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Trajetória profissional na Estratégia Saúde da Família: em foco a contribuição dos cursos de especialização

Resumos

Trata-se de estudo de caso, com abordagem qualitativa, que teve por objetivo analisar a trajetória profissional dos egressos dos cursos de especialização em Saúde da Família, oferecidos pelo Polo Saúde da Família na Região Metropolitana de São Paulo (Polo-SF RMSP) (2002-2004), buscando identificar as contribuições do curso para a atuação desses profissionais na Estratégia Saúde da Família (ESF). A amosta foi composta por 11 ex-alunos. Os dados foram coletados através de questionário com questões semiabertas, durante os meses de dezembro de 2007 a março de 2008. Os resultados apontaram que seis ex-alunos não trabalham mais na ESF. Daqueles que trabalham, a maioria relata baixa identidade com a ESF. Participar do curso ocasionou transformações nas atividades diárias desses profissionais, embora persistam dificuldades para operar com os princípios da ESF. Conclui-se que o curso impactou positivamente a trajetória do profissional, embora represente modalidade de formação que visa complementar conhecimentos e habilidades necessários para atuação na ESF.

Formação de Recursos Humanos; Saúde da Família; Ensino


This case study with a qualitative approach analyzes the professional trajectory of graduates from specialization programs in Family Health offered by the Family Health Center (FH-Center) in the metropolitan region of São Paulo, Brazil, between 2002 and 2004 identifies the contributions of this program to the performance of these professionals in the Family Health Strategy (FHS). The sample included 11 former students and data were collected through a questionnaire with semi-open questions from December 2007 to March 2008. The results revealed that six graduates no longer worked in the FHS and most of those still working in the FHS reported a low level of identification with the FHS. The program enabled changes in these professionals' daily practices, although some difficulties implementing the FHS principles into practice still remain. The conclusion is that the program positively impacted these professionals' trajectory, even though it represents a modality of training designed to complement knowledge and skills required by the FHS work.

Human Resources Formation; Family Health; Teaching


Se trata de estudio de caso, con abordaje cualitativo, que tuvo por objetivo analizar la trayectoria profesional de los egresados de los cursos de especialización en Salud de la Familia, ofrecidos por el Polo Salud de la Familia en la Región Metropolitana de Sao Paulo (Polo-SF RMSP) (2002-2004) buscando identificar las contribuciones del curso para la actuación de estos profesionales en la Estrategia Salud de la Familia (ESF). Los sujetos del estudio fueron 11 ex-alumnos. Los datos fueron recolectados a través de cuestionario con preguntas semi-abiertas, durante los meses de diciembre de 2007 a marzo de 2008. Los resultados apuntaron que seis ex-alumnos no trabajaban más en la ESF. De los que trabajaban, la mayoría relata baja identificación con la ESF. Participa r del curso ocasionó transformaciones en las actividades diarias de esos profesionales, a pesar de que persisten dificultades en operar con los principios de la ESF. Se concluye que el curso impactó positivamente la trayectoria del profesional, a pesar de que represente una modalidad de formación que tiene por objetivo complementar conocimientos y habilidades necesarias para actuación en la ESF.

Formación de Recursos Humanos; Salud de la Familia; Enseñanza


ARTIGO ORIGINAL

Trajetória profissional na Estratégia Saúde da Família: em foco a contribuição dos cursos de especialização1

Tatiane Aparecida Moreira da SilvaI; Lislaine Aparecida FracolliII; Anna Maria ChiesaII

IEnfermeira, Mestranda em Ciências, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: tatyenfermagem@yahoo.com.br

IIEnfermeiras, Livre-Docente, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: Lislaine - lislaine@usp.br , Anna Maria - amchiesa@usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Trata-se de estudo de caso, com abordagem qualitativa, que teve por objetivo analisar a trajetória profissional dos egressos dos cursos de especialização em Saúde da Família, oferecidos pelo Polo Saúde da Família na Região Metropolitana de São Paulo (Polo-SF RMSP) (2002-2004), buscando identificar as contribuições do curso para a atuação desses profissionais na Estratégia Saúde da Família (ESF). A amosta foi composta por 11 ex-alunos. Os dados foram coletados através de questionário com questões semiabertas, durante os meses de dezembro de 2007 a março de 2008. Os resultados apontaram que seis ex-alunos não trabalham mais na ESF. Daqueles que trabalham, a maioria relata baixa identidade com a ESF. Participar do curso ocasionou transformações nas atividades diárias desses profissionais, embora persistam dificuldades para operar com os princípios da ESF. Conclui-se que o curso impactou positivamente a trajetória do profissional, embora represente modalidade de formação que visa complementar conhecimentos e habilidades necessários para atuação na ESF.

Descritores: Formação de Recursos Humanos; Saúde da Família; Ensino.

Introdução

A Estratégia Saúde da Família (ESF) surgiu no Brasil em 1994 e foi concebida com o objetivo de proceder à organização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência(1). Através dessa estratégia, o foco de atenção muda do indivíduo para a família, o que provoca a necessidade de profissional capacitado para atuar com esse objeto ampliado(2).

A falta de profissionais com formação adequada e com perfil generalista, para atuar na ESF, passou a ser grande obstáculo para sua consolidação(3). Dessa forma, o Ministério da Saúde (MS) assumiu institucionalmente, através do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DeGEs)

Em razão disso, muitas ações de formação de profissionais têm sido desenvolvidas com o apoio do governo federal, com a finalidade de capacitar profissionais de saúde para atuarem na ESF(5).

Diante disso, houve a sugestão do DeGEs para adotar a Educação Permanente (EP) como estratégia para se recompor as práticas de formação, atenção, gestão, formulação de políticas e controle social no setor da saúde, a fim de se enfrentar os desafios decorrentes do desempenho do trabalho dos profissionais de saúde nos diferentes cenários do SUS(4).

O conceito de Educação Permanente em Saúde foi adotado com o objetivo de tornar a rede pública de saúde uma rede de ensino/aprendizagem no exercício do trabalho(6). O que se propõe é que a Educação Permanente em Saúde preencha as lacunas existentes no processo de formação, transformando as práticas profissionais e a organização do trabalho. Para tanto, transmitir novos conhecimentos para os profissionais se torna insuficiente, pois o acúmulo do saber técnico não é o foco central da EP. De fato, a EP pretende incluir aspectos pessoais para a formação e capacitação dos trabalhadores, bem como valores e ideias desses trabalhadores a respeito do SUS, de modo geral.

Em síntese, a essência da EP está em oferecer aos alunos, por meio da proposta da aprendizagem significativa, a oportunidade do desenvolvimento de reflexões críticas em seus ambientes de trabalho. Tais reflexões poderão resultar em melhoria da qualidade dos serviços de saúde e no fortalecimento do trabalho em equipe, bem como no comprometimento dessa com a saúde da população de seu local de trabalho(7).

Em meados da década de 90, como forma de operacionalizar as políticas de EP, o MS propôs os Polos Saúde Família (Polos-SF), com o objetivo de criar espaços de desenvolvimento de parcerias entre o poder público e as instituições de ensino, para a preparação dos profissionais que iriam compor as equipes da ESF, no Brasil(5). Entre as responsabilidades dos Polos-SF estavam promover a comunicação entre atores, saberes da clínica, saúde coletiva e gestão(8).

A organização dos Polos-SF no Estado de São Paulo se deu através da constituição de cinco Polos, sendo um deles o da Região Metropolitana de São Paulo e de Santos(2).

Esses Polos-SF destinavam-se a promover ações em três vertentes: capacitação, formação e EP. O Estado de São Paulo conseguiu envolver a maioria das instituições públicas estaduais de ensino no interior desses Polos. Durante algum tempo, a ação predominante desses Polos, no Estado de São Paulo, foi a realização de cursos introdutórios para preparação dos profissionais para atuar na ESF. No entanto, esses cursos foram paulatinamente assumidos pelas secretarias municipais de saúde(9) o que fez com que os Polos focassem suas ações nos cursos de especialização e residência.

Esses cursos de especialização e residência, contudo, pouco ou quase nunca foram objeto de avaliação do poder publico, no sentido de se verificar a potência dos mesmos para a transformação das práticas profissionais no cotidiano do trabalho. Embora os cursos de especialização em Saúde da Família tenham deixado de ser prioridade do MS, esses continuam existindo e ainda existe demanda pelos mesmos. Contudo, questiona-se sua potência para a transformação das práticas dos profissionais rumo àquilo que pede a ESF.

Revisão bibliográfica

Com a finalidade de se conhecer como a questão da formação de profissionais para a ESF, no âmbito da especialização, vem sendo discutida, realizou-se revisão de literatura na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), através de busca por terminologia controlada e na base da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), sem corte temporal. Identificaram-se nove trabalhos, dentre os quais apenas dois estudos discutiam mais especificamente os cursos de especialização.

Estudo desenvolvido em 2007, teve como objetivo identificar, na percepção de alunos egressos de cursos de especialização em saúde da família, a articulação entre os cursos, a proposta da ESF e o trabalho prático que realizavam. A autora conclui que a percepção dos alunos era a de que os cursos se articulavam parcialmente em relação às suas necessidades no interior do processo de trabalho na ESF(2).

Outro estudo analisado foi um artigo, publicado em 2004, que tinha como objetivo avaliar a prática profissional de 151 egressos de cursos de especialização, realizados na área da Saúde Coletiva, em Mato Grosso do Sul, no período de 1986 a 1998. Os autores concluem que os cursos interferiram positivamente na prática profissional dos egressos(10).

Realizou-se, também, revisão na base de dados da Revista Latino-Americana de Enfermagem (RLAE), no período compreendido entre 2007 e 2009, o que resultou em 4 trabalhos relacionados a essa temática. Nenhum desses trabalhos discutia especificamente os cursos de especialização. Entretanto, um artigo abordava a proposta da EP no âmbito do Polo Regional de Educação Permanente em Saúde do Oeste do Paraná. Nesse trabalho, os autores tinham por objetivo realizar levantamento da situação dos profissionais de saúde, atuantes na rede de serviços públicos de abrangência da 10ª Regional de Saúde, bem como identificar as atividades de formação frequentadas entre 2004 e 2006. Dos respondentes, apenas 16,2% eram profissionais com formação superior, sendo, a maioria dos sujeitos, profissionais com formação em nível médio. Os autores concluem que a maioria dos trabalhadores atuantes na Atenção Básica frequentou algum tipo de formação, durante o período avaliado. Entretanto, a implementação dos conhecimentos adquiridos nem sempre foi possível devido a questões gerenciais, organizacionais, bem como a conflitos existentes entre usuários e profissional da saúde e entre os próprios profissionais(11).

A carência de literatura sobre avaliação de cursos de especialização e diante de resultados tão diferentes, encontrados nos estudos analisados acima, é que desenha a importância desta pesquisa, que tem como finalidade identificar as contribuições dos cursos de especialização, para a reorientação das práticas dos profissionais da ESF.

Objetivo

O presente estudo teve como objetivo analisar a trajetória profissional dos egressos dos cursos de especialização em saúde da família, oferecidos pelo Polo-SF RMSP (2002-2004), buscando identificar as contribuições do curso para a atuação desses profissionais na ESF.

Percurso Metodológico do Estudo

Trata-se de pesquisa tipo estudo de caso, com abordagem qualitativa. O estudo de caso pode ser definido como uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo, dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas(12).

A base empírica desta pesquisa foram os seis cursos de Especialização em Saúde da Família, executados no interior do Polo-SF da SES/SP RMSP e seus 259 egressos.

A partir do cadastro escolar, os ex-alunos foram contatados e informados que o instrumento para coleta de dados com perguntas abertas e fechadas encontrava-se online, hospedado no site da SES/SP. O questionário foi composto por quatro blocos com questões referentes ao perfil, trajetória de trabalho e de formação profissional, trabalho atual, curso de especialização em saúde da família e planos para trabalho e formação no futuro. Cada bloco poderia ser preenchido independente, contudo, deveria seguir a ordem sequencial.

Para que o egresso pudesse responder esse questionário, deveria entrar no site www.pesquisapsf.saude.sp.gov.br, clicar no link que se referia ao primeiro acesso, o qual disponibilizava a carta de apresentação do projeto com convite para participação. Após, era gerado o termo de consentimento livre e esclarecido, oferecendo ao egresso as opções a serem marcadas para o aceite ou recusa na participação desta pesquisa, além da garantia do anonimato de sua participação. Em caso de resposta positiva, abria-se o acesso aos blocos. Os questionários ficaram disponíveis para acesso e preenchimento durante os meses de dezembro de 2007 a março de 2008. Uma das dificuldades desse instrumento de coleta de dados era o fato de o mesmo ser bastante extenso, com tempo de 40 minutos estimado para resposta por bloco.

Dos 259 alunos que concluíram os cursos, foram localizados 153. Desses, apenas 11 preencheram até o último bloco do questionário. As respostas coletadas, por meio do questionário, foram organizadas em um banco de dados com auxílio do programa Excel. Como o número de respondentes era pequeno, as informações receberam tratamento qualitativo. Para tanto, a estratégia utilizada foi a de relato de caso, ou seja, casos múltiplos (trajetórias pessoais) de um caso único (egressos de cursos de especialização)(12).

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (CEP/EEUSP, Processo nº597/2006).

Resultados e Discussão

As características sociodemográfica dos egressos-casos

Neste estudo, foi possível identificar que os egressos estudados eram, em sua maioria, mulheres, nascidas no Estado de São Paulo, com mais de 40 anos de idade, graduadas em escola privada (em medicina ou enfermagem), há mais de 20 anos. Outra característica é que a maioria já havia cursado especializações anteriores, além da especialização em Saúde da Família. Inclusive, alguns dos egressos estudados possuíam mais de duas especializações, contudo, outros haviam concluído apenas a especialização em Saúde da Família. As especializações eram de âmbitos diversos e, dos 11 sujeito, apenas 3 possuíam, como outra especialização, a área de Saúde Pública. Nenhum dos sujeitos possuía mestrado ou doutorado.

Com relação ao acesso à internet, todos referiram possuir, sendo que cinco deles têm esse acesso em casa e no trabalho, quatro apenas em casa e outras duas no trabalho.

O perfil desses egressos, em termos de tempo de graduação, se assemelha ao encontrado em estudo sobre egressos de cursos de residência em saúde da família, realizado em 2005. Nesse estudo, a autora identificou que os sujeitos possuíam mais de 15 anos de graduação. É fato que, apesar do tempo de graduação, alguns não haviam cursado especialização, mas, também, é verdadeiro que outros já possuíam especializações em áreas não correlacionadas à Saúde da Família(9). Isso reforça a importância de se introduzir a discussão sobre essa área, no âmbito da graduação, pois, sem essa discussão, se torna mais difícil mudar paradigmas conceituais, após tantos anos de trabalho.

A trajetória dos egressos: o antes, o durante e o depois do curso de especialização

Dos casos analisados (11), seis não trabalham mais na mesma UBS em que trabalhavam no início do curso, enquanto quatro continuam trabalhando na mesma UBS. A resposta de uma pessoa não deixou claro esse aspecto. Dos seis egressos que não continuaram na mesma UBS, três são enfermeiros e os outros três são médicos.

Todos os respondentes desta pesquisa informaram ter realizado o curso introdutório à ESF (momento I). Entretanto, em relação à capacitação clínica nos ciclos de vida (momento II), oito pessoas fizeram e três pessoas não. Em relação à preceptoria para Saúde da Família, nove egressos informaram não terem tido essa experiência, enquanto dois relataram ter realizado.

A partir dos relatos dos egressos, pode-se observar que três, dos onze casos estudados, não cumpriram o momento II e foram indicados para o curso de especialização. Esse fato impactou as expectativas desses profissionais quanto ao curso de especialização, ou seja, eles esperavam que o curso de especialização pudesse suprir a abordagem que faltou na sua preparação profissional por não terem realizado o momento II.

Outro aspecto encontrado nos casos refere-se aos motivos alegados para a mudança de trabalho. Nos relatos dos profissionais que não trabalham mais na ESF, um egresso não quis explicar o motivo de sua saída e duas pessoas afirmaram ter saído por outros motivos. Para essas duas pessoas, a ESF é desgastante, causa adoecimento, baixa autoestima, medo e disputa por poder, além de sobrecarregar especialmente o profissional médico.

Dos que continuam trabalhando na ESF, seis trabalham em UBS exclusiva ESF e um trabalha em UBS mista. Quatro egressos possuem sob responsabilidade de sua equipe entre 600 e 1.000 famílias, e outros três egressos possuem entre 1.000 e 1.200 famílias.

Dos casos estudados, três participam diretamente de atividades educativas, atividades de promoção à saúde na comunidade, realizam visitas para atendimento domiciliar, atividades de vigilância à saúde e coletam pessoalmente exame de Papanicolau. Um dos profissionais relatou que, fora do âmbito da consulta individual, realiza apenas visitas domiciliares, dois egressos realizam visita domiciliar e educação em saúde e um dos egressos não quis responder quais atividades previstas para médicos e enfermeiros da ESF ele realiza.

Importante ressaltar que a competência está relacionada à capacidade de se resolver problemas diante de dadas situações, habilidades, atitudes e enfrentamento de situações imprevisíveis. Neste estudo, foi possível perceber que os egressos resistem à prática generalista e apresentam dificuldades para colocar em prática ações condizentes com a ESF.

A análise dessa trajetória permite considerar que há importante rotatividade dos profissionais estudados em relação a seu trabalho, pois mais da metade dos sujeitos de pesquisa referiram não estar mais no mesmo local de trabalho. Essa rotatividade pode ser considerada fator de não sustentabilidade da ESF, pois rompe a integração da equipe. Caso não se consiga superar tal dificuldade, no que diz respeito principalmente ao reconhecimento do trabalho realizado pelos diferentes profissionais da saúde que compõem a equipe, corre-se o risco de retroceder ao modelo anterior de saúde (enfoque biologicista e fragmentado). Assim, a alta rotatividade, tanto de enfermeiros quanto de médicos, coloca em risco a finalidade central da ESF - mudança do modelo de assistência à saúde(13).

Estudo realizado em 2005 aponta que existe correlação entre a questão da rotatividade do médico e a satisfação no trabalho. Os resultados dessa pesquisa indicaram que a maior correlação encontrada foi entre a rotatividade e a capacitação. Ou seja, os profissionais se sentiam pouco capacitados para exercerem funções a eles designadas na ESF, o que leva à rotatividade. Nesse trabalho, ficou claro que a questão salarial atrai os profissionais médicos para trabalharem na ESF, entretanto, não é fundamental para fixá-los. Além disso, a autora identificou que o índice de rotatividade dos médicos é maior que dos enfermeiros(14).

Outro estudo, realizado em 2007, identificou que a maioria dos enfermeiros e médicos entrevistados continuou atuando na mesma UBS após o curso, seja como membro da equipe seja como gerente. Pode-se apontar que não existe padrão único para a rotatividade na ESF, contudo, o curso de especialização, embora esteja vinculado aos serviços de saúde, não chega a impactar a rotatividade dos profissionais, cabendo aos responsáveis, por essa estratégia de capacitação, pensar alternativas para tal(2).

A crítica que se faz aos cursos de especialização, do qual esses sujeitos participaram, é que, embora tenham sido desenvolvidos dentro dos Polos-SF RMSP, parece que não houve articulação entre as universidades e as UBS, nas quais os egressos atuavam no momento do curso. Essa não articulação vai em direção oposta àquilo que prevê a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (2004), a qual define que, dentre as etapas de formação das equipes de Saúde da Família, estão previstos: o momento I, o momento II e o curso de especialização em Saúde da Família, nessa ordem(4).

Estudo avaliativo, realizado em 2008I; aponta que diferentes mecanismos, ou modalidades de cursos, são adotados e oferecidos para se capacitar profissionais que atuam na ESF, e os principais são: treinamento em serviço, cursos de atualização e/ou aperfeiçoamento, cursos de especialização, cursos específicos como tecnologia da informação e informática, cursos de pós-graduação e cursos sobre ciclo de vida(15).

Segundo os autores desse estudo, a instituição que aparece como responsável para garantir tais capacitações são as secretarias municipais de saúde, e a grande maioria dos coordenadores afirma acreditar que os processos de capacitação oferecidos são adequados, porém, são considerados insuficientes para garantir as necessidades da população e do serviço. Além disso, há entraves à capacitação dos profissionais da ESF e entre eles estão: oferta insuficiente de cursos, falta de vagas nos cursos, alta rotatividade dos profissionais das equipes de saúde da família, dificuldade para se retirar os profissionais do atendimento para que possam participar dos cursos no horário de trabalho, dificuldade em operacionalizar o conteúdo das capacitações com a rotina de trabalho nas unidades, além da dificuldade de acesso aos locais em que os cursos eram administrados(15).

No estudo de 2007, fica claro que uma das expectativas dos egressos de cursos de especialização era que o mesmo fosse mais prático, sintético e que possuísse enfoque sobre problemas prevalentes e prioritários, ou seja, que retomasse a abordagem de conteúdos específicos do momento I e do momento II. Essa autora afirma que, para os egressos que participaram de sua pesquisa, o curso de especialização apresentou articulação parcial em relação às necessidades de trabalho que esses possuíam. Além disso, apontaram a necessidade de que os docentes tivessem experiência de trabalho na ESF(2).

Ao pensar que a ESF necessita de profissional de saúde preparado para realizar prática generalista, condizente com a realidade e necessidades de seu cotidiano de trabalho, mais do que docentes experientes, os cursos de especialização precisam oferecer estratégias pedagógicas que proporcionem aos profissionais a oportunidade de aprender a aprender, de reconhecer que seu ambiente de trabalho é, também, espaço para o processo ensino/aprendizagem.

Outra questão identificada nos relatos é a diferença entre o número de famílias sob responsabilidade dos profissionais, entendendo que essas variam segundo o gestor ou as referências próprias das UBS. Isso pode explicar as mudanças dos profissionais de saúde de uma equipe para outra, ou seja, os profissionais podem migrar de uma equipe com mais famílias adscritas para outra com menos, na tentativa de melhorar suas condições de trabalho.

As contribuições do curso de especialização em saúde da família para a formação profissional dos ex-alunos que puderam ser identificadas, nos casos relatados

No que tange à adequação do curso às necessidades do trabalho na ESF, os egressos relataram que o curso foi muito voltado para a assistência e pouco para política e gestão. Além disso, afirmaram que alguns temas deixaram muito a desejar, por exemplo, urgência e emergência. Para os egressos, o curso deveria enfatizar a importância do papel social dos profissionais para a operacionalização da equidade, da universalidade e da humanização, preconizado pelo Sistema Único de Saúde.

Dos seis egressos que ainda trabalham na ESF em equipe de saúde da família, um afirmou que não ocorreram mudanças em seu local de trabalho durante ou após o curso. Entretanto, os outros cinco informaram que significativas mudanças ocorreram, entre elas a utilização de protocolos de enfermagem, reorganização da grade de atividades da equipe, implementação de condutas mais produtivas e resolutivas, compreensão do território, estabelecimento e reconhecimento de riscos que nele existem, organização da demanda, planejamento de ações, enfoque em saúde e promoção da saúde e melhora na qualidade do atendimento, melhora na abordagem e compreensão das famílias atendidas.

Com relação ao impacto que o curso gerou no cotidiano da UBS, para um dos ex-alunos, o curso não teve impacto. Outro ex-aluno afirmou que os conhecimentos adquiridos no curso foram utilizados na sua prática diária, como gerente. Os outros egressos referiram que, após o curso, houve melhora na qualidade das consultas e resolutividade. Em contrapartida, para outros egressos, o curso provocou impacto importante e significativo, atendendo as expectativas de ambos e o curso resultou em melhora no atendimento da consulta de enfermagem e organização do trabalho para o egresso, além de mudanças e melhora na abordagem e compreensão da família atendida, resolução de problemas na UBS e bom aproveitamento do que aprendeu no curso em sua prática cotidiana.

Ainda, na dimensão das contribuições, segundo os ex-alunos, o curso de especialização apresentou fragilidades no que diz respeito ao desenvolvimento da proposta de EP, que, de acordo com diretrizes oficiais, objetiva promover a transformação das práticas de saúde, através da aprendizagem significativa. Trata-se, portanto, de processo baseado em transformações crítico-reflexivas dos profissionais sobre seus locais de trabalho. Percebe-se que o impacto que o curso causou nos egressos foi pequeno, o que é refletido quando contam suas trajetórias. Além disso, apesar das importantes transformações ocorridas em suas atividades diárias, nota-se que existe dificuldade para se operar com os princípios da ESF, o que pode refletir na questão da rotatividade e em mudanças ocorridas no trabalho.

Cabe ressaltar que houve críticas quanto ao formato do curso (único dia por semana e carga horária espaçada) o que, segundo os ex-alunos, o torna cansativo e pouco proveitoso. Entretanto, apesar dos relatos de desmotivação quanto ao curso e ao trabalho na ESF, pôde-se perceber que algumas mudanças ocorreram nos locais de trabalho, após o curso de Especialização em Saúde da Família. Segundo os próprios egressos, essas mudanças estavam relacionadas à melhora na qualidade das consultas e resolutividade, organização do trabalho para o egresso, mudanças e melhora na abordagem e compreensão da família atendida e bom aproveitamento do que foi aprendido no curso em sua prática diária.

Em outro estudo, realizado em 2004, os autores identificaram que os cursos de especialização em Saúde Coletiva resultaram em melhora da prática gerencial enquanto capacidade de elaborar e implementar estratégias de intervenção sobre a organização dos serviços e sobre o processo de trabalho. Além disso, a formação recebida interferiu positivamente no que diz respeito à visão ampliada da Saúde Pública, o que possibilitou identificação e análise das necessidades dos serviços em que atuavam(10).

O estudo realizado em 2007, entretanto, demonstrou que houve relato significativo dos egressos de curso de Especialização em Saúde da Família de que não existiu articulação do curso com o cotidiano de trabalho desses profissionais. Além disso, nesse último estudo, os egressos afirmaram que os docentes não possuíam conhecimento prático da realidade da ESF, o que, consequentemente, permitia visão pouco clara da realidade de trabalho desses profissionais, resultando em discussões em sala de aula não condizentes com a realidade na qual os profissionais atuavam. É importante frisar que as realidades de trabalho desses profissionais são diferentes, o que também interfere em seus comentários sobre adequação do curso às suas necessidades de trabalho(2).

Conclusões

Para os egressos dos cursos de especialização em saúde da família, sujeitos desta pesquisa, os cursos ainda representam modalidade de formação que visa complementar conhecimentos e habilidades necessários para atuação na ESF. Dessa forma, um dos desafios para o curso de especialização seria habilitar seus alunos para atuarem com enfoque mais ampliado.

Importante ressaltar que os cursos de especialização aqui analisados apresentaram fragilidades no que tange ao desenvolvimento da proposta de EP, pois foi possível identificar que o impacto que o curso causou aos egressos foi pequeno e esses ainda enfrentam dificuldades para trabalhar sob os princípios da ESF. A crítica que se faz a tais cursos de especialização é que, embora tenham sido desenvolvidos no espaço da EP, dentro dos Polos-SF RMSP, parece que não houve articulação a outras práticas de formação para o SUS. Ou seja, no decorrer dos cursos, oferecidos pelas IES do Polo-SF RMSP, não houve articulação entre as universidades e as UBS/USF nas quais os egressos atuavam no momento do curso, o que se refletiu na dificuldade para se criar parcerias para a modificação dos projetos e processos de trabalho das unidades e equipes de SF.

Acredita-se que, para se ter avanço na formação de profissionais de saúde para atuarem na ESF, os formatos dos cursos precisam ser ajustados ou aproximados à realidade dos profissionais. Ou seja, além de se pensar na incorporação de discussões focadas nas necessidades, identificadas nas realidades de trabalho dos profissionais, faz-se importante pensar em outras formas de articulação eficazes entre IES, instituições governamentais (SES, SMS) e instituições de serviços de saúde.

O MS, atualmente, tem percebido que, mais que investir na especialização dos profissionais já graduados, se faz necessário investir na mudança da formação no âmbito das universidades. Exemplo disso são os investimentos públicos no financiamento de projetos e programas que alterem os currículos dos cursos de graduação das IES para que esses se aproximem mais da realidade do trabalho no SUS.

Alguns dos resultados deste estudo apontam para a necessidade de se pensar sobre o ambiente de trabalho, enquanto espaço para o desenvolvimento de processos de ensino/aprendizagem. Tudo isso pode conduzir à organização do serviço, em paralelo ao processo pedagógico das propostas de capacitação.

Agradecimentos

Agradecimento especial à Dra. Ana Silvia Whitaker Dalmaso pelas contribuições na construção da dissertação de mestrado que resultou na produção deste artigo.

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  • *
    ; a responsabilidade de reorientar ações de formação dos profissionais de saúde que tenham como foco novos modos de cuidar e ensinar em saúde
    (4).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Nov 2009
    • Aceito
      17 Set 2010
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