Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização das internações hospitalares de crianças e adolescentes com neoplasias

Resumos

Este estudo objetivou caracterizar as internações hospitalares de crianças e adolescentes com neoplasias, ocorridas de 1998 a 2008, para conhecer a clientela em seguimento na Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, Brasil. Realizou-se levantamento da morbidade nesse município, utilizando-se, como fonte de informação, as internações hospitalares pelo Sistema Único de Saúde. As variáveis estudadas foram: procedência, residência, ano do atendimento, óbitos, idade e sexo dos pacientes com diagnóstico de neoplasia infantojuvenil, segundo o Capítulo II da Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição. Evidenciaram-se 7.234 internações de menores de 18 anos com diagnóstico de neoplasias; dessas, 95% eram de Ribeirão Preto, SP, Brasil, e o restante procedentes de municípios das cinco regiões do país. Conhecer as características da clientela atendida contribui para a identificação de informações que podem ampliar o processo de sensibilização dos profissionais de saúde, para a necessidade de ações de prevenção secundária, como o diagnóstico precoce.

Neoplasias; Criança; Adolescente; Assistência à Saúde; Morbidade


This study characterizes hospitalizations of children and adolescents with cancer, from 1998 to 2008, to describe the clientele in follow-up in the Regional Health Area of Ribeirão Preto, SP, Brazil. Morbidity was surveyed in Ribeirão Preto, SP, Brazil, using hospitalization data from the Unified Health System. The studied variables included: origin, residence, year when care was provided, deaths, age and gender of patients diagnosed with child and adolescent cancer according to the International Classification of Disease 10th edition, Chapter II. The results indicated 7,234 hospitalizations of individuals younger than 18 years old diagnosed with neoplasm, 95% of which were from Ribeirão Preto, SP, Brazil, and the remainder from cities located in all five of the Brazilian regions. Identifying the characteristics of patients contributes to the identification of information to broaden the sensitization of health professionals concerning the need for secondary preventive actions, such as early diagnosis.

Neoplasms; Child; Adolescent; Delivery of Health Care; Morbidity


Este estudio tuvo por objetivo caracterizar las internaciones hospitalarias de niños y adolescentes con neoplasias, de 1998 a 2008, para conocer la clientela en seguimiento en la Regional de Salud de Ribeirao Preto, Sao Paulo, Brasil. Se realizó un levantamiento de la morbilidad en Ribeirao Preto, utilizando, como fuente de información, las internaciones hospitalarias por el Sistema Único de Salud. Las variables estudiadas fueron: procedencia, residencia, año de la atención, muertes, edad y sexo de los pacientes con diagnóstico de neoplasia infanto-juvenil, según el Capítulo II de la Clasificación Internacional de Enfermedades 10ª edición. Se constataron 7.234 internaciones de menores de 18 años con diagnóstico de neoplasias, de estas, 95% ocurrieron en Ribeirao Preto y las otras en municipios de procedencia pertenecientes a las cinco regiones del país. Conocer las características de la clientela atendida contribuye para identificar informaciones que pueden ampliar el proceso de sensibilización de los profesionales de salud para la necesidad de realizar acciones de prevención secundaria, como el diagnóstico precoz.

Neoplasias; Niño; Adolescente; Prestación de Atención de Salud; Morbilidad


ARTIGO ORIGINAL

Caracterização das internações hospitalares de crianças e adolescentes com neoplasias

Raquel PanI ; Amanda Rossi MarquesII; Moacyr Lobo da Costa JúniorIII; Lucila Castanheira NascimentoIV

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Programa Interunidades de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: raquelpan@bol.com.br

IIAluna do curso de graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIC) Santander. E-mail: a_mandamarques@hotmail.com

IIIEstatístico, Doutor em Saúde Pública, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: mlobojr@eerp.usp.br

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: lucila@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo objetivou caracterizar as internações hospitalares de crianças e adolescentes com neoplasias, ocorridas de 1998 a 2008, para conhecer a clientela em seguimento na Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, Brasil. Realizou-se levantamento da morbidade nesse município, utilizando-se, como fonte de informação, as internações hospitalares pelo Sistema Único de Saúde. As variáveis estudadas foram: procedência, residência, ano do atendimento, óbitos, idade e sexo dos pacientes com diagnóstico de neoplasia infantojuvenil, segundo o Capítulo II da Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição. Evidenciaram-se 7.234 internações de menores de 18 anos com diagnóstico de neoplasias; dessas, 95% eram de Ribeirão Preto, SP, Brasil, e o restante procedentes de municípios das cinco regiões do país. Conhecer as características da clientela atendida contribui para a identificação de informações que podem ampliar o processo de sensibilização dos profissionais de saúde, para a necessidade de ações de prevenção secundária, como o diagnóstico precoce.

Descritores: Neoplasias; Criança; Adolescente; Assistência à Saúde; Morbidade.

Introdução

O câncer representa um problema de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento(1). Comparado ao câncer do adulto, o infantil pode ser considerado raro, pois corresponde a uma porcentagem definida como sendo de 1 a 3% de todos os novos casos de neoplasias malignas no mundo(2), com expressiva representatividade no contexto das moléstias da infância e adolescência. No Brasil, estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), para o ano 2010, apontam 9.386 casos novos, sendo que o percentual mediano dos tumores infantis, observados nos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP), encontra-se próximo de 2,5%(3).

A leucemia é o tipo de câncer que predomina na infância. Dentre todas as leucemias, a Leucemia Linfoide Aguda (LLA) é a de maior ocorrência em crianças de zero a 14 anos. Já nos adolescentes, destacam-se os tumores ósseos, e os mais frequentes são o tumor de Ewing e o osteossarcoma(3).

Ao contrário do câncer no adulto, não há associação clara entre as neoplasias pediátricas e fatores de risco ou determinados comportamentos. Sabe-se, contudo, que os cânceres infantojuvenis apresentam menores períodos de latência, geralmente crescem de forma rápida e são mais invasivos, porém, respondem melhor ao tratamento e, em sua maioria, são considerados de bom prognóstico. Atualmente, 75% das crianças acometidas pelo câncer sobrevivem após cinco anos, ou mais, do diagnóstico(3).

A política para o controle do câncer, no Brasil, evidencia a importância do diagnóstico precoce, com destaque para a formação de recursos humanos alertas para essa estratégia, o que poderá influenciar, sobremaneira, o prognóstico da criança e do adolescente com câncer, diminuindo a morbidade e mortalidade por essa doença(4).

No município de Ribeirão Preto, SP, registra-se a existência de hospitais que prestam atendimento para a clientela infantojuvenil com diagnóstico de neoplasias. Contudo, convém destacar a existência de um hospital universitário de referência terciária para o tratamento dessa doença, o qual se constitui em centro formador de recursos humanos especializados nessa assistência. Por dispor de recursos de alta tecnologia, atrai clientes de cidades circunvizinhas e de diferentes regiões do país, nem sempre pertencentes à sua área de abrangência. Essa característica pode dificultar o acompanhamento de famílias de crianças e adolescentes que residem fora do município(5) de Ribeirão Preto, além de limitar a oferta de outros tipos de atendimentos importantes, como as visitas domiciliárias para seguimento da criança e de sua família, incremento financeiro da família para o seu deslocamento até o centro de tratamento(6), articulação com a rede de apoio familiar, aproximação com a escola da criança(7), dentre outros.

A partir do exposto, e com a finalidade de explorar o problema na dimensão da saúde coletiva, esta pesquisa objetivou caracterizar as internações hospitalares de crianças e adolescentes com neoplasias, ocorridas no período de 1998 a 2008, para conhecer o contingente da clientela que realiza seu seguimento na Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, Brasil. Conhecer o perfil dessa população poderá auxiliar na identificação de informações, com vistas a ampliar o processo de sensibilização dos profissionais de saúde para o diagnóstico precoce, como uma das principais estratégias para a prevenção secundária.

Método

Trata-se de estudo descritivo e quantitativo. Por se tratar de estudo que utilizou, exclusivamente, dados secundários, e por ser o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) um banco de dados de domínio público, no qual não é possível a identificação dos indivíduos envolvidos, não foi necessário submeter o projeto à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Para alcançar o objetivo proposto, realizou-se levantamento dos dados de morbidade no município de Ribeirão Preto, utilizando-se, como fonte de informação, os dados de internações hospitalares pelo Sistema Único de Saúde (SUS), disponibilizados pelo Ministério da Saúde, no site www.datasus.gov.br, informações de saúde/epidemiológicas e morbidade/morbidade hospitalar(8-9). As variáveis estudadas foram: procedência, residência, ano do atendimento, óbitos, idade e sexo dos pacientes com diagnóstico de neoplasia infantojuvenil, segundo o capítulo II da 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças – CID-10(10). Para obtenção dos dados, obedeceram-se as recomendações da literatura(11). Dessa forma, para caracterizar as internações hospitalares e identificar os casos de invasão de atendimentos de neoplasia infantojuvenil, na Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, foram gerados mais de 20 arquivos temporários, durante a condução deste trabalho, para certificar-se de que nenhum dado fosse perdido e nem duplicado. Primeiro, obteve-se um banco com todas as internações de 1998 a 2008, independentemente do diagnóstico e faixa etária, ocorridas na Regional de Saúde, desse município. A partir desse banco de dados, um segundo banco foi gerado com as crianças menores de 18 anos, também independente do diagnóstico. Por último, um terceiro banco foi obtido com aqueles menores de 18 anos, com diagnóstico primário ou secundário de neoplasia.

Durante a coleta dos dados, cuidado especial foi tomado quanto à faixa etária estabelecida, para que nenhuma internação fosse perdida, pois o DATASUS disponibiliza os dados, quanto à faixa etária, divididos em menores de um ano (em dias e meses) e maiores de um ano (1 a 4; 5 a 9; 10 a 14 e de 15 a 19). Dessa forma, obtiveram-se, primeiramente, os dados que compreendiam as crianças com dias e meses de vida; na sequência, os resultados que representavam a população dos maiores de um ano até os menores de 18 anos. A definição de criança e adolescente, que fundamentou a seleção da faixa etária deste estudo, foi a do Estatuto da Criança e Adolescente. Segundo a Lei n˚8069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 2, criança é toda pessoa menor de 12 anos, e adolescente, a pessoa maior de 12 anos e menor que 18 anos(12).

Os diagnósticos foram selecionados segundo o capítulo II da 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças - CID-10(10), dos campos diagnóstico primário e diagnóstico secundário. O capítulo II da CID-10 é dividido em quatro agrupamentos: C00-C97 – Neoplasias (tumores) malignas(os), D00-D09 – Neoplasias (tumores) in situ, D10-D36 – Neoplasias (tumores) benignas(os) e D37-D48 – Neoplasias (tumores) de comportamento incerto ou desconhecido. Dentre esses quatro agrupamentos, somente o de neoplasias malignas se subdivide em outros quatro: C00-C75 – Neoplasias (tumores) malignas(os), declaradas(os) ou presumidas(os) como primárias(os), de localizações especificadas, exceto dos tecidos linfático, hematopoiético e tecidos correlatos; C76-C80 – Neoplasias (tumores) malignas(os) de localizações mal definidas, secundárias e de localizações não especificadas; C81-C96 – Neoplasias (tumores) malignas(os), declarada(os) ou presumidas(os) como primárias(os), dos tecidos linfático, hematopoiético e correlatos; C97 – Neoplasias (tumores) malignas(os) de localizações múltiplas independentes (primárias).

Para a descrição da variável procedência, os autores estabeleceram critérios para considerar a distância desses municípios ao centro de atendimento (Ribeirão Preto, SP, Brasil), classificando-os como municípios: próximos, intermediários, e distantes. Tendo Ribeirão Preto, como ponto de origem, consideraram-se como próximos os municípios com distância igual ou menor a 100km, intermediários, os maiores de 100km e menores de 500km e distantes, os maiores de 500km.

O banco de dados foi organizado no programa EpiInfo 6 para tabulação e posteriores análises descritiva e exploratória, utilizando-se o teste qui-quadrado para verificar a associação entre as variáveis sexo e óbito e teste de média entre sexo, tempo de permanência e idade.

Resultados

A Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, é composta por 26 municípios, indicados na Tabela 1. Os municípios com população mais expressiva são Ribeirão Preto e Sertãozinho, com 563.107 e 110.998 habitantes, respectivamente. Na atualidade, Ribeirão Preto corresponde a 44% e Sertãozinho a 8,6% da população da Regional de Saúde, respectivamente.

Entre 1998 e 2008, ocorreram 1.016.183 internações na Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, Brasil, independentes do diagnóstico e faixa etária; 191.132 internações referiam-se a menores de 18 anos e, dessas, 7.234 tinham como diagnóstico primário ou secundário alguma neoplasia, o que corresponde a 0,7% das internações totais. Nesse mesmo período, não houve variação significativa do número de internações ao longo dos anos. Em 2005, registrou-se o maior número de internações, com o total de 712, e 2001 foi o ano em que houve o menor número de internações (533).

No período estudado, Ribeirão Preto concentrou 62,8% das internações totais; 62,4% das internações de menores de 18 anos e 94,6% daquelas de menores de 18 anos com diagnóstico de neoplasia. Da mesma forma, Sertãozinho concentrou 5,3% das internações totais, 5,7% das internações de menores de 18 anos e 1,4% daquelas com diagnóstico de neoplasia (Tabela 1).

Dos 26 municípios da Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, 11 (Barrinha, Brodowski, Cajuru, Cássia dos Coqueiros, Dumont, Guatapará, Luís Antônio, Pradópolis, Santa Cruz da Esperança, Santo Antônio da Alegria, Serra Azul) não possuem hospitais, mas contam com Unidades Mistas de Saúde, Unidades Básicas e Programas de Saúde da Família(13). Desses, sete municípios (Brodowski, Cássia dos Coqueiros, Dumont, Guatapará, Luís Antônio, Pradópolis, Santa Cruz da Esperança) não apresentaram internações no período estudado e, nos quatro restantes (Barrinha, Cajuru, Santo Antônio da Alegria e Serra Azul), registraram-se internações da população estudada, sugerindo que as mesmas se deram em instituições não hospitalares, por exemplo, em Unidades Mistas de Saúde (Tabela 1). As internações ocorridas fora de Ribeirão Preto, SP, e dentro da Regional de Saúde são apenas da população residente na cidade, com exceção de dois casos.

Das 7.234 internações ocorridas, registraram-se, em menores de um ano, 154 internações por neoplasias, no sexo masculino, e 175 no feminino; na população de maiores de um ano e menores de 18 anos, observa-se o total de 3.731 internações no sexo masculino e 3.174 no feminino, totalizando 6.905 internações de maiores de 1 ano e menores de 18 anos (Tabela 2).

Os dias de permanência nos hospitais variaram de zero a 117; os meninos permaneceram, em média, 6,4 dias e, as meninas, 5,7, sendo estatisticamente significante a relação sexo e dias de permanência (p=0,0006). Em relação ao sexo e à faixa etária, constatou-se que as meninas internadas são mais velhas que os meninos, com média de 8,45 anos para o sexo masculino e 9,10 para o feminino, sendo estatisticamente significante (p=0,0382). Quanto às crianças maiores de um ano, ocorreram mais internações de crianças de três, dois e quatro anos, respectivamente. A média de idade das crianças internadas maiores de um ano foi de 8,75 anos.

No período estudado, ocorreram 174 óbitos (2,4%) em menores de 18 anos com diagnóstico de neoplasias; dois terços eram do sexo masculino, sendo estatisticamente significante a relação entre sexo e morte (p<0,01).

No capítulo II da CID-10(10), o agrupamento com maior concentração de diagnósticos é o de neoplasias malignas, com 4.863 casos. As leucemias linfoides são as mais frequentes, com 1.127 casos, seguidas das neoplasias malignas do encéfalo (668) e leucemia mieloide (366). O segundo agrupamento com maior número de ocorrência é o de neoplasias (tumores) benignas(os), com 1.158 registros, dos quais os hemangiomas e linfangiomas de qualquer localização respondem por 328 casos.

Nos 11 anos estudados, registraram-se 7.234 internações de menores de 18 anos com diagnóstico de neoplasias. Desse total, 93,5% têm a neoplasia como diagnóstico primário e 6,5%, como diagnóstico secundário (Tabela 3).

A população estudada, no período selecionado para esta pesquisa, teve como procedência 290 municípios, incluindo a própria cidade de Ribeirão Preto, SP. Os municípios fazem parte das cinco regiões do país: Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. Pela análise dos dados de procedência, observaram-se 47 municípios próximos, incluindo Ribeirão Preto, SP; 167 intermediários e 76 distantes. Dos municípios considerados próximos, todos são do Estado de São Paulo; quanto aos intermediários, a maioria é do Estado de São Paulo, seguidos de cidades do interior de Minas Gerais, um do Paraná, dois do Mato Grosso do Sul e um de Goiás; os municípios distantes fazem parte das demais regiões do país(14).

Discussão

O desenvolvimento deste estudo foi motivado pela magnitude que representa o câncer infantojuvenil, dentre as condições crônicas que acometem essa população, e pela necessidade de se conhecer o perfil da clientela pediátrica, com diagnóstico de neoplasia, atendida na Regional de Saúde de Ribeirão Preto. No contexto deste estudo, nos 11 anos analisados, o número de diagnósticos primários ou secundários de neoplasias (7.234) não representa volume expressivo em relação ao número total de internações (1.016.183). Contudo, não se pode deixar de mencionar o impacto de tais diagnósticos para as próprias crianças, adolescentes e suas famílias e a sociedade de modo geral.

Corroborando a literatura(15), este estudo mostra que o sexo masculino permaneceu mais internado que o feminino. A relação sexo e dias de permanência no hospital foi estatisticamente significante, porém, clinicamente, essa diferença representa apenas um dia a mais de internação.

Na população de zero a dezoito anos, incidem vários tumores pediátricos com maior ou menor incidência, de acordo com as especificidades de cada faixa etária e região geográfica(15). Entre menores de 15 anos de idade, diagnosticam-se mais frequentemente leucemias, linfomas, tumores do sistema nervoso central e do sistema simpático e tumor de Wilms(15-16). Como identificado neste estudo, dentre todas as neoplasias infantis, as leucemias representam as mais frequentemente diagnosticadas, sendo responsáveis, na maioria das populações, por 25 a 35% de todas as neoplasias malignas pediátricas. As leucemias mais prevalentes são as agudas. A leucemia mieloide crônica não é comum em crianças. A incidência em pacientes do sexo masculino é maior do que no feminino, para as leucemias, em praticamente todas as localidades pesquisadas, conforme estudo conduzido recentemente, exceto em Recife(15). Corroborando os dados aqui apresentados, os tumores do sistema nervoso central (SNC), nos países desenvolvidos, representam o segundo grupo de diagnóstico mais comum na infância, seguido pelos linfomas. Quando se trata de países em desenvolvimento, essa ordem se inverte: os linfomas ficam com a segunda posição, e os tumores de SNC, com a terceira(17).

Os resultados evidenciaram, também, que as crianças na faixa etária de um a quatro anos permaneceram mais tempo internadas, assemelhando-se a outra pesquisa, a qual mostra que as faixas etárias pediátricas precoces são as mais propensas ao desenvolvimento de câncer, com exceção de linfomas, que predominam em adolescentes entre 15 e 18 anos(17).

Os resultados de muitos serviços especializados brasileiros são comparáveis aos de países desenvolvidos, contudo, persistem diferenças regionais na oferta de serviços de saúde, fazendo com que as médias de sobrevida, no país, ainda estejam abaixo daquela esperada para o desenvolvimento e conhecimento técnico do momento(5). A cidade de Ribeirão Preto, SP, é um polo de atendimento de doenças onco-hematológicas. Possui um hospital universitário de nível terciário, o qual dispõe de alta tecnologia e conta com recursos humanos especializados, atraindo pacientes das cidades circunvizinhas e de todas as regiões do país.

A macroestratégia de regionalização do SUS deve contemplar um conjunto de propostas, regulamentado na Norma Operacional da Assistência à Saúde do SUS 01/01, de modo a garantir a equidade do acesso dos usuários às ações e serviços de níveis de complexidade, necessários para a resolução de seus problemas de saúde, porém, as redes de organização do sistema devem estar referidas a territórios delimitados e com populações definidas(18). Dessa forma, este estudo sugere que a organização do sistema de saúde brasileiro tem apresentado falhas em sua estruturação, ao se observar, por exemplo, o encaminhamento de pacientes de municípios próximos e intermediários, que possuem centros de referência para esse tipo de agravo em suas regionais de saúde, para o centro de tratamento de referência da Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP. Uma investigação aprofundada sobre o motivo que levou essas crianças e adolescentes a se deslocarem para receberem tratamento fora de suas áreas de abrangência seria desejável e poderia auxiliar na compreensão da situação e busca de estratégias para enfrentá-las.

A clientela não residente na área de abrangência do centro de tratamento é proveniente de municípios das cinco regiões do país, o que retrata a fragilidade, insuficiência ou a inexistência de serviços que atendam a população pediátrica no âmbito da oncologia. Isso se torna evidente na medida em que se observam pacientes provenientes de cidades com outros centros de referência, em especial os municípios próximos a esses centros, sendo atendidos em Ribeirão Preto, SP.

As crianças e os adolescentes provenientes das cidades consideradas próximas, pela classificação dos autores, podem ter seu acesso a esse serviço de saúde de atenção terciária facilitado. A clientela proveniente de municípios considerados intermediários e distantes em relação a Ribeirão Preto, SP, ao contrário, pode apresentar maior dificuldade de acesso e atendimento, por vezes não retornando a esse serviço com a frequência desejada pela distância(6) ou por dificuldade financeira(19), repercutindo no seu seguimento e no vínculo entre a equipe de saúde e a pessoa doente e sua família.

A partir dos resultados desta pesquisa, obtidos por meio das informações disponíveis no DATASUS, foi possível delinear características da população infantojuvenil acometida pelo câncer e atendida na Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP. Para caracterização mais detalhada dessa clientela, seria desejável a coleta de informações a partir de outras fontes, como os prontuários dessas crianças e adolescentes ou entrevistas com as famílias provenientes de regiões externas à Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP, no sentido de identificar dados que possam auxiliar, tanto na identificação de dificuldades de acesso a serviços de saúde quanto no incremento de ações para fortalecimento do diagnóstico precoce. Tais possibilidades podem configurar-se como objeto de investigações futuras.

Ainda que este estudo não tivesse o objetivo de generalização de seus resultados, registra-se como uma limitação o fato de ter sido desenvolvido com foco em uma única Regional de Saúde, não permitindo, portanto, aplicabilidade para todo o cenário brasileiro. Estudos dessa natureza poderão caracterizar a população infantojuvenil com diagnóstico de câncer, atendidas em outras regionais de saúde, e explorar a ocorrência de atendimentos fora de suas abrangências, bem como o motivo do seu deslocamento.

Conclusões

A caracterização das internações hospitalares de crianças e adolescentes com neoplasias ofereceu subsídios para se conhecer as características da população atendida na Regional de Saúde de Ribeirão Preto, SP. A sistematização dessas informações contribui, também, para sensibilizar os profissionais de saúde para a necessidade de ações de prevenção secundária, como o diagnóstico precoce, já que o câncer é importante causa de morte na infância e adolescência.

A identificação da origem da população atendida influencia diretamente na terapêutica estabelecida, e evidencia as possíveis limitações que a equipe de saúde pode enfrentar, no seguimento das crianças e adolescentes com neoplasias, e suas famílias. A oferta de serviços para o diagnóstico e o tratamento dessa clientela na rede de saúde pública, e a condição da família para o seu deslocamento até o centro de tratamento são essenciais para o sucesso do cuidado.

Agradecimentos

Agradecemos ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIC/Santander, pela concessão de bolsa de iniciação científica, 2009-2010.

Referências

  • 1. Bjork M, Wiebe T, Hallstrom I. Striving to survive: families lived experiences when a child is a diagnosed with cancer. J Pediatr Oncol Nurs. 2005;22(5):265-75.
  • 2. Mutti CF, Paula CC, Souto MD. Assistęncia ŕ Saúde da Criança com Câncer na Produçăo Científica Brasileira. Rev Bras Cancerol. 2010;56(1):71-83.
  • 3
    Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2010: incidência de câncer no Brasil-2009. [Internet]. [acesso 13 ago 2011]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2010/estimativa20091201.pdf
  • 4. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Diagnóstico precoce do câncer na criança e no adolescente-2009. [Internet]. [acesso 10 ago 2011] Disponível em: http://www.inca.gov.br/inca/Arquivos/publicacoes/livro_ronald_internet.pdf
  • 5. Klassmann J, Kochia KRA, Furukawa TS, Higarashi IH, Marcon SS. Experięncia de măes de crianças com leucemia: sentimentos acerca do cuidado domiciliar. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(2):321-30.
  • 6. Miedema B, Easley J, Fortin P, Hamilton R, Mathews M. The economic impact on families when a child is diagnosed with cancer. Curr Oncol. 2008;15(4):8-13.
  • 7. Nóbrega RD, Collet N, Gomes IP, Holanda ER, Araújo YB. Criança em Idade Escolar Hospitalizada: Significado da Condiçăo Crônica. Texto Contexto Enferm. jul-set 2010;19(3):425-33.
  • 8
    Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do SUS, DATASUS. Base de dados das Informações de Saúde: Morbidade hospitalar do SUS – por local de internação – Brasil-2009. [Internet]. [acesso 7 abr 2009]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/mibr.def
  • 9
    Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do SUS, DATASUS. Base de dados das Informações de Saúde: Morbidade hospitalar do SUS – por local de internação – Brasil-2009. [Internet]. [acesso 13 abr 2009]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/nibr.def
  • 10
    Organização Mundial da Saúde. OMS. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10a ed. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 1997. v. 1, 2.
  • 11. Costa ML Júnior. Estatística de saúde on-line: teoria e prática [tese livre-docęncia]. Ribeirăo Preto: Universidade de Săo Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirăo Preto; 2006.
  • 12
    Lei n.8.069, de 13 de julho de 1990 (BR). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. [Internet]. 1990. [acesso 11 nov 2010]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm
  • 13
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. DATASUS. CENESNet: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde-2009. [Internet]. [acesso 11 nov 2010] Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br/Index.asp?Configuracao=1280&bro=Microsoft%20Internet%20Explorer
  • 14
    Editora Abril (BR). Guia Quatro Rodas. Guia Rodoviário-2010. [Internet]. [acesso 26 ago 2010] Disponível em: http://mapas.viajeaqui.abril.com.br/guiarodoviario/guia_Rodoviario_viajeaqui.aspx
  • 15. Reis RS, Santos MO, Thuler LCS. Incidęncia de tumores pediátricos no Brasil. Rev Bras Cancerol. 2007;53(1):5-15.
  • 16
    Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica, SOBOPE. Câncer da criança e adolescente no Brasil: dados dos registros de base populacional e de mortalidade. Rio de Janeiro: INCA; 2008.
  • 17
    Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Incidência do câncer infantil-2008. [Internet]. [acesso 09 set 2010] Disponível em: http://www.inca.gov.br/releases/press_release_view.asp?ID=1974
  • 18
    Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Regionalização da assistência à saúde: aprofundando a descentralização com eqüidade no acesso: Norma Operacional da Assistência à Saúde: NOAS-SUS 01/01 e Portaria MS/GM n.º 95, de 26 de janeiro de 2001 e regulamentação complementar [Internet]. Brasília, DF: MS/SAS; 2001 [acesso 27 ago 2011]. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/02_0017_M.pdf
  • 19. Eiser C, Upton P. Costs of caring for a child with cancer: a questionnaire survey. Child Care Health Dev. 2006 Aug;33(4):455-9.
  • Corresponding Author:
    Lucila Castanheira Nascimento
    Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
    Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública
    Av. dos Bandeirantes, 3900
    Bairro: Monte Alegre
    CEP: 14040-902, Ribeirão Preto, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2010
    • Aceito
      20 Set 2011
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br