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A participação doméstica na assistência ao parto em meados do século XX

Resumo

Objetivo:

descrever como a criação progressiva da Seguridade Social (oferecendo assistência médica ampla) afetou a assistência ao parto na Espanha durante as décadas de 1940 a 1970, em uma região rural.

Método:

etnografia histórica. Foram selecionadas 27 pessoas que viveram nessa época, as quais foram entrevistadas com o auxílio de um roteiro semiestruturado. Através dos seus depoimentos, construiu-se um quadro com os elementos funcionais envolvidos na assistência ao nascimento nessa região.

Resultado:

três agentes desempenhavam tal assistência: parteiras tradicionais, mulheres da família/vizinhas e profissionais da saúde.

Conclusão:

apesar da assistência durante o parto ter sido transferida para a responsabilidade dos profissionais da saúde a partir dos anos quarenta, nesta região as parturientes continuaram utilizando os recursos domésticos até o início dos anos setenta, quando os partos foram obrigatoriamente transferidos para os hospitais. Esta pesquisa traz à tona os nomes e reconhece o trabalho de personagens femininas da classe popular, que ajudaram mulheres em trabalho de parto dessa comunidade a dar à luz, durante pelo menos três décadas.

Descritores:
Parteira Leiga; Obstetrizes; Parto; História do Século XX; História da Enfermagem.

Abstract

Objective:

to describe how the progressive creation of the Social Security (providing widespread health care) affected the birth assistance in Spain from the 1940s to the 1970s in a rural area.

Method:

historical ethnography. Twenty-seven people who lived at that time were selected and interviewed guided by a semistructured script. Based on their testimonies, a chart was built with the functional elements involved in birth assistance in this region.

Results:

three agents performed such care: traditional midwives, women of the family/neighbors and health workers.

Conclusion:

although birth assistance had been transferred to the hands of the health workers from the forties in this region, women in labor continued to count on the domestic resources until the early seventies, when births were compulsorily transferred to hospitals. This research brings to light the names and recognizes the work performed by these female characters of the popular sphere, who helped women in labor of that community to give birth, for at least three decades.

Descriptors:
Midwives, Practical; Midwives; Parturition; History, 20th Century; History of Nursing

Resumen

Objetivo:

describir cómo incidió la creación progresiva de la Seguridad Social (ofreciendo asistencia sanitaria generalizada) en la atención al parto en España durante las décadas de 1940 a 1970, en una zona rural.

Método:

etnografía histórica. Se seleccionaron 27 personas que habían vivido en esos años, y se las entrevistó apoyadas por un guión semiestructurado. A través de sus testimonios se construyó un mapa con los elementos funcionales implicados en los cuidados en el nacimiento en ese territorio.

Resultado:

tres actores desempeñaban dicha atención: parteras tradicionales, mujeres familiares/vecinas y personal sanitario.

Conclusión:

a pesar de que la asistencia en el momento del parto pasó a estar en manos de los sanitarios a partir de los años cuarenta, en esta zona las parturientas siguieron haciendo uso de los recursos domésticos hasta bien entradas los setenta, cuando los partos obligatoriamente fueron desplazados a los hospitales. Esta investigación saca a la luz el nombre y reconoce la labor de personajes femeninos que, desde la esfera popular, ayudaron a dar a luz a parturientas de esa comunidad durante, al menos, tres décadas.

Descriptores:
Parteras Tradicionales; Matronas; Parto; Historia del Siglo Siglo XX; Historia de la Enfermería

Introdução

As décadas de 1940 a 1970 foram acompanhadas por muitas mudanças e avanços no sistema público de saúde na Espanha. A assistência na área da saúde deixou de ser um privilégio de poucos para se tornar um direito estendido à quase todos. Até então, a população espanhola se encontrava em um estado de abandono e precariedade, no que se referia aos estabelecimentos e à prestação de serviços de saúde, pelo fato dessa assistência depender das instituições privadas, às quais apenas uma pequena percentagem dos cidadãos tinha acesso; e da beneficência, que era destinada principalmente às pessoas sem recursos11. Sevilla F. La universalización de la atención sanitaria. Sistema Nacional de Salud y Seguridad Social. [Internet]. Madrid (ES): Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, Laboratorio de Alternativas; 2006. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en: http://www.seg-social.es/prdi00/groups/public/documents/binario/51587.pdf. A implementação, no ano de 1942, do Seguro de Saúde Obrigatório (SSO) pelo Instituto Nacional de Previdência, representou uma realização muito importante para a cidadania. No início, foi planejado para proteger os trabalhadores mais desfavorecidos economicamente, mas aos poucos, seus serviços foram sendo estendidos para o resto da população, passando a se consolidar como sistema generalizado de assistência médica nos anos setenta (Seguridade Social).

A província de León, situada no noroeste do país, e onde se localiza o objeto de nosso estudo, contava na década de quarenta com instituições de saúde como a Delegacia Provincial de Saúde, a Beneficência Provincial, a Beneficência Municipal de León, a Beneficência Diocesana e o Seguro de Saúde Obrigatório. Este último começou a funcionar em setembro de 1944, desenvolvendo seu trabalho em hospitais e clínicas privadas com os quais mantinha convênio. De 1950 a 1960 houve um crescimento significativo no número de afiliados desse seguro e a Direção Geral de Saúde construiu vários centros hospitalares. Entre 1969 e 1975, o direito à hospitalização e assistência à maternidade aos agricultores e beneficiários foram sendo incorporados progressivamente, e ainda no final da década de setenta, o Seguro de Saúde seria consolidado como o sistema de saúde predominante, ao qual 80% da população teriam direito.

Nas pequenas cidades e nas áreas rurais, os médicos, enfermeiros e parteiras passaram a atender, durante esse período, aos inscritos no SSO e na beneficência, aos funcionários públicos e ao resto da população não assegurada que era atendida de forma privada, e que constituía uma grande parcela dos habitantes rurais. Entre as tarefas atribuídas a eles se incluía a assistência no momento do parto, tema no qual nos concentraremos. As parteiras também realizavam os partos com a supervisão opcional do médico, assim como os profissionais de saúde também os realizavam ou sempre que uma parteira autorizada no mesmo local não os realizasse. A falta de recursos materiais e humanos para atender às demandas da população, as condições subumanas em que elas trabalhavam, a baixa remuneração e a falta de reconhecimento, ou a intromissão de pessoas sem título que participavam em tarefas tais como nascimentos, foram algumas das queixas desse grupo de profissionais, que relataram que a assistência proporcionada às parturientes perdurou até a década de 1970, com o advento da institucionalização do parto.

O interesse deste artigo, parte integrante de uma tese de doutorado, consiste em aprofundar os conhecimentos sobre esta evolução. O objetivo foi descrever como a criação progressiva da Seguridade Social na Espanha afetou a assistência ao parto no contexto rural, sendo construído para isso, um quadro com as pessoas responsáveis pelo atendimento e pela prestação dos primeiros cuidados às parturientes (elementos funcionais)22. Siles González J. Historia cultural de enfermería: reflexión epistemológica y metodológica. Av Enferm. 2010;28(esp):120-8. durante as décadas de 1940 a 1970, em uma região específica da península, nos municípios de Almanza e Cebanico (comarca de Sahagún, León). Escolhemos esta comunidade porque a autora principal deste estudo vive nessa área há anos e ainda, sua profissão e circunstâncias pessoais facilitaram o relacionamento e o contato com os nativos e os residentes na obtenção de informações. A hipótese levantada foi que, embora a assistência no momento do parto tivesse sido transferida para os profissionais da saúde a partir de 1942 -Seguro de Saúde Obrigatório- a maior parte desses atendimentos continuou a ser realizada no âmbito doméstico até o início da década de 1970.

Quanto ao tema, existem várias publicações nos últimos anos na área de enfermagem, que recuperaram e documentaram como funcionava a rede de pessoas que atendiam as parturientes e prestavam os primeiros cuidados de saúde ao recém-nascido durante aqueles anos da metade do século XX na Espanha; usando especialmente uma abordagem qualitativa e focada no papel desempenhado de forma paralela no âmbito popular, pelas parteiras tradicionais, mulheres sem diploma, mas que tinham muita habilidade e experiência no momento de realizar um parto. Do mesmo modo, alguns autores recuperaram os registros das parteiras de diversas regiões da geografia espanhola, descrevendo sua forma de trabalhar e área de atuação33. Amezcua M. El parto tradicional en Andalucía según la Encuesta del Ateneo de Madrid de 1901. Index Enferm. 2002;11(38):47-50.

4. Andina Díaz E. Los Cuidados prestados por las matronas en el Bierzo Alto (León): cien años de evolución. Cultura Cuidados. 2003;7(13):12-22.

5. Andina Díaz E. Un siglo en las creencias y prácticas populares acerca de la gestación y el alumbramiento en el Bierzo Alto (León, España). Index Enferm. 2003;12(43):9-13.

6. Linares Abad M, Moral Gutiérrez I, Medina Arjona E y Contreras Gila S. Inventario etnográfico de las parteras de Sierra Mágina. Aproximación a su relación con las matronas. Index Enferm. 2005;14(51):10-4.
-77. Salas Iglesias MJ. Los cuidados de nacimiento en Andalucía. Gestores del parto, técnicas, procedimientos y fundamentos teórico-metodológicos a través de la Encuesta del Ateneo de Madrid de 1901-2. Index Enferm. 2004;13(44-45):62-6., bem como as relações estabelecidas com os profissionais da saúde88. Linares Abad M, Moral Gutiérrez I, Álvarez Nieto C. El discurso de matronas sobre la profesión a mediados del siglo XX. Seminario Médico. 2008;60(2):54-76.

9. Linares Abad M, Moral Gutiérrez I, Álvarez Nieto C, Grande Gascón ML, Pancorbo Hidalgo PL. Relaciones sociales de género de las matronas en una comarca rural de España. Enferm Gobal. 2012;26:364-76.
-1010. Alemany MJ. Andrea Martínez, una matrona del siglo XX. Temperamentvm. 2007;5. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/temperamentum/tn5/t6391.php.
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; outros ainda optaram por atribuir a essas personagens femininas um protagonismo absoluto, e construíram histórias de vida por meio de seus depoimentos ou o de seus famíliares1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.

12. Amezcua M. Memorias de una partera tradicional. Francisca Santos Olmo, "Paca la Cachorra". Index Enferm. 2002;11(38):40-4.

13. Cara Zurita ME. Parir a principios de siglo XX. La historia de Piedad. Index Enferm. 2003;12(43):59-62.

14. González Solano IJ. Las parteras tradicionales. Un relato biográfico desde el Sur. Archivos de la Memoria. 2011;8:3. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/memoria/8/7024.php
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-1515. Urmeneta Marín A. La asistencia al parto en las zonas rurales. Guillerma Goñi, partera de Unciti. Pulso, Rev Colegio Enferm Navarra. 2005;43:14-5..

Acompanhando essas tendências atuais de pesquisa, e com o objetivo de compreender os padrões da prática desses agentes populares do parto, as relações e os vínculos sociais, nos concentramos em obter na área objeto de nosso estudo, depoimentos orais de pessoas que estavam presentes durante a evolução de tais eventos.

Como justificativa para o tema escolhido mencionamos que o parto, da forma como é realizado, é atualmente um assunto prioritário na maioria das instituições responsáveis pela promoção de pesquisas em diferentes países das mais diversas culturas e tendências. A integração entre a institucionalização/hospitalização do parto e o parto em casa/domicílio faz parte da forma atual de interpretação. A dialética de relacionar o local (regional) com global (nacional-internacional) resulta no aumento dos conhecimentos específicos em uma variedade de contextos e sociedades.

Para finalizar esta introdução, descrevemos brevemente o objetivo do nosso estudo. Os dois municípios submetidos a nossa pesquisa (Almanza e Cebanico) estão localizados no nordeste da província de León (Espanha), e são constituídos por um total de 16 povoados. Em 1954 eles tinham 4.248 habitantes, que se dedicavam principalmente ao cultivo de cereais, à criação de gado e à produção de madeira. A comunicação com o resto da comarca era difícil, a maioria das estradas era de terra e em mau estado, onde circulavam apenas veículos motorizados particulares e contava com meios precários de transporte público. A instalação da rede elétrica e de água corrente nos domicílios ocorreu naqueles anos, de forma lenta e progressiva. Quanto à infraestrutura de saúde, ambos os municípios contavam com três médicos e três profissionais da saúde, além de duas farmácias. Em relação às tradições culturais, destacamos a importância que a religião católica desempenhava em suas vidas. Todo esse cenário era favorável para o desenvolvimento de algumas atividades como a agricultura e a pecuária, mas desfavorável para outras, como a que está em pauta, a assistência médica, devido à precariedade dos serviços básicos presentes aqui.

Método

O referencial teórico-metodológico escolhido foi a etnografia histórica, sendo utilizadas fontes orais, depoimentos de mulheres que durante o período compreendido entre os anos de 1940 e 1970 deram à luz em suas casas, nos municípios de Almanza e Cebanico (León, Espanha), assim como os de parteiras que realizaram os partos, ou de suas famílias, no caso de sua ausência.

No total, 16 populações foram estudadas: Almanza, Castromudarra, Villaverde de Arcayos, Canalejas, Calaveras de Abajo, Calaveras de Arriba, La Vega de Almanza, Espinosa de Almanza, Cabrera de Almanza (pertencentes ao município de Almanza); e Cebanico, Mondreganes, Corcos, La Riba, Santa Olaja de la Ación, El Valle de las Casas, Quintanilla de Almanza (pertencente ao município de Cebanico).

Depois de uma viagem de busca pelas localidades, entrevistando as pessoas que já conhecíamos, bem como as pessoas de idade mais avançada que íamos encontrando, escolhemos 24 mulheres e 3 homens devido a suas idades (compreendidas entre 60 e 90 anos) e/ou seu parentesco (familiares de parteiras e mulheres que tinham dado à luz em casa).

O método de coleta de dados foi a entrevista semiestruturada. Para isto, foi desenvolvido um roteiro com perguntas sobre o assunto, com base em dados abordados no Estudo de Ateneu de 1901, seção sobre nascimento, e que já tinha sido utilizado pela autora em estudos anteriores44. Andina Díaz E. Los Cuidados prestados por las matronas en el Bierzo Alto (León): cien años de evolución. Cultura Cuidados. 2003;7(13):12-22.-55. Andina Díaz E. Un siglo en las creencias y prácticas populares acerca de la gestación y el alumbramiento en el Bierzo Alto (León, España). Index Enferm. 2003;12(43):9-13.,1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.. Uma visita foi combinada com cada uma dessas pessoas selecionadas, em suas respectivas casas, explicando-lhes o objetivo do trabalho. Após todos os convites para participar terem sido aceitos, as pessoas assinaram um Consentimento Informado, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Alicante, que apresentava os detalhes da pesquisa e que nos autorizava a usar os dados fornecidos. Em cada reunião participavam a pesquisadora principal do trabalho, o entrevistado e um parente deste último, em casos específicos. Os dados também foram registrados em um gravador.

O período de tempo usado para a obtenção dos depoimentos foi de abril a setembro de 2012, estendendo-se por mais três meses, de agosto a setembro de 2013 e abril de 2014.

Na maioria dos casos, tivemos que nos reunir duas vezes com cada indivíduo para esclarecer e verificar as informações. A coleta terminou no momento em que as informações começaram a se tornar repetitivas e os objetivos ficaram claros.

A análise dos dados consistiu em explorar primeiramente o conteúdo das fontes orais através da transcrição das gravações. Após a leitura detalhada, procedeu-se à categorização e classificação das unidades de significação, através de códigos que representavam as categorias mencionadas. Os dados foram associados tanto entre as várias transcrições de um mesmo participante, como entre si. O trabalho de síntese teve início quando pararam de surgir novas categorias, sendo reconhecidos os padrões culturais de cada uma das localidades objetos do estudo. Como complemento, os discursos foram comparados com a literatura folclorista e médica da época referente às áreas mais ou menos adjacentes, favorecendo a identificação de semelhanças e diferenças com outros grupos culturais, o estabelecimento de micro e macro vínculos, e permitindo ampliar sua validade e obter uma boa triangulação informativa e metodológica.

Resultados e discussão

Eram três as figuras responsáveis por atender as parturientes e prestar os primeiros cuidados ao recém-nascido nas localidades objeto do nosso estudo.

- Em primeiro lugar estavam as parteiras, mulheres sem estudos ou formação específica e cujo conhecimento era baseado na observação, na aplicação do senso comum e no intercâmbio oral de práticas populares - de estudo zero (E3), aqui não se ensinava ninguém, de observar, como eu atuava, chegavam mais e mais, amarravam o cordão e pronto (E15), de tanto olhar aprendiam (E16), e também através da audição, prestando atenção (E23) -, e ajudava o fato de terem sido mães. Estas mulheres combinavam tarefas domésticas com o trabalho no campo. Elas tinham uma atitude sincera e colaborativa, - era determinada e agia (E3), era um pouco decidida (...) antigamente havia muitas pessoas necessitadas, e elas eram apenas algumas delas (...) pessoas gratas lhes davam uma dúzia de ovos, ou seja, porque então, devido à necessidade, qualquer coisa que davam, todos agradeciam, eu acho que era mais ou menos assim, (E7), eram decididas porque atendiam todas as pessoas (E8), era uma mulher muito caridosa (E13), que decidia só de olhar para você (E15), era muito desprendida (E16)-. Nenhuma delas recebia uma compensação financeira em troca, - elas faziam isso como se fosse uma obra de caridade (...) umas ajudavam em uma coisa e outras em outras coisas (E9), tinham que ajudar (...) dependia da consciência de cada um (E10)-, entretanto, as pessoas sempre agradeciam presenteando-as com alguma coisa, geralmente alimentos ou produtos da colheita que a família do recém-nascido tinha em casa, ou até mesmo convidando-as para o batizado em determinados casos.

A Figura 1 mostra um quadro com algumas das parteiras que atuavam na região objeto do nosso estudo durante as décadas de 1940 a 1970, distribuídas por localidade. Por ter sido elaborada a partir dos depoimentos dos entrevistados, este quadro pode estar incompleto. Observa-se que cada população contava praticamente com uma pessoa encarregada dessas funções.

Figura 1
Relação de algumas das parteiras que atuaram nos municípios de Almanza e Cebanico (León, Espanha), distribuídas por localidade, nos anos de 1940-1970

-Em outras ocasiões, a tarefa era desempenhada por pessoas próximas da parturiente, geralmente parentes do sexo feminino: mães, irmãs, primas, tias, cunhadas ou sogras. Tambén vizinhas, porque se davam bem em casa (E19), ou porque os familiares diretos não podiam - eles chamaram a senhora (...) minha mãe não podia porque era muito velha (...) estava com medo, embora tivesse tido dez filhos (...) minha sogra também era muito velha (E10). Ao que parece, qualquer um iria caso fosse necessário (E7). Em alguns casos, o parto era ajudado pela própria mãe, acompanhada do marido -veio uma senhora, meu marido a chamou porque ele ficou nervoso, para uma vizinha daqui (...) e partiu, disse que aquilo lhe dava muita pena (...) tinha família lá, além do meu marido e eu (...) o meu marido estava comigo, mas eu era a única disponível (E18, E21)-. Eram mulheres que possuiam grande estima e consideração na vizinhança, apreço que se refletia nos termos com os quais eram classificadas pelas pessoas: uma mulher boa, decidida, disposta, desembaraçada, limpa, determinada, corajosa ou preparada. Elas também se dedicavam a trabalhos domésticos e ao campo. O seu conhecimento se baseava na experiência de ser mãe - quatorze (filhos), e assim, como não vai saber (E9), entendia muito bem disso (...) ela também os teve em casa, sete (E22)- e na observação -eu acho que antigamente qualquer mulher se arranjava (E1), antes nos baseávamos nos animais e sabendo como era nos animais, sabíamos como era para todos (E9), eu tinha visto vários, ao ver os animais mais ou menos se sabe (...) com exceção da alma, como se diz, somos todos animais (E18)-. As razões para atender eram várias, por vezes, como se sabia que minha tia também tinha conhecimento, eu não precisei chamá-la (a parteira) (E1), porque ela era de casa e já havia atendido outras vezes (E9), outras vezes porque a parteira da cidade já havia falecido -minha mãe e eu a atendemos porque a parteira já havia falecido (E8)-, ou simplemente porque havia esse costume -umas se reuniam com as outras para ajudar quando a criança nascia (E3), muitas se arranjavam em casa (E12), então não havia nenhum problema, nos povoados nos arranjávamos dessa maneira, entre familiares, vizinhos (E20)-. E conforme a maioria dos entrevistados recorda, a solidariedade e a convivência nos povoados era mais ampla e intensa que agora - ajudavam-se uns aos outros, havia muita união entre vizinhos (E12, E20)-. Não havia o hábito de pagar-lhes pela ajuda no parto - se eles queriam dar algo, tudo bem, mas nada era exigido, antigamente era assim, você tinha que ajudar, tinha que fazer (E9), mesmo que não quisesse (...) mesmo que não me dessem nada, eu fazia porque eu tinha que fazer (E22)-.

Em resumo, tanto as parteiras como os amigos íntimos eram as primeiras pessoas a serem convocadas pelas mulheres do lugarejo para realizar o parto de um novo ser, constituindo uma rede de ajuda informal nesses momentos.

Em face dos relatos coletados, observou-se que havia uma simbiose entre a assistência no momento do parto e a natureza feminina, que mostrava que a mulher estava melhor preparada para essas funções devido a sua biologia. E visto que o nascimento era considerado um processo natural, e que exigia acompanhamento, isso poderia explicar que dentre os potenciais protagonistas selecionados, os eleitos para sua realização eram os mais populares. Uma atividade relacionada ao lar e suas características fisiológicas (alimentação, cuidados, reprodução, criação), mas também universal, tal como em diversas sociedades, desde os primórdios da história. Trabalhos em enfermagem realizados na Espanha relativos a essas décadas, também verificaram o protagonismo das mulheres na assistência materna33. Amezcua M. El parto tradicional en Andalucía según la Encuesta del Ateneo de Madrid de 1901. Index Enferm. 2002;11(38):47-50.

4. Andina Díaz E. Los Cuidados prestados por las matronas en el Bierzo Alto (León): cien años de evolución. Cultura Cuidados. 2003;7(13):12-22.

5. Andina Díaz E. Un siglo en las creencias y prácticas populares acerca de la gestación y el alumbramiento en el Bierzo Alto (León, España). Index Enferm. 2003;12(43):9-13.

6. Linares Abad M, Moral Gutiérrez I, Medina Arjona E y Contreras Gila S. Inventario etnográfico de las parteras de Sierra Mágina. Aproximación a su relación con las matronas. Index Enferm. 2005;14(51):10-4.
-77. Salas Iglesias MJ. Los cuidados de nacimiento en Andalucía. Gestores del parto, técnicas, procedimientos y fundamentos teórico-metodológicos a través de la Encuesta del Ateneo de Madrid de 1901-2. Index Enferm. 2004;13(44-45):62-6.,1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.

12. Amezcua M. Memorias de una partera tradicional. Francisca Santos Olmo, "Paca la Cachorra". Index Enferm. 2002;11(38):40-4.

13. Cara Zurita ME. Parir a principios de siglo XX. La historia de Piedad. Index Enferm. 2003;12(43):59-62.

14. González Solano IJ. Las parteras tradicionales. Un relato biográfico desde el Sur. Archivos de la Memoria. 2011;8:3. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/memoria/8/7024.php
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-1515. Urmeneta Marín A. La asistencia al parto en las zonas rurales. Guillerma Goñi, partera de Unciti. Pulso, Rev Colegio Enferm Navarra. 2005;43:14-5.. Em pesquisas desenvolvidas recentemente na América Latina, foi constatado que as principais gestoras dessas funções apresentavam semelhanças com as expostas aqui, tais como sua origem humilde, sexo ou vasta experiência1616. Arnold D, Yapita JD. Las wawas del Inka: hacia la salud maternal intercultural en algunas comunidades andinas. La Paz, Bolivia: Instituto de Lengua y Cultura Aymara; 2002. Serie: Informes de Investigación, II. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://www.ilcanet.org/publicaciones/pdf_wawas.html. Em um desses estudos, referente a uma comunidade indígena da América do Norte, também foi revelada essa relação explícita entre ser mãe e ser parteira, como mencionado em parágrafos acima1717. Romero Zepeda JA. Usos y costumbres de la planificación familiar en la población otomí del Estado de Querétaro: un análisis desde las parteras tradicionales y su contribución a la sustentabilidad social [Tesis Doctoral]. México: Universidad Autónoma de Nuevo León, Instituto de investigaciones sociales; 2013. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://cdigital.dgb.uanl.mx/te/1080256835.pdf.

A gratuidade de suas ações era uma das características que definem o trabalho destas mulheres, a qual era apoiada por pelo menos três pilares básicos. O primeiro deles era a sociedade patriarcal a qual pertenciam, onde o trabalho das mulheres era secundário, sem valor. O segundo era a ideologia promulgada pela Igreja Católica, com conotações como a ajuda ao próximo, a bondade ou a caridade. O terceiro era o espaço rural no qual ela era desenvolvida: a necessidade urgente dessa época, juntamente com interesses comuns relacionados ao campo, a criação de fortes laços entre vizinhos, a união, a convivência e a solidariedade faziam com que não se colocasse preço em quase nada. Esse altruísmo era observado nas parteiras populares, que também eram encontradas em outras partes da geografia espanhola44. Andina Díaz E. Los Cuidados prestados por las matronas en el Bierzo Alto (León): cien años de evolución. Cultura Cuidados. 2003;7(13):12-22.-55. Andina Díaz E. Un siglo en las creencias y prácticas populares acerca de la gestación y el alumbramiento en el Bierzo Alto (León, España). Index Enferm. 2003;12(43):9-13.,1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.,1414. González Solano IJ. Las parteras tradicionales. Un relato biográfico desde el Sur. Archivos de la Memoria. 2011;8:3. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/memoria/8/7024.php
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, ou em países mais distantes como o México e a Bolívia, onde algumas, que na atualidade ainda continuam em atividade em comunidades indígenas, chegavam a combinar o pagamento em espécie ou dinheiro por seus serviços1616. Arnold D, Yapita JD. Las wawas del Inka: hacia la salud maternal intercultural en algunas comunidades andinas. La Paz, Bolivia: Instituto de Lengua y Cultura Aymara; 2002. Serie: Informes de Investigación, II. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://www.ilcanet.org/publicaciones/pdf_wawas.html-1717. Romero Zepeda JA. Usos y costumbres de la planificación familiar en la población otomí del Estado de Querétaro: un análisis desde las parteras tradicionales y su contribución a la sustentabilidad social [Tesis Doctoral]. México: Universidad Autónoma de Nuevo León, Instituto de investigaciones sociales; 2013. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://cdigital.dgb.uanl.mx/te/1080256835.pdf.

Para terminar, mencionaremos que a forma de adquirir seus conhecimentos a partir da experiência, da observação e das antigas crenças e práticas, era semelhante à utilizada pelos que habitavam regiões mais ou menos remotas dentro e fora da Espanha33. Amezcua M. El parto tradicional en Andalucía según la Encuesta del Ateneo de Madrid de 1901. Index Enferm. 2002;11(38):47-50.

4. Andina Díaz E. Los Cuidados prestados por las matronas en el Bierzo Alto (León): cien años de evolución. Cultura Cuidados. 2003;7(13):12-22.

5. Andina Díaz E. Un siglo en las creencias y prácticas populares acerca de la gestación y el alumbramiento en el Bierzo Alto (León, España). Index Enferm. 2003;12(43):9-13.
-66. Linares Abad M, Moral Gutiérrez I, Medina Arjona E y Contreras Gila S. Inventario etnográfico de las parteras de Sierra Mágina. Aproximación a su relación con las matronas. Index Enferm. 2005;14(51):10-4.,1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.,1414. González Solano IJ. Las parteras tradicionales. Un relato biográfico desde el Sur. Archivos de la Memoria. 2011;8:3. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/memoria/8/7024.php
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,1616. Arnold D, Yapita JD. Las wawas del Inka: hacia la salud maternal intercultural en algunas comunidades andinas. La Paz, Bolivia: Instituto de Lengua y Cultura Aymara; 2002. Serie: Informes de Investigación, II. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://www.ilcanet.org/publicaciones/pdf_wawas.html-1717. Romero Zepeda JA. Usos y costumbres de la planificación familiar en la población otomí del Estado de Querétaro: un análisis desde las parteras tradicionales y su contribución a la sustentabilidad social [Tesis Doctoral]. México: Universidad Autónoma de Nuevo León, Instituto de investigaciones sociales; 2013. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://cdigital.dgb.uanl.mx/te/1080256835.pdf.

A transmissão oral do conhecimento e a falta de utilização de informações escritas em qualquer um dos casos poderiam constituir falta de prova documental de tais ações. E isso, associado com a consideração do papel das parteiras como inerente ao biológico e à filantropia, foi vital para a manutenção do equilíbrio desta sociedade, pelo menos naquelas décadas e também contribuiu para manter clichês ultrapassados sobre os cuidados de saúde, tais como os que consideravam estas idéias como banais e informais, além de diminuir seu poder social.

- Os terceiros personagens envolvidos nos atendimentos médicos da maternidade pertenciam à esfera oficial: médicos, parteiras e profissionais de saúde, que começaram no âmbito privado e, em seguida no setor público, até atingir toda a população gradualmente -na década de sessenta começava então a Seguridade Social, mas aos poucos (...) o médico cobrada uma quantia anual para atender as pessoas (E3), que era paga mensalmente, não havia Seguridade Social (E9), quando eu tive o primeiro filho sequer havia a Seguridade Social, éramos atendidos pelo médico de Almanza (E17)-. Ao longo do caminho eles encontraram várias dificuldades, já mencionadas na introdução deste trabalho, o que poderia causar desmotivação por parte destes ao realizar o atendimento durante o parto, e o descuido durante os atendimentos que estavam realizando paralelamente no povoado. Na verdade, as relações estabelecidas entre esses três personagens eram harmoniosas - eu não queria mais que qualquer um atendesse em seu lugar (E1), os médicos também não se intrometiam em nada (E23), o médico satisfeito, ele não tinha que vir (E24), um médico havia lhe dito, no próximo atende você, eu não vou lhe denunciar, você está me fazendo um favor (E25)-. A isso é preciso acrescentar o peso que a tradição tinha aqui (nascimento: fenômeno natural). Tudo isso contribuiu para que eles desempenhassem um papel secundário naqueles anos e para que seus serviços fossem solicitados somente nos casos do surgimento de complicações, que as parteiras não podiam resolver -e se via que a coisa não ia bem, era quando se avisava o médico (E13), se eu percebo que a coisa vai mal eu não atendo, era a primeira coisa que a parteira dizia (E16), quando percebiam que a coisa ia mal, pediam para chamar o médico (E25) se a coisa ia mal elas chamavam o médico porque iria precisar de medicação e disso elas não entendiam (E26)-.

Dois aspectos devem ser ressaltados sobre este atendimento de saúde em particular. Em primeiro lugar, achamos paradoxal que eram as parteiras que solicitavam a presença dos médicos em caso de complicações. Este fato mostra como este discurso patológico de meados do século XX foi forjado nas mentes mais populares, no interesse da profissionalização da maternidade, que desprezou a validade da experiência biológica materna, propagada através das vozes femininas, em favor do conhecimento científico proveniente da medicina. Algo que foi considerado normal aqui e em outros territórios1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.,1414. González Solano IJ. Las parteras tradicionales. Un relato biográfico desde el Sur. Archivos de la Memoria. 2011;8:3. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/memoria/8/7024.php
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-1515. Urmeneta Marín A. La asistencia al parto en las zonas rurales. Guillerma Goñi, partera de Unciti. Pulso, Rev Colegio Enferm Navarra. 2005;43:14-5. e fez parte dessa transição para a medicalização no momento do parto.

O segundo se relaciona com o grupo de profissionais que participavam em tais casos. Embora tenhamos mencionado a participação de três médicos e três profissionais de saúde nesta região, quem realmente atendia eram os primeiros, e só raramente recordaram receber serviços dos profissionais de saúde ou da parteira. A autorização prévia advinha do médico, devido às limitações ao exercício da profissão que os outros dois profissionais de saúde tinham. Achamos que, talvez, uma maior quantidade de parteiras em nosso território originasse um outro pilar, para que esta sociedade se questionasse que as mulheres eram úteis para algo mais além daquilo que a tradição lhes tinha reservado, assistir partos, e atribuir valor e poder social às agentes do nascimento, parteiras em primeiro lugar, assistentes depois, ajudando na luta dialética de conscientização da arte de realizar partos, no posicionamento e desenvolvimento.

De acordo com os trabalhos encontrados, o panorama vivido se revelou semelhante em nível nacional. Eles também mencionam vários fatores como causas da existência paralela das parteiras e profissionais de saúde nesses anos de transição, enquanto em nossa pesquisa ficou evidente a escolha das primeiras. Quanto às relações entre os três personagens, a maioria era amigável33. Amezcua M. El parto tradicional en Andalucía según la Encuesta del Ateneo de Madrid de 1901. Index Enferm. 2002;11(38):47-50.

4. Andina Díaz E. Los Cuidados prestados por las matronas en el Bierzo Alto (León): cien años de evolución. Cultura Cuidados. 2003;7(13):12-22.
-55. Andina Díaz E. Un siglo en las creencias y prácticas populares acerca de la gestación y el alumbramiento en el Bierzo Alto (León, España). Index Enferm. 2003;12(43):9-13.,1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.,1414. González Solano IJ. Las parteras tradicionales. Un relato biográfico desde el Sur. Archivos de la Memoria. 2011;8:3. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/memoria/8/7024.php
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-1515. Urmeneta Marín A. La asistencia al parto en las zonas rurales. Guillerma Goñi, partera de Unciti. Pulso, Rev Colegio Enferm Navarra. 2005;43:14-5., embora tenhamos encontrado estudos que mencionavam desavenças66. Linares Abad M, Moral Gutiérrez I, Medina Arjona E y Contreras Gila S. Inventario etnográfico de las parteras de Sierra Mágina. Aproximación a su relación con las matronas. Index Enferm. 2005;14(51):10-4.,1010. Alemany MJ. Andrea Martínez, una matrona del siglo XX. Temperamentvm. 2007;5. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/temperamentum/tn5/t6391.php.
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Foi a partir do final da década de 1960 e início dos anos de 1970, quando a assistência ao parto na região objeto de nosso estudo tornou-se responsabilidade dos serviços de saúde -já tive que ir para León porque aqui não permitiam (E1), em 1968 (...) podia ir de graça para León para dar á luz (E7), o médico me disse que eu teria que ir para León (E11)- , e as mulheres que atendiam partos no âmbito doméstico deixaram de ser solicitadas para isso, e seu papel foi se perdendo com o passar do tempo. O fato de ir até a capital em tal estado implicava toda uma aventura, e mais de uma mulher nos contou que devido à ausência de veículos para se deslocar rapidamente para o hospital, ou por medo dos fenômenos meteorológicos, se hospedaram na casa de familiares ou em uma pensão em León -eu fiquei com uma sobrinha que estava em uma pensão até o parto (E10), começou a nevar e eu tive que caminhar porque a neve caia e foi assim que aconteceu, durante quinze dias tive que permanecer em León, pagando uma pensão (E11)-. Apesar de tudo isto, a maioria das entrevistadas revelava conformismo com esta nova situação, avaliando-a como lógica e inerente ao progresso e favorável a elas.

Em trabalhos realizados em outras partes da geografia espanhola foi constatado que este processo também foi gradual e constante ao longo do tempo e semelhante quanto a sua forma66. Linares Abad M, Moral Gutiérrez I, Medina Arjona E y Contreras Gila S. Inventario etnográfico de las parteras de Sierra Mágina. Aproximación a su relación con las matronas. Index Enferm. 2005;14(51):10-4.,1010. Alemany MJ. Andrea Martínez, una matrona del siglo XX. Temperamentvm. 2007;5. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.index-f.com/temperamentum/tn5/t6391.php.
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-1111. Andina Díaz E, Siles González J. La historia de una partera en la España rural de mediados del siglo XX. Index Enferm. 2015;24(1-2):81-5.. Assim como demonstrado por alguns trabalhos desenvolvidos em lugares mais distantes como a Europa e América Latina1818. Sadler M. Así me nacieron a mi hija: Aportes antropológicos para el análisis de la atención biomédica del parto hospitalario [Tesis para optar al título de Antropóloga Social]. Santiago de Chile: Universidad de Chile. Facutar de Ciencias Sociales. Departamento de Antropología; 2003. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.pasa.cl/wp-content/uploads/2011/08/Asi_me_Nacieron_a_mi_Hija._Aportes_antropologicos_para_el_analisis_de_.pdf
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, a extinção do trabalho das parteiras ocorreu juntamente com a hegemonização do modelo biomédico e a hospitalização ao longo do século XX. Todavia, o mesmo não aconteceu em todas as sociedades. Várias pesquisas realizadas em comunidades andinas bolivianas1616. Arnold D, Yapita JD. Las wawas del Inka: hacia la salud maternal intercultural en algunas comunidades andinas. La Paz, Bolivia: Instituto de Lengua y Cultura Aymara; 2002. Serie: Informes de Investigación, II. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://www.ilcanet.org/publicaciones/pdf_wawas.html, indígenas colombianas1919. Bueno Henao J. Prácticas de crianza en comunidades indígenas del Valle de Sibundoy. Diálogos, Discusiones en la psicología contemporánea. 2002;2:25-57. ou mexicanas atuais1717. Romero Zepeda JA. Usos y costumbres de la planificación familiar en la población otomí del Estado de Querétaro: un análisis desde las parteras tradicionales y su contribución a la sustentabilidad social [Tesis Doctoral]. México: Universidad Autónoma de Nuevo León, Instituto de investigaciones sociales; 2013. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://cdigital.dgb.uanl.mx/te/1080256835.pdf,2020. Hernández González MG. Leche, vida y tradición. Lactancia materna en Cuentepec, Morelos [Tesis. Posgrado en Antropología]. Facultad de Filosofía y Letras, Instituto de Investigaciones Antropológicas. México: Universidad Nacional Autónoma de México; 2012. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://132.248.9.195/ptd2013/Presenciales/0702259/0702259.pdf-2121. Estados Unidos Mexicanos. La atención intercultural a las mujeres: el trabajo de parto en posición vertical en los servicios de salud. México: Subsecretaría de Innovación y Calidad, Dirección General de Planeación Desarrollo en Salud, Dirección General Adjunta de Implantación de Sistema de Salud, Dirección de Medicina Tradicional y Desarrollo Intercultural, Gobierno Federal; 2008. [Acceso 24 abril 2015]. Disponible en: http://maternidadsinriesgos.org.mx/documentos/parteria/articulos/Mexico_2008.pdf, para citar alguns exemplos, mostram como, apesar da chegada dos profissionais de saúde aos seus territórios, em muitos casos, com assistência médica gratuita, as parteiras tradicionais não abandonaram o campo dos cuidados maternos e continuam desempenhando essa função de grande valor. Na verdade, no Peru e na Bolívia, quase a metade dos partos ocorridos nos seus territórios em 2001 ainda continuaram tanto nas mãos de profissionais qualificados quanto não qualificados1818. Sadler M. Así me nacieron a mi hija: Aportes antropológicos para el análisis de la atención biomédica del parto hospitalario [Tesis para optar al título de Antropóloga Social]. Santiago de Chile: Universidad de Chile. Facutar de Ciencias Sociales. Departamento de Antropología; 2003. [Acceso 8 agosto 2014]. Disponible en http://www.pasa.cl/wp-content/uploads/2011/08/Asi_me_Nacieron_a_mi_Hija._Aportes_antropologicos_para_el_analisis_de_.pdf
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. Ou seja, variáveis de saúde, mas também as de cunho social, cultural ou políticas, de fato influenciaram em nosso território, bem como em outros, a mudança na gestão dos cuidados na maternidade.

Conclusão

Nós fomos capazes de cumprir o objetivo deste trabalho, ou seja, descrever a forma como a criação progressiva da Seguridade Social influenciou na assistência ao parto no contexto rural, construindo para isso um quadro com os elementos funcionais envolvidos em tais cuidados durante as décadas de 1940 a 1970, em uma determinada área da geografia espanhola, nos municípios de Almanza e Cebanico (comarca de Sahagún, León, Espanha). Oficialmente, havia três médicos e três profissionais de saúde que lidavam com as questões relativas à saúde materna; mas na prática eram as parteiras e as pessoas próximas, pelo menos uma em cada um dos locais estudados, as responsáveis de fato por esse trabalho.

Além disso, confirmamos a hipótese levantada no início do artigo, ao mostrar como, apesar do atendimento na hora do parto ter sido transferido para a responsabilidade dos profissionais de saúde oficiais a partir de 1942 -Seguro de Saúde Obrigatório- a maior parte desses cuidados continuou a ser desenvolvida no contexto doméstico (parteiras e amigos próximos) até o início da década de 1970, quando os partos foram obrigatoriamente transferidos para os hospitais.

O papel dessas mulheres que realizavam o atendimento no momento do parto no ambiente doméstico apresentava características essenciais, universais, ligadas à natureza das mulheres (biologia), e compartilhadas por diferentes culturas, mas também específicas, moldadas e alimentadas por circunstâncias sociais, econômicas, culturais ou religiosas. Estas não eram passivas no decorrer histórico, pois transgrediram, negociavam e questionavam os padrões estabelecidos nas esferas de poder, criando e mantendo uma rede de apoio informal à maternidade, paralela à pública. No entanto, elas permanecem em um nível secundário, com humildade e discrição, e o reconhecimento afetivo das pessoas foi desaparecendo ao longo dos anos. Neste processo também foram incluídos os vários fatores que determinaram o papel que elas deveriam ocupar na sociedade ou as oportunidades que poderiam acessar.

Estudos relacionados o mesmo tema, realizados em outros lugares dentro e fora da geografia espanhola também reconhecem a figura das parteiras nessas décadas de meados do século XX. Em trabalhos realizados em lugares mais distantes como a Europa ou na América Latina, sua supressão também ocorreu juntamente com a hegemonia do modelo biomédico e a hospitalização ao longo do século XX, embora não de forma generalizada.

Muito além dos estudos médicos ou científicos, devemos tentar compreender e reconhecer o papel de todas essas mulheres através do contexto social e cultural que as acompanhava, considerando que, apesar de suas limitações e falhas, elas desempenharam um papel fundamental naqueles anos. Indubitavelmente, isto tem sido, a nosso ver, a principal contribuição desta pesquisa.

Agradecimentos

Queremos manifestar a nossa gratidão a todas as pessoas que prestaram sua ajuda e colaboração e, especialmente às entrevistadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2014
  • Aceito
    12 Out 2015
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