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Sintomas de depressão e qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/aids

Resumos

Trata-se de estudo de corte transversal, realizado com amostra composta por 228 pessoas vivendo com HIV/AIDS, em um município paulista, durante 2007 e 2008. Os objetivos foram investigar a intensidade dos sintomas de depressão em indivíduos com HIV/AIDS, atendidos em duas unidades de referência, em Ribeirão Preto, SP, e comparar a qualidade de vida aos diferentes graus de intensidade dos sintomas de depressão nesses indivíduos, segundo o gênero. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, utilizando-se o inventário de depressão de Beck e HIV/AIDS Targeted Quality of Life (HATQoL). Detectou-se 63 (27,6%) indivíduos com sintomas de depressão (leve, moderada e grave). As mulheres apresentaram sintomas de intensidade mais grave de depressão do que os homens. Indivíduos com sintomas depressivos apresentaram menores escores de qualidade de vida do que indivíduos com ausência desses sintomas, com diferenças estatisticamente significativas entre os valores médios/medianos, na maioria dos domínios do HATQoL. Profissionais de saúde devem oferecer assistência integral às pessoas com HIV/AIDS, valorizando os sintomas depressivos.

Infecções por HIV; Depressão; Qualidade de Vida


This is a cross-sectional study conducted with 228 people living with HIV/AIDS in a municipality in the State of São Paulo during 2007 and 2008. The aims of this study were to investigate the intensity of the depressive symptoms in individuals with HIV/AIDS treated at two referral units in Ribeirão Preto, Brazil, and to compare the quality of life with the different degrees of intensity of the depressive symptoms in these individuals, according to gender. Data were collected through individual interviews, using the Beck Depression Inventory and HIV/AIDS Targeted Quality of Life (HATQoL). A total of 63 (27.6%) patients with symptoms of depression (mild, moderate and severe) were detected. The women presented more severe symptoms of intensity of depression than men. Individuals with depressive symptoms presented lower scores of quality of life than individuals without these symptoms, with statistically significant differences between the means/medians in most domains of the HATQoL. Healthcare professionals should offer integral care for people with HIV/AIDS, emphasizing the depressive symptoms.

HIV Infections; Depression; Quality of Life


Se trata de un estudio de corte transversal realizado en 228 personas viviendo con HIV/Sida en un municipio del estado de Sao Paulo, durante 2007 y 2008. Los objetivos fueron investigar la intensidad de los síntomas de depresión en individuos con HIV/Sida atendidos en dos unidades de referencia en Ribeirao Preto, SP, y comparar la calidad de vida con los diferentes grados de intensidad de los síntomas de depresión en esos individuos, según el género. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas individuales, utilizando el Inventario de Depresión de Beck y HIV/AIDS Targeted Quality of Life (HATQoL). Se detectaron 63 (27,6%) individuos con síntomas de depresión (leve, moderado y grave). Las mujeres presentaron síntomas de intensidad más grave de depresión que los hombres. Individuos con síntomas depresivos presentaron menores puntajes de calidad de vida que individuos con ausencia de esos síntomas, con diferencias estadísticamente significativas entre los valores medios/medianos en la mayoría de los dominios del HATQoL. Los profesionales de la salud deben ofrecer asistencia integral a las personas con HIV/Sida, valorizando los síntomas depresivos.

Infecciones por VIH; Depresión; Calidad de Vida


ARTIGO ORIGINAL

Sintomas de Depressão e Qualidade de Vida de Pessoas vivendo com HIV/aids

Renata Karina ReisI; Vanderley José HaasII; Claudia Benedita dos SantosIII; Sheila Araujo TelesIV; Marli Teresinha Gimenez GalvãoV; Elucir GirVI

IEnfermeira, Doutora em enfermagem, Professor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: renatakreis@gmail.com

IIFísico, Doutor em Ciências. E-mail: vjhaas@uol.com.br

IIIDoutora em Estatística, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: cbsantos@eerp.usp.br

IVEnfermeira, Doutora em Biologia Parasitária, Professor Doutor, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. E-mail: sheilaa@terra.com.br

VIEnfermeira, Doutora em Doenças Tropicais, Professor Adjunto, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: mgalvao@gmail.com

VIIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: egir@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Trata-se de estudo de corte transversal, realizado com amostra composta por 228 pessoas vivendo com HIV/AIDS, em um município paulista, durante 2007 e 2008. Os objetivos foram investigar a intensidade dos sintomas de depressão em indivíduos com HIV/AIDS, atendidos em duas unidades de referência, em Ribeirão Preto, SP, e comparar a qualidade de vida aos diferentes graus de intensidade dos sintomas de depressão nesses indivíduos, segundo o gênero. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, utilizando-se o inventário de depressão de Beck e HIV/AIDS Targeted Quality of Life (HATQoL). Detectou-se 63 (27,6%) indivíduos com sintomas de depressão (leve, moderada e grave). As mulheres apresentaram sintomas de intensidade mais grave de depressão do que os homens. Indivíduos com sintomas depressivos apresentaram menores escores de qualidade de vida do que indivíduos com ausência desses sintomas, com diferenças estatisticamente significativas entre os valores médios/medianos, na maioria dos domínios do HATQoL. Profissionais de saúde devem oferecer assistência integral às pessoas com HIV/AIDS, valorizando os sintomas depressivos.

Descritores: Infecções por HIV; Depressão; Qualidade de Vida.

Introdução

A qualidade de vida (QV) tem se tornado um dos objetivos principais nas pesquisas sobre a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), visto que, devido ao avanço no tratamento, com a utilização de antirretrovial, houve diminuição das infecções oportunistas e aumento das taxas de sobrevida(1). Diante da mudança na trajetória da infecção pelo HIV para doença crônica, melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com o HIV/AIDS tornou-se um dos principais objetivos da prática clínica e das pesquisas da área(2).

Estudos sobre QV entre pessoas vivendo com o HIV/AIDS apontam que a mesma é afetada por inúmeros fatores individuais, culturais, sociais e emocionais, relacionados ao impacto do diagnóstico e do tratamento e à convivência cotidiana com doença crônica(3). Diferentes variáveis, tais como o gênero, as condições de vida e saúde, têm sido estudadas por sua relação com QV, entretanto, alguns autores têm apontado que a depressão prejudica, de forma importante, todas as dimensões da QV avaliadas(4-5).

A depressão é condição comum vivenciada por pessoas em condições crônicas de doença, causando incapacidade, afetando a evolução da doença e interferindo na recuperação e, ainda, é considerada risco potencial para o aumento da morbidade e mortalidade de numerosas condições médicas, incluindo a infecção pelo HIV/AIDS(6).

A infecção pelo HIV e as desordens psiquiátricas apresentam complexa relação e têm recebido atenção especial na última década, considerando o seu impacto na vida pessoal, sexual, social e ocupacional das pessoas vivendo com o HIV/AIDS(7). Dentre os diversos transtornos psiquiátricos, frequentemente identificados em pessoas vivendo com HIV/AIDS, a depressão é a mais prevalente. Além da depressão, tem sido observado que eventos de vida estressantes estão associados ao aumento da progressão da infecção pelo HIV/AIDS(8) que, por sua vez, aumentam de três a cinco vezes o risco para o desenvolvimento de depressão(9).

Já é bem estabelecido que a infecção pelo HIV/AIDS compromete a qualidade de vida de seu portador(10). Ainda, outros autores apontam relação estreita entre depressão e qualidade de vida(5), principalmente em indivíduos com doenças crônicas(11). Considerando que AIDS é doença crônica e seus portadores têm risco elevado para desenvolver sintomas depressivos, os quais têm sido associados à piora da qualidade de vida, os objetivos deste estudo foram investigar a intensidade dos sintomas de depressão em indivíduos com HIV/AIDS, atendidos em duas unidades de referência, em Ribeirão Preto, SP, e comparar a qualidade de vida com os diferentes graus de intensidade dos sintomas de depressão nesses indivíduos, segundo o gênero.

Método

Trata-se de estudo com abordagem quantitativa de corte transversal, realizado em dois serviços especializados no atendimento clínico-ambulatorial a pessoas vivendo com HIV/AIDS, localizado no município de Ribeirão Preto, SP. Nesses serviços são cadastrados 500 pacientes, desses, 228 (45,6%) participaram do estudo. Foram incluídos no estudo indivíduos com idade mínima de 18 anos; portador do HIV, em condições clínicas e emocionais para responder os questionários, ter sido atendido, no mínimo, uma vez nos serviços participantes do estudo, no período de março de 2007 a março de 2008.

Para a coleta de dados, inicialmente foi realizada entrevista individual em salas do próprio ambulatório, utilizando roteiro semiestruturado sobre dados sociodemográficos, idade em anos, gênero (masculino, feminino), estado civil (solteiro, casado, separado, viúvo, vivendo como casado, divorciado), escolaridade em anos de estudo, renda familiar (em salários mínimos), vínculo empregatício (sim, não, aposentado, desempregado), elaborado especificamente para este estudo. Após, foi aplicado o inventário de depressão de Beck (IDB) para avaliar a intensidade dos sintomas de depressão e, por fim, o instrumento (Targeted Quality of Life-HATQoL), para avaliação da qualidade de vida dos participantes.

Diversos instrumentos estão disponibilizados para o levantamento da intensidade dos sintomas depressivos, sendo o inventário de depressão de Beck (BDI) um dos mais utilizados e traduzido para vários idiomas(12). O BDI é escala autoaplicada, traduzida e validada no Brasil(13), composta por 21 itens que contemplam sintomas e atitudes cognitivas depressivas.

A pontuação para cada categoria do BDI varia de zero a três, sendo que zero corresponde à ausência de sintomas depressivos e três à presença de sintomas mais intensos. Para o escore total, até 15 pontos significa ausência ou presença mínima de sintomas depressivos; entre 16 e 20 pontos há evidências de intensidade leve a moderada de sintomas depressivos; acima de 20 pontos indica sintomas de depressão de intensidade moderada a grave. Escore de 30 a 63 pontos sinaliza sintomas depressivos de intensidade grave. Há diferentes pontos de corte para depressão, dependendo da natureza da amostra e dos objetivos do estudo. Já para amostras não diagnosticadas as diretrizes são diferentes, escores maiores ou iguais a 18 dariam estimativa de possível depressão(13). Neste estudo, utilizou-se a categorização em que a obtenção de 21 pontos, ou mais, pode ser considerada como presença de depressão clinicamente significativa(14)..

O HATQoL é instrumento específico, traduzido e validado no Brasil(15), para avaliação da qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/AIDS. Esse instrumento é composto por 42 itens, divididos em nove dimensões (atividade geral, atividade sexual, preocupações com sigilo sobre a infecção, preocupação com a saúde, preocupação financeira, conscientização sobre o HIV, satisfação com a vida, questões relativas à medicação e confiança no médico). Esse instrumento foi construído originalmente a partir das sugestões das próprias pessoas vivendo com o HIV/AIDS, pressupondo-se, então, que o mesmo avalia domínios importantes para essa população(16).

Para responder cada questão, o indivíduo é conduzido a pensar sobre a sua qualidade de vida nas últimas quatro semanas. As respostas têm formato de escala do tipo Likert de cinco pontos: "todo o tempo", "a maior parte do tempo", "parte do tempo", "pouco tempo" e "nunca". Em cada domínio, zero é o escore mais baixo e 100 o melhor escore possível. Quanto maior o escore, menor o impacto da infecção pelo HIV na qualidade de vida dos indivíduos. Em outras palavras, quanto menor o escore, mais acometida a função, maior a preocupação e menor a satisfação com a vida(15).

Quanto às propriedades psicométricas do instrumento, a versão em português do Brasil do HATQoL se mostrou compreensível e de fácil aplicação, com boa validade de construto e excelente confiabilidade. Identificaram-se excelentes resultados para a consistência interna, com alfas de Cronbach sempre acima do valor de corte (0,70)(16). Os autores apontam que esse instrumento poderá contribuir para a avaliação da qualidade de vida na população com HIV/AIDS, no Brasil.

Para a análise, os dados foram inicialmente organizados em planilha Excel, realizada dupla digitação e validação com o objetivo de obter dados fidedignos, livres de erros de transcrição. Após, os dados foram exportados para o programa de análise estatística Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 15.0. Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a normalidade das distribuições de médias amostrais dos escores dos domínios da medida de QV. Para analisar diferença estatisticamente significativa entre as médias ou medianas dos escores de qualidade de vida, nos diferentes grupos de intensidade de sintomas depressivos, foram utilizados os testes ANOVA e Kruskal-Wallis. O teste do qui-quadrado foi realizado para verificação de associação entre intensidade dos sintomas depressivos e gênero. O nível descritivo de significância utilizado foi 0,05 (a=0,05).

A todos os participantes foi garantido o sigilo e anonimato das informações e os dados foram coletados mediante a concordância dos participantes e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, conforme Protocolo no0699/2006.

Resultados

O perfil sociodemográfico dos indivíduos estudados encontra-se apresentado na Tabela 1. Independente do gênero, praticamente a metade dos indivíduos possuía menos de 40 anos.

A avaliação pelo inventário de depressão de Beck permitiu identificar que 63 (27,6%) indivíduos apresentavam sintomas de depressão; sendo 13 (5,7%) com sintomas leves, 29 (12,7%) moderados e 21 (9,2%) graves. Quando se comparou a presença de sintomas de depressão entre os gêneros, verificaram-se diferenças estatisticamente significantes entre homens e mulheres, visto que as mulheres apresentaram sintomas de depressão de intensidade mais grave que os homens (Tabela 2).

Quanto aos domínios da qualidade de vida do HATQoL, ao se comparar com sintomas de depressão nos indivíduos investigados, identificou-se relação inversa, ou seja, quanto maior a intensidade dos sintomas pior a QV, na maioria dos domínios, exceto nos domínios "preocupação com o sigilo" e "confiança no médico", nos quais não foram identificadas associações estatisticamente significantes (Tabela 3).

Discussão

Os resultados deste estudo apontaram para a prevalência de sintomas depressivos de 27,6%, segundo o IDB. E, ainda, ficou evidente que, quando se compara a presença de sintomas de depressão entre os gêneros, se verificaram diferenças estatisticamente significantes entre homens e mulheres, visto que as mulheres apresentaram sintomas de depressão de intensidade mais grave que os homens. Outro estudo, realizado no Brasil, também aponta alta prevalência (25,8%) de sintomas de depressão entre mulheres infectadas pelo HIV/AIDS, valores muito maiores quando se compara com a população feminina em geral(9). Tais resultados apontam para a necessidade da compreensão de fatores que favorecem maior adoecimento por depressão entre mulheres, visto que as taxas de depressão no mundo variam de 4 a 10% na população geral, entretanto, ao longo da vida, a prevalência de depressão entre mulheres é maior do que em homens, pois as taxas variam de 10 a 25% nas mulheres e de 5 a 12% para homens(17).

Estima-se que a depressão acometa de 22 a 45% das pessoas com HIV/AIDS(17), sendo que fatores sociais e psicológicos, como dificuldades no relacionamento afetivo-sexual, conflitos conjugais e exclusão social, têm sido sugeridos como possíveis causas da depressão na população soropositiva ao HIV(8). Ademais, a depressão tem sido associada a alterações na função imunológica, com diminuição de atividade das células natural killer e dos linfócitos CD8(8), impactando a progressão da infecção pelo HIV(6). Apesar disso, o diagnóstico e o tratamento de depressão em pessoas vivendo com HIV/AIDS ocorrem em apenas 40 a 50% dos casos(11).

A variabilidade observada entre as taxas descritas na literatura pode ser atribuída a fatores como o instrumento utilizado e características da população estudada, o local da realização da pesquisa e o estágio da doença(18).

A depressão é uma das mais prevalentes e menos diagnosticadas das desordens psiquiátricas entre os indivíduos vivendo com HIV/AIDS, e, quando comparada à população geral, é significativamente maior nesses indivíduos(19), com valores de taxas aproximadamente duas vezes maiores(20).

Os dados também comprovaram o impacto negativo da depressão em todos os domínios do HATQoL, exceto nos domínios confiança no médico e preocupação com o sigilo. Observou-se que, quanto maior a intensidade dos sintomas depressivos pior são os escores de QV. Estudos realizados em Porto Alegre, RS, com a população atendida em uma unidade básica de saúde e com pessoas vivendo com o HIV/AIDS também encontraram-se resultados semelhantes, evidenciando que a presença de sintomas depressivos parece, de fato, prejudicar a qualidade de vida em muitas das dimensões avaliadas(5,21).

A associação entre depressão e infecção viral não é recente(22), entretanto, no Brasil, estudos que avaliam a relação da qualidade de vida com sintomas depressivos ainda é muito incipiente(23).

Outros estudos realizados, no Brasil, evidenciam que a qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV/AIDS relaciona-se a inúmeras variáveis(5,15). Existem evidências significativas, na literatura, de que os indivíduos deprimidos apresentam importante comprometimento de sua qualidade de vida e funcionamento físico e mental, visto que os transtornos depressivos afetam vários dos domínios da avaliação global da qualidade de vida(4), sendo considerado um dos mais fortes preditores de pior qualidade de vida em pessoas com HIV/AIDS. Outros autores também destacam que a depressão tem impacto negativo em todas as dimensões da qualidade de vida estudada, além de estar associada à baixa adesão ao tratamento antirretroviral(24) e maior percepção do estigma associado ao HIV(25).

A depressão interfere negativamente na qualidade de vida em diferentes populações com doença crônica(26). Os distúrbios depressivos complicam o curso de qualquer doença, por meio da variedade de mecanismos que aumentam a dor, interferindo na adesão ao tratamento, diminuindo o suporte social e desregulando o sistema humoral e imunológico. Indivíduos com doença crônica que estão deprimidos revelam maior incapacidade do que aqueles não deprimidos(27).

Os transtornos depressivos estão associados a graves consequências em termos de mortalidade e morbidade, causando perda da produtividade e interferindo nas relações interpessoais. E os efeitos a longo prazo da depressão são tão graves quanto aqueles observados em diversas condições médicas gerais, capazes de influenciar, de maneira adversa, a longevidade e o bem-estar(5).

Apesar do impacto negativo da depressão para a progressão da infecção pelo HIV/AIDS e na qualidade de vida das pessoas, vivendo com HIV/AIDS, o diagnóstico e o tratamento não ocorrem em 50 a 60% dos casos(12).

O diagnóstico de depressão pode ser, muitas vezes, difícil devido à fronteira imprecisa entre as suas manifestações em formas clínicas e subclínicas, principalmente em indivíduos com HIV. Nesses indivíduos, as dificuldades para o diagnóstico de depressão se agravam, uma vez que condições clínicas como fadiga, diminuição do apetite, alteração do sono e perda de peso, comuns na depressão, são encontrados frequentemente em indivíduos vivendo com HIV/AIDS(28). Além disso, existem outras barreiras para o diagnóstico de depressão entre os indivíduos infectados pelo HIV, dentre elas a dificuldade do próprio indivíduo em falar sobre suas emoções com os profissionais de saúde e a compreensão, pelo profissional de saúde, de que a depressão é reação normal, advinda com a soropositividade ao HIV(29).

Diante do impacto dos antirretrovirais na sobrevida dos infectados pelo HIV/AIDS, a adesão ao tratamento centraliza as intervenções dos profissionais. Enquanto o tratamento clínico tem sofrido avanços indiscutíveis, o apoio emocional que favorece o melhor enfrentamento das questões afetivas, fundamentais para o autocuidado, ainda sofre consequências do despreparo dos profissionais para abordar os aspectos psicossociais, advindos com a soropositividade ao HIV(29). Nesse sentido, é fundamental que os clínicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais da saúde compreendam e identifiquem os fatores associados e os determinantes da depressão, no contexto da infecção pelo HIV/AIDS, visto seu impacto na qualidade de vida de soropositivos ao HIV com sintomatologia depressiva.

Considerações finais

Descrever a intensidade dos sintomas de depressão e sua relação com gênero e com os domínios da qualidade de vida, na população infectada pelo HIV/AIDS, são importantes passos para desenvolver intervenções terapêuticas e suporte psicossocial para esses indivíduos, visando não somente o tratamento, mas a prevenção de episódios depressivos, considerando-se a alta prevalência de depressão e suas consequências na qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HIV, bem como seu impacto na evolução da infecção pelo HIV.

Os profissionais de saúde devem estar atentos para essa problemática, visando a promoção da saúde mental das pessoas vivendo com o HIV/AIDS. Nesse sentido, o enfermeiro exerce papel fundamental e pode auxiliar a equipe de saúde na prevenção, diagnóstico e tratamento dessa importante morbidade entre as pessoas com HIV/AIDS, bem como na assistência integral a esses indivíduos.

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  • Corresponding Author:
    Renata Karina Reis
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Jan 2010
    • Aceito
      17 Mar 2011
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