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Autofotografia e relato de si: materialidades digitais e audiência algorítmica na prática de selfie1 1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no Grupo de Trabalho Comunicação e Cibercultura do XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018.

Auto-fotografía y dar cuenta de sí mismo: materialidades digitales y audiencia algorítmica en la práctica del selfie

Resumo

Busca-se neste artigo, por meio de uma perspectiva atenta às experiências, investigar as relações material-discursivas desenvolvidas através da prática de selfie. Para essa análise, tomamos como ponto de partida imagens publicadas no Facebook realizadas em uma praça localizada na cidade de Salvador, conjuntamente com os metadados de leitura automática associados a ela – considerados aqui como uma audiência algorítmica. Argumenta-se que a prática de selfie configura-se enquanto uma experiência de produção de relatos de si vinculada obrigatoriamente a um outro múltiplo – direcionando-se a uma audiência de emaranhados de sujeitos e algoritmos. Dessa forma, sugere-se compreendê-lo enquanto um aparato de práticas material-discursivas de produção de relato de si que se forma na interação entre diferentes materialidades digitais e experiências relacionais.

Palavras-chave
Selfie ; Account of oneself; Digital materialities; Algorithmic audience

Resumen

Buscamos en este artículo, a través de una perspectiva atenta a las experiencias, investigar las relaciones material-discursivas desarrolladas a través de la práctica de selfie. Para este análisis, tomamos como punto de partida imágenes publicadas en Facebook realizadas en una plaza ubicada en la ciudad de Salvador, junto con los metadatos de lectura automática asociados a ella – considerados aquí como una audiencia algorítmica. Argumentamos que la práctica de selfie se configura como una experiencia de producción de relatos de sí vinculada obligatoriamente a otro múltiplo – dirigiéndose a una audiencia de enmarañados de sujetos y algoritmos. De esta forma, sugerimos comprenderlo como un aparato de prácticas material-discursivas de producción de relato de sí que se forma en la interacción entre diferentes materialidades digitales y experiencias relacionales.

Palabras clave
Selfie ; Dar cuenta de sí mismo; Materialidades digitales; Audiencia algorítmica

Abstract

We seek to investigate, through the perspective of experiences, how material-discursive relations are developed through the practice of the selfie. For this analysis, we take as starting point images published on Facebook and taken in a square located in the city of Salvador, along with the automatic alternative text metadata – understood here as an algorithmic audience. We argue that the practice of selfie is an experience of account of oneself related to a multiple another – targeting an audience of entangled subjects and algorithms. In this way, we suggest to understand the selfie as an apparatus of material-discursive practices of account of oneself that is formed in the interaction between different digital materialities and relational experiences.

Keywords
Selfie; Relato de si; Materialidades digitais; Audiência Algorítmica

Introdução: a prática de selfie

Desde 2013, quando os dicionários Oxford elegeram selfie como a palavra do ano2 2 Disponível em: http://blog.oxforddictionaries.com/2013/11/word-of-the-year-2013-winner. Acesso em: 13 abr. 2019. – refletindo o surgimento e rápida difusão de um fenômeno fotográfico associado ao smartphone –, a produção deste tipo de imagem cresceu substancialmente, tornou-se algo incorporado ao cotidiano e difundido em diversas redes sociais digitais. Para além de um tipo de imagem, no entanto, selfie coloca-se enquanto uma prática.

Ao tornar-se bastante popular sem restringir-se regionalmente, a prática de selfie começa a ser objeto de diferentes trabalhos acadêmicos. Gunthert (2015)GUNTHERT, A. La consécration du selfie. Études photographiques, n. 32, 2015., por exemplo, ao estudá-la em termos de perspectivas culturais e históricas, identifica três maneiras distintas para se “praticar a selfie”: com o auxílio de um espelho, virando o aparelho ou através da câmera frontal. Para ele, esse tipo de imagem possui características conversacionais, demonstrando sua inerente sociabilidade ao ser produzida enquanto uma fotografia para ser compartilhada.

As atuais pesquisas3 3 Para estudos sobre selfie com perspectivas diversas realizados por pesquisadores brasileiros, ver livro organizado por Sandra Montardo (2018). sobre o fenômeno, no entanto, trabalham com objetivos e perspectivas diversas. Identificamos algumas delas: relações entre público e privado (LASÉN, 2013LASÉN, A. Autoportraits numériques: un exemple de la médiation technologique du devenir des corps. In: GRANDJEAN, N.; LOBET-MARIS, C. (Eds.). Corps et Technologies: penser l’hybridité. Bruxelas: P.IE. Peter Lang, 2013. p. 83–110., 2015LASÉN, A. Digital self-portraits: exposure and the modulation of intimacy. In: Mobile and Digital Communication: Approaches to Public and Private. Covilhã: LABCOM, 2015. p. 61–76., SANTOS, 2016SANTOS, F. C. As faces da selfie: revelações da fotografia social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 31, n. 92, p. 1-16, 2016., WALSH; BAKER, 2016WALSH, M. J.; BAKER, S. A. The selfie and the transformation of the public–private distinction. Information, Communication & Society, v. 20, n. 8, p. 1185–1203, 2016.); observação de fatores psicológicos ou comportamentais (CARBON, 2017CARBON, C. C. Universal principles of depicting oneself across the centuries: From Renaissance self-portraits to selfie-photographs. Frontiers in Psychology, v. 8, February, p. 1–9, 2017., LINDELL, 2017LINDELL, A. K. Consistently Showing Your Best Side? Intra-individual Consistency in #Selfie Pose Orientation. Frontiers in Psychology, v. 8, n. February, p. 1-7, 2017., MEESE et al., 2015MEESE, J. et al. Selfies at Funerals: Mourning and Presencing on Social Media Platforms. International Journal of Communication, v. 9, p. 1818–1831, 2015., SHAH; TEWARI, 2016SHAH, R.; TEWARI, R. Demystifying ‘selfie’: a rampant social media activity. Behaviour & Information Technology, v. 35, n. 10, p. 864–871, 2016., SUNG et al., 2016SUNG, Y. et al. Why we post selfies: Understanding motivations for posting pictures of oneself. Personality and Individual Differences, v. 97, p. 260–265, 2016., WILLIAMS; MARQUEZ, 2015WILLIAMS, A. A.; MARQUEZ, B. A. The Lonely Selfie King : Selfies and the Conspicuous Prosumption of Gender and Race. International Journal of Communication, v. 9, p. 1775–1787, 2015.); transformações da intimidade ou relação entre selfie, gênero e sexualidade (?UŠ BABI?; ROPERT; MUSIL, 2018?UŠ BABI?, N.; ROPERT, T.; MUSIL, B. Revealing faces: Gender and cultural differences in facial prominence of selfies. PLOS ONE, v. 13, n. 10, 31 out. 2018., LASÉN, 2013, LASÉN; GARCÍA, 2015LASÉN, A.; GARCÍA, A. ‘… but I haven’t got a body to show’: Self-pornification and male mixed feelings in digitally mediated seduction practices. Sexualities, v. 18, n. 5–6, p. 714–730, 13 set. 2015., MIGUEL, 2016MIGUEL, C. Visual Intimacy on Social Media: From Selfies to the Co-Construction of Intimacies Through Shared Pictures. Social Media + Society, v. 2, n. 2, 2016., NAEZER, 2018NAEZER, M. Sexy selves: Girls, selfies and the performance of intersectional identities. European Journal of Women’s Studies, v. 27, n. 1, p. 41-56, 29 set. 2018.); e aquelas que compreendem a selfie enquanto um conjunto de práticas ou redes sociotécnicas (CRUZ; THORNHAM, 2015CRUZ, E.; THORNHAM, H. Selfies beyond self-representation: the (theoretical) f(r)ictions of a practice. Jounal of Aesthetics and culture, v. 7, p. 1–10, 2015., FROSH, 2015, HESS, 2015, SENFT; BAYM, 2015SENFT, T. M.; BAYM, N. K. What Does the Selfie Say ? Investigating a Global Phenomenon Introduction. International Journal of Communication, v. 9, p. 1588–1606, 2015.), ou levam em conta materialidades digitais e/ou estudos de plataforma e métodos digitais (MONTARDO, 2019MONTARDO, S. P. Selfies no Instagram: implicações de uma plataforma na configuração de um objeto de pesquisa. Galáxia, n. 41, p. 169–182, 2019., WARFIELD, 2016, 2018WARFIELD, K. Im(matter)ial Bodies: A Material and Affective Rethinking of Selfies for Digital Literacy Resources. Language and Literacy, v. 20, n. 3, p. 73–88, 2018.). Em outros estudos, parte-se do pressuposto de que há uma relação direta entre a produção de selfies e formatos sociais individualistas e narcisistas, buscando compreender as razões desse envolvimento (HALPERN; VALENZUELA; KATZ, 2016HALPERN, D.; VALENZUELA, S.; KATZ, J. E. “Selfie-ists” or “Narci-selfiers”?: A cross-lagged panel analysis of selfie taking and narcissism. Personality and Individual Differences, v. 97, p. 98–101, 2016., OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, M. DE. Reflexos de Narciso: traços do arquétipo mítico-psicanalítico nos selfies. Ciberlegenda, n. 32, p. 83–94, 2015., PERSICHETTI, 2013PERSICHETTI, S. Dos elfos aos selfies. In: Comunicação: entretenimento e imagem. São Paulo: Editora Plêiade, 2013. p. 155–164.; SUNG et al., 2016SUNG, Y. et al. Why we post selfies: Understanding motivations for posting pictures of oneself. Personality and Individual Differences, v. 97, p. 260–265, 2016.).

Indo de encontro a um olhar prévio reduzido pela ótica do narcisismo, damos preferência à interlocução com trabalhos que rejeitam um enquadramento a priori e desenvolvem questões voltadas para as dinâmicas associativas ou práticas e experiências relacionadas ao fenômeno. Hess (2015HESS, A. The Selfie Assemblage. International Journal of Communication, v. 9, p. 1629–1646, 2015., p. 1630 - Tradução nossa4 4 Até o final do artigo, as citações em língua estrangeira terão tradução nossa, com o original em nota de rodapé. ), ao tratá-lo enquanto uma prática social, o compreende em termos híbridos: “Enquanto a explicação fácil é aquela que considera selfies como emblemas de um cultura contemporânea narcisista, uma leitura mais aprofundada das selfies proporciona na verdade a percepção sobre as relações entre tecnologia, o self, materialidade, e redes”5 5 “While the easy explanation is that selfies exist as emblems of a narcissistic contemporary culture, a deeper reading of selfies instead provides insight into the relationships between technology, the self, materiality, and networks”. . De maneira semelhante, Gómez Cruz e Thornham (2015)GÓMEZ-CRUZ, E. The (Be)Coming of Selfies: Revisiting an Onlife Ethnography on Digital Photography Practices. In: HORST, H.; HJORTH, L.; GALLOWAY, A. (Eds.). The Routledge Companion to Digital Ethnography. London: Routledge, 2016. p. 300–307. percebem a selfie não apenas enquanto uma imagem, mas como um processo complexo de práticas, revelando suas relações com conversas mediadas, estabilizações e convergências através do smartphone, além de entendê-las enquanto algoritmos duráveis, em uma relação entre softwares, design digital, redes sociais e tecnologias móveis. A prática de selfie, ainda, pode ser caracterizada como aquela capaz de apontar transmissões de sentimentos através de diversas relações – entre o fotógrafo e o fotografado, entre imagem e software de filtros, entre observador e observado, entre indivíduos circulando imagens, entre usuários e arquiteturas de softwares sociais (SENFT; BAYM, 2015SENFT, T. M.; BAYM, N. K. What Does the Selfie Say ? Investigating a Global Phenomenon Introduction. International Journal of Communication, v. 9, p. 1588–1606, 2015.).

Interessam-nos, também, os estudos voltados para a interseção entre a prática de selfie e formas de produção de intimidade (LASÉN, 2013LASÉN, A. Autoportraits numériques: un exemple de la médiation technologique du devenir des corps. In: GRANDJEAN, N.; LOBET-MARIS, C. (Eds.). Corps et Technologies: penser l’hybridité. Bruxelas: P.IE. Peter Lang, 2013. p. 83–110., 2015LASÉN, A.; GARCÍA, A. ‘… but I haven’t got a body to show’: Self-pornification and male mixed feelings in digitally mediated seduction practices. Sexualities, v. 18, n. 5–6, p. 714–730, 13 set. 2015., MIGUEL, 2016MIGUEL, C. Visual Intimacy on Social Media: From Selfies to the Co-Construction of Intimacies Through Shared Pictures. Social Media + Society, v. 2, n. 2, 2016.). Ou, ainda, aqueles que extrapolam a análise da própria imagem e, por exemplo, compreendem a selfie e o compartilhamento de imagens digitais em meio a uma rede sociotécnica e como uma prática social – como faz Frosh (2015)FROSH, P. The gestural image: The selfie, photography theory, and kinesthetic sociability. International Journal of Communication, v. 9, n. 1, p. 1607–1628, 2015. ao tratar de uma “imagem gestual” ou Gómez Cruz e Meyer (2012)GÓMEZ CRUZ, E.; MEYER, E. T. Creation and Control in the Photographic Process: iPhones and the emerging fifth moment of photography. Photographies, v. 5, n. 2, p. 203–221, 2012. ao indicar mobilidade, ubiquidade e conexão associados à fotografia realizada através de smartphones.

Assim como Gómez Cruz (2016)GÓMEZ-CRUZ, E. The (Be)Coming of Selfies: Revisiting an Onlife Ethnography on Digital Photography Practices. In: HORST, H.; HJORTH, L.; GALLOWAY, A. (Eds.). The Routledge Companion to Digital Ethnography. London: Routledge, 2016. p. 300–307., seguimos uma proposta de pensar a selfie enquanto um conjunto complexo de práticas e materialidades. No entanto, busca-se neste trabalho iniciar uma investigação que possibilite um avanço no sentido de identificar algumas especificidades dessa prática. Para isso, tomamos como ponto de partida o trabalho de Warfield (2016)WARFIELD, K. Making the Cut: An Agential Realist Examination of Selfies and Touch Social Media and Society, v. 2, n. 2, p. 1-10, 2016., o qual, baseando-se no realismo agencial de Barad (2007)BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007., trabalha com selfies como emaranhados material-discursivos em rede. Para além dessa perspectiva, no entanto, entende-se aqui selfie não apenas como uma prática de produção de imagens, mas como uma forma de produção constante de relatos de si dirigidos a um outro (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.). São relatos – deve-se ressaltar – não unicamente desenvolvidos enquanto discursos imagéticos voltados a si, mas capazes de vincular-se a uma conformação material e discursiva imbricada em visões, procedimentos e audiências algorítmicas.

Através de uma perspectiva atenta às experiências, percebendo a selfie, portanto, como uma prática pautada por experiências relacionais (PASTOR, 2017PASTOR, L. Prática do selfie: experiência e intimidade no cotidiano fotográfico. Contracampo, v. 36, n. 2, p. 157–173, 2017.) – e não apenas como um tipo de imagem –, buscamos neste artigo investigar as relações material-discursivas em produções de relatos de si desenvolvidos através deste tipo de autofotografia digital. Argumentamos que a prática de selfie configura-se enquanto uma experiência de produção de relatos de si vinculada obrigatoriamente a um outro múltiplo – direcionando-se a uma audiência de emaranhados de sujeitos e algoritmos. Ou seja, sugerimos tensionar a selfie de forma a compreendê-la enquanto um aparato – no sentido proposto por Barad (2007)BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007., de práticas material-discursivas específicas – de produção de relatos de si que se forma através, também, de materialidades digitais com procedimentos e audiências algorítmicas.

Selfie na praça e visão algorítmica

Para uma investigação sobre a prática de selfie e as experiências e materialidades envolvidas na produção de autonarrativas, tomamos como ponto de partida as imagens publicadas no Facebook em uma praça6 6 Para esta análise, escolhemos a Praça Ana Lúcia Magalhães, localizada em Salvador/BA. A proposta é perceber as experiências fotográficas que extrapolam o próprio espaço geográfico – além de transformá-lo em metadado a partir de uma geotag – e conectam-se com a dinâmica da rede social digital. A praça, portanto, torna-se um local que agrega, em usos cotidianos, diversas práticas de lazer – incluindo a prática do selfie. Este trabalho se insere em um projeto de pesquisa mais amplo no qual esta praça é utilizada como ponto de partida para uma investigação etnográfica da prática de selfie. localizada na cidade de Salvador. Extraímos todas as publicações de selfies, marcadas com a geolocalização específica, entre um período7 7 Período de 18 dez. 2016 a 19 fev. 2017. aproximado de dois meses. Foram encontradas 29 imagens.

Para esta análise descritiva8 8 Para suporte à análise desenvolvida neste artigo, utilizamos o software de análise e pesquisa qualitativa Atlas.ti. , ativamos a extensão Show Facebook Computer Vision Tags9 9 Mais detalhes sobre a extensão: https://github.com/ageitgey/show-facebook-computer-vision-tags. Acesso em: 8 abr. 2019. , desenvolvida para o navegador Google Chrome, capaz de tornar visíveis a marcações geradas pelo Automatic Alternative Text10 10 Para mais informações sobre o desenvolvimento do Automatic Alternative Text: https://code.facebook.com/posts/457605107772545. Acesso em: 8 abr. 2019. da rede social. Trata-se de uma ferramenta de acessibilidade que, através de leituras automáticas realizadas por inteligência artificial, permite a apresentação em voz de conteúdos das imagens para aqueles com dificuldade de visão. Ou seja, são geradas palavras-chave indicando o resultado da leitura automática, demonstrando o possível conteúdo de uma fotografia. A identificação é, portanto, transformada em metadado e passa a acompanhar as informações ocultas da imagem.

Todas as fotografias foram classificadas em três tipos: selfie em grupo, selfie em dupla e selfie individual. O primeiro agregou as práticas de selfie que resultam em uma imagem com a presença de mais de duas pessoas em primeiro plano, enquanto o segundo relaciona-se a fotos com duas pessoas e, por fim, selfies com apenas uma pessoa. Nesta mesma ordem, temos 11 registros associados a selfies realizadas em grupo, dez em dupla e oito individuais. Apesar deste tipo de prática estar comumente associada ao isolamento e auto representação individual, percebe-se, ao menos neste exemplo de sociabilidade em um espaço público, a predominância daquelas imagens capazes de agregar mais de uma pessoa – 21 de um total de 29 fotos.

De forma semelhante, as Computer Vision Tags (CVT) indicam um reconhecimento mais comum de categorias voltadas para identificação humana. Dentre as 23 diferentes marcações indicadas na imagem, seis são exclusivas para contagem e ações referentes a pessoas – através delas, 56 diferentes aparições são registradas. Dentre as cinco marcações11 11 Todas as CVT encontradas são: 1 person, beard, child, closeup, cloud, concert, crowd, eyeglasses, hat, indoor, nature, one or more people, outdoor, n people, people sitting, people smiling, people standing, selfie, sky, standing, sunglasses, table, tree. que aparecem com maior frequência, inclusive, três relacionam-se diretamente com descrições de pessoas: people (20), people smiling (18), outdoor (17), 1 person (12) e closeup (6).

Figuras 1 e 2
Selfies realizadas em grupo

Em uma das publicações12 12 Todas as imagens inseridas neste texto foram compartilhadas no modo público no Facebook. No entanto, borramos todos os rostos visíveis, com o intuito de preservar a identidade das pessoas. , por exemplo, vemos uma pessoa em primeiro plano segurando um cachorro em uma das mãos, enquanto com a outra provavelmente segura um smartphone, mantendo o braço esticado. Assim como ele, mais cinco pessoas atrás – dois adultos e três crianças – sorriem para a foto. “Domingo na Praça!!”, escreveram na legenda. O Automatic Alternative Text, neste caso, identificou duas descrições para a imagem: 6 people e people smiling. A primeira, demonstrando uma contagem de pessoas na imagem, enquanto a segunda indica uma ação facial daquelas pessoas.

Como é possível perceber, a prática de selfie extrapola o simples visível do humano. Para além da necessidade de se compreender a selfie enquanto uma prática – evitando, portanto, um olhar centrado apenas na imagem –, demonstra-se como, de forma complementar, deve-se acrescentar as contínuas multiplicações material-discursivas capazes de extrapolar o momento de registro e a publicação da imagem.

Uma outra publicação extraída do Facebook mostra uma mulher em primeiro plano, de óculos escuros, enquadrada no lado direito da foto, permitindo que outras seis pessoas apareçam ao fundo. Observando o ângulo da imagem, percebe-se a intenção de fazer um tipo de selfie de cima para baixo, com um rosto em primeiro plano e o restante das pessoas sentadas ao fundo. Todas estão sorrindo e olhando para câmera – people smiling e people sitting, como confirma também a leitura automática da imagem –, com uma delas, inclusive, sentada em uma cadeira de praia e fazendo um sinal positivo com o polegar. Vemos, no chão, algo que parece ser uma toalha para piquenique, vermelha e branca quadriculada, com bandejas com petiscos e, ao centro, um bolo de chocolate com morango. A foto, como é possível, portanto, observar, foi realizada para registrar algum tipo de comemoração.

Figuras 3 e 4
Selfies realizadas em grupo e em dupla

Em uma outra publicação, com uma selfie realizada com três pessoas, a leitura automática da imagem revela as seguintes CVT: 3 people, people smiling, child, outdoor, closeup. Trata-se de uma foto de família, com um homem segurando o smartphone ao alto, abraçado a uma mulher – os dois sorrindo para a câmera, como já indica o algoritmo de leitura imagética do Facebook – e, agarrada à mãe, encontra-se a provável filha do casal – não sorrindo, mas aparentemente gritando alegremente para a foto. Os pais estão com os rostos encostados um no outro, enquanto a filha se segura em sua mãe. Na legenda, eles escrevem: “Alegria, alegria...”. Tais expressões de contentamento aparecem, dessa forma, nos próprios sorrisos e grito registrados na imagem, na leitura automática com o people smiling, em forma de texto na descrição e, ainda, nos comentários de amigos: “Que alegria!!!”, acompanhado de um emoji representado um sorriso feliz; “Que lindos sorrisos !!!”; “Família linda e Feliz!!! Amoo muitooo!!”, ao lado de figuras de rosto sorrindo e coração. Os sorrisos, portanto, passam pela prática de selfie naquele momento na praça – segurar o smartphone, interagir com os familiares, abraçar, registrar e visualizar as imagens –, transformam-se em metadados – alocados, provavelmente, em um grande banco de dados de outras marcações de people smiling –, chegam até a legenda escolhida para a imagem, misturam-se a emojis representando alegria, além de se multiplicar até pelas expressões textuais dos amigos que comentam a publicação.

Demonstração de afeto, alegria e sorrisos mostram-se presentes na maioria das fotos com duas pessoas. Elas, inclusive, demonstram uma maior proximidade, rostos mais próximos, com tipos de selfie em closeup – como chama o algoritmo de leitura do Facebook. Em uma dessas publicações, vemos um casal, um homem e uma mulher, sorrindo para a câmera, com suas faces quase encostadas uma na outra. “Tem momentos na vida que parece que nada acontece, aí Deus vai e lhe dá um presente”, ele escreve na publicação, indicando que há provavelmente um envolvimento amoroso entre os dois. Na seção dos comentários, ela responde: “Você que é meu presente!”. Em seguida, amigos e parentes parabenizam o casal.

Figuras 5 e 6
Selfies realizadas em grupo e em dupla

Os sorrisos, conjuntamente com outras expressões faciais, aparecem também em mais fotos em dupla que indicam algum envolvimento amoroso. Sentado em um banco da praça, junto com sua provável namorada, um rapaz estica um braço e produz uma selfie sorrindo, enquanto ela ao mesmo tempo sorri e coloca a língua para fora. Os dois encostam a parte superior de suas cabeças, mantendo o rosto inclinado; ela o abraça por trás, com uma das mãos, enquanto a outra segura um pote grande de açaí. Ele escreve na legenda: “Então é Natal! Vamos engordar!”, acompanhado da hashtag #Bótomaçai?”. Trata-se, de fato, de um compartilhamento feito na noite do dia 25 de dezembro, com a decoração de Natal da praça visível ao fundo da foto. Nos comentários, amigos falam tanto do entrosamento do casal quanto a referência ao Natal: “Feliz Natal casal sucesso da Bahia!”. Já os CVT, apesar de não perceberem diretamente as luzes natalinas, identificam corretamente a quantidade de pessoas, os sorrisos, árvores e uma situação ao ar livre – 2 people, people smiling, tree, outdoor.

Apesar de aparecerem em menor número, selfies com apenas uma pessoa demonstram também características diversas. Uma das publicações mais curiosas apresenta, na verdade, duas fotos diferentes editadas em apenas uma imagem. Um homem de meia idade, cabelos ralos e parcialmente brancos, de camisa polo e fones de ouvido, fotografa-se duas vezes embaixo do sol – mostrando discretamente, ao fundo, um totem da prefeitura exibindo a temperatura de 34 graus. Nas duas imagens, feitas bem próximo ao rosto, é possível perceber as sombras de seus óculos projetadas pelo sol forte. Na foto da esquerda, porém, ele está sorrindo discretamente; na da direita, arregala os olhos, joga a cabeça um pouco para trás e abre a boca fazendo uma expressão de espanto. “Calor é bom... mas 34 as 8h30 é de lascar!!!! Saudade do frio de Sampa.”, escreve. Para completar, a pessoa faz uma marcação no Facebook de “feeling hot at Praça Ana Lúcia Magalhães”. Nos comentários, algumas pessoas rebatem a afirmação, indicando que “A coisa por aqui também anda quente”, ou, ainda, fazem referências irônicas – provavelmente – às suas expressões faciais nas fotos: “Tá bonito heim!!!!!”. A quantidade de raios solares, inclusive, parece confundir as marcações automáticas do Facebook: em uma imagem, aponta sunglasses; em outra, apenas eyeglasses.

Observando algumas dessas práticas, percebe-se como a experiência desenvolve-se não apenas na imagem de uma face registrada em forma de autorretrato, mas, também, nas possibilidades de publicação e interação em redes sociais digitais; na sociabilidade gerada através da prática, em momentos lúdicos com uma ou mais pessoas; nas relações de intimidade desenvolvidas; nas narrativas de si através da produção imagética, com faces multiplicadas através das redes; além da disseminação, às vezes involuntária, de metadados e comportamentos capazes de, por exemplo, serem explorados através de leituras das imagens compartilhadas. Essa experiência constrói-se como um emaranhado de práticas diversas, agregando diferentes dinâmicas e interações materiais e discursivas.

Relato de si, materialidades digitais e audiência algorítmica

Como é possível observar a partir das publicações analisadas, as imagens chamadas de selfie compartilhadas em redes sociais não se fecham em um relato imagético pessoal restrito, mas se configuram – conjuntamente com dados de geolocalização, hashtags e descrições textuais – como uma prática dirigida à interação com outros. Nesse sentido, as publicações funcionam também como uma narrativa de si, um relato de um momento na praça. Para compreender essa relação, sugerimos perceber a selfie também como uma prática de relatar a si mesmo – ou compreender a si mesmo13 13 Utilizamos aqui a tradução oferecida pela edição brasileira (BUTLER, 2015) como “relato de si”; no entanto, é importante destacar o sentido mais amplo do termo original “account of oneself”, envolvendo não apenas um significado de relato, mas também de compreensão e cuidado de si, especialmente em termos éticos em uma relação com o outro. – através de uma relação com o outro, no sentido proposto por Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015..

Segundo Butler (2015, p. 53)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., “se conto a história para um ‘tu’, esse outro está implícito não só como característica interna da narrativa, mas também como condição irredutivelmente exterior e trajetória do modo de interpelação”. No entanto, o relato de si, muito além de uma questão unicamente narrativa, é colocado por Butler (2015, p. 13)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. em termos morais – uma filosofia moral envolta em uma “questão que tem a ver com conduta e, portanto, com o fazer”. Para ela, há uma conexão paradoxal entre “a deliberação da moral” e a “tarefa de relatar a si mesmo” (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., p. 21). Ao mesmo tempo em que haveria um conjunto de regras morais produzindo um sujeito, há uma negociação reflexiva desse sujeito em relação a elas.

Trazendo uma discussão a partir de Michel Foucault, Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. conecta as formas de relato de si com a ação ética. Não há, nesse sentido, uma ação ética determinada totalmente, ao mesmo tempo em que ela não pode ser radicalmente livre; portanto, “Sua luta ou dilema primário devem ser produzidos por um mundo, mesmo que tenhamos de produzi-lo de alguma maneira” (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., p. 31) A ética, dessa forma, está relacionada ao conhecimento de si; há possibilidades de relato de si em um diálogo – e disputa, em certos momentos – com as formulações éticas. O sujeito moral em Foucault (1984)FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., por exemplo, constitui-se justamente através de “modos de subjetivação”, da “ascética” e das “práticas de si”. Dessa forma, a ação moral não estaria restrita a atos moldados por regras, leis ou valores; ela “implica também uma certa relação a si; essa relação não é simplesmente ‘consciência de si’, mas constituição de si enquanto ‘sujeito moral’”, um sujeito que “age sobre si mesmo, procura conhecer-se, controla-se, põe-se à prova, aperfeiçoa-se, transforma-se” (FOUCAULT, 1984FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., p. 37).

Seguindo esta relação entre ética14 14 Em termos da relação entre ética e relato de si, Butler (2015) desenvolve o argumento de que certa opacidade do sujeito, ou uma impossibilidade de nos relatarmos por completo para outro, não representaria um “fracasso ético”; pelo contrário, trata-se de algo indispensável para a ética: “A relacionalidade que condiciona e cega esse ‘si-mesmo’ não é, de maneira precisa, um recurso indispensável para a ética?” (BUTLER, 2015, p. 56). e práticas de si, desenvolvidas por Foucault, Butler (2015, p. 32) argumenta que “uma teoria da formação do sujeito, que reconhece os limites do conhecimento de si, pode sustentar uma concepção da ética e, na verdade, da responsabilidade”. Nossa relação com outro, ela explica, desenvolve-se também no sentido de uma opacidade do sujeito – e essa opacidade, inclusive, vincula-se a formações éticas. Ou seja, quando nos relacionamos com outros, surgem também momentos de desconhecimento sobre nós mesmos. A opacidade do sujeito, portanto, é consequência de sua condição como ser relacional.

O relato de si, nesse sentido, envolve-se em uma relação com o outro. “Se dou um relato de mim mesma para alguém, sou obrigada a revelá-lo, cedê-lo, dispor-me dele no momento em que o estabeleço como meu”, escreve Butler (2015, p. 51)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.. Esse relato, no entanto, encaixa-se em um formato de interpelação, mesmo que não saibamos para quem exatamente ele se dirige. O relato só se completa, portanto, “quando é efetivamente extraído e expropriado do domínio daquilo que é meu” (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., p. 51-52).

Ao nos fotografarmos, não nos fechamos no anonimato, produzimos relatos de nós mesmos dirigindo-nos a um outro – mesmo que, como lembra Butler, este outro não seja diretamente conhecido. O relato de si mesmo – e, no nosso caso, a prática de selfie compreendida também como relato de si – configura-se como uma produção relacional. Por outro lado, esse relato que necessariamente sai do domínio do eu, e deve alcançar um outro, um tu, é desenvolvido por Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. no sentido de uma relação entre sujeitos. Para além desta relação, interessa-nos trabalhar com a prática de selfie capaz de produzir relatos de si que não apenas extrapolam o domínio do eu, mas também englobam uma forma relacional que escapa de associações e interpretações realizadas unicamente entre sujeitos. Ou, em outros termos, explorar uma experiência envolvendo associações e produções de subjetividade entre humanos e não humanos. Para utilizar o exemplo analisado neste trabalho: o relato de si, realizado através das práticas de selfie, dirige-se também a um “outro” formado por algoritmos de reconhecimento automático da imagem.

O relato de si, nesse sentido, continua sendo relacional; agregamos, no entanto, uma pluralidade para o sentido do “ser”, do “eu” e do “outro” – indo ao encontro de autores como James (1912JAMES, W. Essays in Radical Empiricism. New York, London: Longmans, Green, and Co, 1912., 2000)JAMES, W. Pragmatism (1907). In: Pragmatism and Other Writings. London: Penguin Books, 2000. p. 1-132., Latour (2012)LATOUR, B. Enquéte sur les modes d’existence: une anthropologie des Modernes. Paris: Éditions La Découverte, 2012., Viveiros de Castro (2015)VIVEIROS DE CASTRO, E. Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac Naify, 2015. e Stengers (2008)STENGERS, I. Experimenting with Refrains: Subjectivity and the Challenge of Escaping Modern Dualism. Subjectivity, v. 22, n. 1, p. 38–59, 2008.. Evitando, portanto, uma separação entre interioridade e exterioridade, material e imaterial, humano e não humano, sujeito e objeto, podemos retrabalhar a questão trazida por Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.. Ao nos tornarmos “seres autonarrativos” (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., p. 23), em termos da produção de imagens de si, envolvendo-nos na prática de selfie, percebemos que este “outro” configura-se tanto por aquele amigo que irá ver e comentar sua fotografia, quanto também, por exemplo, por aquela audiência do algoritmo que lê sua imagem automaticamente, a transforma em metadado, conectando-a com outras imagens, outras selfies, outras fotos em praças, outras faces multiplicadas em diferentes redes. Ou, ainda, por aquele pedido sedutor e discreto de alguma rede social digital: compartilhe relatos de si, publique sua selfie, mostre-me seu rosto, demonstre seu humor, diga o que você está fazendo agora, ou, ainda, traga sua experiência fotográfica para cá, transforme-a em dados.

Retomemos uma das publicações de selfie na praça observadas neste trabalho, na qual uma família – um casal e uma criança – aparece sorrindo e abraçada, acrescentando uma legenda com as palavras “Alegria, alegria...”. Os olhares à câmera tornam-se, na verdade, olhares direcionados também àqueles, amigos e conhecidos, que verão aquela imagem no Facebook e, muitas vezes, reagirão com curtidas ou ainda comentários do tipo “Família linda e Feliz!!! Amoo muitooo!!” – com muitos emojis ao lado. Suas faces sorridentes, no entanto, direcionam-se não apenas a essa audiência humana empolgada com tais afetos familiares na praça, mas também a uma audiência algorítmica que, por exemplo, identifica na imagem a presença de três pessoas, incluindo uma criança, em close-up, sorrindo e se fotografando em um espaço ao ar livre. Os afetos, as interações, as relações de intimidade daquela família materializam-se em comentários, tags geradas automaticamente, emojis, curtidas, compartilhamentos – o relato de si e a intimidade partilhada transformam-se também em metadados que alimentam a rede social. Isso revela, inclusive, a necessidade de uma compreensão do cruzamento entre materialidade e práticas discursivas que extrapole o limite da agência humana, permitindo uma percepção pós-humanista dessa relação (BARAD, 2007BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007.).

No sentido como trabalhado neste artigo, pode-se dizer que a construção de um relato de si, através da prática de selfie, relaciona-se e forma-se conjuntamente com uma audiência múltipla, igualmente conduzida por práticas e emaranhados materiais e discursivos. Nossa intimidade partilhada e os relatos e sociabilidades produzidas, percebidos e desenvolvidos também através da prática de selfie, coloca-se em termos relacionais, a partir do outro. Este outro, no entanto, deve agregar não apenas a audiência humana ou aqueles com quem nos fotografamos, mas também as formas materiais inerentes às produções de subjetividade.

Para compreender este tipo de narrativa de si, desenvolvida com a prática de selfie, mostra-se importante reinterpretar a análise de Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. de forma a evitar os elementos antropocêntricos vinculados a ela. Ou seja, repensar a própria materialidade da prática de selfie e das produções de relatos de si. Seguindo Barad (2007),BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007. pode-se dizer que, apesar de Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., em uma lógica de performatividade, aliar matéria e significação, sua investigação limita-se à produção de corpos humanos. Nesse sentido, tanto para Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. quanto para Foucault – explica Barad (2007)BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007. – a agência vincula-se apenas ao domínio humano. Segundo a autora, “a teoria de Butler interpreta a matéria como um produto passivo das práticas discursivas ao invés de interpretá-la como um agente participante ativo no próprio processo de materialização”15 15 “Butler’s theory ultimately reinscribes matter as a passive product of discursive practices rather than as an active agent participating in the very process of materialization”. (BARAD, 2007BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007., p. 151). Através da elaboração de uma perspectiva chamada de agential realism, Barad (2007) reivindica uma percepção performativa pós-humanista das práticas material-discursivas. Não se trata de um realismo atrelado a uma essência ou propriedade das coisas; pelo contrário, trata-se da percepção de uma materialidade dinâmica pautada pela diferença e entrelaçada com o discurso. Ou seja, matéria e significado articulam-se mutuamente.

Incorporando à perspectiva de Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. a lógica de um dinamismo da matéria, podemos perceber como, no próprio desenvolvimento da prática de selfie, as produções de relatos de si envolvem-se em um emaranhado material-discursivo. Ou seja, pode-se considerar a selfie como um aparato – nos termos de Barad (2007)BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007. –, uma configuração material-discursiva específica, pautada pelas relações entre relato de si, materialidades digitais, subjetividades e ações algorítmicas. Além de pensá-la enquanto uma rede de entanglements materiais e discursivos – como sugere Warfield (2016)WARFIELD, K. Making the Cut: An Agential Realist Examination of Selfies and Touch Social Media and Society, v. 2, n. 2, p. 1-10, 2016. a partir de Barad (2007)BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007. , pode-se compreendê-la como um aparato que envolve práticas material-discursivas de relatar a si mesmo. Tendo como base a filosofia-física de Niels Bohr, Barad (2007)BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007. vai extrapolar a conformação laboratorial de um aparato para pensá-lo enquanto práticas material-discursivas específicas, que produzem diferenças “that matter”, em reconfigurações materiais dinâmicas do mundo. A selfie, dessa forma, funciona enquanto um aparato não apenas no sentido de um autorretrato produzido por um aparelho capaz de transformar luz em informação numérica, mas, principalmente, por se mostrar enquanto uma prática discursiva – e, portanto, também material – desenvolvida através de experiências cotidianas, interações textuais, audiências algorítmicas, compartilhamentos, metadados etc.

A prática de selfie, portanto, não está relacionada a uma experiência de um sujeito ou atrelada diretamente a ele. A experiência, compreendida em termos relacionais, através de relações também experienciadas (JAMES, 1912JAMES, W. Essays in Radical Empiricism. New York, London: Longmans, Green, and Co, 1912., 2000JAMES, W. Pragmatism (1907). In: Pragmatism and Other Writings. London: Penguin Books, 2000. p. 1-132.), passa por diversos seres – no sentido híbrido proposto por Souriau (2009)SOURIAU, É. Les différents modes d’existence. Paris: Presses Universitaires de France, 2009. e Latour (2012)LATOUR, B. Enquéte sur les modes d’existence: une anthropologie des Modernes. Paris: Éditions La Découverte, 2012. –, envolvendo, no caso deste trabalho, uma multiplicidade de práticas e relações – em diferentes entanglements de matéria e discurso (BARAD, 2007BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007.) –, passando desde um abraço na praça até a materialidade digital dos algoritmos que irão interpretar uma imagem desse abraço. Essa conformação material-discursiva, como visto com os exemplos analisados, produz sua especificidade na relação dos processos traduzidos pela plataforma digital com a prática cotidiana daqueles que frequentam aquele espaço. Não se tratam apenas de possíveis contextos locais ou culturais, mas também de uma experiência que é desenvolvida na produção conjunta de relatos de si e materialidades digitais. A própria leitura automática das imagens, nesse sentido, relaciona-se tanto com as interações e retratos produzidos através da prática de selfie naquele espaço específico quanto com um conjunto de parâmetros algorítmicos treinados a partir de outros rostos, abraços, sorrisos e praças.

Podemos observar novamente, por exemplo, uma das publicações apresentadas no tópico anterior, na qual, na imagem, encontramos um casal de namorados abraçados: ele, segurando o smartphone e sorrindo para a câmera, enquanto ela coloca a língua para fora, abraça-o com uma das mãos e, com a outra, segura um pote de açaí. Tal experiência banal, envolvida em sorrisos e abraços, dá continuidade à sua trajetória, através de diferentes relações, não apenas a partir da própria imagem compartilhada, mas também pela audiência humana que a observa e age sobre ela – com curtidas, comentários e interações que se transformam, inclusive, em metadados associados à publicação –, assim como uma audiência algorítmica capaz de interpretar aquela foto e, neste caso, identificar a presença de duas pessoas sorrindo, em um lugar aberto e com árvores. O relato de si produzido através da prática de selfie vincula-se a um outro múltiplo, capaz de agregar formações material-discursivas que não se limitam a um objeto ou sujeito. A imagem de si dirige-se também a uma audiência algorítmica, capaz de ler e transformar aquela foto em um conjunto textual que será posteriormente lido pelo sistema e ouvido por alguém impossibilitado de vê-la com os próprios olhos. Nesse sentido, a fotografia torna-se, também, uma prática de produção de dados inserida, a partir das ações algorítmicas, em uma lógica do que Lemos e Bitencourt (2017)LEMOS, A.; BITENCOURT, E. Smartbody and performative sensibility in Fitbit devices. Galaxia, v. 1, n. 36, p. 5–17, 2017., por exemplo, chamam de sensibilidade performativa. A prática de selfie, portanto, ultrapassa o momento do abraço – e também ultrapassa a própria imagem e as faces sorridentes –, percorrendo uma multiplicidade de relações, em diferentes emaranhados de subjetividade e materialidade. Ou, para utilizar uma lógica tardiana16 16 O princípio da imitação, para Tarde (1890), relaciona-se diretamente com o social. Toda relação social, ou todo fato social, distingue-se dos outros por ser imitativo. Não há, portanto, um caráter de semelhança – como, por exemplo, em Durkheim (2014) –, mas uma diferenciação pela imitação. Nesse sentido, uma sociedade não é um agregado específico, uma coisa, mas uma imitatividade, uma associação. A continuidade do social, segundo Tarde, dá-se pela imitação. São repetições, imitações que geram diferenças. Apesar de Barad (2007) não citá-lo, sua proposta de perceber a “difração” enquanto fenômeno e simultaneamentete ferramenta de análise – buscando, assim, padrões de diferença ao invés de semelhança – mostra-se bastante próxima da perspectiva sociológica e filosófica de Tarde. (TARDE, 1890TARDE, G. Les lois de l’imitation. Kindle ed. Paris: Collection Etudes, 1890.), trata-se de uma continuidade da experiência desenvolvida através de imitações e repetições que geram diferenças – faces, afetos, dados e algoritmos que se multiplicam, cruzam-se, imitam-se e diferenciam-se entre a praça e as redes sociais.

Considerações finais

Para além dos rastros de produções material-discursivas mais visíveis em uma publicação de uma selfie no Facebook – como hahstags, legendas, comentários, emojis, geotags – identificamos neste trabalho também interpretações das imagens geradas por procedimentos algorítmicos. O objetivo não é pensar o algorítmico em si, mas no contexto de fenômenos sociotécnicos associados a ele (DOURISH, 2016DOURISH, P. Algorithms and their others: Algorithmic culture in context. Big Data & Society, v. 3, n. 2, 24 dez. 2016.); em nosso caso, portanto, percebê-lo enquanto uma audiência que participa de um emaranhado material e discursivo constituidor da prática de selfie.

Tomando como ponto de partida as publicações de selfies registradas com a geolocalização de uma praça, demonstramos relações de sociabilidade e afeto que se materializam de diferentes maneiras e envolvem-se no trajeto de instauração (SOURIAU, 2009SOURIAU, É. Les différents modes d’existence. Paris: Presses Universitaires de France, 2009.) da própria prática. Os rostos sorridentes, vistos nas imagens, tornam-se também closeup e smile; os abraços se multiplicam com as exclamações nas legendas e a expressividade das hashtags; a alegria dos sorrisos forma-se conjuntamente com os textos e dados associados a ela, os comentários dos amigos, os emojis de coração, o people smiling da leitura automática; a experiência fotográfica na praça é também uma experiência partilhada com outros – pessoas, algorítmicos, dados, materialidades digitais diversas.

Argumentamos neste artigo que a selfie, além de se configurar como uma prática relacional, desenvolve-se enquanto um relato de si associado a um outro múltiplo – misturando-se a uma conformação material e discursiva de dados digitais, procedimentos algorítmicos e subjetividade. Não se trata de um tipo de imagem voltada para o próprio sujeito que supostamente a realiza, mas de uma prática de produção de relatos de si – dirigidos sempre a um outro (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.) – que se relaciona, também, com uma audiência algorítmica. Dessa forma, podemos compreendê-la enquanto um aparato (BARAD, 2007BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007.) de práticas material-discursivas de produção de relato de si que se forma na interação entre diferentes materialidades digitais e experiências relacionais – em um emaranhado de audiências algorítmicas, corpos, afetos, metadados, narrativas, intimidades e expressões textuais.

  • 1
    Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no Grupo de Trabalho Comunicação e Cibercultura do XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018.
  • 2
  • 3
    Para estudos sobre selfie com perspectivas diversas realizados por pesquisadores brasileiros, ver livro organizado por Sandra Montardo (2018)MONTARDO, S. P. Selfies: subjetividade e tecnologia. Porto Alegre: Sulina, 2018..
  • 4
    Até o final do artigo, as citações em língua estrangeira terão tradução nossa, com o original em nota de rodapé.
  • 5
    While the easy explanation is that selfies exist as emblems of a narcissistic contemporary culture, a deeper reading of selfies instead provides insight into the relationships between technology, the self, materiality, and networks”.
  • 6
    Para esta análise, escolhemos a Praça Ana Lúcia Magalhães, localizada em Salvador/BA. A proposta é perceber as experiências fotográficas que extrapolam o próprio espaço geográfico – além de transformá-lo em metadado a partir de uma geotag – e conectam-se com a dinâmica da rede social digital. A praça, portanto, torna-se um local que agrega, em usos cotidianos, diversas práticas de lazer – incluindo a prática do selfie. Este trabalho se insere em um projeto de pesquisa mais amplo no qual esta praça é utilizada como ponto de partida para uma investigação etnográfica da prática de selfie.
  • 7
    Período de 18 dez. 2016 a 19 fev. 2017.
  • 8
    Para suporte à análise desenvolvida neste artigo, utilizamos o software de análise e pesquisa qualitativa Atlas.ti.
  • 9
    Mais detalhes sobre a extensão: https://github.com/ageitgey/show-facebook-computer-vision-tags. Acesso em: 8 abr. 2019.
  • 10
    Para mais informações sobre o desenvolvimento do Automatic Alternative Text: https://code.facebook.com/posts/457605107772545. Acesso em: 8 abr. 2019.
  • 11
    Todas as CVT encontradas são: 1 person, beard, child, closeup, cloud, concert, crowd, eyeglasses, hat, indoor, nature, one or more people, outdoor, n people, people sitting, people smiling, people standing, selfie, sky, standing, sunglasses, table, tree.
  • 12
    Todas as imagens inseridas neste texto foram compartilhadas no modo público no Facebook. No entanto, borramos todos os rostos visíveis, com o intuito de preservar a identidade das pessoas.
  • 13
    Utilizamos aqui a tradução oferecida pela edição brasileira (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.) como “relato de si”; no entanto, é importante destacar o sentido mais amplo do termo original “account of oneself”, envolvendo não apenas um significado de relato, mas também de compreensão e cuidado de si, especialmente em termos éticos em uma relação com o outro.
  • 14
    Em termos da relação entre ética e relato de si, Butler (2015)BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. desenvolve o argumento de que certa opacidade do sujeito, ou uma impossibilidade de nos relatarmos por completo para outro, não representaria um “fracasso ético”; pelo contrário, trata-se de algo indispensável para a ética: “A relacionalidade que condiciona e cega esse ‘si-mesmo’ não é, de maneira precisa, um recurso indispensável para a ética?” (BUTLER, 2015BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015., p. 56).
  • 15
    Butler’s theory ultimately reinscribes matter as a passive product of discursive practices rather than as an active agent participating in the very process of materialization”.
  • 16
    O princípio da imitação, para Tarde (1890)TARDE, G. Les lois de l’imitation. Kindle ed. Paris: Collection Etudes, 1890., relaciona-se diretamente com o social. Toda relação social, ou todo fato social, distingue-se dos outros por ser imitativo. Não há, portanto, um caráter de semelhança – como, por exemplo, em Durkheim (2014)DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2014. –, mas uma diferenciação pela imitação. Nesse sentido, uma sociedade não é um agregado específico, uma coisa, mas uma imitatividade, uma associação. A continuidade do social, segundo Tarde, dá-se pela imitação. São repetições, imitações que geram diferenças. Apesar de Barad (2007)BARAD, K. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham & London: Duke University Press, 2007. não citá-lo, sua proposta de perceber a “difração” enquanto fenômeno e simultaneamentete ferramenta de análise – buscando, assim, padrões de diferença ao invés de semelhança – mostra-se bastante próxima da perspectiva sociológica e filosófica de Tarde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2019
  • Aceito
    17 Jun 2020
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