento. Nas crenças normativas foram evidenciados os referentes sociais para a execução do comportamento, bem como fatores estimuladores e desestimuladores da realização do EH.

cuidados de enfermagem; cuidados intensivos; cateterismo de Swan-Ganz; comportamento


The objective of this study was to identify, by using the Theory of Reasoned Action/Theory of Planned Behavior, the attitude and normative beliefs that influence the behavioral intention of the nurse to perform a hemodynamic assessment using the pulmonary artery catheterization. Data were collected through semi-structured interviews involving 23 nurses from three hospitals in the city of Campinas, São Paulo. The data were analyzed according to a qualitative methodology. Among the Attitude Beliefs, affective beliefs and those related to the advantages and disadvantages of performing the behavior stand out. Among the Normative Beliefs social referents were identified for the behavior, as well as the behavior-stimulating factors and the factors that discourage the performance of the behavior.

nursing care; intensive care; catheterization; Swan-Ganz; behavior


El objetivo de este estudio fue identificar, por medio de la Teoría del Comportamiento Planificado, las creencias normativas y de actitud que contribuyen para la formación de la intención de comportamiento del enfermero en realizar el estudio hemodinámico (EH) por medio del catéter de la arteria pulmonar. Los datos fueron obtenidos atraves de entrevista semi estructurada de 23 enfermeros de unidades de terapia intensiva de tres hospitales del municipio de Campinas-São Paulo. Los datos fueron analizados según la metodología cualitativa. Entre las Creencias de Actitud se destacaron las creencias afectivas y aquellas relativas a las ventajas y desventajas de la realización del comportamiento. En las Creencias Normativas se evidenciaron los referentes sociales para la ejecución del comportamiento, así como factores estimulantes y que no estimulan la realización del EH.

cuidados de enfermería; cuidados intensivos; cateterismo de Swan-Ganz; conducta


ARTIGO ORIGINAL

Crenças atitudinais e normativas dos enfermeiros sobre o estudo hemodinâmico por meio do cateter de artéria pulmonar1 1 Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado

Cristiano José Mendes PintoI; Roberta Cunha Rodrigues ColomboII; Maria Cecília Bueno Jayme GallaniII

IEnfermeiro da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, Mestre em Enfermagem, e-mail: crimendes2005@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Professor Doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar, por meio da Teoria da Ação Racional/Teoria do Comportamento Planejado, as crenças de atitude e normativas que contribuem para a formação da intenção comportamental do enfermeiro em realizar o estudo hemodinâmico (EH) por meio do cateter de artéria pulmonar (CAP). A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semi-estruturada junto a 23 enfermeiros de unidades de terapia intensiva de três hospitais do município de Campinas, SP. Os dados foram analisados segundo metodologia qualitativa. Dentre as crenças de atitude destacaram-se as crenças afetivas e aquelas relativas às vantagens e desvantagens da realização do comportamento. Nas crenças normativas foram evidenciados os referentes sociais para a execução do comportamento, bem como fatores estimuladores e desestimuladores da realização do EH.

Descritores: cuidados de enfermagem; cuidados intensivos; cateterismo de Swan-Ganz; comportamento

INTRODUÇÃO

A monitorização de parâmetros fisiológicos à beira do leito por meio do cateter de artéria pulmonar (CAP), de maneira segura, rápida e confiável, tornou-se indispensável no manuseio de pacientes críticos nos últimos 30 anos. No entanto, no final da década de 80 surgiram os primeiros questionamentos sobre sua utilização, uma vez que estudos(1-2) relataram maior índice de mortalidade entre pacientes monitorizados com o cateter, o que levou à recomendação da moratória ao uso do CAP(3). Porém, a falta de pesquisas randomizadas nessa área levou sociedades científicas e especialistas a recomendar a realização de estudos randomizados para comprovar a eficácia do CAP(4). Estudos recentes, em nível de evidência I, não foram conclusivos em relação à eficácia do CAP(5-6).

No entanto, há relatos na literatura de que o limitado conhecimento dos profissionais de saúde no manuseio do CAP(7-9) tem dificultado a avaliação da eficácia do cateter. Assim, tem sido recomendada a implementação de programas educacionais para capacitação desses profissionais para interpretação das variáveis hemodinâmicas fornecidas pelo CAP(9-10).

Entre os enfermeiros que atuam na assistência ao paciente crítico, é freqüente o relato de dificuldades para a realização do estudo hemodinâmico (EH) por meio do CAP, bem como a subutilização dos dados obtidos no planejamento da assistência de enfermagem.

Estudos têm sido realizados para identificar o que o enfermeiro sabe sobre a técnica e conceitualmente sobre o CAP(7-8), mas não há relato de quais condições ele avalia como necessárias, além do conhecimento, para que possa realizar o EH. Considerando-se que os comportamentos em saúde não dependem exclusivamente do conhecimento, é importante saber quais os fatores que contribuem para a formação da intenção comportamental do enfermeiro, no que se refere à realização do EH.

Dentre as teorias voltadas ao estudo do comportamento, destaca-se a Teoria do Comportamento Planejado (TPB)(11), que é uma extensão da Teoria da Ação Racional (TRA). Segundo esses referenciais, a intenção para realizar determinado comportamento é função dos fatores: 1. atitude - formado pelas crenças de atitude, que se referem à avaliação positiva ou negativa que o indivíduo faz sobre o comportamento; e das 2. normas subjetivas - constituídas pelas crenças normativas, que dizem respeito à influência das pressões sociais para a realização do comportamento. À TPB acrescenta ainda um terceiro fator: o controle comportamental percebido - composto pelas crenças de controle, que dizem respeito à facilidade e/ou dificuldade percebida pelo indivíduo para executar um comportamento.

Pressupõe-se que o comportamento seja função de informações ou crenças salientes que são relevantes para sua ocorrência. Assim, a compreensão aprofundada das crenças que as pessoas desenvolvem ao longo de suas vidas é subsídio fundamental para se obter informações sobre os determinantes do comportamento, uma vez que são elas que possibilitam reconhecer os fatores que induzem uma pessoa a se engajar (ou não) em determinado comportamento.

A identificação dos fatores que contribuem para a formação da intenção comportamental do enfermeiro, no que se refere à realização do EH, poderá subsidiar o delineamento de intervenções educacionais efetivas, o que, conseqüentemente, resultará na otimização da qualidade do cuidado de enfermagem ao paciente crítico monitorizado com o CAP. Este estudo tem como objetivo apresentar os elementos da TRA, ou seja, as crenças de atitude e as crenças normativas que contribuem para a formação da intenção comportamental do enfermeiro em realizar o EH por meio do CAP.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Campo de pesquisa

Os dados foram coletados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de adultos, de dois hospitais públicos e um hospital privado do município de Campinas, interior do Estado de São Paulo.

Sujeitos

Fizeram parte deste estudo 23 enfermeiros assistenciais que haviam cuidado de, no mínimo, três pacientes com CAP nos últimos quatro meses e que concordaram em participar da pesquisa com assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos aqueles que se encontravam em licença saúde ou outro tipo de afastamento. O processo de amostragem utilizado foi do tipo intencional, com emprego do critério de saturação para determinação do tamanho da amostra(12).

Coleta de dados

Os dados foram obtidos por meio de entrevista semi-estruturada norteada por instrumento construído com base nos pressupostos da TRA/TPB e submetido à validação de conteúdo(12), por meio da avaliação de sete juízes, com reconhecido saber na assistência ao paciente crítico. Foi realizado pré-teste junto a três enfermeiros assistenciais de UTI adulto, sendo avaliada a compreensão do instrumento pelos entrevistados. As entrevistas foram realizadas de forma individual, resguardando a privacidade dos sujeitos, gravadas em fita magnética e posteriormente transcritas. Destaca-se que este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM-Unicamp (Parecer n°014/2003).

Análise dos Dados

Foi empregada análise qualitativa(13) de acordo com as seguintes etapas:

1. transcrição, leitura e re-leitura das entrevistas destacando os sentidos ou significados que respondiam aos questionamentos propostos; 2. comparação dos discursos buscando identificar os significados comuns e mais freqüentes, com a sua codificação em unidades de significado; 3. agrupamento das unidades de significado em subcategorias temáticas; 4. agrupamento das subcategorias temáticas em categorias temáticas centrais estabelecidas a priori, de acordo com os pressupostos da TPB, dentro das unidades temáticas que correspondem aos constructos da TPB.

RESULTADOS

Os 23 sujeitos caracterizaram-se pelo predomínio do sexo feminino, idade média de 32,2(±6,6) anos, com tempo médio de graduação de 8(±5,6) anos, e 5,1(±4,8) anos de atuação em UTI. Relataram pós-graduação lato sensu 65,2% dos entrevistados.

As crenças relativas ao comportamento de realizar o EH são apresentadas de acordo com as duas Unidades Temáticas Centrais, estabelecidas a priori, de acordo com os elementos que constituem a TRA e suas respectivas Categorias Temáticas Centrais (Tabela 1).

Unidade Temática: crenças de atitude

Vantagens em realizar o EH

A análise das respostas referentes a esta categoria temática evidenciou as subcategorias: vantagens para o paciente, vantagens para o médico e vantagens para o enfermeiro.

Na subcategoria vantagens para o paciente a análise dos enunciados evidenciou que uma das vantagens do CAP para o paciente é a possibilidade de um direcionamento preciso do tratamento, uma vez que, com o emprego do CAP, é possível a obtenção de dados hemodinâmicos acurados, o que contribui para a definição do diagnóstico, direcionamento no uso de drogas e para conduta terapêutica. No que se refere à subcategoria vantagens para o médico, constatou-se a reprodução das mesmas unidades de significado observadas na subcategoria vantagens para o paciente. Dentre as poucas vantagens para o enfermeiro, destacou-se a contribuição para a assistência de enfermagem e para o aprendizado profissional.

Desvantagens em realizar o EH

As subcategorias agrupadas nesta categoria temática estão apresentadas na Figura 1. O risco de infecção foi a subcategoria mais prevalente na fala dos sujeitos, sendo fortemente associada à permanência do cateter por tempo prolongado e à manipulação inadequada do cateter. A permanência do cateter por tempo prolongado foi considerada como responsabilidade da equipe médica, podendo levar à possibilidade de obtenção de dados hemodinâmicos não confiáveis e, conseqüentemente, às condutas terapêuticas inadequadas.


...muita gente não sabe fazer uso,... tem um tempo determinado que deveria manter o cateter, aí o pessoal quer deixar 5-6 dias... aí o valor já não é fidedigno e... fica aquele cateter na verdade só como um meio de infecção, mais para prejuízo do paciente... porque aí ele pode dar valor alterado, o médico leva a conduta com aquele valor (E1).

As desvantagens em realizar o EH foram freqüentemente associadas ao aumento da demanda de trabalho do enfermeiro. Realizar o estudo hemodinâmico traria sobrecarga para o enfermeiro, pois implica na manipulação de equipamento novo, exigindo técnica e treinamento. A falta de habilidade no manuseio dos equipamentos e a inexistência de programas de treinamento levariam à perda de tempo, pois contribuem para o retardo na execução das demais atividades. Tais significados contribuem para que a realização do EH não seja considerada prioridade no cuidado de enfermagem ao paciente crítico. De forma oculta, a pequena habilidade no manuseio do CAP foi associada ao medo de cuidar de pacientes monitorizados com o CAP.

...todo mundo tem medo de pegar, de assumir o paciente, por quê? Porque daí na hora do estudo vai ter que mexer na máquina, e o povo tem um medo,... um medo da máquina, /.../ se você tomar os cuidados como qualquer outro cateter, a máquina em si, o máximo que vai acontecer é você ter que fazer várias vezes... (E3).

Crenças Afetivas em relação à realização do EH

As subcategorias associadas a esta categoria temática estão apresentadas na Figura 2. Os depoimentos evidenciam a existência de afetividade negativa em relação à realização do EH, sendo citados sentimentos como medo, insegurança, preocupação e decepção. A insegurança foi associada à incapacidade de realizar o EH em situações de urgência, levando ao aumento da probabilidade de erros. O medo foi associado à falta de habilidade no manejo do CAP. Tais sentimentos foram associados, de forma velada, ao déficit de conhecimento dos enfermeiros sobre o CAP. O sentimento de decepção foi associado à não utilização dos dados do EH pelo médico no direcionamento da conduta terapêutica. Dentre crenças afetivas positivas destaca-se a satisfação em realizar o comportamento, relacionada à credibilidade no trabalho do enfermeiro.


Unidade temática: crenças normativas

Referentes sociais que estimulam o comportamento

Foram apontados como referentes sociais positivos o próprio enfermeiro, os profissionais que utilizam os dados do EH, o médico e o paciente. O enfermeiro foi considerado referente social positivo, uma vez que tem interesse nas variáveis hemodinâmicas para elaborar seu plano de cuidados. Os profissionais que utilizam os dados do EH também são referentes positivos, pois estimulam a aprendizagem dos demais profissionais.

O médico estimula a realização do EH porque é responsável pela sua solicitação, por proporcionar oportunidade de aprendizagem ao enfermeiro e por demonstrar crédito no trabalho do enfermeiro; o paciente, por sua vez, estimula a realização do EH, quando leva o enfermeiro a reconhecer sua responsabilidade na instituição de uma terapêutica apropriada. Para alguns dos sujeitos não há ninguém que estimule o comportamento, pelo fato do procedimento ser considerado rotina ou obrigação do enfermeiro.

...Ninguém pede, ninguém estimula, a gente tem nossa função, de estar fazendo esse estudo para... para estar assim melhorando o quadro clínico... (E2).

Referentes sociais que desestimulam o comportamento

A equipe médica, outros profissionais de saúde que não trabalham em equipe, o serviço de educação continuada e a chefia de enfermagem foram apontados como referentes sociais negativos. Para alguns dos sujeitos não há ninguém que desestimule a realização do EH. A equipe médica desestimula o comportamento quando não utiliza os dados do EH no direcionamento da terapêutica, quando apresenta déficit de conhecimento, quando demonstra que não gosta de ensinar e quando não confia no trabalho executado pelo enfermeiro.

...Área médica, às vezes você fala 'você quer que faça um débito cardíaco?' eles falam 'ah... não precisa'... se não há interesse por parte dele... desestimula... e muito (E13).

A falta de credibilidade do médico no trabalho do enfermeiro foi implicitamente associada ao déficit de conhecimento dos enfermeiros no manejo do CAP. Outros referentes sociais negativos foram, o serviço de educação continuada e a chefia de enfermagem, considerados ineficientes na capacitação técnico-científica do enfermeiro. Para alguns dos entrevistados não há niguém que desestimule a realização do EH.

O desestímulo vem... da supervisão, porque... eu não tive um treinamento /.../ Tem muito pouco da parte da enfermagem, então se a gente quiser alguma coisa a gente tem que ir atrás, perguntar e geralmente é para o médico (E5).

Fatores que estimulam o comportamento

As subcategorias associadas a esta categoria temática estão esquematizadas na Figura 3. A responsabilidade do enfermeiro no cuidado do paciente é um dos fatores que estimula o comportamento, pois auxilia no direcionamento da terapêutica, especialmente no que se refere ao melhor controle dos fármacos vasoativos, o que foi associado à otimização da qualidade do cuidado.


...estimula... é a minha necessidade de estar interada com o que está acontecendo com o paciente, ... até por causa da manipulação das drogas... não é só saber quanto é que está a pressão de artéria pulmonar ou capilar pulmonar, eu tenho que entender o que está acontecendo, saber um pouco da patologia do paciente, porque isso vai influenciar nos resultados (E23).

A confiança do médico no trabalho do enfermeiro foi considerada fator estimulador do comportamento por levar ao sentimento de satisfação. A ampliação do conhecimento sobre o EH, proporcionado pela prática periódica do comportamento também se revelou como estimulador do comportamento. Essas duas subcategorias foram associadas à otimização da qualidade da assistência de enfermagem.

Para alguns dos sujeitos, não há nada que estimule a realização do comportamento, já que o enfermeiro realiza o EH mediante a solicitação médica, o que contribui para que atribua a qualidade de "obrigatoriedade" para a execução do comportamento.

Fatores que desestimulam o comportamento

As subcategorias e unidades de significado destacados nesta categoria são apresentadas na Figura 4. Um dos fatores reconhecidos como desestimuladores do comportamento é a dificuldade para realização do procedimento freqüentemente associada à pequena habilidade e experiência no manuseio dos materiais e equipamentos, envolvidos na monitorização hemodinâmica, o que parece contribuir para que a realização do EH não seja considerada prioridade das intervenções de enfermagem junto ao paciente crítico.


...a gente anda perdendo tempo... atrasa todo o trabalho. Então quando tem paciente com Swan-Ganz a gente acaba deixando para fazer o estudo assim, quase na margem de passar o plantão porque se você perder tempo... passa o seu plantão e vai embora (E3).

Foram citados ainda a sobrecarga de trabalho do enfermeiro e o déficit de conhecimento em relação ao CAP, esse último decorrente da ineficiência dos Serviços de Educação Continuada no desenvolvimento de programas de capacitação e atualização, o que leva à atribuição do comportamento de realizar o EH ao médico, cabendo ao enfermeiro apenas auxiliá-lo na execução do procedimento

...não é assim bicho de sete cabeças, mas desde que tenha... um treinamento antes... (E22).

DISCUSSÃO

Este estudo permitiu identificar a existência de crenças que permeiam o comportamento de realização do EH, tanto as que se referem à atitude do sujeito em relação ao comportamento como aquelas que remetem aos referentes sociais que estimulam ou não a sua realização.

Dentre as crenças de atitude positivas destacaram-se as vantagens do emprego do CAP em pacientes críticos, especialmente no que se refere à contribuição no delineamento de intervenções ao paciente. A contribuição positiva do EH para o tratamento do paciente, por sua vez, foi associada à geração de uma afetividade positiva em relação ao comportamento, gerando tranqüilidade no cuidado do paciente. Esses achados apontam para o reconhecimento da importância do uso do CAP no tratamento do paciente.

Esse reconhecimento, entretanto, ocorre em meio a muitas desvantagens que os enfermeiros associam ao EH. Tais constatações reforçam os pressupostos do referencial teórico utilizado(11), segundo o qual as crenças de atitude são constituídas pelos significados positivos e negativos que as pessoas têm sobre a execução de um comportamento.

Destaca-se, ainda, que, na avaliação que o indivíduo faz previamente à realização do comportamento, as crenças negativas tendem a ter impacto maior do que as crenças positivas e, ainda, que essas influenciam mais as decisões a longo prazo, enquanto que as negativas têm maior predomínio nas decisões a curto prazo(14). Ao se considerar a decisão de realizar o EH uma resolução a curto prazo, a elevada prevalência de crenças negativas pode levar o enfermeiro a não executar o comportamento. As desvantagens em realizar o EH foram associadas, principalmente, aos riscos da utilização do cateter e ao aumento da demanda de trabalho do enfermeiro.

A norma subjetiva sugere que a possibilidade de o sujeito executar um comportamento é maior quando ele acredita que pessoas importantes em seu ambiente de trabalho esperam que ele execute o comportamento(15). Neste estudo, o médico emergiu como importante referente social positivo, sendo reconhecido como o profissional que ensina e que confia no trabalho do enfermeiro, contribuindo para o seu aprendizado.

A unidade de significado - solicitação do médico - foi a mais saliente nos discursos dos entrevistados, no que se refere ao estímulo para realização do EH. Tal dado evidencia que o enfermeiro realiza o EH a partir da avaliação e do pedido do médico, sendo, para alguns, um dos únicos fatores estimuladores do comportamento. Parece incongruente os enfermeiros apontarem a solicitação do médico como estímulo para realização do EH, uma vez que, o enfermeiro tem autonomia para realizar o EH e que dele se espera a interpretação dos dados obtidos para subsidiar intervenções de enfermagem.

Por outro lado, o médico também foi visto como referente social negativo que desestimula a realização do EH, principalmente quando não estabelece vínculo com o trabalho multiprofissional e/ou quando desconhece ou não utiliza os dados obtidos por meio do CAP no direcionamento do tratamento do paciente crítico. Embora deva ser considerada a importância do referente social para a realização de determinados comportamentos, o remetimento freqüente à figura do médico como estímulo/desestímulo ou mesmo mediando crenças afetivas em relação à realização do EH, parece contribuir para desfocar do enfermeiro sua responsabilidade sobre a realização e interpretação do EH.

O déficit de conhecimento e habilidade na assistência ao paciente com CAP foram crenças que permearam as desvantagens do comportamento, bem como a afetividade negativa em relação ao EH, o que aponta para a relevância da atualização científica do enfermeiro, se não como um fator determinante do comportamento, como fator que contribui para a capacitação para o comportamento, bem como para a motivação para sua realização por meio do desenvolvimento de uma afetividade positiva. Nesse contexto destaca-se a função dos serviços de educação continuada, que devem ter importância ímpar na atualização do enfermeiro, contudo, os dados deste estudo mostraram que os profissionais dos serviços de educação continuada e a chefia de enfermagem têm sido vistos como referentes que desestimulam a realização do EH, com destaque para sua ineficiência em auxiliar o enfermeiro na aquisição e aprimoramento de conhecimento e habilidade no manuseio do CAP.

A utilização inadequada dos dados hemodinâmicos pela equipe de saúde tem despertado o interesse de sociedades científicas internacionais, uma vez que o déficit de conhecimento relacionado ao manejo do CAP é um dos principais dificultadores da avaliação da eficácia do cateter, o que tem levado a recomendações de otimização do conhecimento desses profissionais e, principalmente, à revisão e modificação dos métodos de treinamento e educação continuada(10).

A modificação dos métodos de treinamento e educação continuada é necessária, considerando que programas de educação voltados para a otimização do conhecimento técnico-científico não têm sido satisfatórios em reter e/ou ampliar o conhecimento dos profissionais(16). A identificação de crenças e fatores que influenciam a adesão ao comportamento é fundamental na obtenção de diretrizes para o desenvolvimento de programas de intervenção que sejam eficazes em otimizar e garantir a execução de algum procedimento ou técnica importante na prática profissional(15-17).

Diante do exposto, os resultados deste estudo permitem inferir que os métodos de ensino utilizados pelos serviços de educação continuada, no que se refere ao manejo do CAP, necessitam ser reavaliados e reestruturados. Assim, parece adequado recomendar que os programas educacionais procurem garantir a aquisição de conhecimento técnico-científico, porém, que sejam elaborados a partir dos fatores que motivam, possibilitam e que reforçam o enfermeiro a adotar determinado comportamento. É importante que essa atualização seja voltada para o desenvolvimento do raciocínio clínico, tornando o enfermeiro autoconfiante em relação à sua competência e, portanto, capaz de participar dos processos decisórios que envolvem o cuidado do paciente crítico, junto aos seus pares e à equipe interdisciplinar, de forma igualitária e autônoma.

Os dados deste estudo contribuirão para a construção de uma escala psicométrica que permitirá avaliar a magnitude de cada conjunto de crenças na determinação desse comportamento, em estudo posterior. A identificação das crenças mais intensas permitirá o desenho de intervenções educativas voltadas a reforçar as crenças positivas e transformar as crenças em sentido positivo ao comportamento.

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Recebido em: 11.3.2005

Aprovado em: 29.5.2006

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  • 1
    Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      10 Ago 2005
    • Aceito
      09 Jun 2006
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