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Adesão ao tratamento farmacológico em pacientes com artrite idiopática juvenil por meio de questionários

RESUMO

Objetivo:

Investigar a adesão ao tratamento farmacológico de pacientes com artrite idiopática juvenil, atendidos na farmácia ambulatorial de hospital terciário do Nordeste do Brasil.

Métodos:

A análise da adesão foi feita junto aos cuidadores, por meio de questionário estruturado com base no teste de Morisky, Green e Levine, que viabilizou a categorização da adesão em “máxima”, “moderada” ou “baixa”, e da avaliação dos registros de dispensação dos medicamentos, que classificou a retirada de medicamentos na farmácia como “regular” ou “irregular”. Os problemas relacionados com medicamentos (PRM) foram identificados por meio da narrativa dos cuidadores e classificados conforme o Segundo Consenso de Granada. Em seguida, aplicou-se uma tabela de orientação farmacêutica, que contém informações sobre o esquema terapêutico, de forma a esclarecer questões que influenciavam a adesão.

Resultados:

Participaram 43 pacientes, com média de 11,12 anos, 65,1%, (n = 28) do sexo feminino. Por meio do questionário, verificou-se adesão “máxima” em 46,5% (n = 20) dos pacientes, “moderada” em 48,8% (n = 21) e “baixa” em 4,7% (n = 2). Pelo registro de dispensação, observou-se um nível de adesão menor: apenas 25,6% (n = 11) dos participantes receberam os medicamentos “regularmente”. Identificaram-se 26 PRM, 84,6% (n = 22) classificados como “reais”. Não foram observadas associações significativas entre as variáveis sociodemográficas e a adesão, embora alguns cuidadores tenham relatado dificuldade de acesso ao medicamento e de compreensão do tratamento.

Conclusão:

Nossos achados demonstraram falhas no processo de adesão, relacionadas ao descuido, esquecimento e à irregularidade para receber os medicamentos, o que reforça a necessidade de estratégias para facilitar a compreensão do tratamento e garantir a adesão

Palavras-chave:
Adesão ao tratamento farmacológico; Artrite juvenil idiopática; Atenção farmacêutica

ABSTRACT

Objective:

The aim of this study was to investigate pharmacological treatment adherence of patients with juvenile idiopathic arthritis, attended in an outpatient pharmacy at a tertiary hospital in northeastern Brazil.

Methods:

The analysis of adherence was performed along with caregivers, through a structured questionnaire based on Morisky, Green and Levine, which enabled the categorization of adherence in “highest”, “moderate” or “low” grades, and through evaluating medication dispensing registers, which classified the act of getting medications at the pharmacy as “regular” or “irregular”. Drug Related Problems (DRP) were identified through the narrative of caregivers and classified according to the Second Granada Consensus. Then, a pharmaceutical orientation chart with information about the therapeutic regimen was applied, in order to function as a guide for issues that influenced adherence.

Results:

A total of 43 patients was included, with a mean age of 11.12 years, and 65.1% (n = 28) were female. Applying the questionnaire, it was found “highest” adherence in 46.5% (n = 20) patients, “moderate” adherence in 48.8% (n = 21), and “low” adherence in 4.7% (n = 2). Through an analysis of the medication dispensing registers, a lower level of adherence was observed: only 25.6% (n = 11) of the participants received “regularly” the medications. Twenty-six DRP was identified, and 84.6% (n = 22) were classified as real. There were no significant associations between socio-demographic variables and adherence, although some caregivers have reported difficulty in accessing the medicines and in understanding the treatment.

Conclusion:

Our findings showed problems in the adherence process related to inattention, forgetfulness and irregularity in getting medicines, reinforcing the need for the development of strategies to facilitate a better understanding of treatment and to ensure adherence.

Keywords:
Medication adherence; Juvenile idiopathic arthritis; Pharmaceutical care

Introdução

A artrite idiopática juvenil (AIJ) refere-se a um grupo clinicamente heterogêneo de pacientes com artrite de causa desconhecida, com mais de seis semanas de duração e que se inicia até os 16 anos.11 Petty RE, Southwood TR, Manners P, Baum J, Glass DN, Goldenberg J, et al. International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision, Edmonton, 2001. J Rheumatol. 2004;31:390-2. O tratamento da artrite inclui a educação do paciente e de sua família, a terapia medicamentosa, a fisioterapia, o apoio psicossocial, a terapia ocupacional e as abordagens cirúrgicas. Nas terapias medicamentosas, em geral, são usados fármacos anti-inflamatórios não esteroidais, corticosteroides, drogas modificadoras do curso da doença sintéticas e biológicas e drogas imunossupressoras,22 Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB, et al. Sociedade Brasileira de Reumatologia. Diretrizes para o tratamento da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53:158-83. com o objetivo de controlar a dor, alcançar a inatividade ou a remissão clínica da doença.33 Prince FH, Otten MH, van Suijlekom-Smit LW. Diagnosis and management of juvenile idiopathic arthritis. BMJ. 2010;341:c6434.

Entretanto, como a resolução completa da doença é incomum, a maioria das crianças e adolescentes necessita fazer o uso de múltiplos medicamentos por um longo período, principalmente nas formas poliarticulares da artite.44 Machado C, Ruperto N. Consenso em reumatologia pediátrica: Parte I – Definição dos critérios de doença inativa e remissão em artrite idiopática juvenil/artrite reumatoide juvenil. Rev Bras Reumatol. 2005;45:9-13. Esse aspecto, juntamente com outros fatores, contribui para a má adesão ao tratamento de crianças e adolescentes com doenças reumáticas crônicas.55 Bugni VM, Ozaki LS, Okamoto KYK, Barbosa CMPL, Hilário MOE, Len CA, et al. Factors associated with adherence to treatment in children and adolescents with chronic rheumatic diseases. J Pediatr. 2012;88:483-8.

A Organização Mundial de Saúde considera a inadequada adesão ao tratamento das doenças crônicas um problema mundial de grande magnitude e define que a adesão ao tratamento compreende um fenômeno sujeito à influência de múltiplos fatores que afetam diretamente o paciente e determinam o comportamento em relação às recomendações para o tratamento da doença e que estão relacionados às condições sociodemográficas, à doença, à terapêutica, à relação dos profissionais de saúde com o paciente, bem como ao próprio paciente.66 World Health Organization – WHO. Adherence to long-term therapies: evidence for action. Geneve: WHO; 2003.

Crespo et al. abordam que médicos e farmacêuticos que acompanham o paciente com artrite devem fazer ações integradas para identificar o surgimento de problemas relacionados aos medicamentos prescritos, entre eles a não adesão ao tratamento, e, a partir disso, fazer intervenções para reduzir e prevenir esses problemas.77 Crespo R, Torres RA, Blasco JB, Ruiz AN. Atención farmacéutica a pacientes con artritis reumatoide y psoriásica en tratamiento con etanercept. Farm Hosp. 2005;29:171-6.

Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar a adesão ao tratamento farmacológico de pacientes com artrite idiopática juvenil, em acompanhamento ambulatorial em hospital pediátrico do Nordeste do Brasil, e identificar problemas relacionados com medicamentos que podem influenciar nesse processo.

Pacientes e métodos

O estudo foi feito na farmácia ambulatorial de um hospital público do Nordeste do Brasil, referência em atenção terciária na área de pediatria, onde, em 2012, foram atendidos 130 pacientes com AIJ. Teve-se como critério de inclusão a criança ou adolescente (até 17 anos e 11 meses) com diagnóstico médico de AIJ confirmado por meio de exames clínicos e complementares e consideraram-se o início antes dos 16 anos, a duração de sintomas igual ou superior a seis semanas e descartou-se a possibilidade de outras causas.11 Petty RE, Southwood TR, Manners P, Baum J, Glass DN, Goldenberg J, et al. International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision, Edmonton, 2001. J Rheumatol. 2004;31:390-2. O paciente deveria estar cadastrado no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica e o cuidador principal comparecer à farmácia ambulatorial do hospital, no período do estudo, para receber os medicamentos. Foi considerado cuidador principal aquele que administra o medicamento e/ou acompanha o tratamento junto ao paciente pediátrico e obteve-se uma amostra por conveniência. Adotou-se como critério de exclusão os pacientes com cuidadores que apresentassem alguma limitação que impossibilitasse responder ao questionário ou cujos acompanhantes não eram os cuidadores responsáveis pelo tratamento.

O cuidador de cada paciente com AIJ foi convidado a responder ao questionário sobre adesão, composto de dois blocos: o primeiro com dados sociodemográficos, no qual foram identificadas variáveis relacionadas ao paciente (sexo e idade) e ao cuidador (escolaridade, procedência, situação atual de trabalho e renda familiar), bem como o grau de parentesco entre o cuidador e o paciente; o segundo bloco referiu-se à avaliação da adesão, teve uma pergunta inicial que identificava se o responsável pela administração do medicamento era o cuidador ou a própria criança, seguida por quatro perguntas relacionadas à adesão, conforme o teste de Morisky, Green e Levine adaptado,88 Civita M, Dobkin PL, Feldman DE, Karp I, Duffy CM. Development and preliminary reproducibility and validity of the Parent Adherence Report Questionnaire: a measure of adherence in Juvenile Idiopathic Arthritis. J Clin Psychol Med Settings. 2005;12:1-12. com perguntas dirigidas ao cuidador. Assim, atribuiu-se a cada resposta afirmativa o valor de 1 ponto. Escore final igual a zero indicava “máxima” adesão, de 1 a 2 indicava “moderada” adesão e de 3 a 4, “baixa” adesão. Fez-se, também, a análise do número de respostas afirmativas para cada pergunta, a fim de identificar qual parâmetro estava mais relacionado com a não adesão.

Após a aplicação do questionário, foi solicitado ao cuidador que relatasse como os medicamentos estavam sendo usados. O cuidador ficava livre para dizer suas percepções em relação ao tratamento de forma privativa e confortável. A partir dos relatos, foi possível identificar problemas relacionados com medicamentos (PRM), os quais foram classificados, de acordo com o Segundo Consenso de Granada, em problemas de necessidade, efetividade ou segurança.99 Santos H, Iglésias P, Fernández-Llimós F, Faus MJ, Rodrigues LM. Segundo Consenso de Granada sobre Problemas Relacionados com Medicamentos: tradução intercultural de espanhol para português (europeu). Acta Med Port. 2004;17:59-66. Fez-se, ainda, a classificação do PRM como “real”, quando houve manifestação, ou “potencial”, na possibilidade de sua ocorrência.1010 Ivama AM, Noblat L, Castro MS, Jaramillo NM, Oliveira NVBV, Rech N. Atenção farmacêutica no Brasil: trilhando caminhos: relatório 2001–2002. Brasília: Opas; 2002.

Diante das principais dificuldades do cuidador em relação ao tratamento, foi elaborada uma tabela de orientação farmacêutica, preenchida com informações sobre o esquema terapêutico (dose, horários, recomendações quanto à ingestão com alimentos, conservação), com base na prescrição médica. O cuidador e o paciente receberam a tabela, bem como as orientações pertinentes, no momento da dispensação do medicamento.

A adesão ao tratamento foi também avaliada por meio da análise dos registros de dispensação da farmácia ambulatorial, que dispensa, para os pacientes com AIJ, os medicamentos cloroquina, azatioprina, leflunomida, ciclosporina, metotrexato, etanecerpte e adalimumabe. Mensalmente, durante quatro meses, para cada participante do estudo, os livros e as fichas do registro de dispensação da farmácia ambulatorial foram avaliados, a fim de verificar a ocorrência ou não de atrasos, por parte do cuidador, no recebimento dos medicamentos. A análise dos registros foi baseada no método usado por Gomes et al., que classificou a retirada de medicamentos na farmácia como “regular” ou “irregular”.1111 Gomes RRFM, Machado CJ, Acurcio FA, Guimarães MDC. Utilização dos registros de dispensação da farmácia como indicador da não-adesão à terapia anti-retroviral em indivíduos infectados pelo HIV. Cad Saúde Pública. 2009;25:495-506.

Fez-se uma adaptação dos critérios usados, a fim de se adequar às particularidades dos medicamentos usados para AIJ, tendo em vista que a posologia desses medicamentos varia, cloroquina, azatioprina, leflunomida e ciclosporina são de uso diário; metotrexato e etanecerpte de uso semanal e adalimumabe de uso a cada duas semanas. Os medicamentos são recebidos, na farmácia ambulatorial do hospital, em quantidade suficiente para um mês. Dessa forma, para os pacientes com medicamentos de uso diário, foi considerado “irregular” o atraso superior a um dia; para os pacientes com medicamentos de uso semanal, foi considerado “irregular” o atraso superior a oito dias e para os pacientes com medicamentos de uso a cada duas semanas foi considerado “irregular” o atraso superior a 15 dias.

Por fim, fez-se a relação estatística entre o nível de adesão ao tratamento e as variáveis sociodemográficas, com o programa Statistic Package for the Social Sciences (SPSS), versão 16.0, aplicou-se o teste qui-quadrado, com critério de significância de p < 0,05.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, dentro das normas que regulamentam a pesquisa em seres humanos, sob o número de registro 097/2011. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos cuidadores.

Resultados

Perfil sociodemográfico dos pacientes e cuidadores

Participaram do estudo 43 pacientes, dentre os quais 65,1% (n = 28) eram do sexo feminino. A média de idade foi de 11,12 anos, 23,2% (n = 10) dos pacientes com idade inferior a oito anos, 51,2% (n = 22) de oito a 14 anos e 25,6% (n = 11) de 15 a 17 anos.

Em relação ao perfil dos cuidadores, nenhum deles apresentou limitação para responder ao questionário. A média de idade entre os participantes foi de 41,07 anos, com uma frequência de 90,7% (n = 39) do sexo feminino. Entre esses cuidadores, 76,8% (n = 33) eram mães de pacientes, 9,3% (n = 4) eram pais e 13,9% (n = 6) tinham outro parentesco. Uma frequência de 72,1% (n = 31) morava no interior e, quanto à situação de trabalho, 55,8% (n = 24) estavam empregados, mas apresentavam, em geral, uma baixa renda familiar, 44,2% (n = 19) inferior a um salário mínimo, 51,2% (n = 22) com um a dois salários mínimos e 4,6% (n = 2) com mais de três salários mínimos. Somente 32,6% (n = 14) dos cuidadores tinham escolaridade acima do Ensino Fundamental.

Avaliação da adesão pelo questionário estruturado

Inicialmente foi identificado que em 81,4% (n = 35) dos casos o cuidador era o principal responsável pelo processo de tomada do medicamento em casa. Entretanto, os cuidadores relataram que os pacientes costumavam ser participativos, e lembravam ao responsável que estava na hora de tomar o medicamento, o que mostra a coparticipação da criança/adolescente no processo de cumprimento do tratamento.

A análise da adesão pelo questionário foi classificada como ‘máxima” em 46,5% (n = 20) dos casos, “moderada” em 48,8% (n = 21) e “baixa” em 4,7% (n = 2). Foi possível perceber que a pergunta com maior quantidade de respostas afirmativas (39,5%, n = 17) foi sobre o “descuido no horário de administração do medicamento”, seguida da pergunta sobre “esquecer de administrar o medicamento” (25,6%, n = 11) (tabela 1).

Tabela 1
Perfil de respostas afirmativas dos cuidadores (n = 43) ao questionário de Morisky, Green e Levine adaptado

Análise da adesão pelo registro de dispensação

Na análise da adesão pelo registro de dispensação, observou-se que apenas 25,6% (n = 11) dos participantes receberam os medicamentos regularmente na farmácia ambulatorial, durante os quatro meses do estudo. Uma frequência de 27,9% (n = 12) dos participantes teve uma retirada “irregular” (atraso em um dos meses), 30,2% (n = 13) tiveram duas retiradas “irregulares” e 16,3% (n = 7) tiveram três retiradas “irregulares”.

Relação entre o nível de adesão e as variáveis sociodemográficas

Foi avaliada a relação entre a adesão verificada pelo questionário estruturado e as variáveis sociodemográficas dos pacientes e cuidadores (tabela 2). Para a análise estatística, os pacientes com adesão “baixa” ou “moderada” foram colocados em um mesmo grupo.

Tabela 2
Associação entre adesão ao tratamento avaliada pelo questionário estruturado e variáveis sociodemográficas dos pacientes e cuidadores (n = 43)

Fez-se também a relação das variáveis com a adesão avaliada pelo registro de dispensação (tabela 3). Nesse caso, para a análise estatística, os pacientes com pelo menos uma retirada de medicamentos “irregular” foram colocados em um mesmo grupo.

Tabela 3
Associação entre adesão ao tratamento avaliada pelo registro de dispensação e variáveis sociodemográficas dos pacientes e cuidadores (n = 43)

Em ambos os casos não foi encontrada relação estatisticamente significativa entre as variáveis sociodemográficas e a adesão, embora cuidadores que não residiam na capital do estado e com baixa escolaridade tenham relatado maior dificuldade de acesso e compreensão do tratamento, respectivamente.

Análise dos problemas relacionados com medicamentos e aplicação do modelo de intervenção

A partir dos registros de dispensação, foi verificado o perfil de uso dos medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica para tratamento da AIJ. Observou-se que 46,5% dos pacientes participantes usavam apenas metotrexato; 18,6% metotrexato + etanecerpte; 13,9% metotrexato + leflunomida; 4,7% adalimumabe; 4,7% azatioprina; 4,7% azatioprina + cloroquina; 2,3% ciclosporina; 2,3% leflunomida e 2,3% metotrexato + adalimumabe.

Na análise dos problemas relacionados com medicamentos, a partir dos relatos dos próprios cuidadores acerca do tratamento, foi observado que dos 43 entrevistados, 18 fizeram algum relato no qual foi possível identificar um ou mais PRM. Foram identificados 26 PRM, na maioria dos casos (38,5%, n = 10) o problema estava relacionado a não usar um medicamento de que necessita; seguido por insegurança não quantitativa do medicamento (26,9%, n = 7); inefetividade quantitativa do medicamento (19,2%, n = 5); problemas por usar um medicamento de que não necessita (11,5%, n = 3) e inefetividade não quantitativa do medicamento (3,9%, n = 1). Dos 26 PRM, 84,6% (n = 22) foram classificados como “reais” e 15,4% (n = 4) como “potenciais”.

A partir da identificação dos PRM, foi possível direcionar a aplicação do modelo de intervenção de forma a esclarecer ao cuidador as principais questões que influenciavam negativamente o tratamento. A tabela de orientação farmacêutica foi usada como uma estratégia para facilitar a compreensão sobre o tratamento, minimizar o esquecimento e, consequentemente, melhorar a adesão.

Discussão

Os resultados encontrados demonstraram que a maioria dos pacientes apresentou adesão “moderada” ou “baixa”, o que está relacionado com falha na adesão em pelo menos um dos itens perguntados. Percebeu-se que as principais questões associadas com a não adesão foram o descuido com o horário de administração do medicamento e o esquecimento, o que justifica a relevância de intervenções, como a tabela com o esquema terapêutico usada, que organiza os horários das tomadas de medicamentos e previne esquecimentos, tendo em vista que a melhoria clínica do paciente com AIJ está relacionada ao cumprimento adequado de todo o tratamento.1212 Feldman DE, Civita M, Dobkin PL, Malleson PN, Meshefedjian G, Duffy CM. Perceived adherence to prescribed treatment in Juvenile Idiopathic Arthritis over a one-year period. Arthritis Care Res. 2007;57:226-33.

O perfil sociodemográfico dos pacientes participantes foi semelhante ao observado em outros estudos. Encontramos um predomínio de pacientes do sexo feminino, o que já era esperado, tendo em vista que a AIJ afeta cerca de três vezes mais mulheres do que homens.1313 Bell EA. Pharmacotherapy of juvenile idiopathic arthritis. JPP. 2009;22:16-28.

A maior frequência de pacientes entre oito e 14 anos também foi encontrada em outros estudos nacionais, como o de Santos et al., que avaliaram os prontuários de pacientes com AIJ, acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Estado de Minas Gerais, de 2003 a 2005, e encontraram pacientes com uma média de 13,7 anos;1414 Santos FPST, Carvalho MAP, Pinto JA, Rocha ACH, Campos WR. Artrite idiopática juvenil em um serviço de reumatologia: Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev Med Minas Gerais. 2010;20:48-53. e internacionais, como o de Feldman et al., feito em dois hospitais de Vancouver, com 175 crianças com AIJ, no qual a média encontrada foi de 10,2 anos.1515 Feldman DE, Civita M, Dobkin PL, Malleson PN, Meshefedjian G, Duffy CM. Effects of adherence to treatment on short-term outcomes in children with Juvenile Idiopathic Arthritis. Arthritis Care Res. 2007;57:905-12.

Quanto ao perfil dos cuidadores, observou-se que essa tarefa tem sido desempenhada principalmente pelas mães dos pacientes, assim como observado em outro estudo com pacientes com AIJ.1616 April KT, Feldman DE, Platt RW, Duffy CNM. Comparison between children with Juvenile Idiopathic Arthritis and their parents concerning perceived treatment adherence. Arthritis Care Res. 2008;55:558-63.

A identificação de variáveis relacionadas ao perfil sociodemográfico dos cuidadores foi considerada relevante para a aplicação do questionário, bem como para a aplicação do modelo de intervenção, pois essas informações permitem uma inferência inicial de possíveis fatores que podem influenciar na adesão. A informação de escolaridade é relevante para conduzir as explicações de forma adequada ao entendimento do cuidador. A informação da procedência, na qual se observou que a maioria dos cuidadores não residia na capital do estado, permite identificar uma possível dificuldade de acesso aos medicamentos, que eram dispensados pelo sistema público de saúde apenas na capital. A baixa renda familiar de muitos cuidadores pode dificultar o deslocamento dos municípios onde moram para a capital, bem como o acesso ao medicamento por meio de compra, caso seja necessário. A situação de trabalho, na qual a maioria dos cuidadores relatou estar empregado, pode estar relacionada com uma dificuldade de se ausentar do trabalho para receber o medicamento. Entretanto, o estudo não encontrou uma relação estatisticamente significativa entre essas variáveis e a adesão, possivelmente porque o perfil da população atendida pelo hospital é bastante homogêneo, não permite observar diferenças entre os grupos mais ou menos aderentes.

Considerando a média de idade dos pacientes participantes do estudo, percebe-se que, mesmo na fase da adolescência, o cuidador participa, junto ao paciente, do processo de tomada do medicamento, conforme recomenda a literatura, que ressalta a importância de as crianças participarem com suas famílias da tomada de decisões sobre seu próprio tratamento, de uma forma apropriada para seu estágio de desenvolvimento e para a natureza do problema de saúde em questão.1717 Silva LIMM, Chaves BMM, Vasconcelos ASOB, Ponciano AMS, Reis HPLC, Fonteles MMF. O cuidado farmacêutico em pediatria. Rev Saúde Criança Adolesc. 2011;3:66-9.

Em relação à avaliação do registro de dispensação, considera-se que esse método é adequado para detectar os pacientes em risco de efetivamente não tomar os medicamentos corretamente ou mesmo de abandonar o tratamento.1111 Gomes RRFM, Machado CJ, Acurcio FA, Guimarães MDC. Utilização dos registros de dispensação da farmácia como indicador da não-adesão à terapia anti-retroviral em indivíduos infectados pelo HIV. Cad Saúde Pública. 2009;25:495-506. No presente estudo, pela análise dos registros de dispensação, percebeu-se um nível de adesão menor do que pela análise dos questionários. Entretanto, não se pode afirmar, em todos os casos, que a irregularidade na retirada do medicamento na farmácia ambulatorial esteja associada a não à adesão, pois, em algumas situações, o cuidador, principalmente do interior, optava por comprar os medicamentos (se estivessem disponíveis para venda direta ao consumidor, como a ciclosporina e azatioprina) ou usava sobra de medicamentos decorrentes de uma modificação na dose e/ou posologia.

Quanto à relação entre as variáveis sociodemográficas e a adesão, semelhante ao que observamos, o estudo feito por Feldman et al. não encontrou associação entre o nível socioeconômico e a adesão ao tratamento em pacientes com AIJ. Esse mesmo estudo encontrou uma maior adesão ao tratamento relatada pelos cuidadores, que consideravam o elevado benefício do tratamento medicamentoso nos pacientes com AIJ, ou seja, que compreendiam a utilidade do tratamento, bem como entre os pacientes com menor gravidade da doença, observada pela contagem de articulações funcionais.1212 Feldman DE, Civita M, Dobkin PL, Malleson PN, Meshefedjian G, Duffy CM. Perceived adherence to prescribed treatment in Juvenile Idiopathic Arthritis over a one-year period. Arthritis Care Res. 2007;57:226-33. Entretanto, esses parâmetros não foram avaliados no nosso estudo.

Os resultados relacionados aos PRM mostram uma maior frequência na ocorrência de problemas de necessidade, nos quais o paciente não usa um medicamento que necessita, seguido pelo problema de segurança, no qual o paciente apresenta uma insegurança não quantitativa com o uso do medicamento, que pode ser, por exemplo, uma reação adversa. O risco de efeitos adversos é um problema comum em pacientes com condições crônicas reumáticas e isso, bem como o elevado número de medicamentos, a duração e a complexidade do tratamento, é um fator que influencia diretamente a adesão.1818 Botero LU, Rojas LG, Muñoz PA. Guía de actuación farmacéutica en pacientes con artritis reumatoide. 1ª ed. Colômbia: Medicarte S.A.; 2010.

O trabalho de Silva et al. aborda que intervenções farmacêuticas, a partir da identificação dos PRM, que buscam coletar informações claras e organizadas, em relação ao esquema terapêutico, são uma maneira eficaz de aprimorar o tratamento. O cuidado farmacêutico na pediatria tem promovido a racionalização das prescrições, a diminuição dos erros de medicação e a ocorrência de eventos adversos, bem como o aumento da adesão ao tratamento.1717 Silva LIMM, Chaves BMM, Vasconcelos ASOB, Ponciano AMS, Reis HPLC, Fonteles MMF. O cuidado farmacêutico em pediatria. Rev Saúde Criança Adolesc. 2011;3:66-9.

O estudo encontrou algumas limitações metodológicas, também percebidas em outros estudos de avaliação da adesão em pacientes pediátricos com AIJ, como o de Feldman et al. Eles argumentam que aplicação de questionários pode ser tendenciosa, na medida em que os cuidadores podem relatar aquilo que é socialmente mais correto, e superestimar a adesão dos pacientes.1212 Feldman DE, Civita M, Dobkin PL, Malleson PN, Meshefedjian G, Duffy CM. Perceived adherence to prescribed treatment in Juvenile Idiopathic Arthritis over a one-year period. Arthritis Care Res. 2007;57:226-33. A avaliação do registro de dispensação, embora forneça informações relevantes, apresenta limitações, tendo em vista que alguns medicamentos poderiam ser adquiridos em farmácia privada. Como essa situação nem sempre era relatada pelos cuidadores, não podemos afirmar quantas vezes esse fato aconteceu; além disso, o fato de o cuidador receber o medicamento não permite afirmar que o paciente irá de fato usá-lo. Métodos diretos de avaliação da adesão, como a dosagem sérica dos medicamentos, permitiriam a obtenção de resultados mais precisos. Neste estudo, não foi possível avaliar o impacto do modelo de intervenção. Sugere-se que estudos posteriores para avaliação do tratamento em pacientes com AIJ considerem um programa de seguimento farmacoterapêutico que permita identificar diferentes variáveis que não foram abordadas no presente estudo, mas que são de grande relevância para a adesão ao tratamento farmacológico.

Nossos achados permitiram identificar e compreender diferentes aspectos relacionados ao cenário atual de adesão ao tratamento farmacológico para AIJ na população estudada. Foram observadas falhas no processo de adesão, relacionadas, principalmente, ao descuido com o horário de administração do medicamento, o esquecimento e a irregularidade no recebimento dos medicamentos, o que reforça a necessidade de estratégias para facilitar a compreensão sobre o tratamento e garantir a adesão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2015
  • Aceito
    24 Nov 2015
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