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Qualidade de vida das vítimas de trauma craniencefálico seis meses após o trauma

Resumos

OBJETIVOS:

descrever a qualidade de vida das vítimas de trauma craniencefálico, após seis meses do evento, e mostrar a relação entre os resultados observados e os dados clínicos, sociodemográficos e retorno à produtividade.

MÉTODO:

foram analisados dados de 47 vítimas assistidas em hospital referência ao trauma, no município de Aracaju, SE, e acompanhadas em ambulatório de neurocirurgia. Os dados foram obtidos pela análise dos prontuários e entrevistas estruturadas, com aplicação do questionário World Health Organization Quality of Life, versão breve.

RESULTADOS:

as vítimas apresentaram percepção positiva de sua qualidade de vida e o domínio físico (68,4±22,9) apresentou o maior valor médio. Entre as características sociodemográficas, correlação estatisticamente significante foi verificada entre estado civil e o domínio psicológico. Entretanto, o retorno à produtividade se relacionou com todos os domínios.

CONCLUSÃO:

o retorno à produtividade foi fator importante para a qualidade de vida das vítimas de trauma craniencefálico e deve direcionar as políticas públicas na promoção à saúde dessas vítimas.

Qualidade de Vida; Traumatismos Encefálicos; Índices de Gravidade do Trauma; Ferimentos e Lesões


OBJECTIVE:

to describe the quality of life of victims of traumatic brain injury six months after the event and to show the relationship between the results observed and the clinical, sociodemographic and return to productivity data.

METHOD:

data were analyzed from 47 victims assisted in a trauma reference hospital in the municipality of Aracaju and monitored in an outpatient neurosurgery clinic. The data were obtained through analysis of the patient records and structured interviews, with the application of the World Health Organization Quality of Life, brief version, questionnaire.

RESULTS:

the victims presented positive perceptions of their quality of life, and the physical domain presented the highest mean value (68.4±22.9). Among the sociodemographic characteristics, a statistically significant correlation was found between marital status and the psychological domain. However, the return to productivity was related to all the domains.

CONCLUSION:

the return to productivity was an important factor for the quality of life of the victims of traumatic brain injury and should direct the public policies in promoting the health of these victims.

Quality of Life; Brain injuries; Trauma Severity Indices; Wounds and Injury


OBJETIVOS:

describir la calidad de vida de las víctimas de trauma craneoencefálico después de seis meses del evento y mostrar la relación entre los resultados observados y los datos clínicos, los sociodemográficos y el retorno la productividad.

MÉTODO:

fueron analizados datos de 47 víctimas asistidas en un hospital referencia en trauma en el municipio de Aracaju y acompañadas en ambulatorio de neurocirugía. Los datos fueron obtenidos por análisis de fichas y entrevistas estructuradas, con aplicación del cuestionario World Health Organization Quality of Life, versión breve.

RESULTADOS:

las víctimas presentaron una percepción positiva de su calidad de vida y el dominio físico (68,4±22,9) presentó el mayor valor promedio. Entre las características sociodemográficas, una correlación estadísticamente significante fue verificada entre el estado civil y el dominio psicológico. Entretanto el retorno a la productividad se relacionó con todos los dominios.

CONCLUSIÓN:

el retorno a la productividad fue un factor importante para la calidad de vida de las víctimas de trauma craneoencefálico y debe guiar las políticas públicas en la promoción de la salud de esas víctimas.

Calidad de Vida; Traumatismos Encefálicos; Índices de Gravedad del Trauma; Heridas y Traumatismos


Introdução

O Trauma Craniencefálico (TCE) constitui-se em um grave problema de saúde pública, no Brasil e no mundo, não só pela sua magnitude como, também, por atingir jovens em idade produtiva. As lesões traumáticas cranioencefálicas causam alterações cognitivas, físicas e comportamentais, oneram o sistema de saúde, podem comprometer a Qualidade de Vida (QV) das vítimas e familiares. Além disso, mantém à margem do processo produtivo e social parte significativa da população( 11. Sousa RMC. Comparação entre instrumento de mensuração das consequências do trauma crânio-encefálico. Rev Esc Enferm USP. 2006; 40(2):203-13.

2. Hora EC, Sousa RMC. Os efeitos das alterações comportamentais das vítimas de trauma cranioencefálico para o cuidador familiar. Rev. Latino- Am. Enfermagem. 2005;13(1): 93-8.
- 33. Dijkers MP. Quality of life after traumatic brain injury: a review of research approaches and findings. Arch Phys Med Rehabil. 2004;85 Suppl 2:S21-35. ).

Em relação à evolução das consequências do TCE, as deficiências e incapacidades que resultam da lesão encefálica vão além da fase aguda de tratamento, estendendo-se e modificando-se por longo período, após o evento traumático. Entretanto, os estudos evidenciam grande melhora clínica das vítimas de TCE durante os primeiros seis meses, após o evento traumático, com estabilidade no processo de recuperação no período subsequente( 44. Sousa RMC, Koizumi MS. Recuperação das vítimas de traumatismo cranioencefálico no período de 1 ano após o trauma. Rev Esc Enferm USP. 1996;30(3):484-500.

5. Toien K, Myhren M, Bredal E, Skogstad L, Sandvik L, Ekeberg O, et al. Psychological distress after severe trauma: a prospective 1-year follow-up study of a trauma intensive care unit population. J Trauma Injury. 2010;69(6):1552-9.
- 66. Lin MR, Chiu WT, Chen YJ, Wy YU, Huang SJ, Tsai MD, et al. Longitudinal changes in the health-related quality of life during the frist year after traumatic brain injury. Arch Phys Med Rehabil. 2010;91(3):474-80. ). Desse modo, o período de seis meses após trauma tem sido recomendado como marco inicial para avaliar as consequências do TCE em longo prazo para os sobreviventes, visto que as avaliações mais precoces retratam período de grande mudança na condição do paciente e não refletem, de forma adequada, o duradouro ônus pessoal e social do TCE na vida de suas vítimas( 44. Sousa RMC, Koizumi MS. Recuperação das vítimas de traumatismo cranioencefálico no período de 1 ano após o trauma. Rev Esc Enferm USP. 1996;30(3):484-500.

5. Toien K, Myhren M, Bredal E, Skogstad L, Sandvik L, Ekeberg O, et al. Psychological distress after severe trauma: a prospective 1-year follow-up study of a trauma intensive care unit population. J Trauma Injury. 2010;69(6):1552-9.
- 66. Lin MR, Chiu WT, Chen YJ, Wy YU, Huang SJ, Tsai MD, et al. Longitudinal changes in the health-related quality of life during the frist year after traumatic brain injury. Arch Phys Med Rehabil. 2010;91(3):474-80. ).

A medida de QV é de grande importância em pacientes com TCE, sobretudo no estudo do prognóstico, das alterações neurológicas pós-traumáticas, da efetividade do tratamento e reabilitação social( 77. The WHOQOL Group. The development of the World Health Organization quality of life assessment instrument (the WHOQOL). In: Orley J, Kuyken W, editors. Quality of life assessment: international perspectives. Heidelberg: Springer Verlag; 1994. P. 41-60. ). Medir a QV, relacionada à saúde, tem importante papel na avaliação abrangente da recuperação do paciente, após TCE. Essa medida, além de permitir uma visão holística da condição de saúde, correlaciona-se melhor com a percepção individual das vítimas, em relação aos prejuízos consequentes ao TCE, do que as avaliações direcionadas às suas condições físicas e mentais( 88. Guilfoyle,MR, Seeley HM, Corteen E, Harkin C, H Richards, Menon DK, et al. Assessing Quality of Life after Traumatic Brain Injury: Examination of the Short Form 36 Health Survey. J Neurotrauma. 2010;27(12):2173-81. ).

No estudo do TCE, a análise das relações entre as consequências desse tipo de lesão e condições pré-mórbidas, gravidade do trauma e lesão encefálica tem sido um constante centro de interesse dos pesquisadores que buscam estabelecer indicadores seguros que permitam conhecer, precocemente, o prognóstico em médio e longo prazo de uma vítima desse tipo de trauma. Além disso, há interesse na produtividade das vítimas pós-trauma, pois está relacionado à sua reinserção social, estabilização individual e familiar( 33. Dijkers MP. Quality of life after traumatic brain injury: a review of research approaches and findings. Arch Phys Med Rehabil. 2004;85 Suppl 2:S21-35. , 66. Lin MR, Chiu WT, Chen YJ, Wy YU, Huang SJ, Tsai MD, et al. Longitudinal changes in the health-related quality of life during the frist year after traumatic brain injury. Arch Phys Med Rehabil. 2010;91(3):474-80. , 99. Silva CB, Brasil ABS, Bonilha DB, Masson L, Ferreira MS, Neves RCM, et al. Retorno a atividade produtiva após reabilitação dos pacientes deambuladores vítimas de trauma cranioencefálico. Fisioter Pesq 2008;15(1):6-11. - 1010. Hora EC, Sousa RMC. Mudanças nos papéis sociais: uma conseqüência do trauma crânio-encefálico para o cuidador familiar. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(2):183-9. ).

Quanto ao local foco deste estudo, vale destacar que dados do Ministério da Saúde indicam que em 2010, Sergipe, o menor Estado da Federação, ocupou a 11ª posição no ranking brasileiro de mortalidade proporcional por causas externas. Observou-se, ainda, nesses dados, que os mais elevados valores de mortalidade proporcional por causas externas não se encontravam nos Estados mais populosos, na medida em que Sergipe figura com maior destaque nesse ranking que São Paulo e Minas Gerais( 1111. Ministério da Saúde. DATASUS: departamento de informática do sistema único de saúde. Informações de saúde [Internet]. Brasília: MS; 2008 [acesso 25 ago 2012]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0203&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/fi.
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
).

Frente às considerações apresentadas, foi objetivo do presente estudo descrever a QV das vítimas de TCE residentes em Aracaju, após seis meses do evento traumático, e verificar a relação entre os resultados observados e os dados clínicos, sociodemográficos e retorno à produtividade desses indivíduos.

Método

Trata-se de estudo observacional, correlacional, com abordagem transversal, realizado em um serviço público municipal, referência para atendimento ambulatorial de vítimas de TCE, localizado no município de Aracaju, Estado de Sergipe, Região Nordeste brasileira.

A amostragem foi não probabilística por acessibilidade e constituiu-se de 47 vítimas de TCE que atenderam os seguintes critérios de inclusão: assistidas no hospital público referência para os casos de trauma no Estado e atendidas no ambulatório de neurocirurgia, após a alta hospitalar; idade >18 e <60 anos e trauma há pelo menos 6 meses na época da avaliação da QV. Houve exclusão das vítimas que apresentavam distúrbios de comunicação verbal no período de coleta de dados.

Os dados foram coletados de dezembro de 2009 a março de 2010. Prontuários de todos os indivíduos cadastradas no ambulatório em 2008 e 2009 foram analisados tendo em vista os critérios de inclusão do estudo. Dessa análise, restaram 117 vítimas, entre elas nove compareceram ao ambulatório no período da coleta de dados e 38 foram localizadas, por meio da busca de endereços nos prontuários e entrevistadas no domicílio. As demais vítimas foram excluídas por falta de endereço atualizado e completo ou morte.

No prontuário foram coletados dados relacionados à: idade, gênero, estado civil, escolaridade, data e tipo de trauma, tempo de permanência hospitalar, gravidade do trauma e do TCE. Durante a entrevista, foram confirmados os dados sociodemográficos e relacionados ao evento traumático, além de coletada informações sobre o retorno à produtividade e QV das vítimas.

A gravidade do trauma foi estimada pelo Injury Severity Score (ISS) e New Injury Severity Score (NISS); a Maximum Abbreviated Injury Scale, referente à região da cabeça (MAIS/cabeça), foi aplicada para caracterizar a gravidade do TCE( 1212. Association for the Advancement of Automotive Medice - AAAM. Abbreviated Injury Scale (AIS) 2005: Update 2008. Barrington, Illions (EUA); 2008. - 1313. Nogueira LS, Domingues CA, Campos MA, Sousa RMC. Dez anos de new injury severity score (NISS): possível mudança? Rev. Latino- Am. Enfermagem. 2008;16(2):314-9. ).

Para avaliar QV foi aplicado o questionário World Health Organization Quality of Life, versão breve (WHOQOL-bref), instrumento da Organização Mundial de Saúde, já validado no Brasil( 1414. Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida "WHOQOL-bref". Rev Saúde Pública. 2000;34(2):178-83. ). Esse instrumento é conhecido mundialmente para avaliação da QV, de fácil compreensão e administração, composto por 26 questões sobre QV, sendo duas gerais e 24 distribuídas dentro de quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 3819.0.000.107-09). Todos participantes do estudo aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. Em toda a pesquisa, foi assegurado o sigilo dos dados, de acordo com a Resolução 169/96, do Conselho Nacional de Saúde.

As informações relacionadas a essa investigação foram armazenados em banco de dados computadorizado do Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS(r)), versão 17.0. Os escores obtidos com aplicação do WHOQOL-bref foram transformados em escala de zero a 100, sendo que os valores próximos a zero foram considerados como insatisfação e 100 como satisfação a respeito da QV.

As variáveis numéricas foram primeiramente analisadas, segundo o tipo de distribuição pelo teste de Shapiro Wilk. Na análise da correlação dos resultados do WHOQOL-bref e variáveis sociodemográficas e clínicas utilizou-se, nos casos de distribuição normal, o teste de correlação de Pearson; na vigência de distribuição não normal, o teste de correlação de Spearman e o teste exato de Fisher para as variáveis categóricas. Foi aplicado o teste t de Student na análise das médias dos escores dos domínios de QV perante o retorno à produtividade. Em todos os testes estatísticos foi adotado o nível de significância de 5%.

Resultados

As 47 vítimas que tiveram a QV avaliada seis meses após o TCE eram, na maioria, homens (91,5%) jovens, com idade média de 29 anos (dp=8,9 anos), 51,1% solteiros, 57,4% não completaram o ensino fundamental. Quanto ao tipo de trauma, a grande maioria foi acometida por trauma contuso (93,6%), decorrente de acidente de transporte (61,7%). Essas vítimas permaneceram em média 30,5 dias (dp=37,0 dias) internadas em consequência ao trauma. O tempo médio entre o trauma e a data da entrevista foi de 11,6 meses (dp=5,0 meses) e a maioria dos participantes deste estudo tinha retornado à atividade produtiva (68,1%) quando entrevistado.

Quanto à gravidade do trauma, 20 vítimas (42,5%) apresentaram NISS >25, 10 (21,3%) tiveram pontuação entre 16 e 24, e 17 (36,2%) <16. A média dos escores do NISS foi de 21,7 (dp=11,3), com valores mínimo de 3 e máximo de 48. Aplicando-se o ISS, no mesmo grupo de vítimas, observou-se que 44,7% apresentaram escore <16, 44,7% tiveram pontuação entre 16 e 24 e 10,6% tiveram pontuação >25. Os escores das vítimas variaram de 2 a 29 e a média dos escores do ISS foi de 15,42 (dp=6,21).

A pontuação média da MAIS/cabeça, indicadora da gravidade do TCE, foi de 3,5 (dp=0,9), 26 (55,3%) das vítimas apresentaram MAIS/cabeça 4 ou 5, 18 (38,3%) apresentaram escore 3 nessa escala e 3 (6,4%) dos participantes deste estudo tiveram menor valor.

Os resultados encontrados para os quatros domínios da QV avaliados pelo questionário WHOQOL-bref estão apresentados na Figura 1, na qual se observa que os domínios físico e relações sociais apresentaram mediana de 75, seguidos dos domínios meio ambiente (62,5) e psicológico (58,3). No cálculo da média dos domínios, observou-se maior valor no físico (68,4±22,9), seguido dos domínios relações sociais (67,7±26,8), meio ambiente (58,2±14,7) e psicológico (57,4±11,8).

Figura 1
Box Plot dos escores dos domínios do World Health Organization Quality of Life, versão breve, após seis meses do TCE (n=47). Sergipe, 2009/2010

Em relação às questões gerais sobre a QV, observam-se, nos dados da Tabela 1, que as vítimas de TCE, em sua maioria, classificaram sua QV como "boa ou muito boa" (65,9%) e sentiram-se "satisfeitas ou muito satisfeitas" com sua saúde (66%).

Tabela 1
Respostas das questões gerais do World Health Organization Quality of Life, versão breve, após seis meses do TCE. Sergipe, Brasil, 2009/2010

A Tabela 2 mostra o resultado dos testes estatísticos por meio dos quais se analisou a relação entre os resultados do WHOQOL-bref e as características sociodemográficas das vítimas. Associação significativa foi observada apenas entre o domínio psicológico e estado civil, sendo que os casados tiveram menor média de pontuação no domínio psicológico que os indivíduos solteiros.

Tabela 2
Associação entre resultados da aplicação do World Health Organization Quality of Life, versão breve, após seis meses de trauma craniencefálico e características sociodemográficas das vítimas. Sergipe, Brasil, 2009/2010

Nos dados da Tabela 3 verifica-se que a média dos escores dos domínios daqueles que retornaram à atividade produtiva foi maior em relação aos que não retornaram. Essa diferença alcançou o nível de significância estatístico em todos os domínios (p=0,01).

Tabela 3
Associação entre os domínios do World Health Organization Quality of Life, versão breve, e retorno à atividade produtiva das vítimas, após seis meses do TCE (n=47). Sergipe, Brasil, 2009/2010

Na Tabela 4 observa-se que, nos testes de correlação, o nível de significância foi alcançado nas análises do ISS e os domínios físico e psicológico do WHOQOL-bref; o NISS apresentou associação com esses dois domínios e com a percepção sobre a QV das vítimas e o MAIS/cabeça se associou ao domínio físico, percepção com QV e satisfação em relação à saúde. No domínio psicológico, o valor do p-value observado encontra-se no limiar do nível de significância estatístico estabelecido em relação ao MAIS/cabeça. A significância estatística foi observada nos testes relacionados ao tempo de permanência hospitalar e aos domínios social e ambiental, à percepção da QV e à satisfação em relação à saúde. Todas as correlações que alcançaram o nível de significância foram negativas e de moderada intensidade (r>0,30).

Tabela 4
Associação entre resultados da aplicação do World Health Organization Quality of Life, versão breve, após seis meses de trauma craniencefálico e características clínicas das 47 vítimas. Sergipe, Brasil, 2009/2010

Discussão

Estudos sobre vítimas de TCE( 88. Guilfoyle,MR, Seeley HM, Corteen E, Harkin C, H Richards, Menon DK, et al. Assessing Quality of Life after Traumatic Brain Injury: Examination of the Short Form 36 Health Survey. J Neurotrauma. 2010;27(12):2173-81. , 1515. Alves ALA, Salim FM, Martinez EZ, Passos ADC, Carlo MMRP, Scarpelini S. Qualidade de vida de vítimas de trauma seis meses após a alta hospitalar. Rev Saúde Pública. 2009;43(1):154-60.

16. Pereira CU, Duarte GC, Santos EAS. Avaliação epidemiológica do traumatismo cranioencefálico no interior do Estado de Sergipe. Arq Bras Neurocir. 2006;25(1):8-16.
- 1717. Van Velzen JM, Van Bennekom CAM, Edelaar MJA, Sluiter JK, Freings-Dresen MHW. Prognostic factors of return to work after acquired brain injury: A systematic review. Brain Injury. 2009;23(5):385-95. ) mostram, assim como a atual pesquisa, maioria de indivíduos jovens, solteiros, do sexo masculino e com baixa escolaridade. Na análise da gravidade, identificou-se que a maioria dos participantes da amostra apresentou NISS e ISS >16, portanto, foram vítimas de trauma importante e necessitaram de assistência em centros especializados no atendimento ao traumatizado( 1818. Gennarelli TA, Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, Alves WM. Mortality of patients with head injury and extracranial injury treated in trauma centers. J Trauma. 1989; 29(9):1193-201. ). Quanto à gravidade do TCE, pode-se afirmar, pelos escores do MAIS/cabeça, que a quase totalidade das vítimas apresentou nessa região pelo menos uma lesão com potencial ameaça à vida, isto é, com pontuação >3( 1818. Gennarelli TA, Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, Alves WM. Mortality of patients with head injury and extracranial injury treated in trauma centers. J Trauma. 1989; 29(9):1193-201. ).

Apesar de sofrerem lesões importantes que ameaçam a vida e muitas vezes terem consequências irreparáveis, de forma geral as vítimas deste estudo apresentaram percepção positiva de sua QV, conforme as respostas das questões gerais do WHOQOL-bref (Tabela 1).

Quanto aos escores dos domínios desse instrumento (Figura 1), as médias dos valores obtidos foram próximas às observadas em investigação realizada em Porto Alegre, cidade do Sul do Brasil, com 751 participantes, e que objetivou oferecer dados normativos sobre os valores do WHOQOL-bref, provenientes de uma amostra da população geral brasileira. Esses dados são considerados na literatura um guia útil para interpretar os resultados de QV perante a ausência de um "padrão-ouro" que subsidie essa interpretação( 1919. Cruz LN, Polanczyk CA, Camey SA, Hoffmann JF, Fleck MP. Quality of life in Brazil: normative values for the WHOQOL-bref in a southern general population sample. Qual Life Res. 2011;20(7):1123-9 ).

Os dados dessa pesquisa mostram menor média de pontuação no domínio físico (58,9, dp=10,5) que os valores da atual investigação (68,4, dp=22,9). A média dos escores normativos foi maior nos domínios psicológico (65,9, dp=10,8) e relações sociais (76,2, dp=18,8), quando comparados com o do atual estudo (57,4, dp=11,8 e 67,7, dp=26,8, respectivamente). No domínio meio ambiente, as médias foram 59,9, dp=14,9 para os dados normativos e 58,2, dp=14,7, na amostra de vítimas de TCE analisada. Por essas comparações pode-se concluir que as diferenças nas médias foram discretas (entre +9,5 e -8,5), principalmente quando se considera que se utilizou a escala de zero a 100 do instrumento.

Os achados da atual investigação também se assemelham aos resultados de dois outros estudos brasileiros que avaliaram vítimas de trauma, no mínimo, após seis meses da alta hospitalar por meio do WHOQOL-bref ( 1515. Alves ALA, Salim FM, Martinez EZ, Passos ADC, Carlo MMRP, Scarpelini S. Qualidade de vida de vítimas de trauma seis meses após a alta hospitalar. Rev Saúde Pública. 2009;43(1):154-60. , 2020. Silva CB, Dylewski V, Rocha JS, Morais JF, Neves RCM. Avaliação da qualidade de vida de pacientes com trauma craniencefálico. Fisioter Pesqui. 2009;16(4):311-5. ). Um deles foi realizado em Ribeirão Preto, SP, com vítimas de trauma em geral, que sofreram lesões leves (ISS médio de 8,1 e praticamente sem casos de lesões neurológicas centrais), mostrou valores médios de 59,7 (dp=20,9) para o domínio físico, 62,5 (dp=20,4), 69,7 (dp=26,9) e 52,4 (dp=18,4) para os domínios psicológico, relações sociais e meio ambiente, respectivamente( 1515. Alves ALA, Salim FM, Martinez EZ, Passos ADC, Carlo MMRP, Scarpelini S. Qualidade de vida de vítimas de trauma seis meses após a alta hospitalar. Rev Saúde Pública. 2009;43(1):154-60. ). O outro estudo foi realizado em São Paulo, com vítimas de TCE que concluíram um programa de reabilitação e, em seus resultados, todos os domínios tiveram médias maiores do que 60 pontos( 2020. Silva CB, Dylewski V, Rocha JS, Morais JF, Neves RCM. Avaliação da qualidade de vida de pacientes com trauma craniencefálico. Fisioter Pesqui. 2009;16(4):311-5. ).

Em relação às comparações apresentadas vale comentar a recomendação dos autores que publicaram os escores normativos: cautela em relação à generalização dos resultados para o país como um todo, visto que a população brasileira é heterogenia( 1919. Cruz LN, Polanczyk CA, Camey SA, Hoffmann JF, Fleck MP. Quality of life in Brazil: normative values for the WHOQOL-bref in a southern general population sample. Qual Life Res. 2011;20(7):1123-9 ). Além disso, regiões e localidades apresentam diferentes níveis de desenvolvimento quando se considera emprego e renda, educação e saúde, e essas diferenças podem ter impacto na QV pessoal. Segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, que avalia esses parâmetros utilizando estatísticas públicas, Porto Alegre, Ribeirão Preto e São Paulo possuem um alto desenvolvimento municipal, enquanto Aracaju, SE, possui desenvolvimento municipal moderado( 2121. Sistema FIRJAN. Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) [Internet]. Rio de Janeiro; 2011 [acesso 24 julho 2012]. Disponível em http://www.firjan.org.br/IFDM/.
http://www.firjan.org.br/IFDM/...
). Entretanto, em estudo( 2222. Prefeitura Municipal de Aracaju (BR) [Internet]. Sergipe; 2008 [acesso 24 julho 2012]. Disponível em: http://www.aracaju.se.gov.br/index.php?act=leitura &codigo=34646.
http://www.aracaju.se.gov.br/index.php?a...
) realizado no ano 2008 pela Fundação Getúlio Vargas, a pedido do Ministério da Saúde, Aracaju foi eleita à cidade mais saudável do país. Essas informações apontam para similaridade nas condições de vida nas localidades em que os estudos foram realizados, mesmo se tratando de cidades de diferentes regiões do país.

Concluindo-se os comentários sobre a QV das vítimas de TCE com lesão importante, seis meses após trauma, vale sumarizar que os resultados observados apontaram para similaridade na QV das vítimas analisadas com a população em geral e com outros grupos de trauma estudados em nosso meio com o WHOQOL-bref.

Assim como as consequências do trauma evoluem com melhora, até seis após evento traumático, pesquisas de acompanhamento de vítimas de TCE que avaliam a QV, desde o período da alta hospitalar até um ano após o trauma, mostraram que há melhora dos valores médios dos domínios de QV, principalmente naqueles referentes às relações sociais e ao meio ambiente( 33. Dijkers MP. Quality of life after traumatic brain injury: a review of research approaches and findings. Arch Phys Med Rehabil. 2004;85 Suppl 2:S21-35. , 1515. Alves ALA, Salim FM, Martinez EZ, Passos ADC, Carlo MMRP, Scarpelini S. Qualidade de vida de vítimas de trauma seis meses após a alta hospitalar. Rev Saúde Pública. 2009;43(1):154-60. , 1818. Gennarelli TA, Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, Alves WM. Mortality of patients with head injury and extracranial injury treated in trauma centers. J Trauma. 1989; 29(9):1193-201. , 2323. Chiu WT, Huang SJ, Hwang HF, Tsauo JY, Chen CF, Tsai SH, et al. Use of the WHOQOL-BREF of evaluating persons with traumatic brain injury. J Neurotrauma. 2006; 23(11):1609-20. ). Essa melhora provavelmente teve papel importante para o alcance da similaridade da QV da amostra deste estudo com a população geral, assim como o fato de todas as vítimas terem sido assistidas no hospital de referência para os casos de trauma do Estado do Sergipe e terem acompanhamento em ambulatório de neurocirurgia após alta hospitalar.

Ainda nesse sentido, outro aspecto a ser considerado é que, embora a literatura científica enfatize as perdas decorrentes do TCE, algumas pesquisas relatam ganhos decorrentes desse evento, tais como comportamentos que denotam força pessoal interna e valorização das coisas simples da vida, além de aquisição de novas habilidades e interrupção do curso autodestrutivo de uso abusivo de drogas( 33. Dijkers MP. Quality of life after traumatic brain injury: a review of research approaches and findings. Arch Phys Med Rehabil. 2004;85 Suppl 2:S21-35. ). Portanto, no processo de reabilitação após TCE é importante lembrar que a capacidade de adaptação, tanto de pacientes quanto de seus familiares, é particular e depende de fatores pessoais além de sociais e culturais.

Por outro lado, a qualidade de vida é um conceito multidimensional que, além de ser influenciada por esses fatores e pela qualidade do atendimento oferecido pelo sistema de trauma, pode ser alterada pelo tipo e gravidade das lesões das vítimas. Nas análises da atual investigação, observou-se uma correlação negativa e moderada entre indicadores de gravidade (ISS, NISS, MAIS/cabeça e tempo de internação) e alguns resultados do WHOQOL-bref, portanto, indivíduos com indicação de maior gravidade (maiores valores) tiveram, em alguns aspectos, escores que indicaram pior QV (menor pontuação). Ainda que esse seja um resultado esperado de associação, a moderada força de correlação entre as variáveis e a seletividade nos domínios que alcançaram o nível de significância fragilizou a expectativa de que a gravidade seja o grande pilar de uma QV prejudicada, após o trauma. Fortaleceu-se a perspectiva de buscas de outros fatores relacionados à QV de vítimas de TCE em médio e longo prazo.

Na atual pesquisa, analisaram-se, também, as características sociodemográficas e o retorno à atividade produtiva. Em relação à idade, gênero e escolaridade nenhuma associação significativa foi observada, entretanto, indivíduos casados apresentaram, em maior frequência, prejuízo no domínio psicológico ante os demais.

Sem dúvida, o retorno à atividade produtiva foi o fator que mais expressivamente se relacionou com a QV das vítimas de TCE, seis meses após o trauma, indivíduos que retornaram à produtividade tiveram médias, em todos os domínios do WHOQOL-bref, bastante superiores em relação àqueles que não reassumiram essa atividade.

Este, portanto, assim como outros estudos( 33. Dijkers MP. Quality of life after traumatic brain injury: a review of research approaches and findings. Arch Phys Med Rehabil. 2004;85 Suppl 2:S21-35. , 99. Silva CB, Brasil ABS, Bonilha DB, Masson L, Ferreira MS, Neves RCM, et al. Retorno a atividade produtiva após reabilitação dos pacientes deambuladores vítimas de trauma cranioencefálico. Fisioter Pesq 2008;15(1):6-11. ), indica que o retorno à atividade produtiva é a base para melhor QV das vítimas de TCE. Dessa forma, uma das metas das medidas de assistência para recuperação das vítimas deve consistir na reintegração do indivíduo à sua atividade anterior( 22. Hora EC, Sousa RMC. Os efeitos das alterações comportamentais das vítimas de trauma cranioencefálico para o cuidador familiar. Rev. Latino- Am. Enfermagem. 2005;13(1): 93-8. - 33. Dijkers MP. Quality of life after traumatic brain injury: a review of research approaches and findings. Arch Phys Med Rehabil. 2004;85 Suppl 2:S21-35. , 99. Silva CB, Brasil ABS, Bonilha DB, Masson L, Ferreira MS, Neves RCM, et al. Retorno a atividade produtiva após reabilitação dos pacientes deambuladores vítimas de trauma cranioencefálico. Fisioter Pesq 2008;15(1):6-11. ).

No processo de recuperação, após TCE, o retorno à atividade produtiva tem sido considerado um dos principais determinantes da QV, visto que afeta fatores importantes para o ajustamento social, tais como nível socioeconômico, autoconfiança e sentimento de inclusão social. Na amostra estudada, 68,1% dos participantes já havia retornado à sua atividade produtiva na época da avaliação realizada e esse foi, provavelmente, um dos fatores que aproximou a percepção de QV das vítimas com os resultados da população em geral.

Conclusão

Indivíduos com TCE importante, atendidos em centro de referência para trauma, na cidade de Aracaju, SE, apresentaram percepção de QV similar à amostra da população geral brasileira, seis meses após o trauma. Neste estudo, foram fatores associados à QV percebida principalmente o retorno à atividade produtiva da vítima, menos intensamente foram a gravidade do trauma e o TCE, tempo de permanência hospitalar e estado civil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2013

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2012
  • Aceito
    06 Jun 2013
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