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GROUNDED THEORY: PASSO A PASSO E QUESTÕES METODOLÓGICAS NA PRÁTICA

RESUMO

Objetivo:

Este artigo tem como objetivo explorar como a grounded theory (GT) foi utilizada em uma pesquisa empírica na área de Estudos Organizacionais. A GT é uma estratégia de pesquisa amplamente utilizada nos estudos de Administração de Empresas, tanto nacional quanto internacionalmente. No entanto, os estudos pouco abordam como essa estratégia de pesquisa é aplicada na prática e como os pesquisadores tratam as dificuldades que surgem ao longo do processo de pesquisa.

Originalidade/valor:

Este artigo apresenta como questões metodológicas não previstas no desenho de pesquisa proposto pela GT foram superadas ao longo das fases de coleta e análise de dados.

Design/metodologia/abordagem:

O artigo tem como base uma pesquisa realizada que pretendia compreender o envelhecimento de mulheres executivas. Neste artigo, constam os principais códigos, as categorias e subcategorias que surgiram ao longo do desenvolvimento da pesquisa de campo. Além disso, apresentamos o progresso da amostragem teórica e o uso de técnicas específicas da GT, como a técnica flip-flop e o progresso da pergunta de pesquisa.

Resultados:

Como implicação prática, o artigo contribui com pesquisadores que pretendem utilizar a GT, na medida em que poderão ter o passo a passo da utilização do método, bem como antecipar possíveis dificuldades a serem enfrentadas no desenho da pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE
Grounded theory ; Pesquisa na prática; Estratégia de pesquisa; Envelhecimento; Mulheres

ABSTRACT

Purpose:

This article aims to explore how the grounded theory (GT) was used in empirical research in the area of Organizational Studies. GT is a research strategy widely used in Business Administration studies both nationally and internationally. However, studies have little to do with how this research strategy is applied in practice and how researchers deal with difficulties that arise during the research process.

Originality/value:

This article presents how methodological issues not provided for in the research design proposed by the GT were overcome during the data collection and analysis phases.

Design/methodology/approach:

The article is based on research that aimed to understand the aging of executive women. In this article, the main codes, categories, and subcategories that emerged during the develop ment of the field research were exposed. In addition, we present the pro gress of theoretical sampling and the use of specific GT techniques, such as the flip-flop technique and the progress of the research question.

Findings:

As a practical implication, the article contributes to researchers who intend to use the GT, insofar they can take the step by step of using the method, as well as anticipating possible difficulties to be faced in the design of the research.

KEYWORDS
Grounded theory; Research practice; Research strategy; Aging; Women

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo explorar como questões metodológicas não previstas no desenho de pesquisa proposto pela grounded theory (GT) foram superadas ao longo das fases de coleta e análise de dados. O artigo tem como base uma pesquisa que pretendia compreender o envelhecimento de mulheres executivas (Atkinson, Ford, Harding, & Jones, 2015Atkinson, C., Ford, J., Harding, N., & Jones, F. (2015). The expectations and aspirations of a later-career professional woman. Work Employment & Society, 29(6), 1019-1028. doi:10.1177/2F0950017015581987
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; Jyrkinen & McKie, 2012Jyrkinen, M., & McKie, L. (2012). Gender, age and ageism: Experiences of women managers in Finland and Scotland. Work, Employment and Society, 16(1), 61-77. doi: 10.1177/0950017011426313
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; Moore & Radtke, 2015Moore, J. A., & Radtke, L. (2015). Starting "real" life: Women negotiating a successful midlife single identity. Psychology of Women Quarterly, 39(3), 305-319. doi: 10.1177/2F0361684315573244
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). A utilização da GT configurou-se como uma estratégia de pesquisa para contribuir com a construção de teoria sobre o tema.

O método da GT surgiu durante os estudos sobre o processo de morte em hospitais, realizados pelos sociólogos Barney G. Glaser e Anselm L. Strauss (1968Glaser, B., & Strauss, A. (1968). Time for dying. Chicago: Aldine.; cf. Charmaz, 2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed. para o desenvolvimento de teoria que emerge dos dados a partir de categorias que são relevantes para a observação de questões centrais (Suddaby, 2006Suddaby, R. (2006). From the editors: What grounded theory is not. Academy of Management Journal, 49(4), 633-642. doi:10.5465/amj.2006.22083020
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). Nas pesquisas em Administração, a GT tem sido utilizada em várias subáreas (Henwood & Pidgeon, 2010Henwood, K., & Pidgeon, N. (2010). A teoria fundamentada. In G. M. Breakwell, C. Fife-Schaw, S. Hammond, & J. S. Smith (Eds.), Métodos de pesquisa em psicologia (3a ed., pp. 340-361). Porto Alegre: Artmed.; Goulding, 2009Goulding, C. (2009). Grounded theory perspectives in organizational research. In D. A. Buchanan & A. Bryman (Eds.), The Sage handbook of organizational research methods. London: Sage. ; Zanin, Bach, & Walter, 2012Zanin, E. R. M., Bach, T. M., & Walter, S. A. (2012, outubro). Grounded theory em estudos organizacionais: Análise das metodologias, dos temas e de suas finalidades. Anais dos Seminários em Administração, São Paulo, SP, Brasil, 15.) e problematizada em termos de definição, limites e seu papel no processo analítico (Locke, 2015Locke, K. D. (2015). Pragmatic reflections on a conversation about grounded theory in Management and Organization Studies. Organizational Research Methods, 18(4), 612-619. doi:10.1177/2F1094428115574858
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). De acordo com Pinto, Freitas e Mendes (2016)Pinto, M. de R., Freitas, R. C., & Mendes, C. A. F. (2016). Grounded theory in management studies in Brazil: Among the plurality of strands, improper uses and mistaken understanding? Revista Gestão & Tecnologia, 16(1), 33-54. doi:10.20397/2177-6652/2016.v16i1.645
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, ela percorre caminhos em que predominam uma pluralidade de vertentes, usos inadequados, tratamento superficial e compreensões equivocadas do método. A partir de um estudo bibliométrico, Castro e Machado (2017)Castro, A. R., & Machado, L. (2017). Grounded theory: Uma análise da produção científica brasileira em administração no período de 2000 a 2014. Revista Alcance, 24(2), 258-271. doi:10.14210/alcance.v24n2.p258-271
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identificaram que, no Brasil, a metodologia não é aplicada de maneira uniforme e nem sempre sua aplicação resulta em uma teoria propriamente dita.

De forma geral, os estudos em Administração de Empresas não detalham como a GT se desenvolveu ao longo das pesquisas, limitando-se a uma breve apresentação do método e de suas premissas (Ikeda & Bacellar, 2008Ikeda, A. A., & Bacellar, F. C. T. (2008). Revelando e compreendendo o relacionamento professor-aluno em marketing. Revista de Administração do Mackenzie, 9(5), 137-154. doi: 10.1590/S1678-69712008000500007
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; Lourenço, Ferreira, & Rosa, 2008Lourenço, C. D. S., Ferreira, P. A., & Rosa, A. R. (2008). Etnografia e grounded theory na pesquisa de marketing de relacionamento no mercado consumidor: Uma proposta metodológica. Revista de Administração Mackenzie, 9(4), 99-124. doi:10.1590/S1678-69712008000400007
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; Saraiva, Carrieri, Aguiar, & Brito, 2011Saraiva, E. V., Carrieri, A. P., Aguiar, A. R. C., & Brito, V. G. P. (2011). Um "Pas de Deux" da estratégia com a arte: As práticas do grupo Corpo de Balé. Revista de Administração Contemporânea, 15(6), 1016-1039. doi:10.1590/S1415-65552011000600004
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; Pasdiora & Brei, 2014Pasdiora, M. A., & Brei, V. A. (2014). A formação do hábito de consumo infantil: Uma análise crítica da teoria de consumo de status aplicada às classes sociais altas e baixas no Brasil. Organizações & Sociedade, 21(68), 33-58. doi:10.1590/S1984-92302014000100003
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). Ainda que outros pesquisadores já tenham alertado sobre essa problemática (O'Reilly, Paper, & Marx, 2012O'Reilly, K., Paper, D., & Marx, S. (2012). Demystifying grounded theory for business research. Organizational Research Methods, 15(2), 247-262. doi:10.1177/2F1094428111434559
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), os estudos não detalham o processo de codificação, que é central na GT (Holton, 2007Holton, J. A. (2007). The coding process and its challenges. In A. Bryant & K. Charmaz (Eds.), The sage handbook of grounded theory. London: Sage.), fundamental entre a coleta de dados e o desenvolvimento de uma teoria emergente para explicar os dados (Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.). Nesse contexto, Fendt e Sachs (2008)Fendt, J., & Sachs, W. (2008). Grounded theory method in management research: Users' perspectives. Organizational Research Methods, 11(3), 430-455. doi:10.1177/2F1094428106297812
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apontam para a necessidade de se discutir de forma mais aberta sobre os desafios ao se utilizar a GT, a fim de garantir que o método atenda o pesquisador e à qualidade da pesquisa.

Para contribuir com essa discussão, o artigo busca responder à seguinte questão:

  • Como pode ser desenvolvido o processo de codificação durante a GT em pesquisa na área de Estudos Organizacionais e como lidar com questões metodológicas que emergem durante a prática?

Para responder a essa questão, apresenta-se, na próxima seção, uma visão geral sobre a GT; em seguida, faz-se o detalhamento do processo de codificação; depois, apontam-se as questões metodológicas e as estratégias de superação; e, por fim, indicam-se as considerações finais.

2. O MÉTODO DA GROUNDED THEORY

A GT pretende desenvolver uma teoria fundamentada em dados sistematicamente coletados e analisados, em que a teoria emerge durante o processo de pesquisa e se torna produto da relação entre análise e coleta de dados (Goulding, 2009Goulding, C. (2009). Grounded theory perspectives in organizational research. In D. A. Buchanan & A. Bryman (Eds.), The Sage handbook of organizational research methods. London: Sage. ). O método descrito por Glaser e Strauss é construído sob dois conceitos: a comparação constante e a amostragem teórica. De acordo com o primeiro conceito, os dados são coletados e analisados simultaneamente, e, conforme o segundo, a decisão sobre os próximos dados a serem coletados é determinada pela teoria que está sendo construída (Suddaby, 2006Suddaby, R. (2006). From the editors: What grounded theory is not. Academy of Management Journal, 49(4), 633-642. doi:10.5465/amj.2006.22083020
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). De acordo com Morse (2016)Morse, J. M. (2016). Tussles, tensions and resolutions. In J. M. Morse, P. N. Stern, J. Corbin, B. Bowers, K. Charmaz, & A. E. Clarke (Eds.), Developing grounded theory: The second generation (pp.13-22). London: Routledge. , a GT possibilita a identificação e a descrição dos fenômenos, bem como de seus principais atributos. Existem diferentes perspectivas epistemológicas da GT que levam a entendimentos distintos na sua concepção: interpretativistas, críticas e tradições pós-modernas (Charmaz & Belgrave, 2012Charmaz, K., & Belgrave, L. L. (2012). Qualitative interviewing and grounded theory analysis. In J. F. Gubrium, J. A. Holstein, A. B. Marvasti, & K. D. McKinney (Eds.), The Sage handbook of interview research: The complexity of the craft (2nd ed., pp. 347-365). Thousand Oaks: Sage. doi:10.4135/978145 2218403
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). Para Charmaz (2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed., nenhum pesquisador é neutro, ele interage com a realidade dos sujeitos, pois a linguagem durante a codificação atribui forma e significado ás realidades observadas. Já os trabalhos clássicos da teoria fundamentada desenvolvidos por Glaser e Strauss tratam a descoberta da teoria como algo que surge dos dados, isolado do observador (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). A GT objetivista situa-se na tradição positivista e, portanto, considera os dados como verdadeiros em si mesmos. Sob essa ótica, os dados já existem no mundo: o pesquisador somente os encontra e "descobre" a teoria a partir deles. Nesta pesquisa, utilizou-se a perspectiva construtivista para o desenvolvimento da GT, a partir de Charmaz (2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed., em que seus preceitos respondem à tradição interpretativa, afastando-se das bases objetivistas de seus fundadores, principalmente Glaser (Leite, 2015Leite, F. (2015). Raciocínio e procedimentos da grounded theory construtivista. Questões Transversais - Revista de Epistemologias da Comunicação, 3(6), 76-85. Retrieved from http://www.revistas.unisinos.br/index.php/questoes/article/view/11310/PDF
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).

2.1 Grounded theory: coleta e análise de dados e o processo de codificação

Para Charmaz (2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed., a codificação composta de, pelo menos, duas fases: a codificação inicial e a codificação focalizada. Na primeira, são estudados os fragmentos dos dados por causa de sua importância analítica. É possível utilizar códigos in vivo, ou seja, termos específicos usados pelos participantes e que são conservados para manter os significados relativos às suas opiniões e atitudes (Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.). Na segunda, é selecionado o material que possa representar os códigos iniciais mais vantajosos, que são testados em contraste com os dados mais amplos. Esses códigos são mais direcionados, seletivos e conceituais (Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.).

Strauss e Corbin (2008)Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed. se referem à codificação inicial como uma microanálise, que inclui codificação aberta e axial. Ela envolve exame e interpretação de dados, e inclui os dados, as interpretações dos observadores e a interação que acontece entre os dados e o pesquisador. Durante a codificação aberta, os dados são separados em partes distintas, comparados em busca de similaridades e diferenças. Eventos considerados parecidos são agrupados sob conceitos abstratos, denominados "categorias", ou seja, conceitos, derivados dos dados, que representam os fenômenos que, posteriormente, serão desenvolvidos em termos de propriedades e dimensões. Propriedades são características de uma categoria e dimensões representam a localização de uma propriedade ao longo de uma linha.

Para Strauss e Corbin (2008)Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed., as subcategorias especificam uma categoria ao denotar informações do tipo quando, onde, por que e como um fenômeno tende a ocorrer. Ao longo da codificação axial, é realizado o reagrupamento dos dados que foram divididos durante a codificação aberta. Nessa etapa, as categorias são relacionadas às suas subcategorias para gerar explicações mais precisas. As categorias podem ser condições causais, condições intervenientes, estratégias de ação/interação ou consequências (Bandeira-De-Mello & Cunha, 2006Bandeira-De-Mello, R., & Cunha, C. J. C. de A. (2006). Grounded theory. In C. K. Godoi, R. Bandeira-De-Mello, & A. B. Silva (Orgs.), Pesquisa qualitativa em Estudos Organizacionais: Paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva.). Charmaz (2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed. entende que a codificação axial é um terceiro tipo de codificação, que resolve questões como quando, onde, por que, quem, como e com que consequências.

Durante a codificação seletiva, ocorre o processo de integrar e refinar teorias. Primeiramente, é necessário decidir a categoria central, ou seja, a categoria que representa o tema principal da pesquisa (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). O movimento de circularidade ocorre ao longo das três fases de codificação até a saturação teórica, quando os ganhos no poder explicativo da teoria são aproximadamente nulos (Bandeira-De-Mello & Cunha, 2006Bandeira-De-Mello, R., & Cunha, C. J. C. de A. (2006). Grounded theory. In C. K. Godoi, R. Bandeira-De-Mello, & A. B. Silva (Orgs.), Pesquisa qualitativa em Estudos Organizacionais: Paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva.).

A amostragem teórica se desenvolve durante o processo de pesquisa. Ela é baseada nos conceitos que surgiram da análise e que parecem relevantes para a teoria (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). Segundo Charmaz (2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed., seu objetivo é buscar e reunir dados pertinentes para elaborar e refinar as categorias da teoria emergente. A amostragem teórica permite maximizar oportunidades de comparar fatos, incidentes ou acontecimentos para determinar como uma categoria varia em termos de suas propriedades e de suas dimensões (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.; Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.). Na amostragem inicial, o objetivo é gerar o máximo possível de categorias, e, depois, a amostragem se volta para o desenvolvimento dessas categorias (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). A ideia central na construção da teoria é coletar dados até que todas as categorias estejam saturadas (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.).

3. PASSO A PASSO DA GROUNDED THEORY

Nesta seção será apresentado o passo a passo da GT a partir da codificação inicial, focalizada e axial, com base em entrevistas realizadas com 58 mulheres que atuam ou já atuaram como executivas e que tinham 40 anos ou mais de idade. As primeiras cinco mulheres foram acessadas a partir da rede de contato das autoras e as demais por indicação das próprias entrevistadas. As entrevistas foram realizadas ao longo de quatro fases, a serem descritas a seguir. Para cada fase, será apresentada uma tabela com o perfil das entrevistadas, identificadas por pseudônimos para preservar o anonimato.

3.1 Codificação inicial

3.1.1 Primeira fase de coleta e análise de dados

Na primeira fase da coleta, foram realizadas 15 entrevistas com a utilização de um roteiro com perguntas amplas e abertas, conforme sugere Charmaz (2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.. Para essa fase, utilizaram-se como critério de amostragem mulheres que se percebiam em processo de envelhecimento, ou seja, utilizou-se a autopercepção do envelhecimento. Durante essa fase, foram entrevistadas 12 mulheres que atuavam em posições executivas e três mulheres (Cora, Leila e Gabrielle) que já atuaram em posições executivas, mas exerciam outras funções no momento da entrevista. Dessas três, uma (Leila) se encontrava em processo de transição de carreira, enquanto as outras duas atuavam como consultora e professora, como pode ser visto na Figura 3.1.1.1.

Figura 3.1.1.1
PERFIL DAS ENTREVISTADAS DA PRIMEIRA FASE

De acordo com Strauss e Corbin (2008, p. 201)Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed., durante a amostragem teórica, "o pesquisador pode procurar pessoas, locais ou fatos a partir dos quais possa propositalmente coletar dados relacionados a categorias, a suas propriedades e as suas dimensões". De forma geral, nesse primeiro momento, o foco era compreender a história de vida das mulheres entrevistadas, a inserção no mercado de trabalho e as principais dificuldades enfrentadas ao longo da carreira. Além disso, pretendia-se identificar como o envelhecimento afeta a vida profissional e a vida pessoal dessas mulheres. A partir da microanálise dos dados referentes a essa fase, selecionaram-se 583 citações, contemplando 337 códigos. Para isso, fez-se uma leitura rigorosa dos dados, que foram, então, codificados a partir de sua importância analítica, ou seja, os códigos se referem a fragmentos de dados que tinham o potencial de colaborar no entendimento de como tinha se dado a trajetória das entrevistadas e de como o envelhecimento afetava as esferas pessoal e profissional dessas mulheres. Repetiu-se tal processo em todas as fases. Os principais códigos referentes a cada fase podem ser identificados na Figura 3.1.4.3 deste trabalho, a qual busca destacar os códigos que apresentaram o maior número de citações, em ordem crescente.

Uma das principais contribuições dessa primeira fase foi a redefinição do problema de pesquisa, procedimento comum que pode ocorrer durante o processo de análise dos dados (Henwood & Pidgeon, 2010Henwood, K., & Pidgeon, N. (2010). A teoria fundamentada. In G. M. Breakwell, C. Fife-Schaw, S. Hammond, & J. S. Smith (Eds.), Métodos de pesquisa em psicologia (3a ed., pp. 340-361). Porto Alegre: Artmed.). Inicialmente, a pergunta de pesquisa a ser respondida era: "Como o envelhecimento afeta as esferas pessoal e profissional da mulher executiva brasileira?". Mas as mulheres entrevistadas alegaram que as esferas pessoal e profissional não eram separadas uma da outra, conforme é possível visualizar na fala de Clarice, 48 anos: "Gente, não existe uma coisa chamada vida profissional, vida pessoal, existe uma vida. Eu sou uma pessoa, essas coisas têm que se integrar, têm que se conversar". Códigos como "Tipo de atividade", "Demanda da empresa", "Construção da carreira", entre outros, revelaram a necessidade das entrevistadas em encarar as rotinas pessoal e profissional como elementos imbricados e de difícil separação, considerando a carreira executiva. Por essa razão, a pergunta de pesquisa a ser respondida passou a ser: "Como o envelhecimento afeta a vida da mulher executiva brasileira?".

Durante essa primeira etapa, o perfil das entrevistadas para a próxima fase também foi redefinido, outro procedimento comum na GT a partir do momento em que se iniciam a coleta e a análise dos dados (Henwood & Pidgeon, 2010Henwood, K., & Pidgeon, N. (2010). A teoria fundamentada. In G. M. Breakwell, C. Fife-Schaw, S. Hammond, & J. S. Smith (Eds.), Métodos de pesquisa em psicologia (3a ed., pp. 340-361). Porto Alegre: Artmed.). No decorrer das entrevistas, foi possível notar que as mulheres se referiam ao envelhecimento como um processo que tem início por volta dos 40 anos de idade. Sendo assim, adotaram-se como critério de amostragem mulheres executivas que tinham 40 anos ou mais de idade, ou seja, o que acontece por volta dos 40 anos de idade que determina o início do processo de envelhecimento? Esse questionamento foi central para orientar a segunda fase de coleta e análise de dados, que teve como foco averiguar o que o envelhecimento representava para essas mulheres. Segundo Strauss e Corbin (2008)Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed., um bom questionamento é aquele que orienta o pesquisador a buscar respostas que trabalhem para o desenvolvimento da formulação teórica.

3.1.2 Segunda fase de coleta e análise de dados

Na segunda fase, foram entrevistadas mais 15 mulheres. De acordo com Strauss e Corbin (2008)Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed., a amostragem teórica tem caráter cumulativo, ou seja, cada evento amostrado edifica e acrescenta algo à coleta e à análise de dados anteriores. Para essa fase, utilizaram-se como critério de amostragem mulheres executivas com 40 anos ou mais de idade e mulheres que já atuaram como executivas, e também mulheres que atuavam em outras atividades profissionais. Nessa fase, incluíram-se na amostra mais entrevistadas que já atuaram como executivas, mas que passaram a trabalhar com coaching, como consultoras ou conselheiras.

A razão pela qual o perfil de entrevistadas foi ampliado nessa etapa deve-se à identificação, durante a primeira fase de coleta e análise de dados, da importância dos códigos "Não parar de trabalhar" e "Redefinir o trabalho", que surgiram nas declarações a respeito dos planos referentes ao futuro das entrevistadas. Os códigos identificavam a intenção das entrevistadas de continuarem trabalhando ao longo do processo de envelhecimento a partir da redefinição do trabalho - entre outros motivos, por conta da idade avançada. As possibilidades de atuação em outras áreas surgiram porque o envelhecimento pode causar preconceito velado no ambiente organizacional, e, em caso da perda do trabalho, a reinserção em posição executiva é dificultada. Portanto, a investigação durante essa fase de dados teve como um dos focos identificar o que essas carreiras poderiam oferecer para a mulher em termos de condição de trabalho e se estariam relacionadas ao processo de envelhecimento da mulher executiva. Mas todas apresentaram uma trajetória executiva antes de optarem pelas novas carreiras, conforme pode ser visto na Figura 3.1.2.1.

Figura 3.1.2.1
PERFIL DAS ENTREVISTADAS DA SEGUNDA FASE

Conforme Strauss e Corbin (2008)Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed., entrevistar representantes variados pode ajudar a controlar os desvios de análise, colaborar para a objetividade do pesquisador e identificar diferenças e similaridades referentes ao mesmo fenômeno. Então, a diversidade de perfis foi mantida até a saturação teórica referente ao tópico. Até essa fase, foram selecionadas 1.012 citações, contemplando 365 códigos. Os principais códigos referentes à segunda fase de coleta e análise de dados podem ser identificados na Figura 3.1.4.3 deste trabalho. Nota-se que, nessa fase, alguns códigos que já estavam presentes na primeira fase continuaram relevantes, enquanto outros deram lugar a novos códigos com maior importância analítica. Segundo Gibbs (2009)Gibbs, G. (2009). Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed., é necessário revisitar o texto para verificar se é possível codificar de outra maneira utilizando códigos diferentes ou então utilizar novos códigos. Entre os novos códigos, destacam-se: "Percepção do envelhecimento", "Desejo pessoal", "Insatisfação", "Busca de equilíbrio", "Busca de nova carreira" e "Contribuição social". O código "Percepção do envelhecimento" reflete o modo como as mulheres se reconhecem, ou não, como envelhecidas. Apesar da referência da idade cronológica para determinação de quem deve ou não ser considerado velho, para as mulheres entrevistadas, a percepção - por meio de aspectos físicos, sociais e profissionais - a respeito do próprio envelhecimento foi destacada como o principal indicador do fenômeno. O envelhecimento estaria, então, associado a diferentes formas de finitude. Essa concepção fica clara em uma fala de Carmem, 54 anos:

É você lidar com sua própria mente de que você tá chegando ao fim de algum ciclo. Menopausa. Eu estou na menopausa, então fechei um ciclo da minha vida hormonal. Mesmo sem eu me dar conta, pelo fato de eu ter feito muita terapia, eu falo assim: puxa, será que esse ciclo é só o ciclo hormonal? Será que eu estou fechando um ciclo profissional? [...] Hoje eu já penso na mortalidade. E mortalidade vem em diferentes aspectos, acabou o trabalho, é uma morte. Acabou os hormônios, é outra morte.

Os demais códigos apresentados anteriormente ("Desejo pessoal", "Insatisfação", "Busca de equilíbrio", "Busca de nova carreira" e "Contribuição social") complementam os achados referentes à redefinição da carreira. Observaram-se, nessa etapa, a insatisfação com a carreira executiva e o interesse pela busca de uma nova carreira durante o processo de envelhecimento. Além disso, foi possível identificar a insatisfação com a forma de trabalho que realizam, que não parece compatível com o momento que estão vivendo.

A partir dos achados dessa fase, foi possível redefinir, mais uma vez, a pergunta de pesquisa, pois códigos como "Sentimento de culpa", "Desejo pessoal", "Insatisfação", "Contribuição social", "Cuidado com o corpo", "Aparência", entre outros, mostravam que a importância não estava, necessariamente, em como o envelhecimento afeta a vida das mulheres executivas, mas em como elas experimentam esse fenômeno. A pergunta foi reelaborada e se manteve até o final da pesquisa: "Como as mulheres executivas experimentam o processo de envelhecimento?". Em suma, a segunda fase permitiu explorar como as mulheres percebiam o próprio envelhecimento, sendo os aspectos físicos, sociais e profissionais responsáveis por essa percepção.

3.1.3 Terceira fase de coleta e análise de dados

Na terceira fase da coleta de dados, foram realizadas mais 15 entrevistas. Para essa fase, utilizaram-se como critério de amostragem mulheres executivas com 40 anos ou mais de idade e mulheres que já tinham atuado como executivas, mas que atuavam em outras atividades profissionais ou não estavam mais trabalhando. Nota-se a adoção da técnica de comparação flip-flop que permitiu questionar: "O que representaria o 'Parar de trabalhar' ou a 'Não redefinição da carreira' para as mulheres entrevistadas?". Por essa razão, entrevistadas que redefiniram a carreira ou pararam de trabalhar foram importantes para a melhor compreensão dos conceitos emergentes sobre esses tópicos.

A Figura 3.1.3.1 apresenta o perfil das entrevistadas dessa fase.

Figura 3.1.3.1
PERFIL DAS ENTREVISTADAS DA TERCEIRA FASE

Nessa etapa, alguns novos códigos emergiram e colaboraram para melhor compreensão a respeito do fenômeno. Até a terceira fase, foram selecionadas 1.523 citações, contemplando 450 códigos. Nessa fase, alguns códigos que já estavam presentes na segunda fase continuaram com sua relevância, enquanto outros deram lugar a novos códigos com maior importância analítica. Os principais códigos referentes à terceira fase de coleta e análise de dados podem ser identificados na Figura 3.1.4.3 deste trabalho. Nota-se que alguns novos principais códigos emergiram nessa fase: "Ritmo de trabalho", "Motivação financeira", "Saúde", "Cansaço físico", "Perspectiva de futuro" e "Abdicação". Aliados a outros códigos referentes às etapas anteriores, esses últimos ajudaram na compreensão dos principais aspectos relacionados à percepção do envelhecimento e do aprofundamento da relação entre o envelhecimento e a busca pela redefinição do trabalho. Os dados sugerem que o processo de abdicação de relações sociais vivenciado ao longo da trajetória profissional influenciou na perspectiva de futuro elaborada pelas mulheres executivas durante o envelhecimento. Portanto, pode-se dizer que nessa fase foi possível identificar aspectos associados à perspectiva de futuro de mulheres que até então identificavam seu momento de vida - o envelhecimento - como um processo de finitude física, social e profissional. O interesse em novas carreiras estava ligado, então, a uma ideia de renascimento simbólico, em que novos interesses vinham à tona.

3.1.4 Quarta fase de coleta e análise de dados

Na quarta fase da coleta de dados, foram realizadas 13 entrevistas, com mulheres de perfis variados. Para essa fase, utilizaram-se como critério de amostragem mulheres executivas com 40 anos ou mais de idade, mulheres que já tinham atuado como executivas e que atuavam em outras posições e, por fim, mulheres que já atuaram como executivas e que decidiram empreender. A única diferença no perfil das entrevistadas durante essa etapa foi a realização da entrevista com duas ex-executivas (Carolina e Édith), que enfrentam o processo de transição de carreira na busca de empreender no próprio negócio, como pode ser visto na Figura 3.1.4.1.

Figura 3.1.4.1
PERFIL DAS ENTREVISTADAS DA QUARTA FASE

A busca pela compreensão teórica a respeito da perspectiva de futuro por meio do empreendedorismo nos conduziu a entrevistar uma empreendedora que já atuou como executiva. O empreendedorismo, em conjunto com outras carreiras, representava a possibilidade de um futuro profissional para essas mulheres. Ao final da quarta fase, foram selecionadas 1.813 citações, contemplando 467 códigos. Nessa fase, alguns códigos que já estavam presentes na terceira fase continuaram com sua relevância, enquanto outros deram lugar a novos códigos com maior importância. Os principais códigos referentes à quarta fase podem ser identificados na Figura 3.1.4.3 deste trabalho. Alguns códigos emergiram nessa fase - "Demissão", "Momento de reflexão" e "Olhar para si" -, os quais, em conjunto com outros códigos referentes às fases anteriores, sugerem que o envelhecimento estava associado à possibilidade de uma perda profissional, como uma demissão. Grande parte das mulheres executivas tem receio de ser demitidas e enfrentar dificuldades de recolocação por conta da idade. Para elas, isso significa deixar de exercer uma identidade de executiva, construída ao longo da carreira. A concepção de perspectiva de futuro também pôde ser aprofundada e parece estar associada à possibilidade de construir uma nova história com base em novos valores e expectativas.

Nessa fase, foi possível aprofundar tópicos abordados ao longo das fases anteriores e compreender, mais claramente, a convivência das mulheres entrevistadas com o receio da demissão por conta da idade - um dos aspectos ligados à finitude profissional. O envelhecimento surge, então, como uma oportunidade de olhar mais para si mesmas e seus interesses, haja vista uma trajetória marcada por uma maior dedicação ao trabalho. Surge aqui o conceito de renascimento simbólico, que se trata da expectativa de mulheres executivas reconstruírem suas histórias com base em novos interesses e valores.

A Figura 3.1.4.2 apresenta uma síntese das fases de coleta e análise de dados, em termos de critério de amostragem, perfil das entrevistadas, pergunta de pesquisa e principais achados.

Figura 3.1.4.2
SÍNTESE DAS FASES DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS

A Figura 3.1.4.3 apresenta um quadro com os principais códigos em cada fase da pesquisa. Nota-se que os códigos que perduraram ao longo das quatro fases foram: "Viagem", "Redefinir o trabalho" e "Cuidado com o corpo".

Figura 3.1.4.3
CÓDIGOS EM CADA FASE DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

A partir da apresentação das quatro fases de coleta e análise de dados, pôde-se verificar a dinâmica da GT no que diz respeito ao processo de amostragem teórica, a forma como os dados levavam a novas investigações, a maneira como a pergunta de pesquisa ia se configurando a partir dos dados e como os novos perfis de entrevistadas permitiam melhor compreender como as mulheres executivas experimentavam o processo de envelhecimento. A seguir, será apresentada a codificação focalizada.

3.2 Codificação focalizada

Durante a codificação focalizada, é selecionado o material que represente os códigos iniciais e que permite uma compreensão analítica para categorizar os dados (Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.). Dentre os 467 códigos identificados a partir da microanálise dos dados ao longo das quatro fases de coleta e análise dos dados, 255 foram utilizados para explicar o fenômeno estudado. Essa seleção se deu a partir das reflexões:

  • Quais códigos dizem respeito, especificamente, à experiência de envelhecimento de mulheres executivas?

  • Quais códigos colaboram para o entendimento desse fenômeno?

Eles foram selecionados por serem mais significativos e/ou frequentes para a elaboração de categorias que permitiram a construção da teoria substantiva. Então, a partir de 255 códigos que se mostravam relacionados ao tópico principal da pesquisa, buscou-se separá-los por temas por conta de suas similaridades e construir uma rede de significados, criando seis categorias e 14 subcategorias, conforme pode ser visto na Figura 3.2.1.

Figura 3.2.1
CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS

3.3 Codificação axial

Segundo Charmaz (2009)Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed., a codificação axial é um terceiro tipo de codificação que explora questões do tipo quando, onde, por que, quem e como a partir do exercício de relacionar as categorias às suas subcategorias para gerar explicações mais precisas sobre o fenômeno. Nesta pesquisa, a subcategoria "Construção da carreira" representa como se deu a "Trajetória profissional" das mulheres executivas, a subcategoria "Barreiras à ascensão" representa a causa de como se configura a "Trajetória profissional" e a subcategoria "Consequências à mulher" representa o efeito da "Trajetória profissional" empreendida.

Com relação às subcategorias "Demandas profissionais" e "Demandas pessoais", ambas expressam as causas de como se caracteriza o "Cotidiano da mulher executiva". As subcategorias "Sentido do amadurecimento e maturidade" e "Sentido da idade" representam as causas que definem a "Experiência do amadurecimento e maturidade". Enquanto isso, as subcategorias "Morte física", "Morte social" e "Morte profissional" demonstram como ocorre a "Convivência com a morte" relatada pelas mulheres executivas. As subcategorias "Cuidar do corpo" e "Desenvolver habilidades pessoais e profissionais" exprimem como se dá a "Resistência ao envelhecimento", enquanto as subcategorias "Redefinição do trabalho" e "Encerramento da carreira executiva" explicam como a "Expectativa de renascimento" é elaborada pelas mulheres entrevistadas. A Figura 3.3.1 ilustra essas relações.

Figura 3.3.1
RELAÇÕES ENTRE CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS

Strauss e Corbin (2008)Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed. recomendam a utilização de um esquema que ajuda a reunir e ordenar dados de forma sistemática. Nesta pesquisa, o esquema se deu da seguinte maneira:

  • As categorias "Trajetória profissional" e "Cotidiano da mulher executiva" permitem caracterizar as mulheres entrevistadas e, por essa razão, são consideradas as condições que criam situações pertencentes a um fenômeno. Até certo ponto, explicam por que e como as pessoas respondem de determinadas maneiras (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). Nesta pesquisa, ambas as categorias demonstram por que as mulheres executivas atribuem determinado sentido ao envelhecimento.

  • As categorias "Experiência do amadurecimento e maturidade" e "Convivência com a morte" colaboram para o entendimento do que significa envelhecer para as mulheres executivas e representam as ações/interações com relação ao tópico estudado. As ações/interações são respostas dos participantes a questões, problemas, acontecimentos ou fatos (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). Nesta pesquisa, ambas as categorias contemplam as situações e os eventos que, sob as condições da "Trajetória profissional" e do "Cotidiano da mulher executiva", produzem o significado de envelhecimento para as mulheres entrevistadas.

  • As categorias "Resistência ao envelhecimento" e "Expectativa de renascimento" transmitem as reações ao envelhecimento e estão associadas às consequências das ações/interações. As consequências representam o que acontece como resultado das ações/interações ou da falha de pessoas em responder às situações por meio de ações/interações (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). Nesta pesquisa, ambas as categorias representam as consequências da compreensão do envelhecimento a partir do significado que foi construído de "Experiência do amadurecimento e maturidade" e de "Convivência com a morte" e refletem formas de reação a esse entendimento.

Tal esquema teórico permitiu estabelecer como categoria central "Morte e renascimento simbólicos no processo de envelhecimento de mulheres executivas". Essa integração representa a interpretação final sobre os dados e determina como a abstração se ajusta aos dados brutos.

4. QUESTÕES METODOLÓGICAS

Nesta seção, serão apresentadas as principais questões metodológicas que surgiram durante a operacionalização da GT e estratégias para superação das dificuldades enfrentadas.

A primeira questão metodológica encontrada na prática da GT foi definir o critério para selecionar as entrevistadas da pesquisa, pois não tínhamos resposta sobre quem poderia ser considerada uma executiva em processo de envelhecimento, seja pela escassez de literatura, seja pela própria natureza do fenômeno do envelhecimento, que se mostra complexo em termos de definição (Kooij, De Lange, Jansen, & Dikkers, 2008Kooij, D., De Lange, A. H., Jansen, P. G. W., & Dikkers, J. (2008). Older workers' motivation to continue work: Five meanings of age. A conceptual review. Journal of Managerial Psychology, 23(4), 364-394. doi:10.1108/02683940810869015
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; Claes & Heymans, 2008Claes, R., & Heymans, M. (2008). HR professionals' views on work motivation and retention of older workers: A focus group study. Career Development International, 13(2), 95-11. doi:10.1108/13620430810860521
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).

Como estratégia para superar a questão de critério de idade das participantes, no início da pesquisa o envelhecimento foi analisado a partir da autopercepção do fenômeno (Sherman, 1994Sherman, S. R. (1994). Changes in age identity: Self-perceptions in middle and late life. Journal of Aging Studies, 8(4), 397-412. doi:10.1016/0890-4065(94)90011-6
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; Thompson, 1992Thompson, P. (1992). "I don't feel old": Subjective ageing and the search for meaning in later life. Ageing and Societ, 12(1), 23-47. doi:10.1017/S0144 686X00004657
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; Uotinen, 2005Uotinen, V. (2005). I'm as old as I feel: Subjective age in Finnish adults (PhD thesis, University of Jyväskylä, Jyväskylä, Finland). Retrieved from https://jyx.jyu.fi/bitstream/handle/123456789/13358/1/9513923940.pdf
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), ou seja, foram entrevistadas mulheres que percebiam estar experimentando o envelhecimento, apesar da idade cronológica. Determinou-se esse critério de início porque alguns especialistas identificaram que a idade cronológica nem sempre se mostra adequada para estudar o fenômeno (Bowling, See-Tai, Ebrahim, Gabriel, & Solanki, 2005Bowling, A., See-Tai, S., Ebrahim, S., Gabriel, Z., & Solanki, P. (2005). Attributes of age-identity. Ageing and Society, 25(4), 479-450. doi:10.1017/S0144686X05003818
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) e a concepção de como as pessoas se sentem pode ser mais útil (Nilsson, Sarvimäki, & Ekman, 2000Nilsson, M., Sarvimäki, A., & Ekman, S. (2000). Feeling old: Being in a phase of transition in later life. Nursing Inquiry, 7(1), 41-49. doi:10.1046/j.1440-1800.2000.00049.x
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). Mas, ao dar voz às participantes ao longo das primeiras entrevistas, elas próprias identificaram a idade cronológica dos 40 anos como aquela que se mostrava mais pertinente para indicar o início de seu processo de envelhecimento. Portanto, essa informação passou a ser utilizada como um dos critérios para a realização das entrevistas.

A segunda questão metodológica encontrada na operacionalização da GT foi lidar com uma grande quantidade de códigos que dificultava a apreensão do fenômeno a cada entrevista realizada, uma vez que o envelhecimento é complexo e diverso (Bengtson, Gans, Putney, & Silverstein, 2009Gans, D., Putney, N. M., Bengtson, V. L., & Silverstein, M. (2009). The future of theories of aging. In V. L. Bengtson, D. Gans, N. M, Putney, & M. Silverstein (Eds.), Handbook of theories of aging (2nd ed., pp. 723-738). New York: Springer.), em que seu foco recai na variabilidade de experiências e não na universalidade do fenômeno (Gans, Putney, Bengtson, & Silverstein, 2009Gans, D., Putney, N. M., Bengtson, V. L., & Silverstein, M. (2009). The future of theories of aging. In V. L. Bengtson, D. Gans, N. M, Putney, & M. Silverstein (Eds.), Handbook of theories of aging (2nd ed., pp. 723-738). New York: Springer.).

Para superar a questão metodológica associada à grande quantidade de códigos durante o processo de codificação, optou-se por separar a coleta e análise de dados em fases, como grandes blocos, a fim de facilitar a compreensão do envelhecimento e lidar com as ambiguidades do próprio fenômeno estudado. Então, a codificação inicial ocorreu em quatro fases. Os principais códigos que emergiram durante a fase antecedente orientaram a fase de coleta de dados seguinte. Para isso, foi estruturado um roteiro de entrevistas para cada fase, com base nos códigos emergentes. Algumas perguntas do roteiro utilizado durante a fase antecedente foram mantidas, pois julgou-se necessário para melhor investigação a respeito do tópico explorado.

A terceira questão metodológica identificada está relacionada à triangulação de métodos de coleta de dados. Apesar de reconhecermos a importância dessa técnica para a GT (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.; Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.), não foi possível realizá-la por causa da natureza do objeto de estudo - o envelhecimento -, de difícil apreensão por meio de observação, documentos, etnografia, entre outros. O envelhecimento é um fenômeno complexo e pode ser observado sob diferentes perspectivas, desde os aspectos biológicos até os culturais (Henrard, 1996Henrard, J. C. (1996). Cultural problems of ageing especially regarding gender and intergenerational equity. Social Science and Medicine, 43(5), 667-680. doi:10.1016/0277-9536(96)00113-X
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).

Para lidar com a questão metodológica associada à questão da triangulação, buscou-se diversificar os perfis de entrevistadas (executivas que atuam em diferentes áreas, mulheres que buscaram novas carreiras, como consultoras, empreendedoras, conselheiras etc.), ao longo das quatro fases de coleta e análise de dados, para ter diferentes visões sobre o envelhecimento. Essa concepção de triangulação foi inspirada em uma das estratégias apresentadas por Denzin (2015)Denzin, N. K. (2015). Triangulation. In G. Ritzer (Ed.), The Blackwell Encyclopedia of Sociology. doi:10.1002/9781405165518.wbeost050.pub2
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, que consiste em coletar dados e envolve tempo, espaço e pessoas, considerando, portanto, a triangulação de fontes distintas.

A quarta questão metodológica identificada está relacionada à operacionalização da técnica de flip-flop, a qual permite verificar um conceito virado "ao avesso", a fim de obter uma perspectiva diferente sobre algum fato (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). A dificuldade em operacionalizar essa técnica se deu pelo fato de que é necessário comparar extremos desde que isso contribua para o entendimento do fenômeno em questão. Foi cogitado, em um primeiro momento, entrevistar mulheres executivas jovens, mas considerou-se que, no caso desta pesquisa, esse perfil não iria colaborar para compreender o envelhecimento.

Para a questão metodológica atrelada à operacionalização da técnica de flip-flop, em consonância com a concepção de triangulação de dados, buscou-se manter a diversificação dos perfis de entrevistadas, entendendo que, apesar de todas terem atuado como executivas e se encontrarem em processo de envelhecimento, elas estavam, no momento da realização das entrevistas, atuando como consultoras, conselheiras, empreendedoras etc.

A quinta questão metodológica identificada está relacionada ao fato de que, apesar de a GT permitir estabelecer as relações entre categorias e subcategorias, consideramos que o método, muitas vezes, permanece rígido, impedindo que sejam consideradas percepções, impressões e nuances que surgem durante a relação entre pesquisador e participante ao longo da pesquisa de campo. Ainda que esse envolvimento seja central na perspectiva construtivista (Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: Guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed.), não consideramos que ele se expresse facilmente na teoria substantiva. No caso desta pesquisa em particular, a relação entre uma jovem pesquisadora e mulheres executivas mais velhas suscitou diferentes sentimentos, que permaneceram de forma marginal na teoria substantiva, ainda que, certamente, tenha influenciado no desenvolvimento dela.

Como estratégia para superar a questão da rigidez do método, o que dificulta contemplar a relação pesquisador-participante, consideramos que uma narrativa à parte da análise dos dados pode se mostrar um caminho interessante para que os leitores compreendam como se deu a relação entre pesquisador e participante e como influenciou a teoria substantiva, ainda que essas impressões não tenham sido passíveis de codificação. Fendt e Sachs (2008)Fendt, J., & Sachs, W. (2008). Grounded theory method in management research: Users' perspectives. Organizational Research Methods, 11(3), 430-455. doi:10.1177/2F1094428106297812
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argumentam que, embora originalmente concebida como uma resposta ao positivismo, a GT assume um observador imparcial e passivo que coleta dados, mas não participa da criação e separação de fatos e valores. Para superar essa limitação, propomos um processo de reflexividade (Nadin & Cassel, 2006Nadin, S., & Cassell, C. (2006). The use of a research diary as a tool for reflexive practice: Some reflections from management research. Qualitative Research in Accounting & Management, 3(3), 208-217. doi:10.1108/11766090610705407
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; Pezalla, Pettigrew, & Miller-Day, 2012Pezalla, A. E., Pettigrew, J., & Miller-Day, M. (2012). Researching the researcher-as-instrument: An exercise in interviewer self-reflexivity. Qualitative Research, 12(2), 165-185. doi: 10.1177/2F1468794111422107
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) e optamos por apresentar diferentes narrativas confessionais (Van Maanen, 1988Van Maanen, J. (1988). Tales of the field. Chicago: University of Chicago Press. ) que emergiram ao longo do processo de pesquisa de um tema sensível como o envelhecimento (Alcadipani & Cepellos, 2017Alcadipani, R., & Cepellos, V. (2017). Pesquisas sensíveis em Administração e Organizações: Práticas e desafios. Administração: Ensino e Pesquisa, 18(2), 421-441. Retrieved from https://raep.emnuvens.com.br/raep/article/viewFile/680/239
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). Morse (2016)Morse, J. M. (2016). Tussles, tensions and resolutions. In J. M. Morse, P. N. Stern, J. Corbin, B. Bowers, K. Charmaz, & A. E. Clarke (Eds.), Developing grounded theory: The second generation (pp.13-22). London: Routledge. reconhece que estratégias de coleta de dados e formas de preparação de dados facilitam o processo de teorização, mas por si sós não fazem o método. Além disso, Fendt e Sachs (2008)Fendt, J., & Sachs, W. (2008). Grounded theory method in management research: Users' perspectives. Organizational Research Methods, 11(3), 430-455. doi:10.1177/2F1094428106297812
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sugerem reduzir a promessa da GT em desenvolver uma teoria substantiva e defendem que a decisão de usar um método e como usá-lo deve ser moldada pela personalidade e experiência do pesquisador.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

São inúmeros os desafios que a GT impõe aos pesquisadores, na medida em que ela se mostra em constante evolução (Morse, 2016Morse, J. M. (2016). Tussles, tensions and resolutions. In J. M. Morse, P. N. Stern, J. Corbin, B. Bowers, K. Charmaz, & A. E. Clarke (Eds.), Developing grounded theory: The second generation (pp.13-22). London: Routledge. ). Autores defendem que, embora os procedimentos propostos pela GT ajudem a garantir padronização e rigor para o processo, eles não foram criados para serem seguidos de forma dogmática (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.). Essa flexibilidade faz com que a metodologia não seja executada da mesma maneira cada vez que é usada e seu uso é diferente na medida em que alguns pesquisadores utilizam apenas algumas das estratégias propostas (Morse, 2016Morse, J. M. (2016). Tussles, tensions and resolutions. In J. M. Morse, P. N. Stern, J. Corbin, B. Bowers, K. Charmaz, & A. E. Clarke (Eds.), Developing grounded theory: The second generation (pp.13-22). London: Routledge. ). Essa forma de compreender a GT, no entanto, é alvo de críticas por parte de alguns estudiosos. Argumenta-se que essa metodologia, no contexto de gestão, corre o risco de perder sua integridade, pois pesquisadores parecem aceitá-la como uma situação em que "vale tudo" e acabam usando-a como um termo genérico para se referir a qualquer abordagem qualitativa com uma análise indutiva baseada em dados (Jones & Noble, 2007Jones, R., & Noble, G. (2007). Grounded theory and management research: A lack of integrity? Qualitative Research in Organizations and Management, 2(2), 84-103. doi:10.1108/17465640710778502
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). Além disso, seu processo pode ser confuso por conta do complexo vaivém ao longo do tempo entre teoria, dados, perguntas, respostas e anotações (Dougherty, 2017Dougherty, D. (2017). Grounded theory research methods. In J. A. Baum (Ed.), The Blackwell Companion to Organizations. doi: 10.1002/978140516 4061.ch37
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), como também pelo fato de existirem diferentes abordagens (Alammar, Intezari, Cardow, & Pauleen, 2019Alammar, F. M., Intezari, A., Cardow, A., & Pauleen, D. J. (2019). Grounded theory in practice: Novice researchers' choice between Straussian and Glaserian. Journal of Management Inquiry, 28(2), 228-245. doi:10.1177/ 1056492618770743
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).

Essas ambiguidades relacionadas ao método da GT suscitaram diversas questões metodológicas ao longo de sua operacionalização, conforme apresentado na seção anterior, tendo como base a pesquisa na qual este artigo foi baseado. Portanto, a partir de nossa experiência com o método da GT, foi possível nos depararmos com dificuldades e elaborarmos possíveis saídas, as quais buscamos compartilhar com futuros pesquisadores. Adotando uma postura crítica acerca do método, assim como fizeram Hopfer e Maciel-Lima (2008)Hopfer, K. R., & Maciel-Lima, S. M. (2008). Grounded theory: Avaliação crítica do método nos estudos organizacionais. Revista da FAE, 11(2), 15-24. Retrieved from https://revistafae.fae.edu/revistafae/article/view/267
https://revistafae.fae.edu/revistafae/ar...
, questionamos:

  • Até que ponto é possível categorizar e subcategorizar a experiência humana?

  • Até que ponto faz sentido desenvolver uma teoria substantiva acerca de vivências tão particulares como o envelhecimento - como propõe a pesquisa em que este artigo é baseado?

Apesar de nossa tentativa em apresentar estratégias metodológicas a partir de nossa experiência de pesquisa ao utilizarmos a GT, reconhecemos que elas são insuficientes para lidar com esse imenso desafio colocado pela metodologia. Nesse sentido, convidamos futuros pesquisadores a ampliar a discussão a respeito dela, expondo suas dificuldades e angústias ao decidirem utilizar a GT em seus estudos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2019
  • Aceito
    13 Abr 2020
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