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Impacto da formação "+Contigo" nos conhecimentos e atitudes dos profissionais de saúde acerca do suicídio

Resumos

OBJETIVO:

avaliar os resultados da formação "+Contigo", desenvolvida por enfermeiros e dirigida a 66 profissionais de saúde das equipes de saúde escolar integrados nos Cuidados de Saúde Primários.

MÉTODO:

quantitativo, com recolhimento de dados através do Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida, aplicado antes e depois da formação.

RESULTADOS:

verificaram-se aumentos significativos de conhecimentos em prevenção do suicídio e de mudanças de atitudes dos profissionais de saúde perante o indivíduo com comportamentos suicidas.

CONCLUSÃO:

estes resultados permitem afirmar que os enfermeiros detêm conhecimentos científicos e pedagógicos que os colocam em posição privilegiada nas equipes de saúde, para desenvolverem a formação dirigida a profissionais de saúde envolvidos na prevenção do suicídio.

Suicídio/prevenção & controle; Capacitação; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Pessoal de Saúde


OBJECTIVES:

to evaluate the results of "+Contigo" training, developed by nurses and directed at 66 health professionals of integrated school health teams in Primary Health Care.

METHOD:

quantitative with data collection through the Suicide Behavior Attitude Questionnaire, administered before and after the training.

RESULTS:

significant increases were observed in suicide prevention knowledge and in changing attitudes of health professionals towards individuals with suicidal behavior.

CONCLUSION:

these results allow us to affirm that nurses hold scientific and pedagogical knowledge that grant them a privileged position in the health teams, to develop training aimed at health professionals involved in suicide prevention.

Suicide/prevention & control; Training; Health Knowledge, Attitudes, Practice; Health Personnel


OBJETIVOS:

evaluar los resultados de la formación "+Contigo", desarrollada por enfermeras y dirigida a los profesionales de la salud de 66 equipos de salud escolar en Atención Primaria.

MÉTODO:

cuantitativo con la recolección de datos a través del Cuestionario de Actitudes Ante el Comportamiento Suicida, administrado antes y después del entrenamiento.

RESULTADOS:

se observó un aumento significativo en el conocimiento de prevención del suicidio y el cambio de actitudes de los profesionales de la salud hacia la persona con la conducta suicida.

CONCLUSIÓN:

estos resultados nos permiten afirmar que las enfermeras tienen conocimientos científicos y pedagógicos que les den una posición ventajosa en los equipos de salud, para el desarrollo de la formación dirigida a profesionales de salud involucrados en la prevención del suicidio.

Suicidio/prevención & control; Capacitación; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Personal de Salud


Introdução

O suicídio é um fenômeno complexo, multifacetado, subestimado e muitas vezes evitável. Em Portugal, há cerca de 1.000 suicídios por ano, verificando-se aumento desde o ano 2000. Na Região Centro, as taxas de suicídio têm aumentado ligeiramente nos últimos anos (11,2/100.000, em 2009), tendo sido superiores à taxa nacional (9,5) para o mesmo período. Tem maior incidência no sul de Santarém e caracteriza-se por ser um fenômeno, sobretudo, de pessoas idosas. Contudo, os comportamentos parassuicidas são protagonizados maioritariamente por jovens e com distribuição uniforme em nível nacional.

As evidências científicas comprovam que esses comportamentos se encontram significativamente associados à doença mental, permitindo afirmar-se que, existindo um tratamento eficaz da doença mental, aumenta a probabilidade de reduzir o risco de suicídio. No entanto, para que esse tratamento possa ser eficaz, é fundamental a identificação correta e imediata dos indivíduos em risco e a eliminação de barreiras de acesso aos cuidados especializados. Essas barreiras incluem, entre outras, o estigma da doença mental que continua a persistir, mesmo entre os profissionais da área da saúde e o escasso investimento na formação de profissionais de saúde( 11. Capp K, Deane F, Lambert G. Suicide prevention in Aboriginal communities: application of community gatekeeper training. Aust N Z J Public Health. 2001;25(4):315-21. ).

A interpretação dos comportamentos suicidas, por parte dos profissionais de saúde, revela-se muito importante para determinar a atuação junto dos indivíduos, no que respeita ao atendimento hospitalar e ao posterior encaminhamento( 22. Botega NJ, Reginato DG, Silva SV. Nursing personnel attitudes toward suicide: The development of a measure scale. Rev Bras Psiquiatria. 2005;27:315-8. ). Nesse sentido, as atitudes prevalentes dos profissionais de saúde para com as pessoas com comportamentos suicidas têm sido objeto de estudo em inúmeras investigações e sugerem que as atitudes negativas, críticas e de desvalorização são as dominantes entre esses profissionais( 33. Samuelsson M, Asberg M. Training program in suicide prevention for psychiatric nursing personnel enhance attitudes to attempted suicide patients. Int J Nurs Stud. 2002;39:115-21.

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Prevalecem, ainda, sentimentos como ansiedade e insegurança, medo, sobre-envolvimento, simpatia, irritação e raiva( 88. Wilstrand C, Lindgren B, Gilje F, Olofsson B. Being burdened and balancing boundaries: a qualitative study of nurses' experiences caring for patients who self-harm. J Psychiatr Mental Health Nurs. 2007;14(1):72-8. ). Os conhecimentos acerca do fenômeno são também uma das variáveis estudadas e para a qual existe consenso relativo ao fato de serem insuficientes( 44. Crawford T, Geraghty W, Street K, Simonoff E. Staff knowledge and attitudes towards deliberate self-harm in adolescents. J Adolesc. 2003;26:619-29. - 55. Carmona-Navarro MC, Pichardo-Martínez MC. Attitudes of nursing professionals towards suicidal behavior: influence of emotional intelligence. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(6):1161-8. ).

Se se comparam as atitudes dos profissionais de saúde para com pessoas com comportamentos suicidas e para com pessoas com doença física, verifica-se a existência de atitudes hostis dos profissionais de saúde em relação às pessoas com comportamentos suicidas( 99. Herron J, Ticehurst H, Appleby L, Perry A, Cordingley L. Attitudes toward suicide prevention in front-lin e health staff. Suicide Life Threat Behav. 2001;31(3):342-7. ).

Quanto às diferenças encontradas nas atitudes dos profissionais de saúde por categoria profissional, constatou-se que os médicos geralmente apresentam atitudes mais negativas que os enfermeiros( 1010. Mackay N, Barrowclough C. Accident and emergency staff's perceptions of deliberate self-harm: attributions, emotions and willingness to help. Br J Clin Psychol. 2005;44(Pt 2):255-67. ), excetuando-se os psiquiatras por terem atitudes mais positivas do que os médicos de outras especialidades( 1111. Commons Treloar A, Lewis A. Professional attitudes towards deliberate self-harm in patients with borderline personality disorder. Aust N Z J Mental Health Nurs. 2008;42(7):578-84. ). No entanto, num estudo que se realizou no Reino Unido, os médicos estavam mais conscientes do risco de suicídio do que os enfermeiros( 44. Crawford T, Geraghty W, Street K, Simonoff E. Staff knowledge and attitudes towards deliberate self-harm in adolescents. J Adolesc. 2003;26:619-29. ).

A necessidade de formação contínua e de treinos de competências técnico-sociais em suicidologia tem sido amplamente destacada e defendida. São orientações fundamentais para a prevenção do suicídio, a serem disseminadas em ambiente comunitário e de urgência e de forma sistematizada( 33. Samuelsson M, Asberg M. Training program in suicide prevention for psychiatric nursing personnel enhance attitudes to attempted suicide patients. Int J Nurs Stud. 2002;39:115-21. , 77. Simões R, Façanha J, Erse MP, Amélia L, Santos JC. Conhecimento e atitudes em relação ao comportamento suicida. In: Atas do 3º Congresso de Investigação em Enfermagem Ibero-Americano e de Países de Língua Oficial Portuguesa; 2012. Coimbra; 2012. , 1212. Santos JC. O Para-suicídio no Concelho de Coimbra. Contributos para o seu estudo. Rev Sinais Vitais. 2000;28:15-9.

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- 1819. Botega N, Silva SV, Reginato DG, Rapeli CB, Cais CF, Mauro ML, Stefanello S, Cecconi JP. Maintained attitudinal changes in nursing personnel after a brief training on suicide prevention. Suicide Life Threat Behav. 2007;37(2):145-53. ). Paralelamente a essas orientações, evidenciam-se os resultados obtidos em intervenções formativas, que são, na maior parte dos casos, encorajadores, como se constatou nos estudos consultados. Através da análise desses, pode-se concluir que existe efetividade das intervenções educacionais na melhoria do conhecimento, na modificação de atitudes e na melhoria dos níveis de competência dos profissionais de saúde para prevenir o suicídio( 33. Samuelsson M, Asberg M. Training program in suicide prevention for psychiatric nursing personnel enhance attitudes to attempted suicide patients. Int J Nurs Stud. 2002;39:115-21. - 44. Crawford T, Geraghty W, Street K, Simonoff E. Staff knowledge and attitudes towards deliberate self-harm in adolescents. J Adolesc. 2003;26:619-29. , 77. Simões R, Façanha J, Erse MP, Amélia L, Santos JC. Conhecimento e atitudes em relação ao comportamento suicida. In: Atas do 3º Congresso de Investigação em Enfermagem Ibero-Americano e de Países de Língua Oficial Portuguesa; 2012. Coimbra; 2012. , 1920. Patterson P,Whittington R, Bogg J. Measuring nurse attitudes towards deliberate self-harm: the Self-HarmAntipathy Scale (SHAS). J Psychiatr Mental Health Nurs. 2007;14(5):438-45. ). Maioritariamente, esses efeitos foram avaliados em curto prazo e não se verificaram diferenças entre hospitais gerais e hospitais psiquiátricos( 33. Samuelsson M, Asberg M. Training program in suicide prevention for psychiatric nursing personnel enhance attitudes to attempted suicide patients. Int J Nurs Stud. 2002;39:115-21. , 1111. Commons Treloar A, Lewis A. Professional attitudes towards deliberate self-harm in patients with borderline personality disorder. Aust N Z J Mental Health Nurs. 2008;42(7):578-84. , 1313. Lamb S, Mullally B. Accident and emergency nursing assessment of deliberate self harm. Ireland: Health Service Executive/National Suicide Research Foundation; 2006. , 2021. Santos JC, Façanha J, Gonçalves MA, Erse MP, Cordeiro R, Simões R. Guia Orientador de Boas Práticas Para a Prevenção de Sintomatologia Depressiva e Comportamentos da Esfera Suicidária. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros; 2012. ).

Após a intervenção formativa, os profissionais de saúde foram capazes de aplicar os novos conhecimentos na prática clínica, assumindo-se mais conscientes do problema e mais competentes na gestão do risco de suicídio. Esses profissionais apontaram como barreiras a existência de profissionais não preparados para lidar com o problema, falta de apoio de profissionais peritos e ausência de guias orientadores de boas práticas( 1617. Gibb S, Beautrais A, Surgenor L. Health-care staff attitudes towards self-harm patients. Aust N Z J Psychiatry. 2010;44:713-20. ).

Mediante os aspetos supracitados, considera-se que a formação destinada a profissionais de saúde deve abordar o autoconhecimento, o conhecimento, a compreensão, as atitudes, a comunicação e os comportamentos suicidas. Além da formação formal dos profissionais de saúde, julga-se ainda pertinente que se adotem, nos vários contextos de prevenção do suicídio, orientações nacionais e internacionais como as que constam do Guia Orientador de Boas Práticas para a Prevenção de Sintomatologia Depressiva e Comportamentos da Esfera Suicidária, publicado pela Ordem dos Enfermeiros( 2122. Cais CFS, da Silveira IU, Stefanello S, Botega NJ. Suicide prevention training for professionals in the public health network in a large Brazilian city. Arch Suicide Res. 2011;15:384-9. ).

Permanece sem resposta a questão relativa ao tempo em que as mudanças de comportamento dos profissionais, perante a pessoa com comportamentos suicidas, serão mantidas.

Mediante essas considerações e no âmbito do Projeto de Prevenção do Suicídio em Meio Escolar "+Contigo", desenhado e implementado pelos autores deste artigo e que preconiza a participação de todos os intervenientes no meio escolar, foram desenvolvidos cursos de formação destinados a profissionais de saúde dos Cuidados de Saúde Primários.

Método

Desenvolveu-se um estudo quase-experimental, sem grupo de controle, em que se definiram os seguintes objetivos:

- avaliar resultados da formação, dirigida a profissionais de saúde dos Cuidados de Saúde Primários;

- verificar se existem diferenças de conhecimentos e atitudes em relação ao comportamento suicida, em função das variáveis idade, gênero, tempo de serviço e função desempenhada.

O impacto da formação é avaliado através da análise dos seguintes aspetos: atitudes em relação ao doente deprimido, sentimentos negativos diante do indivíduo com comportamento suicida, percepção da capacidade profissional, direito ao suicídio e conhecimentos em prevenção do suicídio( 22. Botega NJ, Reginato DG, Silva SV. Nursing personnel attitudes toward suicide: The development of a measure scale. Rev Bras Psiquiatria. 2005;27:315-8. ).

A formação foi ministrada em três cursos de formação de 21 horas cada, destinados a profissionais de saúde dos Cuidados de Saúde Primários e mais especificamente profissionais das equipes de saúde escolar. Todos os cursos foram promovidos pelo Gabinete de Formação da Administração Regional de Saúde do Centro, em estreita articulação com a equipe coordenadora do projeto "+Contigo", sendo esses os formadores de todos os cursos ministrados. Salienta-se que esses formadores apresentam formação especializada na área da Saúde Mental e Psiquiatria, com ênfase na temática do suicídio e com experiência na formação de pares( 77. Simões R, Façanha J, Erse MP, Amélia L, Santos JC. Conhecimento e atitudes em relação ao comportamento suicida. In: Atas do 3º Congresso de Investigação em Enfermagem Ibero-Americano e de Países de Língua Oficial Portuguesa; 2012. Coimbra; 2012. , 2122. Cais CFS, da Silveira IU, Stefanello S, Botega NJ. Suicide prevention training for professionals in the public health network in a large Brazilian city. Arch Suicide Res. 2011;15:384-9. ).

O curso de formação "+Contigo" encontra-se organizado em torno de três eixos temáticos: adolescência, depressão e comportamentos suicidas. No decorrer desse curso, mesmo além de conceitos e disponibilização da evidência existente sobre a temática, fomentam-se o debate e discussão sobre mitos, práticas e operacionalização do projeto na comunidade educativa, particularmente em contexto escolar.

Quanto à constituição da amostra, os cursos de formação "+Contigo" abrangeram 66 profissionais das equipes de saúde escolar de 10 Agrupamentos de Centros de Saúde da Administração Regional de Saúde do Centro. Esses profissionais foram selecionados com base em critérios de inclusão, definidos pela equipe coordenadora do projeto "+Contigo" em parceria com a Administração Regional de Saúde do Centro, após apresentação do projeto a todos os responsáveis por todos os agrupamentos de centros de saúde da região definida.

Os critérios de inclusão foram: motivação dos profissionais de saúde para investir na problemática da prevenção do suicídio e a frequência no módulo formativo com a equipe coordenadora do projeto; demonstração de vontade de participar, por parte dos responsáveis da escola e apresentação de candidatura conjunta com equipe de saúde escolar; inclusão no programa de educação para a saúde da escola e plano de atividades da equipe de Saúde Escolar; concordância em participar, por parte dos encarregados de educação.

O instrumento de recolha de dados foi constituído por uma ficha de dados sociodemográficos (gênero, idade, função desempenhada e tempo de serviço) e pelo Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida adaptado( 22. Botega NJ, Reginato DG, Silva SV. Nursing personnel attitudes toward suicide: The development of a measure scale. Rev Bras Psiquiatria. 2005;27:315-8. ). Esses instrumentos foram preenchidos pelos profissionais que constituíram a amostra, no início e no final do curso de formação "+Contigo". Antes da distribuição dos questionários, foi solicitada a participação voluntária no estudo e dadas informações sobre a voluntariedade da participação, além da garantia de confidencialidade e anonimato.

O Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida é constituído por 25 afirmações, pontuadas de 1 a 5, de autopreenchimento e que mensura as atitudes dos profissionais nos seus aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais. Quanto mais elevada é a nota global maior será a mudança em termos de conhecimentos e atitudes.

Na constituição do Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida encontraram-se oito das afirmações agrupadas em três fatores, com o objetivo de facilitar a avaliação de mudança de atitudes, sendo eles: Fator 1 (F1) - sentimentos negativos diante do indivíduo com comportamento suicida, Fator 2 (F2) - percepção da capacidade profissional e Fator 3 (F3) - direito ao suicídio. As restantes afirmações referem-se aos conhecimentos em prevenção do suicídio (13 afirmações) e às atitudes dos profissionais em relação a indivíduos deprimidos (4 afirmações).

Resultados

Participaram no estudo 66 profissionais de saúde dos Cuidados Saúde Primários. Quanto à distribuição pelas caraterísticas sociodemográficas, constatou-se 92,40% era do gênero feminino, representando a maioria. Quanto à função desempenhada, verificou-se que a grande maioria era composta por enfermeiros (84,80%), o que vai ao encontro dos critérios de inclusão definidos. Relativamente à variável idade, a média de idade dos elementos da amostra era de 41,53 sendo a mínima de 26 anos e a máxima de 61 anos. Quanto ao tempo de serviço, verifica-se que os valores se encontravam entre 1 e 34 anos, com média de 17,14 anos e desvio-padrão de 7,91.

Através da aplicação do Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida constatou-se que a nota global antes do curso (aplicação inicial do questionário) apresentava um valor de 3,40, aumentando para 3,92 na avaliação final, após o curso de formação. Verificou-se que esse resultado surge pelo aumento das médias em 22 itens do questionário. A diferença de médias encontradas foi estatisticamente significativa em nove itens pontuados, após a aplicação do teste t de Student para amostras independentes.

Relativamente aos fatores avaliados pelo Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida, encontrou-se aumento de médias em quatro desses fatores, sendo essas diferenças estatisticamente significativas em três deles: atitudes em relação ao indivíduo deprimido, percepção da capacidade profissional e conhecimentos em prevenção do suicídio (p<0,05). Salienta-se que o único fator em que não se verificou aumento das médias da avaliação inicial "antes do curso" para a avaliação final "depois do curso" foi o fator 3, designado por direito ao suicídio.

Pela análise estatística, pode-se, ainda, acrescentar que não se verificam diferenças estatisticamente significativas de atitudes em relação ao comportamento suicida em função das variáveis gênero, função desempenhada, idade e tempo de serviço.

Discussão

Considera-se como limitações metodológicas o método de amostragem não probabilístico, já que, mediante os critérios de inclusão definidos, como sejam a participação na equipe de saúde escolar e a motivação pessoal e da equipe, ficou-se condicionado a selecionar uma amostra intencional. Esse tipo de amostragem pareceu inevitável, dada a necessidade de preparar esses profissionais para constituírem a equipe local "+Contigo" e poderem implementar o Projeto de Prevenção do Suicídio em Meio Escolar "+Contigo".

Considera-se, ainda, como limitação metodológica a ausência de grupo de controle e de follow-up. Essas opções foram tomadas de forma consciente e considerando que todos os profissionais de saúde que frequentaram o curso de formação "+Contigo" aderiram ao projeto e, consequentemente, passaram a ter articulação estreita e acompanhamento pela equipe regional "+Contigo", podendo esse fato interferir com o impacto da formação e com a avaliação em longo prazo. Essas opções foram apoiadas em estudos que concluíram que o desenvolvimento de habilidades após treino é estatisticamente significativo, quando comparado ao grupo-controle e que as competências são em grande parte mantidas seis meses após o treino( 33. Samuelsson M, Asberg M. Training program in suicide prevention for psychiatric nursing personnel enhance attitudes to attempted suicide patients. Int J Nurs Stud. 2002;39:115-21. , 55. Carmona-Navarro MC, Pichardo-Martínez MC. Attitudes of nursing professionals towards suicidal behavior: influence of emotional intelligence. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(6):1161-8. , 1111. Commons Treloar A, Lewis A. Professional attitudes towards deliberate self-harm in patients with borderline personality disorder. Aust N Z J Mental Health Nurs. 2008;42(7):578-84. ).

No que concerne à discussão dos resultados obtidos, pode-se afirmar que, em relação ao Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida, se verificou aumento de médias em 22 dos 25 itens do questionário, sendo essa diferença estatisticamente significativa em nove itens. Ao se analisar esses itens agrupados por fatores, encontra-se aumento de médias em quatro desses fatores e diferenças estatisticamente significativas em três desses.

Comparando-se os resultados obtidos no presente estudo com os obtidos noutro estudo( 2223. Dehay T, Litts D, McFaul M, Smith C, West M. Suicide Prevention Primer Development Center; Inc. and the WICHE Mental Health Program. Boulder (Colorado): Education; 2009. ), no qual também foi utilizado o Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida A, constatou-se que encontraram variância significativa, após o treino, em 18 dos 25 itens do questionário utilizado. Esses autores concluíram ainda que os enfermeiros expressam maior capacidade profissional, após a formação( 1920. Patterson P,Whittington R, Bogg J. Measuring nurse attitudes towards deliberate self-harm: the Self-HarmAntipathy Scale (SHAS). J Psychiatr Mental Health Nurs. 2007;14(5):438-45. ).

Constatou-se a existência de estudos que mostraram aumento de 44% em níveis aceitáveis em comparação com os níveis pré-treino( 2324. Berlim M, Perissolo J, Lejderman F, Fleck M, Joiner T. Does a brief training on suicide prevention among general hospital personnel impact their baseline attitudes towards suicidal behavior? J Affect Disord. 2007;100:233-9. ), valores esses superiores aos encontrados no presente estudo, já que se verificou aumento global de 10,4% no total dos itens do Questionário de Atitudes Frente ao Comportamento Suicida.

Ao estudar a capacidade profissional de elementos da comunidade educativa, em ambiente escolar, verificou-se que esses profissionais, após receberem treino de gatekeeper, referenciaram menos alunos para acompanhamento especializado ou serviços de saúde mental comparativamente aos profissionais que não receberam treino de gatekeeper ( 2324. Berlim M, Perissolo J, Lejderman F, Fleck M, Joiner T. Does a brief training on suicide prevention among general hospital personnel impact their baseline attitudes towards suicidal behavior? J Affect Disord. 2007;100:233-9. ). A capacitação de equipes aumentou a proporção de pessoas que intervieram em favor de pessoas em risco de suicídio em 20%.

De acordo com os resultados da presene pesquisa, já anteriormente se concluiu que os programas para membros da comunidade demonstraram mudanças positivas no conhecimento e atitudes sobre o suicídio( 2324. Berlim M, Perissolo J, Lejderman F, Fleck M, Joiner T. Does a brief training on suicide prevention among general hospital personnel impact their baseline attitudes towards suicidal behavior? J Affect Disord. 2007;100:233-9. ). Mais especificamente no que diz respeito às atitudes dos profissionais e usando um inventário de atitudes antes e depois de formação formal, foram verificadas redução nas atitudes ambíguas ou negativas expressas( 33. Samuelsson M, Asberg M. Training program in suicide prevention for psychiatric nursing personnel enhance attitudes to attempted suicide patients. Int J Nurs Stud. 2002;39:115-21. - 44. Crawford T, Geraghty W, Street K, Simonoff E. Staff knowledge and attitudes towards deliberate self-harm in adolescents. J Adolesc. 2003;26:619-29. ) e melhorias significativas nas atitudes e confiança dos participantes( 1414. Gask L, Dixon C, Morriss R, Appleby L, Green G. Evaluating STORM skills training for managing people at risk of suicide. J Adv Nurs. 2006; 54(6):739-50. ).

Reforçando esses resultados, ao analisar o impacto de um programa de treino breve sobre a prevenção do suicídio e as atitudes dos profissionais de saúde perante o suicídio, foi concluído que o treino breve foi determinante para fornecer conhecimentos sobre a prevenção do suicídio aos profissionais de saúde, independentemente da sua experiência clínica, permitindo-lhes melhorar as suas atitudes em curto prazo e as suas crenças sobre os comportamentos suicidas( 24 ).

Ao analisar os resultados das médias obtidas para os fatores considerados, constatou-se que o fator "direito ao suicídio" foi o único que não apresentou aumento de médias, existindo duas afirmações desse fator que diminuíram as médias de 2,00 e 4,50 (antes do curso de formação) para 1,39 e 4,22, respectivamente (depois do curso de formação). Esse fator foi alvo de grande discussão por parte dos profissionais que desenvolveram o curso de formação dado que, se em termos morais e filosóficos, o suicídio pode ser aceito, ou seja, entende-se que a pessoa tem o direito de se matar, em termos jurídicos a lei Portuguesa pune quem incitar outra pessoa ao suicídio (artº 135 do Código Penal) e em termos religiosos quase todas as religiões condenam seriamente o suicídio, sendo que a Igreja Católica proíbe as ordens sagradas às pessoas com comportamentos suicidas. Se se considera que os católicos em Portugal ascendem a 79,5%, percebem-se os resultados encontrados.

Ao analisar essa questão, concluiu-se que a crença de que uma pessoa não possui o direito de cometer suicídio foi mais forte entre profissionais mais velhos, entre profissionais que não se contactavam com pessoas com comportamentos suicidas, entre profissionais com história familiar de suicídio, entre profissionais protestantes e que costumavam frequentar mais cultos religiosos( 24 ).

Ao analisar as variáveis sociodemográficas gênero, função desempenhada, idade e tempo de serviço, verificou-se que não existem diferenças estatisticamente significativas de conhecimentos e atitudes em relação ao comportamento suicida. Existem estudos que demonstram que os profissionais de saúde, independentemente da sua origem clínica e experiência de trabalho anterior, apresentam valores semelhantes nos termos das suas atitudes e crenças em relação ao fenômeno suicídio( 1718. Osafo J, Knizek B, Akotia C, Hjelmeland H. Attitudes of psychologists and nurses toward suicide and suicide prevention in Ghana: A qualitative study. Int J Nurs Stud. 2012;49:691-700. , 24 ). Na maioria dos estudos analisados, encontrou-se que os médicos geralmente apresentam atitudes mais negativas que os enfermeiros( 1010. Mackay N, Barrowclough C. Accident and emergency staff's perceptions of deliberate self-harm: attributions, emotions and willingness to help. Br J Clin Psychol. 2005;44(Pt 2):255-67. ). Acredita-se que tal não se verificou devido ao reduzido número de outros profissionais não enfermeiros.

No que concerne à variável gênero, encontra-se, de acordo com os estudos analisados, ou seja, não se verificam diferenças de conhecimentos e atitudes em função do gênero.

Em relação à função desempenhada, e apesar de existirem vários estudos que apresentam diferenças estatisticamente significativas, entende-se que o número de elementos da amostra que não são enfermeiros (médicos, psicólogos e assistentes sociais), sendo tão reduzido, não permite realizar inferências.

Conclusão

A forte evidência de atitudes negativas em relação aos indivíduos com comportamentos suicidas permite afirmar que deveria existir maior investimento por parte dos investigadores na área da suicidologia e, consequentemente, maior número de intervenções formativas em relação a todos os envolvidos na gestão do fenômeno.

A investigação desenvolvida avaliou o impacto da formação em termos de mudança de conhecimento, e mudanças de atitudes em relação ao comportamento suicida dos profissionais de saúde dos Cuidados de Saúde Primários e concluiu que essa formação foi eficaz em promover mudanças desejadas nos participantes, tanto do ponto de vista dos conhecimentos em prevenção do suicídio como da mudança de atitudes. Acredita-se que as mudanças ocorridas contribuem para a deteção precoce de pessoas em risco de suicídio e para melhorar a sua referenciação para tratamento/acompanhamento adequados.

Mediante estes resultados, pode-se afirmar acerca do entendimento de que a formação e treinos formais deveriam ser disponibilizados a todos os profissionais de saúde envolvidos na prevenção do suicídio e no tratamento de pessoas com esse tipo de comportamento. Os enfermeiros detêm conhecimentos científicos e pedagógicos que os colocam em posição privilegiada nas equipes de saúde, para desenvolverem essa formação.

Reforça-se que, além da formação formal dos profissionais de saúde e mais especificamente dos enfermeiros que atuam nos vários contextos de prevenção do suicídio, é ainda fundamental a utilização e aplicação na prática clínica das orientações constantes nos Guias Orientadores de Boas Práticas para a Prevenção de Sintomatologia Depressiva e Comportamentos da Esfera Suicidária.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2013
  • Aceito
    08 Maio 2014
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