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Brasil da Esperança: uma análise da campanha presidencial de 2022 1 1 A elaboração deste trabalho contou com a colaboração de Matheus Mascarenhas e Davi de Macena, estudantes de graduação da UFRJ e meus orientandos de Iniciação Científica. Agradecemos a Edinho Silva pela entrevista concedida a nós, que foi fundamental para esta conferência e para a pesquisa que desenvolvo com esses estudantes. Agradecemos ainda a Samanta Viz Quadrat, que nos forneceu o contato de Edinho Silva.

A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela não haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há tempo problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da história. (Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, 1996FREIRE, Paulo. 1996. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.)

Introdução

O ano de 2018 foi traumático no Brasil para os que defendem a democracia. Em 14 março, Marielle Franco, vereadora negra e socialista da cidade do Rio de Janeiro, foi brutalmente assassinada em plena região central da cidade. Em 7 de abril, Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente e primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República naquele momento, foi preso, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com base em processo judicial denunciado como fraudulento em cortes nacionais e internacionais. 2 2 https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/04/5003938-comite-da-onu-aponta-que-moro-foi-parcial-ao-condenar-lula.html (Acesso em 29/03/2023). A prisão de Lula e a perda de seus direitos políticos abriram espaço para a ascensão eleitoral de Jair Bolsonaro, candidato de extrema direita, defensor da tortura praticada sistematicamente durante a ditadura empresarial militar (1964-1985).

No dia 2 de setembro, uma das mais importantes instituições de pesquisa do país, o Museu Nacional, sofreu um incêndio que destruiu seu principal prédio e mais de dois milhões de objetos de valor inestimável, incluindo arquivos históricos e biblioteca. Diante de tal tragédia de impacto mundial, ao ser interrogado sobre o que pensava acerca do ocorrido, o candidato que liderava as pesquisas eleitorais respondeu: “Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?”. 3 3 https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/09/04/ja-esta-feito-ja-pegou-fogo-quer-que-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-incendio-no-museu-nacional.ghtml (Acesso em 29/03/2023).

Por fim, em 28 de outubro, o autor da frase venceu as eleições presidenciais e, em seus discursos, marcados por referências ao fundamentalismo cristão (o lema da campanha era “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”), inúmeras promessas de expulsar do país os adversários políticos (chamados de “marginais vermelhos”) ou enviá-los para a cadeia, de “fazer uma faxina”, de governar para a maioria e mandar opositores para a “ponta da praia”, referência a um conhecido local de execuções de dissidentes políticos durante a ditadura empresarial militar, situado na Restinga de Marambaia, Rio de Janeiro. 4 4 https://www.youtube.com/watch?v=7vxX3nQccTU (Acesso em 29/03/2023). Esse tipo de ameaças a pessoas, organizações políticas e movimentos sociais foi repetido livremente pelo presidente eleito durante os quatro anos de seu governo, em ataques constantes à democracia por meio de palavras e ações. Em um artigo publicado em 2020, Pinheiro-Machado e Scalco buscavam compreender, a partir de trabalho de campo realizado em 2018 com moradores de uma periferia de Porto Alegre (RS), o processo que denominaram “da esperança ao ódio”, identificando o crescimento de uma subjetividade conservadora no Brasil. Tal crescimento, presente sobretudo entre homens, estaria relacionado ao decréscimo do poder de compra dos pobres e ainda a uma sensação, por parte dos homens, de terem seu papel social roubado pela ameaça ao poder patriarcal em decorrência da ampliação dos direitos das mulheres em curso desde os anos 2000 5 5 Essa ampliação dos direitos das mulheres é simbolizada, no direito e no senso comum, pela Lei Maria da Penha. Sancionada em 7 de junho de 2006 pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, ela criou mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Em rodas de conversas de populares é muito comum ouvir que uma mulher vai “meter a maria da penha” em um homem, geralmente marido. Alguns homens reclamam uma lei “joão da penha”, alegando que ficam indefesos diante de mulheres que os agridem, pois não podem reagir. As estatísticas de feminicídio contrariam esta percepção de que a violência de gênero seria igualmente distribuída entre homens e mulheres no Brasil e que, por isso, a Maria da Penha seria uma lei injusta. Sobre a história da lei, ver: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/resumo-da-lei-maria-da-penha.html (Acesso em 26/05/2023). Sobre estatísticas recentes de feminicídio no Brasil, ver: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2023/03/08/brasil-bate-recorde-de-feminicidios-em-2022-com-uma-mulher-morta-a-cada-6-horas.ghtml (Acesso em 26/05/2023). ( Pinheiro-Machado & Scalco 2020PINHEIRO-MACHADO, Rosana & SCALCO, Lucia Mury. 2020. “From hope to hate. The rise of conservative subjectivity in Brasil”. HAU: Journal of Ethnographic Theory, Vol. 10, n. 1:21-31. ).

A análise das autoras se conjuga com a percepção dos atores políticos do campo democrático, particularmente os mais à esquerda, sobre a conjuntura recente. O crescimento do discurso de ódio contra mulheres, negros, indígenas, LGBTs, universitários, professores, feministas, artistas, pessoas com deficiência, ambientalistas e os chamados “comunistas” (leia-se toda e qualquer oposição ao governo de extrema direita) foi palpável e incluiu, com o início da pandemia de COVID-19, em março de 2020, cientistas que defendiam isolamento social, uso de máscaras e vacinas. Ataques em redes sociais, ameaças de morte por e-mail, xingamentos e agressões em locais públicos, depredações de residências e carros particulares passaram a fazer parte do cotidiano de pessoas reconhecidas como inimigas pelo governo de extrema direita. Políticos, artistas, intelectuais, ativistas, juristas, professores, cientistas: é extensa a lista das vítimas de violência política no Brasil desde 2018. 6 6 Como exemplo de ataques a cientistas, ver: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/04/17/interna-brasil,845751/cientistas-sao-ameacados-de-morte-fiocruz-considera-ataques-inaceitav.shtml (Acesso em 26/05/2023).

Em 1942, Jorge Amado publicou O Cavaleiro da Esperança, livro que escreveu em homenagem ao líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes. 7 7 Para a biografia de Luís Carlos Prestes, ver: Reis (2014). Eram tempos difíceis, com a ditadura do Estado Novo comandada por Getúlio Vargas, a Segunda Guerra Mundial em curso, e o nazifascismo como uma ameaça viva no mundo. Em determinado momento, o narrador, que conta a história de Prestes a uma amiga, diz: “E também hoje, amiga, nos dias de desgraça que são os dias de mais forte esperança.” ( Amado 1987AMADO, Jorge. 1987. O cavaleiro da esperança. Rio de Janeiro: Record. :61).

Quando, em minhas pesquisas com artistas e produtores culturais das periferias brasileiras, identifiquei, a partir de 2019, uma presença notável do tema da esperança, pensei nesta frase de Jorge Amado. Expectativas positivas perante o futuro estavam em músicas, posts de redes sociais, falas públicas, poemas, escritos diversos. Algumas dessas peças foram criadas por artistas famosos que têm as periferias como referência criativa, como o rapper Emicida. Outras, realizadas por indivíduos ou grupos artísticos periféricos que viram seus recursos serem brutalmente reduzidos pela política anticultura do governo Bolsonaro. 8 8 Para um balanço da erosão do orçamento destinado à Cultura durante o governo de Jair Bolsonaro, ver: https://piaui.folha.uol.com.br/o-rombo-no-orcamento-da-cultura/#:~:text=O%20governo%20Bolsonaro%20instituiu%20um,R%24%2089%2C5%20milh%C3%B5es. (Acesso em 26/05/2023). Chamou a minha atenção o fato de grupos sociais atingidos mais duramente pelas políticas governamentais de extrema direita e por ações de ódio dos extremistas serem justamente os que trouxeram o tema da esperança para o centro de suas atividades artísticas. Em artigo que publiquei em 2022 analisei a esperança e a imaginação de futuro como recursos criativos para a arte em momento de perigo, para utilizar a expressão de Walter Benjamin que se referia à ascensão do fascismo na Europa dos anos 1930 ( Facina 2022FACINA, Adriana. 2022. “Sujeitos de sorte: narrativas de esperança em produções artísticas no Brasil recente”. Rev. antropol. USP, Vol. 65, n. 2. ).

Essa percepção da esperança como antídoto aos “dias de desgraça” se ampliou quando notei que ela se espraiava para o campo da política eleitoral. Primeiramente, com a campanha de Guilherme Boulos e Luiza Erundina (PSOL) para as eleições municipais de São Paulo em 2020. Esperança foi um valor acionado em contraposição ao ódio, identificado com a extrema direita. A chapa eleitoral chegou a disputar o segundo turno das eleições com o então prefeito e candidato à reeleição Bruno Covas (PSDB), que foi eleito e viria a falecer meses depois. Nos pronunciamentos e nos materiais de campanha de Boulos e Erundina, a esperança era mobilizada como força política para impulsionar uma vitória quase impossível, dada a disparidade de recursos financeiros entre as chapas e o contexto político do país naquele momento, marcado pela ascensão da direita ( Facina 2022FACINA, Adriana. 2022. “Sujeitos de sorte: narrativas de esperança em produções artísticas no Brasil recente”. Rev. antropol. USP, Vol. 65, n. 2. ).

Em seguida, vimos a esperança como mote da campanha presidencial de 2022. Com o tema Brasil da Esperança, a chapa composta por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB) mobilizou vastos setores da sociedade brasileira em defesa da democracia.

A proposta desta conferência é analisar a esperança como estrutura de sentimento, tal como sugere Ayse Parla em seu trabalho sobre migrantes búlgaros na Turquia ( Parla 2019bPARLA, Ayse. 2019b. Precarious hope: migration and the limits of belonging in Turkey. Stanford: Stanford University Press .). Estrutura de sentimento é uma expressão criada por Raymond Williams para expressar um conteúdo histórico que encontra formalização mais específica nas obras de arte, estruturando-as. Ela não se confunde com ideologia, manifestando uma relação dinâmica entre experiência, consciência e linguagem em condições históricas determinadas. Nas obras de arte, a estrutura de sentimento é o elemento que sobra nas análises que buscam, sem sucesso, explicá-las a partir de um contexto externo a elas e já conhecido. Como não há contraparte externa, tal elemento só pode ser compreendido a partir da experiência da própria obra de arte, dos seus próprios termos ( Williams 2002WILLIAMS, Raymond. 2002. Tragédia moderna. São Paulo: Cosac&Naify.).

Levando esta reflexão de Williams para analisar outros campos discursivos, podemos compreender como determinados grupos sociais se estruturam e se representam a partir de seus próprios termos, segundo categorias nativas. Este procedimento não é estranho à Antropologia, notadamente na tradição da Antropologia Social britânica que, por sua vez, afetou a historiografia marxista e os estudos culturais britânicos aos quais Williams se filia. No apêndice IV do livro Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande, intitulado “Algumas reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo”, Evans-Pritchard resume esta perspectiva a um só tempo teórica, metodológica e ética:

[...] o antropólogo deve seguir o que encontra na sociedade que escolheu estudar: a organização social, os valores e os sentimentos do povo, e assim por diante. Posso ilustrar este ponto com meu próprio caso. Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para o país zande, mas os Azande tinham; e assim tive de me deixar guiar por eles. Não me interessava particularmente por vacas quando fui aos Nuer, mas os Nuer sim; e assim tive aos poucos, querendo ou não, que me tornar um especialista em gado ( Evans-Pritchard 2005EVANS-PRITCHARD, E. E. 2005. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar .:244-5).

Assim como Evans-Pritchard, guardadas as diferenças de contextos históricos e configurações sociais, foi a onipresença da categoria esperança no diversificado campo democrático brasileiro que me instigou a analisar uma campanha eleitoral que, para muitos de nós, era jogo de vida ou morte. Como costuma acontecer com estruturas de sentimento, a arte enunciou primeiro, em meio ao desespero e à desesperança, o recurso quase mágico que viria a aglutinar forças políticas construídas na différance derridiana 9 9 Segundo Hall, différance se refere a “uma diferença que não funciona através de binarismos, fronteiras veladas que não separam finalmente, mas são também places de passages, e significados que são posicionais e relacionais, sempre em deslize ao longo de um espectro sem começo nem fim” ( Hall 2003:33). na defesa da democracia no Brasil ( Derrida 1971DERRIDA, Jacques. 1971. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva. ).

Antes de procedermos à análise da campanha Brasil da Esperança, apresentarei brevemente alguns debates sobre o tema da esperança na Antropologia. Os argumentos subsequentes buscam contribuir para um campo ainda em construção: a Antropologia da Esperança.

Antropologia da Esperança

No livro The Anthropology of the future, publicado em 2019, Rebecca Bryant e Daniel M. Knight sublinham a pouca atenção que a Antropologia destinou ao futuro, em contraposição à sociologia ( Bryant & Knight 2019BRYANT, Rebecca & KNIGHT, Daniel M. 2019. The Anthropology of the Future. Cambridge: Cambridge University Press. ). Entretanto, o debate sobre a categoria esperança não é novo no campo da Antropologia, ainda que venha ganhando corpo mais recentemente, inclusive no Brasil. Invariavelmente tal debate faz referência ao trabalho monumental de Ernst Bloch, do qual Paulo Freire, citado na epígrafe deste texto, é tributário. Outra referência importante para esta discussão é Walter Benjamin, notadamente suas teses Sobre o conceito de história, último texto no qual trabalhava antes de sua trágica morte em 1940, quando tentava sair da Europa, fugindo da perseguição nazista aos judeus e comunistas.

A clássica obra de Ernst Bloch, O princípio esperança, é sempre referida como um esforço gigantesco de síntese, buscando definir e, ao mesmo tempo, inventariar expressões de esperança nas artes, na mitologia e na vida cotidiana. Publicada em 1959, em três volumes, a obra define a esperança como uma necessidade ontológica que se manifesta como “ainda-não”, projetando no futuro utopias imprescindíveis para a transformação radical do mundo. Este “ainda-não” precisa se dar no plano da consciência, assimilando a esperança ao ato de “sonhar acordado” e vinculada a ações transformadoras no mundo. Para Bloch, a esperança seria sempre animada pelo inconformismo e pela recusa em aceitar o sofrimento como condição perene e universal da existência humana ( Bloch 2005BLOCH, Ernst. 2005. O princípio esperança. Vol. I. Rio de Janeiro: Eduerj/Contraponto. ).

Em 2020, durante a pandemia de COVID-19, a Open Anthropology, publicação da American Anthropological Association, dedicou um número ao tema da esperança. Na nota dos editores, a escolha de tal tema é justificada pelo momento de desespero causado pela pandemia, pela crise econômica com consequências imprevisíveis, mas certamente distribuídas sem igualdade, somadas ao assassinato de George Floyd, 10 10 George Floyd, cidadão estadunidense afro-americano, assassinado em 25 de maio de 2020 por um policial de Minneapolis, que se ajoelhou em seu pescoço por mais de oito minutos, apesar de ele estar imobilizado e deitado de bruços no asfalto. A cena foi gravada em celulares de testemunhas e viralizou nas redes sociais, tendo sido divulgada nos meios de comunicação do mundo inteiro. que escancarou o racismo nos EUA e estimulou levantes antirracistas no mundo. Eles chamam a atenção, no entanto, para o fato de que o tema não é novo, ainda que ganhe novos sentidos no presente:

Hope began to attract the particular interest of social theorists in the early 2000s. In their introduction to the 2016 especial issue of the journal History and Anthropology on “Hope over Time - Crisis, Immobility and Future-Making”, Nauja Kleist and Stef Jansen describe an explosion of writings on hope in the humanities and social sciences, including in sociocultural anthropology, and raise the question of why hope and why now (or then). “Is the renewed interest in hope a reflection of a world that is more hopeful or more hopeless than it used to be?” they ask, and then suggest “two overall dimensions of why hope has recently gained such resonance in academic debates: a widespread sense of crisis and a heightened sense of lack of political and ideological direction in this situation. These two dimensions do no constitute unified and unequivocal phenomena but rather interrelated and converging tendencies” ( Kleist & Jansen 2016JANSEN, Stef. 2016. “For a Relational, Historical Ethnography of Hope: Indeterminacy and Determination in the Bosnian and Herzegovinian Meantime”. History and Anthropology, 27 (4):447-464. :374).

Even without the staking and claiming of hope as a field of study, anthropologists in fact have a longer history of documenting the actions and thoughts of people who have resisted their own doubts and persisted even against reason. The “hope” of people has been variously cast as foolish, misplaced, and unrealistic. Yet, all of us also recognize our want or need for it. We depend on hope being stubborn and steadfast and springing eternal ( Han & Antrosio 2020HAN, Sallie & ANTROSIO, Jason. 2020. “The Editor’s Note: Hope”. Open Anthropology, Vol. 8, Issue 2, July. ).

No campo da Antropologia, Vincent Crapanzano é pioneiro na abordagem do tema. Para ele, a esperança requer uma ética e um tipo de realismo. No artigo publicado em 2003, Crapanzano designava a esperança como uma “categoria de análise social e psicológica” e argumentava que os antropólogos ignoraram o tema por muito tempo ( Crapanzano 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis”. Cultural Anthropology, 18 (1):3-32. :5). O objetivo principal do autor era:

delineate some of the parameters of what we take to be hope and to reflect on its possible usage in ethnographic and other cultural and psychological descriptions - in other words, to look critically (in so far as that is possible) at the discursive and metadiscursive range of “hope” ( Crapanzano 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis”. Cultural Anthropology, 18 (1):3-32. :4).

Neste artigo ele faz um extenso inventário de autores de diferentes áreas de conhecimento que abordaram a esperança. Mencionando o Verfremdungseffekt (efeito de estranhamento) de Bertolt Brecht, Crapanzano advoga que é preciso estranhar a categoria esperança para desestabilizá-la e complexificá-la ( Crapanzano 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis”. Cultural Anthropology, 18 (1):3-32. :4). Este movimento de “desfamiliriarização” exige contextualização cultural e sócio-histórica da esperança e, no caso da Antropologia, pesquisa etnográfica capaz de situar seus significados e usos. Como exemplo, ele contrasta a ênfase de Ernst Bloch nas dimensões positivas da esperança, como força que impulsiona a ação, com os efeitos negativos da esperança que ele observou em seu trabalho de campo entre brancos na África do Sul às vésperas do fim do apartheid. Neste caso, a esperança levou à paralisia: “Although Bloch and most theologians who discuss it stress the optimism of hope, hope can in fact lead to paralysis. One can be so caught up in one’s hope that one does nothing to prepare for its fulfillment” ( Crapanzano 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis”. Cultural Anthropology, 18 (1):3-32. :18).

A historicidade e a especificidade cultural dos seus significados complexificam a esperança. Ayse Parla (2019aPARLA, Ayse. 2019a. “Critique without a Politics of Hope?”. In: Didier Fassin & Bernard Harcourt (eds.), A Time for Critique. New York: Columbia University Press. pp. 52-70. ) afirma a necessidade da pesquisa etnográfica para evitar a compreensão da esperança de modo a-histórico e abstrato. A autora critica os apelos por uma esperança pouco realista da oposição ao governo no contexto do plebiscito realizado na Turquia em 2017, que acabou por aprovar, numa votação declarada como antidemocrática por observadores internacionais, a ampliação dos poderes do presidente Recep Tayyip Erdogan. 11 11 Recep Tayyip Erdogan foi primeiro-ministro da Turquia entre 2003 e 2014, quando foi eleito presidente, cargo que ocupa desde então. Em 2017, realizou-se um referendo constitucional que resultou na extinção do sistema parlamentarista, ampliando os poderes e as atribuições presidenciais. Para Parla, a situação política turca, na qual a democracia é uma ficção e a perseguição à oposição é sistemática, em que não há respeito aos direitos humanos, a esperança precisa mirar o passado, reconhecendo derrotas e sofrimentos. Ela cita Walter Benjamin ao argumentar a favor de uma “backward-looking hope”, em contraposição à visão da esperança orientada para um futuro utópico de Bloch. De modo similar a CrapanzanoCRAPANZANO, Vincent. 2005. “Horizontes imaginativos e o aquém e o além”. Revista de Antropologia, São Paulo, Vol. 48, n. 1: 363-384., Ayse Parla apresenta as ambiguidades da esperança (praga ou virtude encerrada na Caixa de Pandora?) e alerta que a esperança pode servir apenas para deixar os pobres onde estão, se ela não encarar os sofrimentos do passado ( Parla 2019aPARLA, Ayse. 2019a. “Critique without a Politics of Hope?”. In: Didier Fassin & Bernard Harcourt (eds.), A Time for Critique. New York: Columbia University Press. pp. 52-70. :59-66)

Stef Jansen (2016JANSEN, Stef. 2016. “For a Relational, Historical Ethnography of Hope: Indeterminacy and Determination in the Bosnian and Herzegovinian Meantime”. History and Anthropology, 27 (4):447-464. ) também defendeu uma abordagem da esperança menos holística e mais calcada em pesquisas etnográficas, focando na sua emergência em tempos e espaços sócio-históricos específicos. Para este autor, a esperança nem sempre está relacionada a um futuro indeterminado e dá como exemplo os desejos de seus informantes em Sarajevo de que o time da seleção da Bósnia vencesse um jogo de futebol. A esperança deles estava voltada para um objeto específico, com um marco temporal definido. Jansen destaca que a esperança pode estar associada a uma visão de um futuro próximo, possível e muito pouco utópico. Esta seria uma modalidade transitiva da esperança, voltada para um objeto, distinta da modalidade intransitiva, que ele define como hopefulness. Ambas podem ocorrer ao mesmo tempo ( Jansen 2016JANSEN, Stef. 2016. “For a Relational, Historical Ethnography of Hope: Indeterminacy and Determination in the Bosnian and Herzegovinian Meantime”. History and Anthropology, 27 (4):447-464. :448). Em síntese, a argumentação de Jansen enfatiza que se devem olhar as circunstâncias históricas da produção da esperança, ampliando a análise para formas mais definidas no espaço-tempo, possibilitando assim a compreensão etnográfica sobre como e por que as pessoas têm esperança no futuro.

Com base em pesquisa de campo realizada nos anos 1990 em Fiji, Hirokazu Miyazaki propõe a esperança como método. Em The Method of Hope ( 2004MIYAZAKI, Hirozaku. 2004. The Method of Hope: Anthropology, Philosophy and a Fijian Knowledge. Stanford: Stanford University Press. ), ele argumenta que a esperança se orienta para um futuro indeterminado e é um método de viver que reúne diversas formas de conhecimento e autoconhecimento ( Miyazaki 2004MIYAZAKI, Hirozaku. 2004. The Method of Hope: Anthropology, Philosophy and a Fijian Knowledge. Stanford: Stanford University Press. :4). A população de Suvavou foi expulsa de sua terra nos anos 1880 e, desde então, busca, sempre sem sucesso, que o governo estabeleça uma compensação para a perda da terra ancestral. Nesse processo, são produzidos conhecimentos, reconhecimentos e senso de identidade, bem como são transmitidas histórias e memórias entre esse povo despossuído. Diferentemente de Bloch, não há um futuro utópico como horizonte, mas apenas indeterminação. Como Parla, Miyazaki cita as teses Sobre o conceito de história, de Walter Benjamin, para afirmar que o passado é a fonte da esperança como método, mais do que o futuro. A repetição da demanda de compensação pela perda da terra ancestral é consequência lógica da esperança como método: a esperança performativa da herança no passado. E cada momento de esperança aparece como novo nessa repetição indefinida ( Miyazaki 2004MIYAZAKI, Hirozaku. 2004. The Method of Hope: Anthropology, Philosophy and a Fijian Knowledge. Stanford: Stanford University Press. :128).

William Lempert, em Generative Hope ( 2018LEMPERT, William. 2018. “Generative Hope in the Postapocalyptic Present”. Cultural Anthropology, 33 (2):202-212.), investiga a esperança entre um grupo que teve seus modos de vida destruídos: as comunidades aborígenes na Austrália. Lempert analisa especificamente a produção fílmica de aborígenes australianos num tempo presente que ele denomina pós-apocalíptico. A esperança generativa que ele percebe nessas iniciativas não apaga a história da despossessão colonial, porém se afasta das caricaturas midiáticas que reduzem os aborígenes a um povo miserável e doente. As narrativas apresentadas por comunidades aborígenes em seus filmes são multifacetadas e apontam para perspectivas de futuro, sem negar a violência colonial estrutural. São, por isso, “políticas de esperança” ( Lempert 2018LEMPERT, William. 2018. “Generative Hope in the Postapocalyptic Present”. Cultural Anthropology, 33 (2):202-212.:204). O autor observa que se estabelece uma dialética complexa entre a esperança generativa e o presente pós-apocalíptico:

It is in their interrelationship that generative hope and the postapocalyptic present become greater than the sum of their parts, a dialectic that defies synthesis due to its pairing of theses that make up two opposing sides of the same existential coin. This intertwining is the site of a key temporal configuration, in which mediations of optimistic futures are rooted in a present that foregrounds past yet enduring legacies of colonial brutality. For anthropologists, this grounding reaffirms the need for vigilance against seductive desires for resolution and the undoing of damage that cannot be undone; it encourages both cautious optimism and the amplification of local visions for the future that seek to expand Indigenous possibility. Coupled, generative hope and the postapocalyptic present evoke a perpetually unsettled tension that aptly aligns with the paradoxical and erratic settler-colonial realities within which Aboriginal people live their lives. Since hope is a sensibility that tends to come into existence through action, collaborative media production provides a powerful process through which anthropologists can engage Indigenous futurity both theoretically and methodologically. While analyzing completed projects provides insight into the meaning and impact of films, it is in the daily practices of media production that the political and representational stakes of Indigeneity are actively negotiated and imagined. Indeed, these films are not simply communicating visions of the future; they are also collectively producing them ( Lempert 2018LEMPERT, William. 2018. “Generative Hope in the Postapocalyptic Present”. Cultural Anthropology, 33 (2):202-212.:204-5).

Ghassan Hage, em Against Paranoid Nationalism. Searching for hope in a shrinking society ( 2003HAGE, Ghassan. 2003. Against Paranoid Nationalism. Searching for hope in a shrinking society. Annandale NSW/London: Pluto Press/Merlin Press. ), apresenta a tese de que sociedades são mecanismos de distribuição de esperança e que o tipo de vínculo afetivo ( worrying ou caring) que a sociedade cria entre seus membros está intimamente ligado à sua capacidade de distribuir esperança. A sociedade solidária ou que cuida ( caring society) é essencialmente uma sociedade abrangente, que abraça ( embrasssing society), que gera esperança entre seus cidadãos e os induz a cuidarem dela. A sociedade defensiva sofre de uma escassez de esperança e cria cidadãos que veem ameaças em toda parte. Isto gera cidadãos preocupados ( worrying citizens) e um nacionalismo paranoico ( Hage 2003HAGE, Ghassan. 2003. Against Paranoid Nationalism. Searching for hope in a shrinking society. Annandale NSW/London: Pluto Press/Merlin Press. :3). A esperança seria um modo de construir futuros significativos em sociedade, porque é nela que se distribuem as oportunidades sociais para a autorrealização. Hage denomina a produção e a distribuição de vida social digna e significativa de esperança societária ( societal hope) ( Hage 2003HAGE, Ghassan. 2003. Against Paranoid Nationalism. Searching for hope in a shrinking society. Annandale NSW/London: Pluto Press/Merlin Press. :15).

Janeja e Bandak, em Ethnographies of Waiting: Doubt, Hope and Uncertainty ( 2020JANEJA, Manpreet K. & BANDAK, Andreas (eds.). 2020. Ethnographies of Waiting. Doubt, Hope and Uncertainty. Oxon/New York: Routledge. ), apresentam a esperança como uma forma específica de espera, um engajamento particular no e com o tempo. A imagem de Penélope à espera de Ulisses, por longos anos tecendo de dia e desfazendo os fios de noite para driblar os indesejados pretendentes, é usada pelos autores como uma imagem para a espera ativa, uma esperança mantida viva com sua paciência resiliente: “The figure of Penelope therefore bespeaks how we cannot situate waiting merely in a frame of suffering but rather must attend to the variegated responses to lived historical circumstances and concrete situations” ( Janeja & Bandak 2020JANEJA, Manpreet K. & BANDAK, Andreas (eds.). 2020. Ethnographies of Waiting. Doubt, Hope and Uncertainty. Oxon/New York: Routledge. : posição 515).

Em um dos artigos dessa coletânea, Jarret Zigon etnografa a esperança e a espera na Moscou pós-soviética. Trabalhando com jovens que vivem a crise econômica na Rússia após o fim da União Soviética, o autor vê na esperança algo que torna possível para seus interlocutores estarem no mundo e atuarem neste mundo. Este tipo de esperança não está ligado a utopias ou a aspirações progressistas, como em Bloch, mas sim à possibilidade de continuidade, estabilidade e ao viver de modo são. Misturando esperança passiva e ativa, seus interlocutores perseveravam num modo existencial de vida buscando sanidade, mesmo em um contexto econômico e político desfavorável para eles. Esperança seria, desse modo, uma estrutura temporal de estar no mundo, particularmente importante em tempos de desesperança:

The point, however, is that hope, according to my Muscovite interlocutors, is necessary to live through difficult times. One needs hope to fight. One needs hope to perezhivat’ - to live through - or in more dire times, to vyzhivat’ - to survive - the hardships and difficulties of life. Or as Badiou (2003: 93-94) would put it, one needs hope to persevere, to keep going (Zigon citado em Janeja & Bandak 2020JANEJA, Manpreet K. & BANDAK, Andreas (eds.). 2020. Ethnographies of Waiting. Doubt, Hope and Uncertainty. Oxon/New York: Routledge. : posição 2065).

No Brasil, Daniel Nascimento e Silva, linguista que atua em diálogo com a Antropologia, foi um dos pioneiros em pesquisas sobre esperança. Existem afinidades entre as proposições de Zigon e as de Daniel Silva, em seus estudos sobre violência e esperança. O linguista brasileiro define esperança como uma “forma de florescimento subjetivo e coletivo em circunstâncias de violência ou destruição política”, a qual se pode denominar resistência ( Silva & Alencar 2018SILVA, Daniel N. & ALENCAR, Claudiana. 2018. “Arranjos violentos e esperança: Como a linguagem dos direitos humanos operou num atentado em Fortaleza, CE”. Trabalhos em Linguística Aplicada, Vol. 57, n. 2:675-698. :679). Ele propõe uma sociolinguística da esperança, nos seguintes termos:

The sociolinguistics of hope is a form of envisioning the connection between forms of talk and social processes - i.e., a language ideology (Woolard, 1998, p. 3) - that is operative in spaces where people face conditions of precarity, such as those shaped by violence, uncertainty, political destructiveness, or environmental disasters. Sociolinguistically, speakers who engage with hope project the use of language in ways that largely oppose precarity by reimagining authority, temporality, cooperation, and the access to sociolinguistic resources. In other words, interactionally, hope is a way in which people circumvent despair through semiotic work that produces alternative and practical views of language, time, sociality, and forms of life ( Silva 2020SILVA, Daniel N. 2020. “Towards a Sociolinguistics of Hope: The Mourning for Marielle Franco, temporality and reimagination of language”. Draft paper. Journal of Sociolinguistics. :2).

Sobrevivência e esperança estão, para estes autores, conectadas. A esperança seria um recurso para sobreviver e manter a sanidade em tempos duros. É neste mesmo sentido que Daniela Petti apresenta sua pesquisa de doutorado em artigo publicado na revista Vibrant. Intitulado “Precariousness and inequalities amidst daily uncertainty: life and hope during the Covid-19 Pandemic”, ele é fruto de uma disciplina que ministrei no segundo semestre de 2020 (MNA 822), cujo tema era Sobrevivência e Esperança. Articulando as leituras trabalhadas no curso com uma pesquisa de campo que investiga o cotidiano da classe trabalhadora precarizada no Rio de Janeiro, Petti acompanha o dia a dia de Arlinda, moradora de um condomínio popular na Zona Oeste da cidade, em sua luta pela sobrevivência durante a pandemia de Covid-19. A autora demonstra as relações entre luta pela sobrevivência e esperança, em que esta é entendida como forma de manejar a incerteza em um cotidiano marcado pela produção contínua da precariedade, ao qual se soma a extraordinariedade da pandemia ( Petti 2022PETTI, Daniela. 2022. “Precariousness and inequalities amidst daily uncertainty: life and hope during the Covid-19 Pandemic”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, Vol. 19.).

Esta breve discussão bibliográfica não esgota o campo da Antropologia da Esperança, mas apresenta um caminho investigativo com instigantes debates teórico-metodológicos que, a meu ver, encontra-se em expansão no Brasil e no mundo, o que reforça a ideia que sugeri acima de que a esperança seria uma estrutura de sentimento do momento histórico presente, recurso criativo, político e existencial de enfrentamento, ou manejo, da nossa condição pré-apocalíptica. Voltemos então à esperança como recurso político no Brasil do tempo presente.

Política de esperança

Spinoza, na Ética, afirma que medo e esperança são afetos ligados à instabilidade e à dúvida. A esperança é uma alegria instável e o medo uma tristeza instável, ambos derivados da imagem de uma coisa duvidosa. Se a dúvida for excluída desses afetos, a esperança torna-se segurança e o medo, desespero ( Spinoza 2007SPINOZA, Baruch. 2007. Ética. Belo Horizonte: Autêntica .:126). Os limites entre esses afetos são fluidos e “qualquer coisa pode, por acidente, ser causa de esperança ou de medo” ( Spinoza 2007SPINOZA, Baruch. 2007. Ética. Belo Horizonte: Autêntica .:148). O filósofo desdobra o argumento dizendo que não há esperança sem medo e nem medo sem esperança. Como consequência: “[...] à medida que esperamos ou tememos algo, nós o amamos ou odiamos e, portanto, cada um poderá facilmente aplicar à esperança e ao medo tudo o que dissemos sobre o amor e o ódio” ( Spinoza 2007SPINOZA, Baruch. 2007. Ética. Belo Horizonte: Autêntica .:148). Para Spinoza, essa instabilidade poderia ser superada pela razão:

Assim, quanto mais nos esforçamos por viver sob a condução da razão, tanto mais nos esforçamos por depender menos da esperança e por nos livrar do medo; por dominar, o quanto pudermos, o acaso; e por dirigir nossas ações de acordo com o conselho seguro da razão ( Spinoza 2007SPINOZA, Baruch. 2007. Ética. Belo Horizonte: Autêntica .:218).

Porém, ele reconhecia a força dos afetos:

Como os homens raramente vivem sob o ditame da razão, esses dois afetos, quer dizer, a humildade e o arrependimento, assim como a esperança e o medo, trazem mais vantagens que desvantagens. Portanto, se pecar for inevitável, é preferível que se peque por esse lado ( Spinoza 2007SPINOZA, Baruch. 2007. Ética. Belo Horizonte: Autêntica .:221).

Publicada em 1677, a Ética segue influenciando diversos campos do conhecimento, notadamente a psicologia e a psicanálise. Mas suas ideias também aparecem, ainda que de modo simplificado e distorcido, numa obra frequentemente citada por ideólogos de extrema direita nos EUA e no Brasil, The Art of Political War and Other Radical Pursuits ( 2000HOROWITZ, David. 2000. The Art of Political War: And Other Radical Pursuits. Dallas: Spence Publishing Company.). O autor, David Horowitz, é influente neoconservador estadunidense, responsável por perseguições e denúncias de professores progressistas nas universidades americanas. No livro, ele propõe estratégias para os Republicanos retomarem o poder após anos de governos Democratas. Uma de suas proposições, claramente baseada numa leitura simplificada de Spinoza, é que a política é guerra de posição definida por medo e esperança. Nos termos do autor:

As emoções gêmeas da política são medo e esperança. Aqueles que fornecem esperança ao povo tornam-se seus amigos; aqueles que inspiram medo se tornam inimigos. Dos dois, esperança é a melhor escolha. Ao oferecer ao povo esperança e a si próprio como o fornecedor desta esperança, você mostra o seu melhor lado e maximiza seu potencial apoio. Mas o medo é uma ferramenta poderosa e indispensável. Se o seu oponente o define de forma negativa o suficiente, ele irá diminuir sua habilidade de oferecer esperança ( Horowitz 2000HOROWITZ, David. 2000. The Art of Political War: And Other Radical Pursuits. Dallas: Spence Publishing Company.:11-2).

Para ele, os Democratas tenderiam a oferecer esperanças para os mais pobres e marginalizados com sua agenda de governo. Para disputar esse público e seus votos, os Republicanos deveriam incutir o medo dessa agenda, acusando possíveis catástrofes econômicas dela decorrentes. A isto foi acrescido, pela extrema-direita radical, o pânico moral contido na pauta dos costumes. Nas eleições de 2018 no Brasil, ficaram famosas fakenews como as do kit gay que seria distribuído nas escolas pelo governo do PT e as mamadeiras de piroca supostamente oferecidas nas creches públicas em São Paulo durante o governo de Fernando Haddad, candidato do PT às eleições presidenciais de 2018, substituindo Lula, que se encontrava preso. 12 12 Sobre as fakenews causadoras de pânico moral nas eleições presidenciais de 2018, ver: https://apublica.org/2018/10/a-eleicao-do-kit-gay/ (Acesso em 26/05/2023).

A política eleitoral brasileira pós-ditadura militar frequentemente acionou os afetos de medo e esperança. Em 1989, ano da primeira eleição presidencial livre após mais de vinte anos de ditadura, Fernando Collor de Mello, candidato da direita, dizia, dentre outras coisas, que Lula desapropriaria imóveis da classe média e confiscaria as poupanças (coisa que ele mesmo fez assim que assumiu o governo). Lula, por sua vez, se apresentava como a novidade, o inédito, a esperança de um futuro melhor e radicalmente diferente, construído pela classe trabalhadora. Seu jingle de campanha usava expressões como “sem medo de ser feliz” e “cresce a esperança”. 13 13 O histórico jingle gravado em clipe com artistas pode ser assistido em: https://www.youtube.com/watch?v=ZQ7s_PeNWRk (Acesso em 26/05/2023).

Lula perdeu as eleições presidenciais em 1989, 1994 e 1998. Em 2002, ano de sua primeira vitória, o Partido dos Trabalhadores usou a frase comemorativa “A esperança venceu o medo”. 14 14 https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u41584.shtml (Acesso em 26/05/2023).

O PT governou o Brasil até 2016, quando a presidente Dilma Rousseff foi deposta por um golpe jurídico-parlamentar, lastreado por ameaças militares. Desde 2013 seu governo vinha sendo atacado por crescentes organizações da extrema direita, o que foi reforçado a partir do início da Operação Lava-Jato em 2014. 15 15 Em artigo publicado recentemente, Silvia Capanema faz uma ótima análise da gênese da vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, recuperando o histórico da ascensão da extrema-direita com a Lava Jato ( Capanema 2023).

Em 2018, como mencionamos acima, a cena política foi dominada por fakenews, pânico moral e violência política. O crescimento eleitoral exponencial da extrema direita em cargos executivos e legislativos criou um cenário novo no Brasil. O que se seguiu à eleição de Jair Bolsonaro foi um governo de ataques sistemáticos às instituições democráticas, incluindo o desmonte de políticas bem-sucedidas de assistência social, total demolição das políticas culturais no país, subfinanciamento da ciência e da educação.

Penso que o emergir, em 2019, do tema da esperança é uma reação, mais ou menos consciente, pautada pelo que eu, Daniel Silva e Adriana Lopes denominamos de cultura de sobrevivência ( 2019LOPES, Adriana C.; FACINA, Adriana & SILVA, Daniel N. (orgs.). 2019. Nó em pingo d’água. Sobrevivência, cultura e linguagem. Rio de Janeiro/Florianópolis: Mórula Editorial/Editora Insular.). Falar, cantar, encenar, refletir sobre esperança foram maneiras de sobreviver a esse momento para atores sociais que foram diretamente atingidos pela onda de destruição de direitos no Brasil. Vamos nos deter aqui em como isto se desdobrou na bem-sucedida campanha presidencial do PT em 2022, com seu mote Brasil da Esperança.

O marco inicial da construção política que levou Lula à Presidência em 2022 foi a sua libertação. Em 8 de março de 2021, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, decretou a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar processos envolvendo o ex-presidente Lula e anulou as suas condenações. Na prática, isto significou a possibilidade de Lula disputar as eleições presidenciais de 2022, alterando completamente o jogo de forças políticas que estavam em cena no Brasil. A decisão foi comemorada nas redes sociais por um amplo espectro político, não se limitando às esquerdas, projetando o possível candidato como representante eleitoral do campo antibolsonarista e democrático, importante mesmo para a centro-direita crítica ao governo Bolsonaro. Em seu primeiro discurso após a libertação, pronunciado na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo do Campo, e transmitido em diversos canais pela internet, Lula assumiu um viés crítico, porém conciliador, em que a ideia da necessidade do povo voltar a sonhar foi um dos fios condutores:

Eu não sei qual é a atitude, mas alguma atitude nós vamos ter que tomar, companheiros, para que esse povo possa voltar a sonhar. [...] Quando é que nós vamos tomar conta do nosso nariz? Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença pra respirar para o governo americano? Quando é que eu vou levantar de manhã sabendo que o meu povo está tomando café, que ele vai almoçar e vai jantar, que as crianças estão na escola, que as crianças estão tendo acesso à saúde e à cultura? Quando é que nós vamos acordar? Isso é possível. Nós provamos isso. Então, companheiros e companheiras, é pela construção desse sonho e ajudar a torná-lo realidade que eu me sinto muito jovem. Me sinto jovem para brigar muito. Então, eu queria que vocês soubessem: desistir, jamais; a palavra desistir não existe no meu dicionário. [...] Então, não tenham medo de mim. Eu sou radical. Eu sou radical porque eu quero ir à raiz dos problemas desse país. Eu sou radical porque eu quero ajudar a construir um mundo justo. Um mundo mais humano. Um mundo em que trabalhar e pedir aumento de salário não seja crime. Um mundo em que a mulher não seja tripudiada por ser mulher. Um mundo em que as pessoas não sejam tripudiadas por aquilo que querem ser. Um mundo em que a gente venha a abolir definitivamente o maldito preconceito racial nesse país. Um mundo que não tenha mais bala perdida. Um mundo em que o jovem possa transitar livremente pelas ruas de qualquer lugar sem a preocupação de tomar um tiro. Um mundo em que as pessoas sejam felizes onde quiserem ser, que as pessoas sejam o que elas decidirem. Um mundo em que a gente tem que respeitar a religiosidade de cada um, cada um é o que quer, cada um tem a espiritualidade que quiser. Ninguém é obrigado a ser da minha religião, seja a que você quiser, a que você acredita. As pessoas podem ser LGBT, e a gente tem que respeitar o que as pessoas fazem. Esse mundo é possível, esse mundo é plenamente possível.

Essa combinação do retorno a um passado mais próspero e feliz e do sonhar com um futuro melhor e possível vai dar o tom de toda a campanha presidencial. Esperança será a palavra que simbolizará esse sonhar com os pés no chão das experiências históricas. Esperança do verbo esperançar, cunhado por Paulo Freire nos anos 1970, indicando uma esperança ativa que constrói o futuro a partir de ações no presente e não apenas espera o melhor acontecer. 16 16 Em 1971, no exílio, Paulo Freire escreveu o poema “Canção Óbvia”, em que apresenta a esperança a partir do verbo esperançar, publicado postumamente em seu livro Pedagogia da indignação ( 2000). Aqui tem uma bonita versão cantada do poema: https://www.youtube.com/watch?v=H03NICmkxqw (Acesso em 26/05/2023).

Um dos símbolos desse resgate da esperança foi a picanha, corte nobre de carne bovina utilizado para uma das diversões mais populares no Brasil: fazer churrasco com família e amigos. Voltar a comer bem, a consumir picanha, ver o preço da carne baixar e a renda da classe trabalhadora subir foi uma promessa reiterada durante a campanha eleitoral. Um símbolo muito poderoso para um país que voltou ao Mapa da Fome da ONU em 2022, com mais de 33 milhões de pessoas sem acesso ao mínimo de alimentos necessário à manutenção da vida. 17 17 https://www.brasildefato.com.br/2022/06/13/central-do-brasil-mais-de-33-milhoes-de-brasileiros-estao-passando-fome (Acesso em 31/03/2023).

No discurso proferido durante o lançamento de sua pré-candidatura à Presidência, em 7 de maio de 2022, Lula apresenta a esperança como traço do povo brasileiro e associa o resgate do passado a um futuro mais feliz. Ao verbo governar, ele contrapõe o ato de cuidar, reforçando a ideia da esperança como recurso afetivo, com mais destaque do que uma racionalidade técnica de boa governança:

Nós temos um sonho, somos movidos a esperança e não há força maior que a esperança de um povo que sabe que pode voltar a ser feliz. A esperança de um povo que sabe que pode voltar a comer bem, a ter um bom emprego, um salário digno e direitos trabalhistas. Que pode melhorar de vida e ver seus filhos crescendo com saúde até chegar na universidade e virar doutor. É preciso mais do que governar, é preciso cuidar. E nós vamos outra vez cuidar com muito carinho do Brasil e do povo brasileiro. 18 18 https://www.youtube.com/watch?v=sIS__O_vnxE (publicado em 07/05/2022). [grifos meus]

O cuidado alimenta historicamente um modo seguro de olhar o futuro ( hopefulness). Hage argumenta que o capitalismo transnacional gera uma escassez de esperança, criando as condições para o predomínio de um imaginário social defensivo que constitui a espinha dorsal do nacionalismo paranoico (Hage 2003HAGE, Ghassan. 2003. Against Paranoid Nationalism. Searching for hope in a shrinking society. Annandale NSW/London: Pluto Press/Merlin Press. :32). Além da esperança, a sociedade também distribui hopefulness, internalizando certas disposições nos indivíduos ( Hage 2003HAGE, Ghassan. 2003. Against Paranoid Nationalism. Searching for hope in a shrinking society. Annandale NSW/London: Pluto Press/Merlin Press. :25).

Analisando as peças publicitárias audiovisuais que foram veiculadas na televisão e nas redes sociais entre junho e outubro de 2022, coletamos as seguintes frases ditas por Lula, por apresentadores, narradas em off ou legendadas nos programas:

Quando a gente tá com nossos familiares, com os nossos filhos, com os nossos pais, a gente consegue ser alegre, a gente consegue ter esperança, a gente consegue acreditar num futuro. E é isso que eu quero fazer para esse povo, é fazer com que a gente volte a ser feliz, a gente acredite no amanhã. [...] Um país mais feliz é possível de ser construído, e é isso que o povo está pedindo, é com isso que o povo brasileiro está sonhando. Nós já fizemos isso uma vez e queremos fazer novamente. 19 19 https://www.youtube.com/watch?v=MrFbXEM2d2o (publicado em 01/07/2022).

Dizem que basta um passo para não estarmos mais no mesmo lugar. Já caminhamos muito, e se chegamos até aqui, foi porque não conseguiram tirar de nós a esperança. 20 20 https://www.youtube.com/watch?v=oMsqjYEXvpw (publicado em 16/08/2022).

Na eleição a gente não coloca na urna o ódio. A gente coloca o amor e a esperança quando a gente vota. 21 21 https://www.youtube.com/watch?v=fXYaoN9Lj48 (publicado em 19/08/2022).

Voltar a ser um país de oportunidades, palavra-chave pro desenvolvimento do nosso país. 22 22 https://www.youtube.com/watch?v=dqTT_Z7gh_0 (publicado em 16/08/2022).

Já vivi tudo que um homem poderia viver na vida. Eu não tenho espaço para o ódio, para vingança, eu não tenho espaço para não acreditar que o amanhã vai ser melhor. A vida tem que ser feita de alegria, de esperança e os teus gestos têm que ser para isso. 23 23 https://www.youtube.com/watch?v=OWV1br_g1AM(publicado em 10/09/2022).

A gente tem que juntar todas as pessoas que gostam de democracia, todas as pessoas civilizadas, todas as pessoas que querem construir um país de paz, de amor, de esperança, de alegria. Um país em que as pessoas acreditem que o amanhã vai ser melhor. 24 24 https://youtu.be/qIsQXuffZEw(publicado em 22/09/2022).

O nosso projeto é recuperar o Brasil, garantir a democracia e melhorar a vida do povo. Fico feliz em ver que tem cada vez mais gente chegando pro nosso lado. E se você ainda não veio, junte-se a nós também no time da esperança. 25 25 https://youtu.be/K1qw_rvALSw (publicado em 07/10/2022).

Existe aquele que abandona e aquele que acolhe. O que cruza os braços e o que estende as mãos. O que debocha e o que ampara. O que mata, mata e desmata, e o que cuida, protege e salva. O da discórdia e o da união. O que quer guerra e o que vai para a luta. Existe aquele do desespero e o da esperança. (...) 26 26 https://youtu.be/c7w3uYrPai0 (publicado em 27/08/2022).

Eu tenho certeza como existe Deus no céu que o Lula voltando as coisas vão melhorar pra nós, e então começa a música: A esperança tem nome. o Brasil da Esperança é você. 27 27 https://youtu.be/ss06BWh1XZA (publicado em 08/09/2022).

Lula é a esperança. Eu quero ver de novo a esperança no olhar da nossa gente. Eu quero ver de novo o nosso povo com direito de sonhar. 28 28 https://youtu.be/2eV0Oaph9cY (publicado em 29/09/2022).

Poema declamado por Braulio Bessa: Enquanto o amor pesar mais que o mal na balança. Enquanto existir pureza no olhar de uma criança. Enquanto houver um abraço, há de haver esperança [...] há de haver esperança. 29 29 https://youtu.be/RqvlGbEilRk(publicado em 27/09/2022).

Agora é o programa da esperança, do futuro. 30 30 https://youtu.be/pYajDvoeXns (publicado em 17/09/2022).

As famílias brasileiras estão sofrendo para pagar as contas, conseguir emprego e colocar comida na mesa. Não está fácil. Só um governo com propostas e experiência comprovada pode ajudar a cuidar do povo brasileiro. A esperança agora é Lula! 31 31 https://youtu.be/luPTucsOphU (publicado em 19/09/2022).

O povo brasileiro não aguenta mais esse sofrimento, mas a esperança está cada vez mais perto. Lula é o mais preparado e com as melhores propostas para cuidar do povo brasileiro. Agora é Lula. 32 32 https://youtu.be/XA0-kJAbtWw (publicado em 22/09/2022).

O Brasil está passando por um dos piores momentos da economia nos últimos anos. Há quatro anos o salário não aumenta, a inflação está em alta e o preço dos alimentos não para de subir. Só um governo que prioriza o povo pode fazer mais pelos brasileiros. A esperança agora é Lula. 33 33 https://youtu.be/i9lteKiuPPk (publicado em 26/10/2022).

Lula foi o presidente que mais fez pelo povo brasileiro e sempre teve a certeza e a esperança que esse país poderia ser melhor. Agora é hora de voltar e fazer o Brasil ser feliz de novo. Pela paz vote na esperança. 34 34 https://youtu.be/P7J4-odApW8 (publicado em 27/10/2022).

Domingo, vote com amor e esperança. E o nosso amanhã será lindo. Dê o play e confira em primeira mão o último programa eleitoral do Lula. 35 35 https://youtu.be/LB_46xhgq-4 (publicado em 27/10/2022).

Alguns dizeres se repetem em inúmeras peças publicitárias, jingles oficiais ou extraoficiais de campanha (como as músicas de Juliano Maderada, que chegaram a figurar nas listas das mais tocadas no aplicativo Spotify 36 36 https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2022/10/31/ta-na-hora-do-jair-ja-ir-embora-chega-ao-1o-lugar-do-spotify-no-brasil-com-vitoria-de-lula.ghtml (publicado em 31/10/2022). ), além de posts das redes sociais: “A esperança tem nome”, “no tempo do Lula”, “Lula sabe como fazer”, “eu sou brasileiro e não desisto nunca”, “a esperança agora é Lula”. Sustentando essas afirmações, aparecem os precedentes históricos: políticas dos governos do PT para moradias populares, comida no prato assegurada, educação pública fortalecida e inclusiva, apoio ao setor cultural, prestígio nas relações internacionais, garantia de emprego. Somam-se a esses precedentes temas contemporâneos apresentados nos programas eleitorais, como prioridade nas políticas para a juventude, enfrentamento do racismo e das desigualdades de gênero.

Todos os vídeos da campanha foram veiculados acompanhados da hashtag #BrasilDaEsperança. A oposição esperança x ódio, a primeira associada ao amor e a segunda ao medo, tem ecos da reflexão spinoziana sobre estes afetos. Quase todas as menções à esperança se vinculam ao resgate de direitos básicos que foram conquistados em passado recente, durante os governos Lula, e suspensos após 2016. A essa esperança voltada ao passado recente acrescentam-se alguns ineditismos, como a promessa feita pelo candidato de criar um Ministério dos Povos Indígenas, a ser gerido por indígenas.

Essa fala direta a um eleitorado precarizado, destituído de direitos básicos de cidadania, remete ao problema, identificado por Hage (2003HAGE, Ghassan. 2003. Against Paranoid Nationalism. Searching for hope in a shrinking society. Annandale NSW/London: Pluto Press/Merlin Press. ) e Parla (2019bPARLA, Ayse. 2019b. Precarious hope: migration and the limits of belonging in Turkey. Stanford: Stanford University Press .), da desigualdade de distribuição da esperança nas sociedades contemporâneas. Em seu estudo sobre a busca de legalização e cidadania de migrantes búlgaros na Turquia, Parla propõe a ideia de uma esperança precária, que ela define do seguinte modo:

The vacillations that characterize the precarious hope I depict are not only “waverings of the mind that increase or diminish one’s capacity to act”, as Spinoza ([1677] 2000) famously described emotions. The hope for legalization that circulates among Bulgaristanlı migrants is also a “collective structure of feeling,” in the felicitous phrasing of the Marxist cultural theorist Raymond Williams (1977), one that varies according to social class and is shaped by migration bureaucracies, laws, and their criteria of differentiation ( Parla 2019bPARLA, Ayse. 2019b. Precarious hope: migration and the limits of belonging in Turkey. Stanford: Stanford University Press .:5).

Apesar dos migrantes búlgaros serem privilegiados em relação a outros grupos, por serem brancos e europeus, as tramas burocráticas para conseguirem a legalização, as idas e vindas da legislação, as anistias que ocorrem de tempos em tempos, a necessidade de voltar à terra natal periodicamente para regularização dos papéis criam uma situação de instabilidade permanente. A esperança precária se apoia nas possibilidades de, nessa instabilidade, encontrar brechas que garantam a almejada cidadania turca.

Quando Lula fala aos trabalhadores precarizados acenando a um passado de mais direitos - comida no prato, educação, moradia, capacidade de consumo -, ele alimenta esse tipo de esperança. Assim como os búlgaros que já foram considerados turcos no Império Otomano e lutam pelo reconhecimento de sua cidadania (“somos turcos também”, dizem as interlocutoras de pesquisa de Parla) se ancorando no passado, Lula lembra aos eleitores que eles já foram mais cidadãos e tiveram mais direitos em um passado recente, sob seus governos. Essa experiência de instabilidade é constitutiva da existência dos mais pobres no Brasil, que viram, durante toda a história da República, suas condições de vida oscilarem entre crises econômicas e momentos de maior prosperidade, entre planos econômicos variados e entre períodos de maior ou menor investimento em políticas sociais. Voltar o olhar ao passado ansiando por um retorno de um momento mais feliz é uma operação constante na estruturação dos sentimentos expectantes da classe trabalhadora brasileira e mesmo de uma classe média baixa, que se equilibra entre ascensão e descenso social. A ambivalência dessa esperança é notável, explicitando seu parentesco gemelar com o medo, tal como na formulação de Spinoza. A produção histórica estrutural da esperança caminha junto de sua distribuição desigual na sociedade. Dadas as limitações estruturais das sociedades não igualitárias, a esperança pode ser um bem escasso, reforçando as esperanças ordinárias, com horizontes próximos e possíveis, ainda que difíceis, e nostálgicos ( nostalgia hope), em lugar de sonhos utópicos mais ambiciosos ( Parla 2019bPARLA, Ayse. 2019b. Precarious hope: migration and the limits of belonging in Turkey. Stanford: Stanford University Press .:26, 143).

A campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro também produziu algumas peças publicitárias tendo a esperança como mote. Identificamos cinco vídeos publicados no Youtube entre 27 de agosto e 30 de setembro de 2022 em que se afirma que Bolsonaro é a “verdadeira esperança” e a “melhor esperança”, uma clara tentativa de resposta à campanha Brasil da Esperança do oponente. Entretanto, notamos a prioridade de falas do medo, como orientado no livro de Horowitz: medo do comunismo, da influência de um governo de esquerda sobre a orientação sexual de crianças e adolescentes (acusação de que o PT implementaria banheiros unissex nas escolas), de um caos econômico que fizesse o Brasil “virar uma Venezuela”, do “retorno da corrupção”, sendo esta sempre identificada com o PT e as esquerdas. Só há uma hashtag em que o termo esperança foi utilizado, no último programa antes da votação do primeiro turno das eleições. No programa, intitulado “Bolsonaro trouxe esperança para o povo” , é apresentado o vídeo das considerações finais do candidato durante debate na TV Globo. Bolsonaro não fala sobre esperança, mas o vídeo, postado nas redes sociais e promovido como comercial na internet, leva como tema a esperança. 37 37 https://youtu.be/chbJhqsG9tU (publicado em 30/09/2022).

Nos outros programas eleitorais do candidato destacamos as seguintes frases:

A esperança nasce das escolhas que você faz na política, bem como naquele seu sentimento de lutar e vencer. 38 38 https://youtu.be/8GEThmDuns8 (publicado em 27/08/2022).

Bolsonaro é a esperança verdadeira e está trazendo de volta o orgulho de ser brasileiro. 39 39 https://youtu.be/0GxWdqVFGwk (publicado em 30/08/2022).

A gente está enfrentando os desafios de cabeça erguida e o povo brasileiro sabe que a melhor esperança é aquela que vem da verdade, vem da honestidade, vem do que é certo. 40 40 https://youtu.be/ykxwAwP-yXQ (publicado em 01/09/2022).

Este último vídeo vem acompanhado das hashtags #governodedireita #ensinaapescar, em clara contraposição às políticas de assistência social associadas ao PT, em particular o programa Bolsa Família. 41 41 O programa Bolsa Família foi criado pelo Governo Lula em 2003 e “é um programa federal de transferência direta e indireta de renda que integra benefícios de assistência social, saúde, educação e emprego, destinado às famílias em situação de pobreza. Além disso, o Programa oferece ferramentas para a emancipação socioeconômica da família em situação de vulnerabilidade social. O objetivo das condicionalidades do Programa é garantir a oferta das ações básicas, e potencializar a melhoria da qualidade de vida das famílias e contribuir para a sua inclusão social.” Fonte: https://bfa.saude.gov.br/ (Acesso em 27/05/2023). Estar de “cabeça erguida” é não precisar de “dinheiro do governo” e viver do seu próprio trabalho, pensamento conservador compartilhado tanto pelas elites quanto por parcelas menos favorecidas da população, mas que escapam do perfil sociológico dos assistidos pelo programa.

A escassez do tema da esperança nos programas eleitorais da extrema-direita e o histórico de seu uso como recurso político pelas esquerdas conduzem ao questionamento se haveria uma política de esperança de direita.

A filósofa Mary Zournazi advoga que a esperança necessita de um diálogo livre, espontâneo e baseado em relações alegremente engajadas, capazes de apoiar a crença que sustenta sonhos e desejos para o mundo. Tal tipo de diálogo criaria novos imaginários individuais e sociais sobre possibilidades de mudança. Para a autora, são as lutas sociais e a política as portadoras da esperança secular ( Zournazi 2002ZOURNAZI, Mary. 2002. Hope: new philosophies for change. Annandale NSW: Pluto Press Australia.:12).

Os governos e os sentimentos de direita estabeleceriam um outro tipo de relação com a esperança num enquadramento negativo, baseado no medo, em seus usos como recurso político:

The success of right-wing governments and sentiments lies in reworking hope in a negative frame. Hope masquerades as a vision, where the passion and insecurity felt by people become part of a call for national unity and identity, part of a community sentiment and future ideal of what we imagine ourselves to be. It is a kind of future nostalgia, a “fantastic hope” for national unity charged by a static vision of life and the exclusion of difference. When, for the benefit of our security and belonging, we evoke a hope that ignores the suffering of others, we can only create a hope based on fear. This hope lies in the heart of terror, where violence is enacted in literal and figurative ways, such as in the Australian government’s response to refugees and the creation of “border” protection policies, and in the language of public opinion. Hospitality towards other people then becomes conditional and, more often than not, hostile and unforgiving. When public sentiment is fuelled by insecurity, the risks we take with each other, and the potential for public debate, are diminished. The anger, injustice and hopelessness we feel is vented onto ‘others’ who do not share our “identity”. We see this tendency worldwide, not just in Australia but also, for instance, in France with Jean-Marie Le Pen and in Austria with Jörg Haider. In each case, populist talk of “national unity” keeps alive the resentment that accompanies people’s insecurity and despair. Empathy and dialogue are denied in the broader public discussion of what it means to belong to a community ( Zournazi 2002ZOURNAZI, Mary. 2002. Hope: new philosophies for change. Annandale NSW: Pluto Press Australia.:15-6).

Percebemos a mesma associação entre ressentimento, hostilidade e desejo de banimento (quando não de extermínio) no bolsonarismo. A primeira impressão é a de que o tema da esperança em negativo, traduzida no exemplo citado das hashtags #governodedireita #ensinaapescar, opostas às políticas sociais dos governos Lula, não pegou como mote da extrema direita.

Edinho Silva, militante histórico do PT, prefeito de Araraquara, ex-ministro do governo Dilma Rousseff e coordenador da campanha Brasil da Esperança, analisa da seguinte maneira essa tentativa da campanha de Jair Bolsonaro:

Nós vibramos quando ele fez isso [trazer o tema da esperança nos programas de propaganda eleitoral]. Nós vivenciamos uma agonia na campanha absurda. Tinha uma coisa que na campanha eu falava muito, que era: onde é que a gente vai debater com Bolsonaro? Eu usava uma metáfora, dizia assim: ele nos chama para o debate no pântano, o tempo todo, como se ele quisesse arrastar a gente para o pântano. Porque lá o bolsonarismo sabia que ia ganhar. E o nosso esforço era trazer para a planície, para a racionalidade, que é onde nós podíamos ganhar a eleição. Porque se a gente se agarrar ao debate de valores, ao debate religioso, à coisa de costumes, esquece, nós vamos ser arrastados para dentro do pântano, e nós vamos perder a eleição. Porém, se ele se agarrar à questão do emprego, à questão da inflação, à perspectiva de Brasil, ele vai perder a eleição, aí nós vamos trazer ele pro nosso campo. Quando ele entrou no debate da esperança, eu falei: acabou, nós vamos ganhar a eleição. 42 42 Entrevista concedida a Adriana Facina e Matheus Mascarenhas em 15/05/2023.

Ainda assim, Edinho Silva não considera que a esperança seja exclusivamente da esquerda:

Você fala uma coisa em que eu já pensei, se nós já não perdemos o monopólio da esperança. Porque eu acho que o século XXI é um século em que estamos vivendo algo assim “o velho ruiu e o novo não apareceu”, 43 43 Edinho Silva refere-se à famosa frase de Antonio Gramsci, nos Cadernos do Cárcere: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer.” o velho ruiu e um novo está sendo reconstruído. E esse novo que está sendo reconstruído é disputado por uma direita internacional. Eu digo que há uma grande crise na democracia representativa, e essa crise da democracia representativa abre espaço para uma direita orgânica, articulada, autoritária se legitimar. A gente sempre vinculou a esperança à esquerda, ao novo, ao sonho, à coisa que embala o sonho que, por sua vez, embala a construção do mundo novo, com justiça social, igualdade. Mas eu acho que tem uma direita esperançosa, e diferente da esperança da fé cristã. A direita esperançosa é calcada na construção de um mundo muito ideológico, baseado em valores em que eles acreditam. Como na homofobia, vista como legítima na direita, pois acham que seja possível construir um mundo que não tem espaço para a homossexualidade, que não tem espaço para a livre manifestação de gênero, uma coisa muito antilibertária. Eles têm uma esperança de construção de um mundo moralista, de um mundo cheio de regras, de um mundo da proteção do conceito de família mais conservador possível. Eu acho que eles têm esperança nisso... Então, a esperança é um monopólio da esquerda? Eu não classificaria mais assim não. Acho que é uma disputa de médio prazo que vai prevalecer. Eu vi muito na eleição do Lula o quanto que o mundo democrático se preocupava com o que estava acontecendo com o Brasil. O fascismo se instaurar em um país como o Brasil, com a influência que o Brasil tem no continente... Eu acredito muito na capacidade de reação do mundo democrático, mas que tenha capacidade também de se reciclar, porque se a gente não entender que é necessário a gente reciclar um pouco o nosso modelo de poder, nosso modelo de Estado, vai ser muito difícil a gente vencer esse embate.

Nesse embate de esperanças, Lula se torna a encarnação mundial de defesa da democracia e combate ao fascismo. Perguntamos a ele sobre como se deu a escolha do lema Brasil da Esperança:

Essa coisa da esperança estava muito forte e aparecia nas pesquisas qualitativas, quando a gente colocava o debate de futuro. Por isso que o Lula está tentando hoje se reconectar com o governo Lula 2, uma esperança de viver aquilo que ele representou nos seus governos anteriores. O desemprego, a falta de perspectiva, o desalento que marcam os setores mais populares, essa coisa da esperança dialogava muito com isso. Lula tinha algo bem empírico, de ter uma sensibilidade absurda para os anseios do povo. Em uma campanha em que eu nunca vi tanta pesquisa como as que nós fazíamos para tentar entender aquela cristalização do voto, a esperança aparecia muito. Mas ela não é uma esperança em si. É uma esperança lastreada pelo legado dos governos anteriores. Se em 2002 havia medo do Lula ser governo e do que ele podia representar, dessa vez agora havia a saudade do Lula, saudade do período em que Lula foi governo. Era uma esperança de reviver coisas boas que a sociedade viveu. Mesmo os mais jovens, que não vivenciaram os governos Lula, ouviam o que o pai falava, o que a mãe falava, uma memória afetiva.

Na visão de Edinho Silva, para prosperar nesse enfrentamento seria preciso construir o novo. Mas o que haveria além do passado? Como Lula poderia encarnar, em nível mundial, a ideia de esperança voltada para o futuro, para a novidade? O que haveria na figura política dele que o habilitaria a assumir tal papel de artífice de um outro mundo? Edinho Silva responde:

Ele tem um legado do que ele fez no Brasil, mas tem também um legado histórico, da simbologia dele, o líder operário, o cara das classes populares. Uma simbologia do cara que vem de baixo e representa os debaixo no exercício do poder, numa inversão da lógica tradicional do poder. Ele carrega muito isso. A gente sempre torce pro Davi, não pro Golias. Todo mundo torce pro pequeno vencer. E o Lula representa isso de que os pobres podem exercer o poder, algo muito forte internacionalmente. Se a gente pensa na mudança do capitalismo, dificilmente o operariado vai parir outro Lula. Hoje seria como se a gente tivesse um moto entregador presidente da República, representando as novas profissões que os oprimidos do século XXI exercem. Araraquara elegeu uma menina de 27 anos, negra, e outro dia eu dizia para ela: todas as meninas negras da periferia vão olhar pra você e vão falar “eu também posso”. É isso que o Lula representa. Ele carrega o povo pobre, o nordestino, mas não só o povo nordestino. Se você vai para as periferias, é uma identidade muito forte, ele é um deles. É uma coisa que transcende a própria figura do presidente da República e que ele carrega para fora.

Se dentro do Brasil Lula é “um de nós” e velho conhecido dos setores subalternizados da sociedade, no âmbito internacional sua história pessoal e origem de classe qualificam-no a assumir, aos 77 anos, o papel de Davi na arena das lutas políticas globais, a novidade que representa outras possibilidades de futuro. Notadamente manifestado nos compromissos assumidos com a proteção ambiental, enfrentamento da crise climática e defesa dos direitos dos povos originários.

É interessante comparar a campanha de Lula em 2022, baseada em retorno e resgates, com a campanha de Barack Obama para a Presidência dos EUA em 2008, que liga esperança à novidade política que ele representava. Em 2006, quando era senador, ele lançou o livro The Audacity of Hope e nele apresentou as ideias que viriam a orientar a vitoriosa campanha de 2008. Esperança foi uma marca distintiva de sua campanha. Miyazaki assim resume o significado da campanha de Obama naquele contexto:

[…] hope has emerged as a way to redefine the ethical contours of the social and the relational. Obama’s conception of hope makes a significant contribution to this emerging global debate. “Hope is not blind optimism”, Barack Obama has repeatedly noted in his campaign, “It’s not ignoring the enormity of the task ahead or the roadblocks that stand in our path. It’s not sitting on the sidelines or shirking from a fight. Hope is that thing inside us that insists, despite all evidence to the contrary, that something better awaits us if we have the courage to reach for it, and to work for it, and to fight for it” (Iowa Caucus victory speech, January 3, 2008) ( Miyazaki 2008MIYAZAKI, Hirozaku. 2008. “Barack Obamas’s Campaign of Hope. Unifying the General and The Personal”. Anthropology News, p. 5-8.).

Para o autor, o que distingue o uso que Obama faz da categoria esperança é sua inespecificidade, algo que foi criticado por oponentes como Hillary Clinton, que a chamou de falsa esperança. O tom messiânico dessa esperança, inspirado em pastores evangélicos, unia o pessoal e o geral, representado no slogan de campanha Yes, we can. Na visão de Miyazaki, foi essa falta de especificidade que permitiu que a esperança de Obama fosse replicada como a esperança pessoal de outros. Foi essa orientação replicante que deu à campanha o toque de novidade. Nas suas palavras:

It is this conscious conflation of the personal and the general that defines Obama’s hope and that invites us all to replicate it as our own personal and specific hope. As I have argued elsewhere (The Method of Hope 2004), the power of hope resides in its capacity to replicate itself interactively from one person to another and from one moment to another. What makes this process of replication powerful is precisely the kind of substantive reorientation it generates in a specific person in a particular situation. It is the possibility of such replicative reorientation that has given Obama’s campaign a hint of novelty, a hint of a new kind of relationality and solidarity across familiar social categories and boundaries ( Miyazaki 2008MIYAZAKI, Hirozaku. 2008. “Barack Obamas’s Campaign of Hope. Unifying the General and The Personal”. Anthropology News, p. 5-8.).

Assim como Lula é um de nós, a esperança de Obama pode ser a de qualquer um. Seja pelo resgate de um passado recente mais feliz, seja pela promessa de um futuro audacioso, esses sujeitos incorporaram, o operário nordestino e o afro-americano filho de um queniano, possibilidades de novos arranjos de poder em tempos de capitalismo neoliberal baseado no medo e na desesperança. Espécies de contrapontos às subjetividades moldadas pelo slogan Theres Is No Alternative (TINA), popularizado por Margareth Thatcher, ícone pop do neoliberalismo selvagem. 44 44 Sobre as subjetividades neoliberais, ver: Dardot e Laval (2016); Han (2020); Safatle; Silva Junior e Dunker (orgs.) (2021).

Durante os 580 dias de prisão de Lula, um movimento de solidariedade, de início espontâneo e depois estimulado pela campanha Lula Livre, resultou em cartas enviadas por milhares de brasileiros e centenas de estrangeiros ao ex-presidente preso em Curitiba. O acervo de mais de 25 mil cartas e outros tantos objetos foi armazenado pelo Instituto Lula e uma seleção delas foi publicada no livro Querido Lula: cartas a um presidente na prisão ( Chirio 2022CHIRIO, Maud (org.). 2022. Querido Lula: cartas a um presidente na prisão. São Paulo: Boitempo. ). As 46 cartas selecionadas foram escritas por pessoas de classes sociais, raças, gêneros, escolaridades, religiosidades, profissões distintas. Mas há em todas elas um traço em comum: a intimidade com que tratam o Lula. Mais que um líder, um amigo, um pai, um irmão mais velho, um companheiro. As cartas desejam força, falam de esperança, pedem que ele resista para que um dia possa voltar a governar. Muitas delas são cartas de agradecimentos, em particular de jovens que puderam chegar na faculdade e mesmo na pós-graduação graças às políticas implementadas nos governos do PT. A organizadora do livro preferiu não corrigir a escrita para as normas de português culto, resultando num documento histórico que registra os acessos diferenciados dos missivistas à educação formal, marcador importante de classe social no Brasil. Uma dessas cartas me tocou especialmente e a reproduzo aqui, pois vejo-a como pista relevante para a compreensão da política de esperança encarnada por Lula:

Severínia, 5 de fevereiro de 2019 Saudações ao nosso Querido Ilustrissimo Senhor. Luiz Inacio Lula da Silva Eu Francisco Aparecido Malheiros. Estou lhe escrevendo uma das mais simples cartas, entre as milhões que merecidamente você recebe. Mais eu sei que você vai ler atenciosamente, pois todos nos sabemos que você é o nosso Lula e ja mais vai fazer diferença. Pois nos somos Lula eternamente. Meu amigo eu estou te escrevendo para desejar meus eterno sentimento pelo falecimento do seu irmão. Lula eu fiquei tão sentido como se ele foce da minha familia. Lula A minha familia carrega tristeza magoa e profundo desgosto pelo o que estes persseguidores fazem com você injustamente mais eu acredito que existe um só este pode e fais. Lula na hora que isto acontecer você vai se lembrar o que este umilde pedreiro te falou Meu querido amigo você pode acreditar no que este admirador te dis. O meu penssamento e o meu coração esta aí nesta sala com você 24 horas por dia meu amigo. Eu sou um simples pedreiro que trabalha os dias que tem serviço Pois desde que você saiu do governo para a classe de pedreiro caiu 45% no valor da mão de obra. Mais mesmo com tão pouco eu ainda pensso em te ajudar. Eu vou arrumar um geito de fazer uma pequena contribuição para arrumar mais alguns advogado. Eu sei que os que te defende são muitos bons e eficiente mais vamos reforçar mais este time. Pois queremos o nosso artileiro em campo. Lula muito obrigado por tudo o que você representa para o Brasil Lula eu gostaria de receber uma carta sua escrita a mão e assinada por você para eu colocar na minha porta do meu sobrado para todos verem. Lula o meu maior sonho e da minha esposa é te visitar e tirar uma foto com você. este sonho vai ser realizado ainda em 2019 não quero partir para o outro mundo sem realizar este sonho. Lula queira aceitar minhas lembranças e como despedidas vai juntos os votos de boa sorte saúde esposição paz e felicidades E muitas esperanças E penssa só positivo Pois eu estarei sempre rogando a Deus E Nossa Senhora Aparecida por você e sua enocencia. Sempre caminhamos pega nas maos de Deus e venceremos Abraço Assinado Francisco Aparecido Malheiros

Redistribuindo o bem escasso, seu Francisco Aparecido Malheiros envia esperança para seu querido ilustríssimo amigo preso injustamente. Ele faz parte do estrato da população que deu a vitória ao presidente Lula no primeiro e no segundo turnos das eleições de 2022. De acordo com todas as pesquisas eleitorais publicadas durante a campanha, a maior vantagem eleitoral de Lula sobre Bolsonaro ocorreu entre as camadas mais pobres e menos escolarizadas da população. 45 45 Ver, como exemplo: https://www.infomoney.com.br/politica/lula-chega-a-eleicao-com-vantagem-superior-a-15-pontos-em-estratos-majoritarios-como-mulheres-pobres-pretos-e-catolicos-bolsonaro-vai-melhor-entre-mais-ricos-e-evangelicos/ (Acesso em 27/05/2023).

Quando a vitória de Lula foi anunciada, em 30 de outubro de 2022, as postagens em redes sociais favoráveis ao presidente eleito comemoraram com a frase “A esperança venceu o ódio”. Se em 2002 a esperança havia vencido o medo, desta vez o ódio foi escolhido como principal alvo a derrotar. A “campanha do amor” teve como símbolo o casamento, em maio de 2022, de Lula e Janja, a socióloga Rosangela da Silva, personagem que ganhou destaque no processo eleitoral e representou a abertura do ex-sindicalista de 77 anos para pautas políticas atualizadas, tais como o feminismo, o combate à LGBT fobia e ao racismo, a defesa dos direitos dos povos indígenas, a proteção do meio ambiente, o incentivo à cultura como prioridade.

A posse do presidente eleito para um terceiro mandato foi acompanhada de uma festa musical, o Festival do Futuro. Realizada em 1 de janeiro de 2023, sob forte esquema de segurança e diversas ameaças de morte a Lula, a cerimônia contou com a presença de centenas de milhares de pessoas em Brasília, vindas em caravanas de todo o Brasil. Durante seu discurso no Congresso Nacional, Lula afirmou:

Quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês, que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão. Que a esperança de hoje, fermente o pão que será repartido entre todos e que estejamos sempre prontos a reagir em paz e ordem a qualquer ataque extremista que queira sabotar e destruir a nossa democracia. Na luta pelo bem do Brasil, usaremos as armas que os nossos adversários mais temem, a verdade que se sobrepõe à mentira, a esperança que venceu o medo e o amor que derrotou o ódio. Viva o Brasil e viva o povo brasileiro!

A imagem símbolo desse evento foi a subida na rampa do Palácio do Planalto, durante a qual o presidente, o vice-presidente e suas respectivas esposas foram acompanhados por uma mulher negra, uma pessoa com deficiência e LGBT, um professor, o cacique Raoni, um operário, uma cozinheira, um artesão, uma criança negra e a cadela Resistência, adotada por Lula e Janja e cria da Vigília Lula Livre. 46 46 Sobre a história da Vigília Lula Livre, ver Morais (2021). Representando a diversidade brasileira, a faixa presidencial foi entregue ao novo presidente por Aline Sousa, jovem negra e catadora de materiais recicláveis. O protocolar teria sido o ex-presidente Jair Bolsonaro passar a faixa ao presidente eleito. Porém, diante da sua recusa, Janja organizou a cerimônia de modo a fazer daquele momento um ritual de inauguração de um novo tempo no país. A música executada pela Orquestra Sinfônica de Músicos pela Democracia neste ponto da cerimônia foi Amanhã, de Guilherme Arantes, cuja letra diz:

Amanhã será um lindo dia Da mais louca alegria Que se possa imaginar Amanhã, redobrada a força Pra cima que não cessa Há de vingar Amanhã, mais nenhum mistério Acima do ilusório O astro rei vai brilhar Amanhã a luminosidade Alheia a qualquer vontade Há de imperar, há de imperar Amanhã está toda a esperança Por menor que pareça O que existe é pra vicejar Amanhã, apesar de hoje Ser a estrada que surge Pra se trilhar Amanhã, mesmo que uns não queiram Será de outros que esperam Ver o dia raiar Amanhã ódios aplacados Temores abrandados Será pleno, será pleno

Esperança, amanhã, futuro. A necessidade imperiosa da imaginação positiva sobre o que virá, da alegria instável de que fala Spinoza. Seria a passagem do ódio à esperança, invertendo o fluxo identificado por Scalco e Pinheiro-Machado (2020PINHEIRO-MACHADO, Rosana & SCALCO, Lucia Mury. 2020. “From hope to hate. The rise of conservative subjectivity in Brasil”. HAU: Journal of Ethnographic Theory, Vol. 10, n. 1:21-31. )?

A esperança equilibrista 47 47 A expressão esperança equilibrista foi retirada da música “O bêbado e a equilibrista”, de autoria de Aldir Blanc e João Bosco, que se tornou o hino da Anistia em 1979, na voz de Elis Regina. Aldir Blanc, falecido em 4 de maio de 2020, foi um entre centenas de milhares de mortos pela COVID-19 no Brasil e sua passagem não mereceu qualquer homenagem ou luto do governo de Jair Bolsonaro. Trazer sua poesia aqui é uma singela, ainda que modesta, forma de reparação.

Apenas uma semana após a consagração do amor e da esperança como afetos guias do novo governo, uma tentativa violenta de golpe de Estado demonstrou que o ódio e o medo continuam a mobilizar politicamente parte da sociedade. Em 8 de janeiro de 2023, as sedes dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo em Brasília foram completamente destruídas por homens e mulheres, a maioria acima dos 40 anos e brancos, que diziam em vídeos nas redes sociais estarem salvando o Brasil. Vestidos de camisetas da seleção brasileira e portando bandeiras do Brasil, destruíram patrimônios históricos e artísticos de valor incalculável, contando com a quase total passividade das forças policiais militares do Distrito Federal. Apesar de frustrado, o motim violento dos bolsonaristas contra a democracia foi a demonstração de que esperança e ódio são afetos que disputam a cena política brasileira atual, apresentando projetos opostos de país. A pequena diferença eleitoral entre Lula e Bolsonaro, de apenas 2 milhões de votos, já era um índice de que a vitória da esperança era frágil e instável. Acossada pelo ódio e com um governo que tem como desafio passar das promessas às ações em cenário mundial de crise econômica, será a esperança um afeto mobilizador eficaz para a defesa da democracia brasileira?

A esperança possui uma temporalidade específica, pois pode ser ao mesmo tempo parte da tática do sobreviver no agora e estratégia para produzir um futuro imaginado. Arjun AppaduraiAPPADURAI, Arjun. 2013b. “Housing and Hope”. Places Journal (March) https://placesjournal.org/article/housing-and-hope/?cn-reloaded=1
https://placesjournal.org/article/housin...
qualifica essa temporalidade própria da esperança como uma combinação de paciência e emergência. A partir de pesquisa sobre a luta pela moradia em Dharavi, megafavela de Mumbai, AppaduraiAPPADURAI, Arjun. 1981. “The past as a scarce resource”. Man New Series, Vol. 16, n. 2:201-219. identifica uma política de esperança que requer o diálogo entre as pressões da catástrofe e a disciplina da paciência, da espera. Para ele, a esperança organizada politicamente faz a mediação entre emergência e paciência, tornando a espera ativa (“esperar para” e “não esperar por”). Entretanto, para ser bem sucedida em negociar no terreno arriscado em que a emergência confronta a necessidade de paciência, a política da esperança requer precedentes. Ela precisa recorrer ao passado, a exemplo de lutas vitoriosas e conquistas que se conectem ao presente e possibilitem imaginar um futuro melhor ( Appadurai 2013APPADURAI, Arjun. 2013a. The Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London: Verso.). A temporalidade esperançosa se orienta para o futuro, mas se fundamenta nas relações significativas entre passado e presente.

Num pequeno texto intitulado “Hope and Democracy” ( 2007APPADURAI, Arjun. 2007. “Hope and Democracy”. Public Culture, 19 (1):29-34.), Appadurai afirma que as lutas políticas de massa do século XX criaram uma política da esperança que se distingue tanto do messianismo, do utopismo e do milenarismo quanto de políticas de prudência e pragmatismo. Articulada com a democracia, a política da esperança busca, desde o final da Segunda Guerra Mundial, objetivos viáveis, como a eliminação da pobreza, o direito à autodeterminação dos povos, o bem-estar social. Ela se confronta com a orientação voltada para a liberdade total do mercado capitalista, pois esta é incompatível com a democracia. Ele assim resume a mudança que a política da esperança traz para a democracia:

This is the major ethical shift that has occurred in the theory and practice of democracy between the late eighteenth century and the late twentieth century. The underlying enemy of the great eighteenth-century Enlightenment thinkers was the exclusion of most people from politics - the problem of tyranny. By the late twentieth century, this strand of democratic thought remains vital (as can be seen in the widespread agreement that Saddam Hussein deserved to be brought down as a tyrant). But the far more widespread, popular, and varied version of the eighteenth-century view is that the real enemy is poverty, poverty on a scale that fundamentally alters the very conditions of bare life - health, security, bodily integrity - for vast portions of the world’s population. This second view of the biggest obstacle to democracy - which amounts to a change in the very meaning of democracy - is the basis for a politics of hope that has also transformed the currency of democratic practices ( Appadurai 2007APPADURAI, Arjun. 2007. “Hope and Democracy”. Public Culture, 19 (1):29-34.:32).

E segue:

Put in the sharpest terms, the new currency of democratic politics, stimulated by the emergence of poverty as a primary and measurable social ill and by the worldwide growth in mass agitational politics, makes participation the path to capacity rather than the reverse. By putting participation first, the road is opened for the mass electorate to define its own politics of equality, without the prior requirement of acquiring special capacities or qualifications. The engine of this ethical reversal, which puts a primary normative value on mass participation, is the idea that economic equality cannot be achieved without mass politics. This reversal places a new value on the politics of hope, since it promises that mass participation in democratic politics can provide a more direct route to economic equality than the path of gradually improved qualifications for citizenship ( Appadurai 2007APPADURAI, Arjun. 2007. “Hope and Democracy”. Public Culture, 19 (1):29-34.:32-3).

Para ele, o combate à fome e à miséria alarga o significado de democracia:

In all these forms of democratic politics, hope is tied up with scaled exercises in building what I have elsewhere called “the capacity to aspire” (Appadurai 2004), with strategic techniques of alliance across national borders and with affordable methods for building up local resources for self-government and poverty reduction. I have also elsewhere described examples of such practices as involving the politics of patience (Appadurai 2002). [...] The patience required to engage the daunting scale and effects of mass poverty is the key to the special relation between hope and democratic politics at the beginning of the twenty-first century. Hope now is a collectively mobilized resource that defines a new terrain between the temptations of utopia and the arrogance of technocratic solutions to change. Thus, in the many transnational civil society movements that seek to bring about a new relationship between the quality of life and the standard of living, especially for the world’s poorest populations, democratic theory has been forced to account for a problem that it did not originally regard as susceptible to human intervention - the ubiquity of human misery. As a form of ethics and of politics, democracy must now measure its success not only against tyranny but also against misery, while adding to its methods the strategies of hope ( Appadurai 2007APPADURAI, Arjun. 2007. “Hope and Democracy”. Public Culture, 19 (1):29-34.:33-4).

A proposta de Appadurai se conecta com a afirmação de Bloch de que a esperança é filha da fome. Ampliar a participação popular e fazer do enfrentamento econômico, político e ético da miséria foco prioritário são formas de trazer a política de esperança para o coração da democracia. Durante toda a campanha eleitoral de 2022, em diversas ocasiões, Lula repetiu a frase marcante que havia dito em 2003, quando foi eleito presidente do Brasil pela primeira vez: “Se, ao final de meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes ao dia, terei realizado a missão da minha vida”. A repetição do mesmo objetivo, quase vinte anos depois, demonstra a persistência da tragédia brasileira, que fragiliza a esperança como recurso político para a defesa da democracia.

Uma política de esperança, numa historicidade marcada por estruturas que se movem muito lentamente, é inseparável de uma política da paciência. Valeria Procupez define essa paciência como necessidade das lutas esperançosas em sua pesquisa sobre políticas habitacionais em Buenos Aires:

Patience, it seems to me, indicates not the action but the disposition, not a discrete period but its inclusion within a longer venture. It involves a shift in the way the temporal is inhabited, or duration endured, from the experience of a continuous present to the expectation of future change. In his reflections on waiting, Ghassan Hage (2009) argues that according to Pascal, the moment of expectation is even more important than the moment of fulfillment. I suggest that at least it might be more exhilarating, more productive. As patience is understood in the case at hand, it is waiting while working to make something happen, it is (reluctant) hope and the formation of a collective subjectivity ( Procupez 2015PROCUPEZ, Valeria. 2015. “The Need for Patience. The Politics of Housing Emergency in Buenos Aires”. Current Anthropology, Vol. 56, supplement 11, October. :63).

A paciência de esperar enquanto se trabalha para algo acontecer. Há um trabalho político a ser feito capaz de sustentar essa espera ativa. Volto aqui à entrevista de Edinho Silva:

Foi muito perigoso o que nós vivenciamos no país. E a eleição de 2022 significava uma luta entre um Brasil autoritário e um Brasil democrático. Nós ganhamos a eleição exatamente por isso, porque virou uma mobilização em defesa da democracia. O lema do novo governo, União e Reconstrução, eu acho muito forte. Porque eu creio que por mais que Lula esteja se empenhando muito para trazer de volta o Brasil das grandes entregas, o Brasil do Minha Casa Minha Vida, 48 48 “O Minha Casa, Minha Vida (MCMV) é um programa de habitação federal do Brasil criado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março de 2009.” Fonte: https://www.gov.br/cidades/pt-br/assuntos/materias/programa-minha-casa-minha-vida (Acesso em 27/05/2023). o Brasil das obras de infraestrutura, o Brasil do crescimento econômico, e é nítido que ele está se matando pra isso, esses dias eu falei pra ele que a grande obra do governo dele é reunificar o Brasil. Se ele reunificar o Brasil será a grande obra do governo dele. E não é uma coisa pequena, uma coisa simples ele ser a figura a diminuir esse espaço de atrito, de polarização, de disputa de ódio. Se você olhar as pesquisas que vêm sendo divulgadas, a fotografia do Brasil de hoje e a de novembro de 2022 são muito parecidas. Então, há uma cristalização da opinião pública. Essa obra de reunificação é maior do que trinta PACs 49 49 Programa de Aceleração do Crescimento: “Lançado em janeiro de 2007, o PAC tem como objetivos acelerar o crescimento econômico, aumentar o emprego e melhorar as condições de vida da população brasileira. O programa consiste em um conjunto de medidas destinadas a incentivar o investimento privado, aumentar o investimento público em infraestrutura e remover obstáculos - burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos - ao crescimento.” Fonte: https://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Hotsites/Relatorio_Anual_2011/Capitulos/ atuacao_institucional/o_bndes_politicas_publicas/pac.html (Acesso em 27/05/2023). que ele possa lançar. Não é simples e isso vai exigir muito do governo. Se você unir o Brasil e reconstruir o Brasil, será a consolidação da ideia da esperança.

A esperança equilibrista exige trabalho político e psíquico para o enfrentamento da psicopolítica neoliberal, 50 50 Sobre a psicopolítica neoliberal, ver Han (2020). em especial em sua face extremista de direita. Neste aspecto, a melancolia de esquerda é uma pedra no caminho da disposição esperançosa. Inspiro-me aqui em Walter Benjamin, mais precisamente em sua crítica ao poeta Erich Kästner, escrita em 1930. Benjamin é duro ao apontar no poeta, e nos estratos médios intelectualizados que ele representa, um ativismo radical de esquerda que nada mais seria do que uma “mímica proletária da burguesia decadente”. Sua retórica radical provocativa estaria enraizada numa “grotesca subestimação do adversário” e num descolamento em relação ao movimento operário:

Em suma, esse radicalismo de esquerda é uma atitude à qual não corresponde mais nenhuma ação política. Ele não está à esquerda de uma ou outra corrente, mas simplesmente à esquerda do possível. Porque desde o início não tem outra coisa em mente senão sua autofruição, num estado de repouso negativista. Transformar a luta política de vontade de decisão em objeto de prazer, de meio de produção em bem de consumo - é este o artigo de maior sucesso vendido por essa literatura ( Benjamin 1993BENJAMIN, Walter. 1993. Obras escolhidas - Vol. 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense. :75-6).

A “estupidez torturada” seria a última metamorfose da história da melancolia, alimentando um fatalismo que Benjamin define como típico “dos que estão mais longe do processo produtivo” ( Benjamin 1993BENJAMIN, Walter. 1993. Obras escolhidas - Vol. 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense. :77). Oscilando entre o voluntarismo que carece de realismo e um pessimismo ao qual falta dialética, parte da base que elegeu Lula e se coloca em defesa da democracia é afetada pela melancolia de esquerda. Como exemplo, a reação nas redes sociais quando, em 24 de maio de 2023, a Comissão Mista do Congresso Nacional sobre a Medida Provisória 1154/23 aprovou o projeto de lei de conversão do relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL). O texto aprovado altera a organização dos ministérios definida pelo presidente, retirando atribuições importantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e do Ministério dos Povos Indígenas. 51 51 Ver https://www.camara.leg.br/noticias/965274-comissao-mista-aprova-mp-e-altera-atribuicoes-de-parte-dos-ministerios/ (Acesso em 27/05/2023). Formadores de opinião alinhados a Lula usaram suas redes sociais para decretar o fim do seu governo, afirmando que o meio ambiente e os povos indígenas haviam sido vendidos, e que retirariam seu apoio caso isso se confirmasse. A ministra Marina Silva foi dada como demissionária e especulava-se também sobre a permanência da ministra Sonia Guajajara no cargo. As comparações com o governo Bolsonaro em análises que diziam serem governos com posturas equivalentes na questão ambiental também tiveram espaço, mesmo na imprensa.

Em resposta, durante discurso pronunciado na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) em 25 de maio de 2023, Lula recoloca a questão no âmbito do jogo político, numa outra temporalidade que articula emergência e paciência, com horizontes de futuro em aberto:

Muitas vezes a gente levanta de manhã e a gente pensa que o mundo está acabando, pelo tipo de notícia que você lê. E de repente você vai se inteirar realmente do que aconteceu, não aconteceu as coisas graves que muitas vezes são divulgadas e que deixam uma parte da sociedade em pânico. Eu fui pro Japão no final de semana participar do G7, fizemos mais bilaterais num dia do que o outro presidente fez em quatro anos. [...] A perspectiva com relação ao Brasil é muito maior do que aquela que a gente teve no primeiro mandato. As pessoas estão depositando muita expectativa no Brasil [...] E quando eu pego a imprensa que a minha assessoria me dá, normalmente assessor só dá notícia ruim, eu pego o noticiário e a impressão que eu tive é que o mundo tinha acabado. Lula foi derrotado pelo Congresso, acaba-se o ministério disso, acaba-se o ministério daquilo. E eu fui ler e o que estava acontecendo e era a coisa mais normal. Até então a gente ‘tava mandando a visão de governo que nós queríamos. A comissão no Congresso Nacional resolveu mexer, coisa que é quase que impossível de mexer na estrutura de governo que é o governo que faz. E agora começou o jogo. Vamos jogar, vamos conversar com o Congresso e vamos fazer a governança daquilo que a gente precisa fazer. O que a gente não pode é se assustar com a política. Eu vou repetir: toda vez que a sociedade se assusta com a política e ela começa a culpar a classe política, o resultado é infinitamente pior. Nós já tivemos lições. E é importante a gente lembrar: por pior que seja a política, é nela e com ela que têm as soluções dos bons, dos grandes e dos pequenos problemas desse país. 52 52 https://www.youtube.com/watch?v=q4fVj_zu_gg (Acesso em 27/05/2023).

A política, para Lula, é ação esperançosa no mundo, único meio para enfrentar simultaneamente os problemas reais da população e as análises fatalistas que são paralisantes e desmobilizantes. Guilherme Boulos, deputado federal por São Paulo, filiado ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), compartilha com Lula a ideia de uma política da esperança. Boulos aprofunda esta perspectiva, percebendo, a partir de sua formação como psicanalista e de histórico de ativismo, um trabalho psíquico importante da ação coletiva para a transformação social. Sua experiência de militante no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) levou-o a observar como a organização coletiva das periferias tinha impacto positivo sobre a saúde mental dos sujeitos. Sustenta Boulos que:

Na organização coletiva das periferias, sobretudo nos movimentos sociais, existem portas de saída para essa existência sem cor. Na organização coletiva das ocupações dos sem-teto, como vimos, há um potencial incrível de ressignificação da vida. Além da disputa territorial em defesa da moradia digna, os acampamentos têm um papel de resgate da solidariedade. [...] Numa ocupação, ninguém é só mais um. O sentimento de que a chance de conquista está na força coletiva estimula o envolvimento de cada pessoa na organização e na luta e cria um ambiente de cooperação.

Cravadas nas grandes cidades, em meio a relações hostis, as ocupações possibilitam um novo brilho para gente tratada como nada ( Boulos 2022BOULOS, Guilherme. 2022. Sem medo do futuro. São Paulo: Contracorrente.:112-3).

Em seu livro, intitulado Sem medo do futuro (2022), Boulos traz uma série de relatos de militantes do MTST que falam sobre a superação da depressão e outros sofrimentos psíquicos com a ajuda da organização coletiva, onde há espaços de escuta, de reconhecimento e ações que transformam o cotidiano das pessoas. Enfrentando a subjetividade neoliberal, hiperindividualista, os processos coletivos teriam a capacidade de despertar esperança. Segue Boulos:

A potência que nasce quando as pessoas percebem que seu problema não é apenas seu, mas de muita gente, e que se pode contar com a ajuda dos outros para resolvê-lo é impressionante. Nesses inúmeros processos coletivos, a esperança renasce. Novos horizontes se abrem, a partir de um modo de relação social fundado na solidariedade, não mais no “cada um por si”. Essas pequenas experiências, por mais que sejam ainda localizadas, apontam um caminho em direção ao modelo de sociedade pelo qual lutamos. Elas sozinhas não mudam o mundo. A disputa pelo futuro passa por conquistar maiorias na sociedade, por espaços no poder de Estado e pela capacidade de mobilização social. Mas a organização coletiva das periferias mostra, com mais força que qualquer teorema, que isso é possível. Um quilo de exemplo vale mais que uma tonelada de argumento, disse certa vez um amigo. É verdade. E esses exemplos são cruciais para manter nossa esperança viva ( Boulos 2022BOULOS, Guilherme. 2022. Sem medo do futuro. São Paulo: Contracorrente.:115-6).

Equilibrista, a política de esperança no Brasil precisa do chão dos movimentos sociais e das organizações coletivas para prosperar. O trabalho da esperança, entretanto, não se limitaria a uma ação política stricto sensu, mas também à conformação de um aparato psíquico capaz de imaginar futuros e ancorar táticas de sobrevivência em temporalidades outras que não a da efemeridade do tempo presente. Paciência, persistência, resiliência, resistência são categorias que estressam o tempo histórico, forçando a duração longa da vida contra tudo que a precariza e ameaça.

Paulo Freire diz que o engajamento popular em projetos de transformação do mundo requer uma política de denúncia e de anúncio. Não basta criticar o já existente. É preciso anunciar o ainda-não, o que pode vir a ser, os inéditos viáveis ( Freire 1992FREIRE, Paulo. 1992. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. ).O desafio de transmutar imaginações de futuro em ações políticas concretas que modifiquem para melhor a vida das pessoas está colocado.

Em Pedagogia da esperança, livro escrito nos anos 1990 como resposta ao neoliberalismo que pautou a redemocratização, o patrono da educação brasileira pensa a esperança como prática que alimenta a “luta para melhorar o mundo”. Em suas poéticas palavras:

Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas, à pura cientificidade, é frívola ilusão. Prescindir da esperança que se funda também na verdade como na qualidade ética da luta é negar a ela um dos seus suportes fundamentais. O essencial como digo mais adiante no corpo desta Pedagogia da esperança, é que ela, enquanto necessidade ontológica, precisa de ancorar-se na prática. Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã ( Freire 1992FREIRE, Paulo. 1992. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. :5).

Ayse Parla destaca que, na perspectiva psicanalítica, a disposição esperançosa é necessária para se sustentar um apego às coisas da vida. Seria possível passar os dias sem emoções como raiva, medo, felicidade, mas dificilmente sem o mínimo de esperança. E justamente por ser essencial para a sobrevivência, a esperança é tão frágil ( Parla 2019bPARLA, Ayse. 2019b. Precarious hope: migration and the limits of belonging in Turkey. Stanford: Stanford University Press .).

Indispensável à sobrevivência, e por isso mesmo frágil, desigualmente distribuída, é a esperança. Como fazê-la perdurar é a questão-chave da política da esperança. Considerando tais aspectos psíquicos e sociais, poderíamos imaginar uma teoria da ação coletiva baseada nesse afeto.

Em 1916, Freud escreveu um texto chamado “A Transitoriedade”. Ele o inicia narrando um passeio que realizara numa bela paisagem em dia de verão, na companhia de um amigo e de um poeta. Apesar de admirar a beleza do lugar, o poeta era incapaz de se alegrar com ela. E justificava essa incapacidade porque tudo lhe parecia desprovido de valor, dada a transitoriedade que era o destino de todas as coisas. Freud contestou a visão do poeta pessimista de que a transitoriedade desvalorizaria o belo. Pelo contrário, a transitoriedade seria o valor da raridade no tempo, aumentando a preciosidade da possibilidade de fruição.

Freud explica a reação do poeta como uma revolta psíquica contra o luto, um recuo da psique diante de tudo que é doloroso e que o impediu de gozar da beleza pelo pensamento de sua transitoriedade. Ele revela que a conversa com o poeta aconteceu um verão antes da guerra, que destruiu, além de vidas, belezas, artes, paisagens, “a esperança de uma superação final das diferenças entre povos e raças”, revelando a fragilidade de coisas consideradas sólidas. A guerra produziu um luto generalizado ( Freud 2010FREUD, Sigmund. 2010 [1914-1916]. Obras completas. Vol. 12. São Paulo: Companhia das Letras.:251).

Entretanto, para o pai da psicanálise, mesmo em meio a tantas ruínas e despojos, terminado o trabalho do luto, a libido estaria novamente livre para substituir os objetos perdidos por outros novos, tão ou mais preciosos que os primeiros.

Gostaria de terminar esta conferência citando as palavras finais de Freud nesse texto, que li e reli dezenas de vezes após o incêndio do Museu Nacional, tentando buscar auxílio para o meu próprio luto. Com elas, procuro abrir caminhos, interessantes a meu ver, de investigação da esperança como estrutura de sentimento, pelas fluidas fronteiras entre o social e o psíquico:

Superado o luto, percebemos que a nossa elevada estima dos bens culturais não sofreu com a descoberta da sua precariedade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de modo mais duradouro do que antes ( Freud 2010FREUD, Sigmund. 2010 [1914-1916]. Obras completas. Vol. 12. São Paulo: Companhia das Letras.:252).

Em sua transitoriedade, é bela a esperança. 53 53 Para Abel, Giulia e Raul, minhas fontes de esperança.

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Notas

  • Declaração de Financiamento

    Esta conferência se baseia em pesquisa intitulada “Sujeitos de sorte: narrativas de esperança em produções artísticas nas periferias do Rio de Janeiro”, apoiada pela bolsa de produtividade do CNPq (processo n. 311248/2020-9) e pela bolsa Cientistas do Nosso Estado da FAPERJ (processo n. E-26/200.468/2023).

Editado por

Editora-Chefe:

María Elvira Díaz Benítez

Editor Associado:

John Comeford

Editora Associada:

Adriana Vianna

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2023
  • Aceito
    29 Ago 2023
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