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Intervenção em raciocínio quantitativo como possibilidade para o desenvolvimento do conhecimento aritmético 1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.

Resumo

O baixo desempenho em habilidades matemáticas no início da vida escolar pode acarretar problemas de aprendizagem a longo prazo. Por isso, destaca-se a importância de se conhecer as habilidades matemáticas básicas que influenciam a aprendizagem especificamente da aritmética para, com isso, ser possível indicar intervenções focadas em habilidades preditoras do desempenho nessa área e auxiliar tanto o desenvolvimento do conhecimento matemático dos estudantes quanto a prática dos professores. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi investigar os efeitos de uma intervenção em raciocínio quantitativo no desempenho aritmético de estudantes de 4º e 5º anos do ensino fundamental. Para isso, quarenta crianças foram separadas nos grupos experimental e controle. O grupo experimental participou de um programa de intervenção com foco no raciocínio quantitativo, organizado em sete sessões, duas vezes por semana e com duração de 45 minutos cada sessão, enquanto o grupo controle participou de sessões envolvendo jogos matemáticos e práticas de mindfulness. Os resultados indicaram que não houve efeito significativo da intervenção quando comparados os desempenhos entre os grupos. Entretanto, foi encontrada uma melhora significativa especificamente no desempenho dos alunos de 5º ano que participaram do grupo experimental. Os achados do presente estudo contribuem para a compreensão de princípios instrucionais eficazes e destacam a importância das práticas de ensino serem baseadas em evidências.

Palavras-chave
Intervenção em raciocínio quantitativo; Desempenho aritmético; Ensino fundamental

Abstract

The low performance in mathematical abilities at the beginning of school life can lead to learning problems in the long term. Therefore, we highlight the importance of knowing the basic mathematical abilities that influence specifically the learning of arithmetic, so that it would be possible to indicate interventions focused on performance predicting abilities in this area and help the development of students’ mathematical knowledge, as well as teachers’ practice. In this sense, this study aimed to investigate the effects of an intervention in quantitative reasoning on the arithmetic performance of students from the 4th and 5th Grades of Elementary School. We separated 40 children into experimental and control groups. The experimental group participated in an intervention program focused on quantitative reasoning, organized in 7 sessions, twice a week, lasting 45 minutes each session. The control groups participated in sessions with mathematical games and mindfulness practices. The results indicated that the intervention showed no significant effect when comparing the performance of both groups. However, we found a significant improvement in the performance of 5th Grade students who participated in the experimental groups. The findings of this study help understand efficient instructional principles and highlight the importance of educational practices based on evidence.

Keywords
Intervention in quantitative reasoning; Arithmetic performance; Elementary School

Introdução

Intervenções matemáticas pautadas em habilidades cognitivas subjacentes à aprendizagem são fundamentais para promover o desempenho matemático dos estudantes e, consequentemente, reduzir as dificuldades de aprendizagem nessa área do conhecimento. Estudos têm investigado a aprendizagem da matemática nos primeiros anos escolares e, mais do que isso, tais estudos indicam que existe um interesse em identificar as habilidades cognitivas que são preditoras do desempenho matemático dos estudantes ( ARAGÓN et al., 2019 ARAGÓN, Estíbaliz et al. Individual differences in general and specific cognitive precursors in early mathematical learning. Psicothema, Astúrias, v. 31, n. 2, p. 156-162, 2019.; CHING; NUNES, 2017CHING, Boby Ho-Hong; NUNES, Terezinha. The importance of additive reasoning in children’s mathematical achievement: A longitudinal study. Journal of Educational Psychology, Washington, DC, v. 190, n. 4, p. 477-508, 2017.; GEARY, 2011GEARY, David C. Cognitive predictors of achievement growth in mathematics: A 5-year longitudinal study. Developmental Psychology, Washington, DC, v. 47, n. 6, p. 1539-1552, 2011.; MALONE; BURGOYNE; HULME, 2019MALONE, Stephanie A.; BURGOYNE, Kelly; HULME, Charles. Number knowledge and the approximate number system are two critical foundations for early arithmetic development. Journal of Educational Psychology, Washington, DC, 2019.). Conhecer esses preditores é essencial para desenvolver programas de intervenção em habilidades específicas e que possam atuar com a intenção de prevenir as dificuldades de aprendizagem na matemática ( PASSOLUNGHI; COSTA, 2016PASSOLUNGHI, Maria Chiara; COSTA, Hiwet Mariam. Working memory and early numeracy training in preschool children. Child Neuropsychology, Abingdon, v. 22, n. 1, p. 81-98, 2016.).

Nesse sentido, algumas intervenções focadas em promover habilidades cognitivas de domínio geral e/ou específico indicam efeitos positivos no desempenho matemático de estudantes dos primeiros anos escolares ( FUCHS et al., 2013 FUCHS, Lynn S. et al. Effects of first-grade number knowledge tutoring with contrasting forms of practice. Journal of Educational Psychology, Washington, DC, v. 105, n. 1, p. 58-77, 2013.; NUNES et al., 2007 NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007.; PASSOLUNGHI; COSTA, 2016PASSOLUNGHI, Maria Chiara; COSTA, Hiwet Mariam. Working memory and early numeracy training in preschool children. Child Neuropsychology, Abingdon, v. 22, n. 1, p. 81-98, 2016.; SPERAFICO et al., 2019 SPERAFICO, Yasmini Lais Spindler et al. Combined intervention of working memory and arithmetic reasoning in students with ADHD. International Journal of Disability, Development and Education, Abingdon, 2019.). Mais especificamente, as evidências mostram que intervenções em habilidades numéricas iniciais – contagem, representação na reta numérica, correspondência um a um e comparação de quantidades – são eficazes para promover o conhecimento matemático inicial de estudantes de educação infantil ( PASSOLUNGHI; COSTA, 2016PASSOLUNGHI, Maria Chiara; COSTA, Hiwet Mariam. Working memory and early numeracy training in preschool children. Child Neuropsychology, Abingdon, v. 22, n. 1, p. 81-98, 2016.). Somado a isso, o treinamento em senso numérico mostrou resultados significativos para melhorar o desempenho em habilidades numéricas e resolução de problemas, também em estudantes de educação infantil ( STERNER; WOLFF; HELENIUS, 2020STERNER, Görel; WOLFF, Ulrika; HELENIUS, Ola. Reasoning about representations: effects of an early math intervention. Scandinavian Journal of Educational Research, Abingdon, v. 64, n. 5, p. 782-800, 2020.). Outro estudo com resultado importante para o tema foi o de Fuchs e colaboradores ( 2013FUCHS, Lynn S. et al. Effects of first-grade number knowledge tutoring with contrasting forms of practice. Journal of Educational Psychology, Washington, DC, v. 105, n. 1, p. 58-77, 2013.), em que os autores realizaram um treinamento para promover o conhecimento numérico inicial, envolvendo principalmente cálculos aritméticos, com estudantes do 1º ano do ensino fundamental. Os resultados principais indicaram benefícios significativos no desempenho dos alunos em aritmética, conhecimento numérico e problemas matemáticos, além de promoverem o aumento da confiança na recuperação de fatos aritméticos e a capacidade de raciocínio ( FUCHS et al., 2013 FUCHS, Lynn S. et al. Effects of first-grade number knowledge tutoring with contrasting forms of practice. Journal of Educational Psychology, Washington, DC, v. 105, n. 1, p. 58-77, 2013.).

Esses resultados indicam que uma intervenção em habilidades numéricas iniciais nos primeiros anos de escolarização pode beneficiar a aprendizagem dos alunos e melhorar o seu desempenho matemático. Entretanto, em se tratando de crianças em anos escolares mais avançados, outras habilidades também podem ser destacadas como importantes para o desenvolvimento da compreensão matemática, como o raciocínio quantitativo. Essa habilidade requer o desenvolvimento de habilidades numéricas iniciais e ainda exerce influência no desempenho matemático dos estudantes ( NUNES et al., 2007 NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007., 2012)NUNES, Terezinha et al. The relative importance of two different mathematical abilities to mathematical achievement. British Journal of Educational Psychology, Hoboken, v. 82, n. 1, p. 136-156, 2012.. O raciocínio quantitativo é uma habilidade que envolve a compreensão das relações entre as quantidades envolvidas em um cálculo, sendo essencial para o desenvolvimento do conhecimento aritmético e do sistema numérico ( NUNES et al., 2007 NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007., 2016)NUNES, Terezinha et al. Teaching and learning about whole numbers in primary school. Hamburg: Springer, 2016. (ICME-13 topical surveys book series).. Nesse sentido, faz-se necessário que as crianças entendam as relações estabelecidas entre as quantidades para aprender como representar tanto números quanto quantidades antes de resolver um cálculo aritmético ( NUNES et al., 2007 NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007.; NUNES; BRYANT, 2015NUNES, Terezinha; BRYANT, Peter. The development of mathematical reasoning. Handbook of Child Psychology and Developmental Science, Hoboken, p. 1-48, 2015.). Além disso, estudos também já indicam valor preditivo do raciocínio quantitativo para o desempenho matemático, isto é, indicando-o como uma habilidade explicativa do desempenho tanto em aritmética quanto na resolução de problemas ( NUNES et al., 2007 NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007.).

Nunes e colaboradores (2007)NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007., em um estudo realizado na Inglaterra, combinaram o método longitudinal com o de intervenção. No estudo longitudinal, foram avaliadas 59 crianças de 6 anos de idade e os resultados indicaram que o raciocínio quantitativo e a memória de trabalho foram preditores do desempenho matemático, mesmo quando avaliados dezesseis meses após a avaliação inicial das habilidades cognitivas. No estudo de intervenção, foi realizado um programa com foco no raciocínio quantitativo durante doze semanas, com sessões semanais de quarenta minutos. Os 27 estudantes de 6 anos de idade participaram das atividades em grupos de no máximo cinco crianças e foram separados em grupo experimental e controle. O programa de intervenção contemplou problemas envolvendo composição aditiva, relação inversa entre adição e subtração e correspondências um a um e um para muitos. A partir de tal intervenção, foram encontrados resultados significativos na aprendizagem das crianças em risco de desenvolverem dificuldades em matemática, indicando efeitos positivos para o desempenho matemático desses estudantes. Percebe-se, com isso, que a compreensão das relações entre as quantidades forma uma base para a aprendizagem de como representar e operar com essas quantidades, estendendo-se para a instrução escolar e o trabalho em sala de aula.

Esse mesmo programa de intervenção já foi adaptado e aplicado em estudo brasileiro realizado com estudantes com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade – TDAH ( SPERAFICO et al., 2019 SPERAFICO, Yasmini Lais Spindler et al. Combined intervention of working memory and arithmetic reasoning in students with ADHD. International Journal of Disability, Development and Education, Abingdon, 2019.). Nesse estudo, 46 estudantes de 3º e 4º anos com TDAH foram separados em dois grupos que receberam intervenções diferentes. O objetivo do estudo foi o de comparar os efeitos de uma intervenção combinada de memória de trabalho e raciocínio quantitativo com outra somente em memória de trabalho no desempenho aritmético desses estudantes. As intervenções foram organizadas em 22 sessões que aconteceram duas vezes por semana durante onze semanas e com duração de uma hora cada sessão, em grupos de no máximo catorze alunos. Os resultados indicaram que houve melhora significativa no desempenho dos estudantes, mostrando um efeito maior para a intervenção combinada. Assim, observa-se que esse modelo de intervenção pode beneficiar alunos com TDAH ou com dificuldades em aritmética e, mais do que isso, destacam-se os efeitos positivos de uma intervenção aplicada coletivamente e em ambiente escolar.

A partir disso, nota-se que ainda são necessários estudos que indiquem programas de intervenção com foco nas habilidades preditoras do desempenho matemático para minimizar o número de crianças em risco de desenvolverem dificuldades matemáticas. Também são necessárias pesquisas que mostrem opções para estudantes em níveis escolares mais avançados. Visto que as dificuldades de aprendizagem podem aparecer em diferentes idades e conteúdos matemáticos, a intervenção pode ser necessária em diversos momentos da vida escolar dos estudantes e estar relacionada a habilidades matemáticas variadas ( KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.). Outrossim, os estudos variam bastante quanto à duração das intervenções, e mais, estudos de revisão da literatura e de meta-análise indicam que o tempo dedicado a esse trabalho específico com estudantes pode ser influenciado pelo conteúdo abordado. Ou seja, quanto mais amplo o domínio a ser trabalhado, mais tempo de intervenção será necessário ( KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.; MONONEN et al., 2014 MONONEN, Riikka et al. A review of early numeracy interventions for children at risk in mathematics. International Journal of Early Childhood Special Education, [S. l.], v. 6, n. 1, 2014.). Tais estudos indicam que intervenções curtas, isto é, com duração menor do que doze semanas, são mais eficazes para trabalhar conteúdos específicos ou apenas um domínio. Já intervenções longas, com duração maior do que doze semanas, são necessárias para abranger mais conteúdo ou domínios mais amplos ( KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.; MONONEN et al., 2014 MONONEN, Riikka et al. A review of early numeracy interventions for children at risk in mathematics. International Journal of Early Childhood Special Education, [S. l.], v. 6, n. 1, 2014.).

Outro aspecto importante a ser levado em consideração é a forma de aplicação da intervenção: individual, em pequenos grupos ou com toda a turma. De forma geral, as crianças se beneficiam mais de instruções individuais ou em pequenos grupos ( FUCHS; FUCHS; COMPTON, 2012FUCHS, Lynn S.; FUCHS, Douglas; COMPTON, Donald L. The early prevention of mathematics difficulty: Its power and limitations. Journal of Learning Disabilities, Thousand Oaks, v. 45, n. 3, p. 257-269, 2012.; KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.; MONONEN et al., 2014 MONONEN, Riikka et al. A review of early numeracy interventions for children at risk in mathematics. International Journal of Early Childhood Special Education, [S. l.], v. 6, n. 1, 2014.). Entretanto, essa configuração exige maior atenção do professor, mais tempo disponível e mais recursos para implementação ( FUCHS; FUCHS; COMPTON, 2012FUCHS, Lynn S.; FUCHS, Douglas; COMPTON, Donald L. The early prevention of mathematics difficulty: Its power and limitations. Journal of Learning Disabilities, Thousand Oaks, v. 45, n. 3, p. 257-269, 2012.; KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.), o que não se torna viável em contexto escolar tradicional. Portanto, torna-se necessário, também, pensar em estratégias de ensino que possam ser aplicadas em sala de aula com toda a turma. Assim, o professor poderá intervir de forma mais eficiente e mantendo a sua rotina de sala de aula, mas possibilitando instruções gerais e adequações que permitam o acesso a todos os alunos ( FUCHS; FUCHS; COMPTON, 2012FUCHS, Lynn S.; FUCHS, Douglas; COMPTON, Donald L. The early prevention of mathematics difficulty: Its power and limitations. Journal of Learning Disabilities, Thousand Oaks, v. 45, n. 3, p. 257-269, 2012.). Além disso, as habilidades consideradas no pós-teste para avaliar os efeitos das intervenções também fazem diferença nos resultados, isto é, se a eficácia da intervenção é medida com base nas mesmas habilidades em que houve treinamento ou se é avaliada acrescentando-se outras habilidades ( RUIZ; BALBI, 2019RUIZ, Carola; BALBI, Alejandra. The effects of teaching mental calculation in the development of mathematical abilities. Journal of Educational Research, Abingdon, v. 112, n. 3, p. 315-326, 2019.), podendo inclusive ser avaliada por meio de testes padronizados de desempenho geral. Todos esses fatores acarretam dificuldades de generalização e de comparação entre os estudos de intervenção.

A partir dessas evidências, o objetivo desta pesquisa foi verificar o efeito de uma intervenção em raciocínio quantitativo no desempenho aritmético de estudantes de 4º e 5º anos do ensino fundamental, levando-se em consideração a possibilidade de aplicação coletiva em sala de aula. Por se tratar de estudantes nos últimos anos dessa etapa da escolarização, optou-se por implementar um programa de intervenção que vise desenvolver habilidades essenciais para esse momento de aprendizagem da matemática, no qual predominam o estudo dos números e das operações aritméticas ( BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília, DF: MEC, 2018.). Assim, o raciocínio quantitativo foi escolhido por envolver implicitamente habilidades numéricas iniciais e por ser indicado na literatura como uma das habilidades cognitivas preditoras do desempenho aritmético.

Cabe destacar, ainda, outros tipos de intervenção que não se apoiam em instrução explícita de conteúdos matemáticos, mas que também apresentam resultados interessantes. Dentro dessas abordagens, aparece a instrução baseada em jogos, a qual tem se mostrado produtiva para desenvolver competências quantitativas e numéricas ( RAMANI; SIEGLER, 2008RAMANI, Geetha B.; SIEGLER, Robert S. Promoting broad and stable improvements in low-income children’s numerical knowledge through playing number board games. Child Development, Hoboken, v. 79, n. 2, p. 375-394, 2008.; STEBLER et al., 2013 STEBLER, Rita et al. Play-based mathematics in kindergarten. A video analysis of children’s mathematical behaviour while playing a board game in small groups. J Math Didakt, Berlim, v. 34, p. 149-175, 2013.; VOGT et al., 2018 VOGT, Franziska et al. Learning through play-pedagogy and learning outcomes in early childhood mathematics. European Early Childhood Education Research Journal, Abingdon, v. 26, n. 4, p. 589-603, 2018.). Os jogos de tabuleiro e de cartas requerem apenas uma explicação inicial para, em seguida, os estudantes brincarem de forma independente. Por meio dos jogos, é possível contextualizar conteúdos matemáticos, permitindo mais envolvimento dos estudantes, além de aprofundar competências numéricas já aprendidas ( STEBLER et al., 2013 STEBLER, Rita et al. Play-based mathematics in kindergarten. A video analysis of children’s mathematical behaviour while playing a board game in small groups. J Math Didakt, Berlim, v. 34, p. 149-175, 2013.). Por isso, os jogos de tabuleiro e de cartas podem beneficiar a aprendizagem dos estudantes em diferentes momentos. Outros aspectos interessantes da instrução baseada em jogos são a promoção da interação entre os jogadores e a possibilidade da conversa envolvendo matemática. Durante os jogos, as crianças também monitoram sua aprendizagem e ajudam uns aos outros no desenvolvimento de uma melhor compreensão das competências matemáticas envolvidas, além de praticarem repetidas vezes as mesmas habilidades (STEB LER et al., 2013 STEBLER, Rita et al. Play-based mathematics in kindergarten. A video analysis of children’s mathematical behaviour while playing a board game in small groups. J Math Didakt, Berlim, v. 34, p. 149-175, 2013.; VOGT et al., 2018 VOGT, Franziska et al. Learning through play-pedagogy and learning outcomes in early childhood mathematics. European Early Childhood Education Research Journal, Abingdon, v. 26, n. 4, p. 589-603, 2018.).

Outra abordagem interessante para promover a aprendizagem matemática é o mindfulness, que consiste em práticas e métodos que contribuem para um estado de atenção plena ( YOUNG, 2016YOUNG, Shinzen. What is mindfulness? A contemplative perspective. In: SCHONERT-REICHL, Kimberly A.; ROESER, Robert W. (ed.). Handbook of mindfulness in education: integrating theory and research into practice. Berlim: Springer, 2016. p. 29-45.). Do ponto de vista cognitivo, a literatura demonstra que intervenções de mindfulness apresentam melhoras no desempenho da memória de trabalho, especialmente do componente executivo central, e do sistema inibitório ( CHIESA; CALATI; SERRETTI, 2011CHIESA, Alberto; CALATI, Raffaella; SERRETTI, Alessandro. Does mindfulness training improve cognitive abilities? A systematic review of neuropsychological findings. Clinical Psychology Review, Amsterdã, v. 31, n. 3, p. 449-464, 2011.). Somado a isso, estudos também indicam que essas intervenções reduzem o estresse e a ansiedade vinculados a tarefas matemáticas ( LAGUE; EAKIN; DYKEMAN, 2019LAGUE, April; EAKIN, Gene; DYKEMAN, Cass. The impact of mindfulness-based cognitive therapy on math anxiety in adolescents. Preventing School Failure, Abingdon, v. 63, n. 2, p. 142-148, 2019.; ZENNER; HERRNLEBEN-KURZ; WALACH, 2014ZENNER, Charlotte; HERRNLEBEN-KURZ, Solveig; WALACH, Harald. Mindfulness-based interventions in schools: A systematic review and meta-analysis. Frontiers in Psychology, Lausanne, v. 5, jun. 2014.). Nesse sentido, diminuir a ansiedade e controlar melhor as emoções ao realizar tarefas matemáticas pode auxiliar a melhorar o desempenho nessa área do conhecimento.

Assim, na intenção de intervir em habilidades preditoras do desempenho matemático com alunos de anos escolares mais avançados, foi verificado o efeito de uma intervenção focada em raciocínio quantitativo no desempenho aritmético a partir da comparação dos desempenhos de dois grupos: o experimental, que recebeu a intervenção específica em raciocínio quantitativo, e o controle, que recebeu sessões combinadas de mindfulness e jogos matemáticos. Para que ambos os grupos se beneficiassem de alguma forma, o grupo controle também recebeu instrução matemática, porém por meio de atividades lúdicas de ensino e combinada com práticas de mindfulness. Essa escolha levou em consideração métodos alternativos e que não utilizam instrução explícita dos conceitos matemáticos.

Método

Participantes

O total de quarenta crianças, entre 9 e 12 anos (M=10,58, DP=0,70), realizou por completo todas as tarefas propostas neste estudo. Os participantes eram alunos de 4° e 5° anos do ensino fundamental de uma escola da rede municipal de ensino da cidade de Porto Alegre, RS. Portanto, do total de 112 alunos matriculados nos dois anos escolares avaliados, setenta entregaram as devidas autorizações dos responsáveis para participação no estudo, dos quais quarenta estiveram de acordo com os critérios para composição da amostra. Esses critérios incluíram: (a) nível intelectual acima do percentil 25 no teste de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial ( ANGELINI et al., 1999 ANGELINI, Arrigo Leonardo et al. Matrizes Progressivas Coloridas de Raven: escala especial. São Paulo: Cetepp, 1999.), visto que a partir desse percentil o nível intelectual é considerado médio e abaixo desse percentil é classificado como abaixo da média intelectual ou com déficit cognitivo; e (b) ter participado de todas as atividades propostas, contendo os dados completos para condução das análises. A avaliação do nível intelectual ocorreu com a intenção de desconsiderar possíveis casos de deficiência intelectual e que, portanto, demandam formas de ensino específicas e adequadas a essas necessidades. A caracterização dos participantes do estudo pode ser conferida na Tabela 1.

Tabela 1 –
Caracterização da amostra

Cabe destacar que, conforme acordado entre pesquisadores e escola, a intervenção foi realizada durante o turno escolar e em sala de aula. Por isso, as atividades propostas foram realizadas com todos os alunos das turmas, porém somente aqueles que entregaram os termos de autorização para participação foram considerados para composição da amostra. A partir do total de turmas disponíveis na escola, duas de 4° ano e três de 5° ano, e levando-se em consideração a quantidade de autorizações recebidas, cada turma participou de um dos grupos de atividades: o grupo controle, que contou com dezoito alunos, sendo dez alunos de uma turma de 4° ano e oito alunos de uma turma de 5° ano; e o grupo experimental, que contou com 22 alunos, dos quais nove eram de uma turma de 4° ano e os outros treze de duas turmas de 5° ano.

Procedimentos

Em um primeiro momento, foi feita a avaliação do desempenho aritmético como pré-teste, anterior à intervenção. Logo após, foi conduzida a intervenção, realizada por dois pesquisadores e organizada em sete sessões, com frequência de duas vezes por semana e com duração de um período escolar de aproximadamente 45 minutos. Por último, foi avaliado novamente o desempenho aritmético como pós-teste para verificação dos efeitos da intervenção no desempenho dos estudantes. Os participantes foram divididos em dois grupos: intervenção e controle. Convém mencionar que a organização da intervenção teve que seguir o tempo disponibilizado pela escola para realização das atividades da pesquisa. Portanto, a proposta original, que previa onze sessões de intervenção, foi condensada em sete sessões mais os dois dias de avaliação destinados para o pré e pós-teste, totalizando nove encontros.

Avaliação do desempenho aritmético

O desempenho aritmético foi avaliado pelo Subteste de Aritmética do Teste de Desempenho Escolar II – TDE II ( STEIN; GIACOMONI; FONSECA, 2019STEIN, Lilian. Milnitsky; GIACOMONI, Claudia Hofheinz; FONSECA, Rochele Paz. TDE II: Teste de Desempenho Escolar. São Paulo: Vetor, 2019.), que é um subteste normatizado para a população brasileira. Esse subteste avalia a habilidade em cálculos aritméticos que, no nível de 1° a 5° ano, envolvem as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, além de noções básicas de frações. A aplicação foi feita de forma coletiva e durante o período escolar.

Atividades do grupo experimental

A intervenção consistiu em um treinamento em raciocínio quantitativo, o qual foi adaptado do material de Nunes (2009)NUNES, Terezinha. Teacher notes: family-school partnership to promote mathematics for deaf children. Oxford: Universidade de Oxford, 2009. que faz parte do programa Numeracy Corner, desenvolvido por um grupo de pesquisadores do Departamento de Educação da Universidade de Oxford. Como participaram estudantes de 4° e 5° ano, ou seja, de níveis de escolaridade mais avançados do que aqueles para os quais a intervenção original foi elaborada, optou-se por acrescentar mais questões de raciocínio multiplicativo, além das de raciocínio aditivo propostas. Dessa forma, a adaptação do programa de intervenção compreendeu a mesma separação das situações de raciocínio quantitativo indicadas em Nunes e colaboradores (2016)NUNES, Terezinha et al. Teaching and learning about whole numbers in primary school. Hamburg: Springer, 2016. (ICME-13 topical surveys book series).. A adaptação foi organizada seguindo uma ordem crescente de dificuldade das atividades propostas, que foram agrupadas levando em consideração o tempo disponibilizado pela escola para finalização das atividades. Dessa forma, iniciou-se por duas sessões compreendendo somente situações de raciocínio aditivo, seguidas de três sessões combinando situações de raciocínio aditivo e multiplicativo e finalizando com duas sessões que envolveram somente situações de raciocínio multiplicativo. Os assuntos abordados em cada sessão podem ser verificados em mais detalhes no Quadro 1. A escolha por este programa de intervenção se deu por estar de acordo com princípios teóricos e práticos indicados em literatura recente, pela possibilidade de adaptação à população brasileira e por ser passível de aplicação coletiva e em ambiente escolar.

Quadro 1 -
Organização das sessões do grupo experimental

Como procedimentos, a sessão se iniciava pela entrega dos cadernos contendo somente os desenhos das situações-problemas a serem trabalhadas no dia, os pesquisadores davam a instrução de forma oral e os estudantes eram solicitados a pensarem, individual ou conjuntamente, em uma forma de solução. Na sequência, as soluções dadas pelos alunos eram discutidas com toda a turma e os pesquisadores sistematizavam e explicavam uma ou mais estratégias de solução para cada situação-problema.

Atividades do grupo controle

O grupo controle realizou atividades focadas em mindfulness, organizadas a partir de princípios centrais da prática e utilizando métodos de intervenção sistematizados e adaptados para crianças e adolescentes ( BRODERICK, 2013BRODERICK, Patricia C. Learning to breathe: A mindfulness curriculum for adolescents to cultivate emotion, regulation, attention and performance. Oakland: New Harbinger, 2013.; LYONS; DELANGE, 2019LYONS, Kristen E.; DELANGE, Jennifer. Mindfulness matters in the classroom: the effects of mindfulness training on brain development and behavior in children and adolescents. In: SCHONERT-REICHL, Kimberly A.; ROESER, Robert W. (ed.). Handbook of mindfulness in education: integrating theory and research into practice. Berlim: Springer, 2016. p. 271-283.) e jogos matemáticos, adaptados de Rechsteiner e colaboradores (2018)RECHSTEINER, Karin et al. Play-based early mathematics: instruction manual for the play-based early mathematics board and card games. St Gallen: University of Education, 2018., que envolveram habilidades básicas relacionadas à performance em aritmética, como comparação de quantidades, correspondência número e quantidade e sequência numérica. As sessões desse grupo foram organizadas primeiramente com quinze a vinte minutos de mindfulness e, em seguida, com 25 a trinta minutos de jogos, seguindo a organização e os objetivos listados no Quadro 2.

Quadro 2 -
Organização das sessões do grupo controle

As sessões de mindfulness foram pensadas e adaptadas de acordo com a idade dos participantes e com suas possibilidades. Todas as sessões seguiram a mesma estrutura de eventos: introdução, reunindo os alunos em círculo e convidando-os a fecharem os olhos e concentrarem-se no toque de um sino, erguendo a mão quando não mais ouvissem o som do instrumento para, em seguida, os pesquisadores darem início à atividade programada; fala inicial, em que os alunos poderiam manifestar sobre seu estado naquele dia, com o objetivo de aproximá-los dos pesquisadores, também nesse momento a atividade do dia era explicada; atividade principal, na qual era conduzida a tarefa programada baseada em algum princípio de mindfulness; e fala final, em que os estudantes poderiam relatar suas percepções individuais acerca da experiência e os pesquisadores sistematizavam os objetivos da prática realizada.

Na sequência, eram dadas as instruções do jogo matemático proposto para o dia. Os alunos eram separados em grupos de até quatro participantes e o material do jogo era distribuído. Os jogos matemáticos foram utilizados com a intenção de aplicar conhecimentos matemáticos iniciais já desenvolvidos pelas crianças nesse nível de escolaridade e que são necessários também para o desenvolvimento do conhecimento aritmético.

Análise dos dados 3 3 O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente devido a ainda estarem em fase de análises para outros estudos derivados. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente ao autor, por e-mail ( camilapnogues@gmail.com).

As análises foram feitas de forma quantitativa, utilizando-se testes estatísticos adequados para verificar os efeitos da intervenção no desempenho aritmético dos estudantes e comparar o desempenho dos grupos experimental e controle. Para isso, por meio do software R v.3.6.3, foram realizadas as análises descritivas, considerando média e desvio padrão do desempenho de cada grupo no pré-teste e no pós-teste, análise de consistência interna da avaliação de aritmética nos dois momentos, pré-teste e pós-teste, por meio do teste de alfa de Cronbach e condução do teste de correlação de Pearson para verificar se pré e pós-teste estariam relacionados. Além disso, também foi conduzido o teste T de Student para comparar os desempenhos dos grupos e verificar se a intervenção foi significativa. A amostra também foi separada, em cada grupo, de acordo com o ano escolar e por apresentar ou não dificuldade em matemática. Somado a isso, foi realizado o teste de efeito d de Cohen para obter o efeito da intervenção nos casos em que houve melhora significativa no desempenho dos estudantes. Por fim, foi conduzida uma análise de variância mista (ANOVA mista) na intenção de identificar a influência das variáveis ano escolar e presença de dificuldade no resultado da intervenção.

Resultados

O teste de desempenho aritmético apresentou distribuição normal e bom nível de consistência interna tanto no pré-teste (α=0,652) quanto no pós-teste (α=0,654). Assim, as medidas utilizadas são confiáveis e normalmente distribuídas. Além disso, a análise de correlação de Pearson entre o pré e o pós-teste indicou associação forte entre esses dois momentos de avaliação (r=0,73, p<0,001).

A hipótese principal do estudo era de que a intervenção em raciocínio quantitativo melhoraria o desempenho dos estudantes em aritmética. Para isso, o desempenho dos grupos experimental e controle foram comparados. Os resultados dessa análise e das análises descritivas de cada grupo podem ser verificados na Tabela 2.

Tabela 2
Análise descritiva e de comparação entre os grupos experimental e controle

A partir desses resultados, verifica-se que não houve diferença estatística entre as médias dos dois grupos no pós-teste (t(38)=1,12, p=0,27). Portanto, pode-se afirmar que a intervenção não teve efeito entre grupos ( Gráfico 1).

Gráfico 1 -
Desempenho no pré-teste e no pós-teste separado por grupos

Fonte: Dados da pesquisa.

Entretanto, ao comparar os resultados intragrupos, ou seja, ao comparar os resultados do pré e do pós-teste de cada grupo separadamente, observa-se que houve diferença estatisticamente significativa apenas para o grupo experimental (t(21)=2,20, p<0,05). Isso indica que os alunos desse grupo obtiveram um aumento no seu desempenho ao final da intervenção, porém com tamanho de efeito pequeno (d de Cohen = 0,24).

Na tentativa de uma explicação mais detalhada dos dados, os participantes do grupo experimental foram separados em relação ao ano escolar e à apresentação ou não de dificuldades em matemática. A classificação dos estudantes com e sem dificuldades em matemática foi feita a partir do escore obtido no substeste de aritmética. Para isso, utilizou-se como critério o percentil 25, que foi calculado com base nos escores dos participantes, isto é, a partir da distribuição dos dados da amostra. Assim, os estudantes abaixo do percentil 25 foram considerados como com dificuldades (CD) e os acima desse percentil como sem dificuldades em matemática (SD). Essa classificação dos alunos pode ser verificada na Tabela 3 para cada um dos grupos, considerando também a separação por ano escolar.

Tabela 3 -
Classificação dos participantes em cada grupo

Em seguida, a partir dessa classificação, o desempenho dos estudantes foi novamente comparado, mas considerando apenas o grupo experimental, pois apresentou resultados significativos intragrupo. Assim, foi encontrada diferença significativa em relação à presença ou não de dificuldades em matemática (t(17)=-12,9, p<0,001), isto é, os alunos sem dificuldades apresentaram desempenhos superiores aos estudantes com dificuldades no pós-teste, como esperado. Além disso, quando comparados apenas os desempenhos entre os testes dos estudantes sem dificuldades, foi identificado um aumento significativo do número de acertos do pré para o pós-teste (t(17)=3,04, p<0,05), com efeito médio de intervenção (d de Cohen = 0,56). Portanto, os estudantes sem dificuldades em matemática no grupo experimental melhoraram seus desempenhos em aritmética ao final da intervenção. O mesmo não pode ser concluído para os estudantes com dificuldades, já que não foi encontrada diferença significativa entre os desempenhos no pré e no pós-teste (t(3)=-1,57, p=0,21). Esses resultados podem ser verificados no Gráfico 2.

Gráfico 2 -
Desempenho aritmético do grupo experimental separado pela presença de dificuldade

Fonte: Dados da pesquisa.

Essa mesma análise foi feita considerando a classificação por ano escolar. Primeiramente, foi identificada diferença significativa entre os desempenhos dos estudantes de 4º e 5º ano (t(16,8)=-3,04, p<0,01), o que indica que o 5º ano teve desempenho superior ao 4º ano no pós-teste. Mais do que isso, apenas os estudantes de 5º ano que participaram do grupo experimental apresentaram melhoras significativas no desempenho do pré para o pós-teste (t(12)=-3,63, p<0,01), com efeito grande de intervenção (d de Cohen = 1,008). Para os estudantes de 4º ano, esse resultado não foi evidenciado (t(8)=1, p=0,35), ou seja, esses estudantes não apresentaram melhoras significativas do pré-teste para o pós-teste. Esses resultados também podem ser observados no Gráfico 3.

Gráfico 3 -
Desempenho aritmético do grupo experimental separado por ano escolar

Fonte: Dados da pesquisa.

Assim, levantou-se a hipótese de que o ano escolar fosse uma variável de confundimento, podendo exercer algum viés no efeito do teste, isto é, de que essa melhora de desempenho apresentada no grupo experimental, de forma geral, se devia ao fato do 5º ano estar apresentando resultados melhores. Portanto, para testar essa hipótese, foi conduzida uma análise de variância mista (ANOVA mista), considerando as variáveis desempenho aritmético, tanto no pré-teste quanto no pós-teste, e ano escolar. A partir disso, o resultado aponta que a variável ano escolar foi significativa (F(20,1)=6,2, p<0,05), ou seja, o ano escolar influenciou o resultado do grupo de forma geral. Portanto, o desempenho dos alunos de 5º ano, por ter sido melhor tanto no pré-teste quanto no pós-teste, foi suficiente para acarretar esse resultado significativo dos participantes do grupo experimental.

No que se refere ao desenvolvimento do programa de intervenção e às estratégias utilizadas pelos estudantes, foi possível perceber que alguns tipos de problemas foram mais desafiadores para eles, especialmente as situações que envolveram a relação inversa entre adição e subtração, no raciocínio aditivo, e o produto de medidas, no raciocínio multiplicativo. Ademais, também foi observado, em suas resoluções, que a maioria dos alunos utilizou o algoritmo mesmo em situações sem necessidade, o que possivelmente reflete a influência de um ensino focado em procedimentos.

Discussão

O objetivo do estudo descrito foi verificar o efeito de uma intervenção em raciocínio quantitativo no desempenho aritmético. Assim, o desempenho dos estudantes foi avaliado em pré e pós-teste e comparado entre grupos experimental e controle. O grupo experimental participou de sete sessões focadas no raciocínio quantitativo, enquanto o grupo controle participou de sete sessões envolvendo mindfulness e jogos matemáticos. Como hipótese, esperava-se que o grupo experimental apresentasse um desempenho melhor do que o grupo controle ao final da intervenção, visto que foi uma intervenção adaptada e baseada na literatura e partindo de uma das habilidades preditoras do desempenho aritmético, porém essa hipótese não foi confirmada.

Um resultado importante a ser destacado é que os estudantes do grupo experimental melhoraram seus desempenhos aritméticos de forma significativa do pré para o pós-teste. Mais do que isso, esse aumento no desempenho foi verificado somente entre os estudantes de 5º ano. Isso sugere que é uma intervenção efetiva para beneficiar o desempenho aritmético, principalmente dos estudantes mais velhos, o que corrobora estudos anteriores que indicaram que uma intervenção em raciocínio quantitativo é eficaz para melhorar o desempenho matemático em testes padronizados (NUN ES et al., 2007 NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007.; SPERAFICO et al., 2019 SPERAFICO, Yasmini Lais Spindler et al. Combined intervention of working memory and arithmetic reasoning in students with ADHD. International Journal of Disability, Development and Education, Abingdon, 2019.). Entretanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos experimental e controle, isto é, esse aumento de desempenho do grupo experimental no pós-teste não foi suficiente para apresentar diferença significativa do grupo controle, divergindo dos achados principais de pesquisas de intervenção na mesma habilidade ( NUNES et al., 2007 NUNES, Terezinha et al. The contribution of logical reasoning to the learning of mathematics in primary school. British Journal of Developmental Psychology, Hoboken, v. 25, n. 1, p. 147-166, 2007.; SPERAFICO et al., 2019 SPERAFICO, Yasmini Lais Spindler et al. Combined intervention of working memory and arithmetic reasoning in students with ADHD. International Journal of Disability, Development and Education, Abingdon, 2019.). Portanto, não é possível afirmar que uma intervenção em raciocínio quantitativo é mais eficaz do que mindfulness e jogos matemáticos. Assim, apresentam-se três possíveis razões que podem explicar os resultados deste estudo.

Como primeira razão, salienta-se que existe a possibilidade de que uma intervenção semelhante, porém mais longa, pudesse apresentar resultados mais consistentes e efeito significativo, visto que o conteúdo abordado na intervenção foi muito abrangente, envolvendo vários tipos de situações de raciocínio aditivo e multiplicativo. Pode-se levantar como possibilidade que as sete sessões agrupando muitas situações diversas de raciocínio quantitativo possa ter sido uma decisão ambiciosa. Então, considera-se a possibilidade de terem sido muitas informações novas para esses estudantes entenderem em tão pouco tempo. Por isso, sugere-se que esse mesmo programa de intervenção, mas com mais sessões, possa apresentar melhoras significativas no desempenho aritmético dos estudantes, conforme já apontado pela literatura que, para domínios mais amplos do conhecimento, exige-se mais tempo de duração das intervenções ( KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.; MONONEN et al., 2014 MONONEN, Riikka et al. A review of early numeracy interventions for children at risk in mathematics. International Journal of Early Childhood Special Education, [S. l.], v. 6, n. 1, 2014.).

Em segundo lugar, a configuração de aplicação da intervenção também pode ter influenciado o aproveitamento dos estudantes, visto que a intervenção foi aplicada coletivamente com toda a turma. Estudos indicam menores efeitos para intervenções aplicadas com o grupo total de alunos da turma ( FUCHS; FUCHS; COMPTON, 2012FUCHS, Lynn S.; FUCHS, Douglas; COMPTON, Donald L. The early prevention of mathematics difficulty: Its power and limitations. Journal of Learning Disabilities, Thousand Oaks, v. 45, n. 3, p. 257-269, 2012.; KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.; MONONEN et al., 2014 MONONEN, Riikka et al. A review of early numeracy interventions for children at risk in mathematics. International Journal of Early Childhood Special Education, [S. l.], v. 6, n. 1, 2014.), pois esse fator limita o benefício da intervenção, uma vez que a avaliadora não consegue dar a adequada atenção para todos os alunos, além de ser necessário mais tempo e recursos para a configuração de aplicação coletiva no grande grupo ( FUCHS; FUCHS; COMPTON, 2012FUCHS, Lynn S.; FUCHS, Douglas; COMPTON, Donald L. The early prevention of mathematics difficulty: Its power and limitations. Journal of Learning Disabilities, Thousand Oaks, v. 45, n. 3, p. 257-269, 2012.; KROESBERGEN; VAN LUIT, 2003KROESBERGEN, Evelyn H.; VAN LUIT, Johannes E. H. Mathematics interventions for children with special educational needs: A meta-analysis. Remedial and Special Education, Thousand Oaks, v. 24, n. 2, p. 97-114, 2003.).

Por último, destaca-se também que a avaliação do efeito da intervenção, quando realizada por meio de testes padronizados, apresenta efeitos menores do que quando avaliada por testes informais de pesquisa, que incluem medidas presentes ao longo da própria intervenção ( DE BOER; DONKER; VAN DER WERF, 2014DE BOER, Hester; DONKER, Anouk S.; VAN DER WERF, Margaretha P. C. Effects of the attributes of educational interventions on students’ academic performance: A meta-analysis. Review of Educational Research, Thousand Oaks, v. 84, n. 4, p. 509-545, 2014.; RUIZ; BALBI, 2019RUIZ, Carola; BALBI, Alejandra. The effects of teaching mental calculation in the development of mathematical abilities. Journal of Educational Research, Abingdon, v. 112, n. 3, p. 315-326, 2019.). Entretanto, a hipótese deste estudo era verificar o efeito da intervenção especificamente do desempenho aritmético e, por isso, utilizou-se o teste padronizado que avalia a habilidade aritmética dos estudantes.

Ainda, é valido mencionar que os problemas propostos podem não ter sido familiares para os alunos, uma vez que abordaram situações matemáticas pouco frequentes no ensino escolar e que a instrução foi realizada de forma oral, o que pode ter dificultado a elaboração de estratégias de solução pelos alunos. Também se entende que fatores sociais, como o nível socioeconômico dos estudantes e características culturais e pedagógicas relativas à escola, possam ter alguma influência no desempenho dos alunos, porém tais informações não foram consideradas por não estarem de acordo com o objetivo deste estudo.

Como limitações, cita-se o fato de o tempo de duração da intervenção ter sido muito curto para a quantidade de conteúdo abordado, menor do que o planejado inicialmente devido a intercorrências escolares. A falta da avaliação do raciocínio quantitativo antes e após a intervenção é uma limitação importante, pois, se tivesse sido realizada, possibilitaria a verificação do efeito da intervenção na própria habilidade ensinada durante as sessões.

Ainda assim, a construção de evidências sólidas em relação a intervenções voltadas para o desenvolvimento do conhecimento aritmético dos estudantes pode auxiliar as escolas a incorporarem estratégias mais eficazes de ensino. A habilidade de raciocínio quantitativo, que é essencial para a proficiência aritmética, carece de mais compreensão pelos professores para que seja possível o seu ensino em sala de aula, considerando as necessidades e conhecimentos prévios dos alunos. Por meio do raciocínio quantitativo é desenvolvida a compreensão das relações entre as quantidades envolvidas em um cálculo aritmético, o que permite dar sentido aos algoritmos tradicionais ensinados. Os achados deste estudo não são suficientes para fornecer evidências consistentes para orientar a prática de ensino na escola, assim, são necessárias mais pesquisas que considerem intervenções em raciocínio quantitativo para instruir os professores na condução de estratégias de ensino baseadas em evidências.

Sugere-se, portanto, que em pesquisas futuras sejam elaborados programas de intervenção mais longos, levando em consideração a quantidade de conteúdos abordados e os anos escolares a serem avaliados. Além disso, é importante também considerar os efeitos das intervenções em raciocínio quantitativo a longo prazo. Para tal, são necessários estudos longitudinais que avaliem a eficácia do ensino do raciocínio quantitativo em diferentes momentos do desenvolvimento do conhecimento matemático. Também há a necessidade de mais pesquisas baseadas na implementação de diferentes programas de intervenção em raciocínio quantitativo para avaliar suas implicações na aprendizagem. Mais do que isso, é fundamental que as próximas pesquisas estejam atentas à aplicabilidade dos programas de intervenção em contextos reais de sala de aula, que é um dos objetivos principais e meta final da pesquisa em educação.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.

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    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.
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    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Contatos: camilapnogues@gmail.com; akirabcf@outlook.com; beatriz.dorneles@ufrgs.br
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    O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente devido a ainda estarem em fase de análises para outros estudos derivados. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente ao autor, por e-mail ( camilapnogues@gmail.com).

Editado por

Editor: Profa. Dra. Shirley Silva
Camila Peres Nogues é doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestra em educação e licenciada em matemática também pela UFRGS, e psicopedagoga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Akira Borba Colen França é mestre em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e graduado em relações internacionais também pela UFRGS.
Beatriz Vargas Dorneles é professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atuando no curso de Pós-Graduação em Educação. É doutora em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2021
  • Revisado
    11 Maio 2022
  • Aceito
    06 Jun 2022
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